A Sra. Marlon
A Sra. Marlon
Alice estendeu à mão ao talismã, sentindo-o morno ao seu toque. Érika e Nicole estavam maravilhadas, mas Henry mal se atrevia a olhar.
-“Acabou.” – disse Alice – “O talismã foi encontrado e é meu.”
-“Será para sempre.” – completou Nicole.
-“Os outros dois fugiram.” – comentou Érika. – “O que vamos fazer com esse aí?” – e apontou para Henry com um aceno da varinha.
Nicole adiantou-se e tomou a varinha do garoto.
-“Vamos levá-lo conosco. Está na hora de sair daqui.” – disse ela.
Nicole fez Henry se levantar e obrigou-o a andar na frente, sempre com sua varinha apontada para as costas do garoto. Érika a seguiu com Alice ao seu lado. O talismã do sol agora parecia apenas um inofensivo pingente dourado no peito da garota.
-“Terminaram de brigar, afinal?” – perguntou Mlle. Lautrec, flutuando alegremente em torno deles. – “Oh!” – fez ela ao reparar em Alice. – “Mas é o colar do meu Gabriel!”
-“Não mais.” – disse Nicole, rindo da expressão da fantasma.
-“Deveria ser meu, isso sim!” – protestou Monfort.
-“Fica quieto!” – disse Nicole. – “Você sabe que não tem o direito”.
O grupo já havia avançado por grande parte do caminho quando Carlos e Paulo apareceram.
-“Vocês estão bem?” – perguntou Carlos. – “Encontramos Luísa e Pedro na entrada e perdemos um tempão tentando desarmá-los e levá-los para a diretoria.”
-“Estamos ótimas.” – respondeu Nicole – “Veja o que Alice encontrou.”
O rapaz deixou que um largo sorriso iluminasse seu rosto ao observar o talismã e a fênix que a menina carregava.
-“Então você é mesmo a herdeira de Griffindor?” – comentou Paulo. – “Parabéns, McLean, você estava certo.”
Carlos sorriu com modéstia.
-“Acho que nunca fomos apresentados. Sou Paulo Fernandes, às suas ordens.” – disse o rapaz, virando-se para Alice.
-“Alice Elsea, às suas.” – a menina imitou a formalidade dele.
-“Tudo isso é muito legal, muito bonito, mas será que a gente pode sair daqui?” – começou Érika. – “Eu realmente estou precisando de um banho, sabem, e aquela partida de quadribol me deixou com uma fome!”
-“Sim, claro, foi o quadribol.” – riu Nicole.
-“O quadribol e o seu braço arrebentado e que eu concertei.”
-“Caso você não tenha percebido, eu tive que lutar contra um espectro de garras enormes!”
-“Uuuui!” – zombou Érika. – “E eu não tive que lutar contra uma fantasma homicida?”
-“Estam falando de moi?” – perguntou Mlle. Lautrec, aproximando-se das garotas, que continuaram discutindo sem ouvi-la.
Alice, Carlos e Paulo deram de ombros e continuaram caminhando rumo à saída, levando Henry consigo. Alice não conseguia prestar atenção em muita coisa que não fosse seu talismã e a pequena fênix em seus braços. O pássaro emanava um calor aconchegante de seu frágil corpinho, ainda com pedacinhos de ovo grudados em suas penas.
Quando chegaram à porta, a discussão de Érika e Nicole ainda não se arrefecera, e agora Mlle. Lautrec participava dela. Tão distraída que estava, a fantasma nem percebeu quando cruzou o limiar da porta que antes lhe era lacrada. Nicole, contudo, percebeu, e parou a discussão para comentar:
-“Mlle. Lautrec, a senhorita conseguiu! Não está mais presa!” – ela disse, ao que a fantasma parou de chofre e olhou ao seu redor.
-“Livre? Finalmente?” – ela flutuou de um lado a outro, atravessou às paredes à sua direita e à sua esquerda e então subiu em direção ao teto. – “LIVRE!” – gritou ela, sua voz se espalhando pelo casarão.
-“O que aconteceu?” – perguntou Érika, observando a fantasma desaparecer pelo teto.
-“Eu não sei, nunca entendi a magia que a prendia àquela ala dos porões, mas acho que o poder de Alice e do talismã do sol quebrou o encantou.” – opinou Nicole.
Os cinco não pararam para fazer conjecturas por muito tempo. Logo estavam no térreo, onde seu estranho cortejo chamou a atenção de diversos alunos que ali passaram. O grupo não deu atenção aos murmúrios de “é uma fênix aquilo que Alice está segurando?”, “por que McLean não foi receber a taça de quadribol?” e “por que eles estão tão sujos?”, embora Monfort tenha tentado pedir socorro quando um garoto passou a poucos metros e comentou que ele parecia estar sendo mantido refém.
Por fim, o grupo chegou à sala da diretora e a Sra. Marlon recebeu-os – principalmente a Alice – com um tom de educada surpresa. A senhora já era idosa, era alta e magra, tinha um queixo fino que se destacava, apontando para baixo e deixando seu rosto ainda mais comprido. Seus estreitos olhos cinzentos perscrutaram os garotos quando eles entraram.
-“Sr. McLean, Sr. Fernandes, que bom que as encontraram.” – disse ela, fazendo sinal para que eles se aproximassem. Alguma coisa no jeito dela fez Alice sentir arrepios. –“Tudo correu bem, Srta. James?”
-“Sim.” – começou Nicole. – “Apesar das tentativas de Henry para obter o talismã de Gryffindor, sua herdeira de direito o conquistou.”
-“Sua herdeira de direito...” – a Sra. Marlon falou tão baixinho que eles mal puderam ouvi-la. Virou-se para Alice e continuou – “Acredito que esta seja você, Srta. Elsea.”
-“Sim, senhora.” – respondeu Alice, reparando que a diretora fitava diretamente o sol sobre seu peito.
-“E que bela fênix você traz!”
Alice não soube o que responder, e por alguns segundos todos ficaram em silêncio, até que a Sra. Marlon pareceu acordar de sua contemplação quase hipnótica do talismã do sol e adotou um tom mais animado:
-“Muito bem, acredito que estejam todos muito cansados! Humberto, você se importaria de acompanhar o Sr. Monfort até o dormitório da sua casa?” – somente naquele momento os garotos repararam na presença do professor de Herbologia, que estivera parado à certa distância, encostado à uma parede.
-“Sra. Marlon, ele tentou tomar o talismã...”
-“Já entendi essa parte, Srta. James, obrigada.” – a diretora a interrompeu, ríspida. – “Conversarei com os Sr.s Monfort e Almeida e a Srta de La Paje mais tarde. Agora, Humberto, se não se incomoda...”
-“Perfeitamente, Madame.” – disse o professor, lançando um olhar significativo a Monfort e levando-o consigo.
-“Os senhores também devem estar cansados. Podem ir para seus dormitórios, conversarei apenas com a Srta. Elsea agora.”
-“Desculpe, professora, mas nós não vamos a lugar algum.” – disse Érika.
-“Exatamente. Passamos por isso tudo juntos, temos o direito de ficar.” – concordou Nicole.
Carlos e Paulo também estavam irredutíveis.
-“Muito bem.” – suspirou a diretora. – “Sentem-se.”
Duas confortáveis cadeiras forradas com couro negro se materializaram, somando-se às já existentes e proporcionando lugar aos cinco. A Sra. Marlon sentou-se à cadeira de espaldar alto do outro lado da mesa e pediu:
-“Muito bem, agora me contem o que aconteceu.”
Nicole fez menção de começar, mas Alice se adiantou:
-“Carlos percebeu que eu era a herdeira de Gryffindor, professora.” – disse a menina. – “Na verdade, Érika e eu entreouvimos algumas conversas de Nicole com Henry, e foi assim que acabamos envolvidas nessa história...”
Ela continuou, narrando os principais acontecimentos do ano, mas omitindo alguns fatos e detalhes, como a presença de uma terceira pessoa na sala do baú, além dela e de Henry, e como ela achava que tinha sido vítima de um feitiço que a obrigara a fazer o que não queria. Omitiu também algumas informações sobre Mlle. Lautrec e sobre Alexandre. Alice não queria que o amigo fosse procurado posteriormente para ser interrogado. A Sra. Marlon ouvia com atenção, como se pretendesse memorizar cada palavra.
-“Impressionante.” – disse a bruxa, quando Alice terminou seu relato. – “Pelo que eu pude entender os senhores realizaram uma magia muito avançada para alunos do primeiro ano, ainda que poderes extraordinários em magia sejam esperados de portadores de talismãs.” – ela fez uma pausa, seu olhar percorrendo os cinco à sua frente. – “Os talismãs dos astros estavam perdidos há séculos, à exceção, é claro do talismã da Srta. James. Foi um grande feito dos senhores os terem recuperado.”
-“O mérito foi todo de Alice, Nicole e Érika, professora.” – disse Carlos, com sinceridade.
-“Não negue sua participação, Sr. McLean.” – interferiu a diretora. – “Sei que ela foi essencial para o bom resultado que obtivemos.”
-“Mas professora, e quanto a Monfort?” – perguntou Érika, incapaz de se conter. – “Quero dizer, os amigos dele nos atacaram, e ele tentou tomar o medalhão de Alice!”
-“Não se preocupe, Srta. Marinho, cuidarei de Sr. Monfort mais tarde.” – começou a Sra. Marlon – “Muito interessante essa fênix, Srta. Elsea.”
Alice não respondeu, apenas sustentou o olhar que a diretora lhe lançava, tentando compreende-lo. Por fim, a Sra. Marlon adotou um tom mais amigável, ainda assim um tanto assustador pelo modo como pronunciava as palavras.
-“Já pensou no nome que vai dar a ela?”
-“Ainda não.”
-“Bem, suponho que a senhorita ainda terá muito tempo para isto, já que uma fênix somente morre quando seu dono também morre.”
Alice não gostou do tom enigmático da professora.
-“Professora, por que os talismãs se transformam em armas?” – perguntou Érika.
-“Ah, isso é uma longa história!” – ela suspirou – “Os talismãs não eram originalmente armas, mas foram transformados nelas para a própria defesa de seus portadores, já que possuir um talismã provocava a cobiça daqueles que não possuíam.”
A diretora fez uma pausa. Um único pio da fênix cortou o ar antes que ela concluísse:
-“Nós teremos tempo de conversar sobre esses e outros assuntos no futuro. Agora, imagino que vocês estejam muito cansados. Não se esqueçam de manter os acontecimentos de hoje em segredo, contudo.”
Encarando aquelas palavras como uma dispensa, os garotos concordaram e saíram.
-“Sala comunal de Esmeralda?” – sugeriu Nicole, e os demais a seguira.
Chegando à confortável sala decorada em verde, eles desabaram sobre as fofas poltronas, completamente exaustos. Alice encarou o sol que ainda carregava e concentrou-se para fazê-lo desaparecer. Precisava poupar suas energias.
-“Essa fênix é muito maneira!” – entusiasmou-se Érika, inclinando o corpo na direção da amiga. – “Será que eu posso pegar?”
-“Pode.” – Alice estendeu-lhe o pássaro, devagar. Antes que Érika pudesse tocá-lo, porém, a ave começou a berrar a plenos pulmões. Era um berro agudo e agoniante, que fez os estudantes das outras mesas protestarem.
Alice puxou a fênix novamente para si, aninhando-a em seus braços. Os berros cessaram.
-“Parece que ela não gosta de ser separada da ‘mãe’.” – comentou Carlos, divertido.
-“Ela acha que eu sou a mãe dela?”
-“Não sei, mas você ouviu o que a Marlon disse, o vínculo entre uma fênix e seu guardião dura até a morte. Inclusive, o contato com a fênix garante que o guardião tenha uma vida mais longa do que uma pessoa normal.” – explicou Carlos.
-“Você disse guardião, Marlon disse dono...” – comentou Alice, mais para si própria do que para os outros.
-“Um equívoco comum.” – começou Carlos. – “A verdade é que não se pode ser dono de uma fênix, assim como não se pode ser dono de um talismã. Você pode apenas ser o guardião pelo tempo que a fênix ou o talismã permitirem.”
-“Eu realmente não me sinto dona dela.” – Alice passou a mão pela cabeça da ave com delicadeza. – “Sinto que não tenho esse direito.”
Os garotos ficaram observando a pequena fênix fechar os olhos e adormecer no colo da menina.
-“Engraçado, Monfort disse que, se eu entregasse o talismã como se fosse um presente, o sol seria dele. E agora você me diz que eu somente serei a guardiã enquanto o talismã permitir.”
-“Você está certa, Alice. E Carlos também.” – disse Nicole. – “As duas únicas maneiras de perder seu talismã são: entregá-lo de boa vontade a alguém, ou se o próprio talismã decidir deixá-la.”
-“E por que ele decidiria isso?” – perguntou Érika.
-“Se for utilizado de maneira incorreta, ele pode rebelar-se.” – explicou Nicole.
-“Se for usado pra fazer o mal?”
-“Não, Érika. Talismãs não entendem nada sobre bem e mal, certo e errado. Esses conceitos são típicos dos humanos. A única coisa que um talismã entende é o poder.” – disse Nicole.
-“Não se sabe exatamente o que faz um talismã deixar seu guardião. Na verdade, há pouquíssimos casos registrados desse fenômeno.” – disse Carlos.
-“Eu não disse à Marlon,” – Alice olhava para baixo – “mas alguma coisa estava me dizendo para entregar o talismã à Henry. Alguma força que eu não conseguia resistir e que somente parou quando a fênix nasceu.”
-“Você deve ter sido vítima de algum feitiço.” – opinou Paulo. – “Uma trapaça suja de Monfort.”
-“Não acho que tenha sido ele. Havia uma voz diferente na minha cabeça. Acho que havia mais alguém lá.”
Os cinco se entreolharam, surpresos.
-“E por que você não disse isso para a Marlon?” – perguntou Érika.
-“Eu não sei. Tive uma sensação ruim perto dela.”
-“Entendo o que você quer dizer, eu mesma sinto isso algumas vezes.” – começou Nicole. – “Mas Jéssica Marlon é uma das bruxas mais poderosas da atualidade, e um aliada valorosa. Acho que essa sensação tem a ver apenas com o poder que ela emana.”
-“Pode ser.” – Alice concordou, mas não sem relutância. – “Você tinha dito que o talismã do sol teria uma parte física além da espiritual. Essa parte física é a fênix?”
-“Não sei. Isso é muito estranho, porque é raro um ser vivo ser a parte material de um talismã. Eu realmente não entendi muita coisa do que aconteceu hoje.”
Eles ficaram em silêncio por um momento. Alice pensou sobre as palavras de Nicole, até que a garota se levantou:
-“Bem, acho que não há mais nada que possamos fazer hoje. As guardiãs da luz estão de volta e isso ainda nos causará muitos transtornos, mas por agora, estamos bem.”
-“Guardiãs da luz?” – Érika estava intrigada.
-“Vocês três.” – disse Carlos, indicando à ela, Nicole e Alice com um gesto. As meninas não puderam evitar um sorriso.
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