Primeiros dias
Primeiros dias
O Salão Principal estava vazio quando Alice chegou, o que era perfeitamente compreensível, já que o sol acabara de nascer. Faltava cerca de uma hora para que o café-da-manhã fosse servido, mas ela não conhecia bem o casarão e tinha medo de se perder se saísse para explorá-lo. Optou por ficar no salão, sentada quase na ponta da mesa de Rubi, escrevendo uma carta para sua mãe.
Ela já estava lá há cerca de meia hora quando os primeiros estudantes começaram a aparecer. Primeiro, um grupinho de alunos de Ametista, depois uma garota de Safira acompanhada de dois meninos de Esmeralda e, por fim, Carlos.
-“Bom dia!” – disse o garoto, sorrindo.
-“Bom dia!” – respondeu Alice, um tanto surpresa – “Não sabia que você também acordava cedo!”
-“Cedo?” – ele olhou para as janelas que dava para o Oeste. Não se via quase nada, pois o sol estava nascendo do outro lado do casarão. – “Ah, sim, suponho que seja um pouco cedo para estar acordado. Mas e você? Parece que já está aqui há algum tempo...”
-“Não muito.” – disse ela, num eufemismo – “Estou escrevendo para minha mãe, mas não tenho coruja, você sabe como faço para enviar a carta?”
-“Temos um corujal no último andar, após o café-da-manhã eu lhe mostro onde fica!”
-“Obrigada!”
Os dois ficaram em silêncio por um tempo, enquanto Alice terminava de escrever sua carta. Aos poucos, mais alunos foram chegando e o salão começou a encher. O burburinho das conversas aumentava cada vez mais. Soltando a pena, a menina olhou ao seu redor e viu que muitos alunos de casas diferentes sentavam-se juntos nas mesas.
-“Por que nem todo mundo se se senta à mesa de sua própria casa?” – ela observava três garotas de Esmeralda e duas de Rubi sentarem-se há pouca distância dela própria.
-“Aqui em Amgis as pessoas não ligam muito para a divisão por casas.” – explicou Carlos – “Só nos sentamos nas mesas certas no que chamamos de ‘Cerimônias Oficias’, como a abertura do ano letivo, por exemplo.”
-“Então todos são amigos de todos por aqui?”
-“Não é bem assim! Veja o pessoal de Ametista, eles procuram não se misturar com as outras casas, se são amigos de alguém, esse alguém tem 90% de chance de ser de Esmeralda. Já nós de Rubi geralmente somos mais amigos do pessoal de Safira.”
Alice olhou para a mesa imediatamente à sua frente. A mesa de Safira era a mais vazia do salão, já que os componentes daquela casa não tinham o costume de serem muito pontuais.
Distraída com seus pensamentos, Alice levou um susto quando a comida do café-da-manhã se materializou na sua frente. Carlos riu da expressão de espanto da garota.
-“Sirva-se!” – disse ele, sorrindo.
Já estavam na metade da refeição quando a Srta. Jacobs começou a distribuir os horários das aulas aos estudantes de Rubi.
-“Srta. Dantas, o que está fazendo fora da mesa de sua casa? Eu tenho a impressão de que esse broche verde no seu laço diz que, há três anos, a sombrinha a selecionou para Esmeralda, não para Rubi!” – disse a professora a uma garota, que se levantou com uma aparência contrariada e voltou para a mesa de sua casa. – “Essa mania que vocês têm de se misturarem nas mesas das casas só atrapalha para a entrega dos horários!”
Ao ouvirem isso, vários estudantes se levantaram constrangidos.
-“Sr. Naves!” – gritou a Srta. Jacobs – “O que o senhor está fazendo na mesa de Safira?” - E lá foi a professora ralhar com um garoto do quinto ano.
Foi naquele momento que Érika apareceu.
-“Oi Alice! Belo dia, não?” – disse ela, sentando-se. – “Me disseram que ninguém liga muito para as mesas das casas por aqui, então resolvi fazer uma visita! Já recebeu seu horário de aulas?”
Alice negou com a cabeça, enquanto a amiga servia-se de bolo.
-“Alice Elsea!” – chamou a Srta. Jacobs.
A menina ergueu a mão, a professora aproximou-se, entregou-lhe o horário das aulas e saiu sem olhar a garota nos olhos.
-“Ela está tão estranha! Quando a conheci, ela era mais animada.” – falou Alice à Carlos e Érika. Em seguida contou-lhes como conhecera a professora, como ela tinha um jeito alegre e como falava sem parar. Depois falou da súbita mudança da Srta. Jacobs após as duas visitarem a Sra. Mattos para usar a passagem de mirflu.
-“Você disse que depois de usarem a passagem de mirflu ela não quis mais olhar você nos olhos?” – perguntou Carlos, Alice confirmou.
-“Você disse também que ela demorou em chegar ao ‘The Witch’s House’, e se a Sra. Mattos tiver dito alguma coisa à ela sobre você?” – Érika supôs.
-“Mas a Sra. Mattos não sabe nada sobre a minha vida!”
-“Isso é realmente muito estranho, mas acho que não há motivo para preocupação! Vamos, veja o seu horário!” – pediu Érika.
Alice mostrou seu papel à garota, que sorriu.
-“Temos Trato de Criaturas Mágicas juntas! Estou muito curiosa em relação à essa matéria, minha mãe me disse que era a favorita dela quando estudava em Amgis.”
Érika teria continuado a falar, mas foi interrompida por uma revoada de corujas. Os pássaros entravam por clarabóias abertas no teto, pousando nas mesas e espalhando penas por todos os lados.
-“O correio-coruja.” – disse Carlos, consultando seu relógio. –“Bem na hora!”
Uma coruja parou em frente ao garoto, trazia um jornal intitulado “O Cacique”. Carlos pagou a entrega colocando uma moeda na bolsinha de couro que a coruja carregava e mergulhou na leitura do jornal.
Uma outra coruja parou em frente à Érika, trazendo um envelope vermelho. Intrigada, a menina pegou o papel e viu que o remetente era sua mãe.
-“Cuidado com isso, é um berrador!” – alertou-lhe Carlos, dando uma rápida espiada por cima de seu jornal . – “Abra logo, se não explode!”
Tremula, Érika abriu o envelope, que imediatamente começo a gritar:
-“ÉRIKA NOGUEIRA MARINHO, O QUE A SENHORITA PENSOU QUE ESTIVESSE FAZENDO?” – era a voz da Sra. Marinho, magicamente ampliada. –“PENSEI QUE ESTIVESSE SIDO BEM CLARA QUANDO LHE DISSE QUE DEVERIA ME ESCREVER ASSIM QUE CHEGASSE! VOCÊ NÃO IMAGINA O MEDO QUE SENTI QUANDO VI QUE TINHA AMANHECIDO E SUA CARTA NÃO HAVIA CHEGADO! NA PRÓXIMA VEZ QUE A SENHORITA ME ASSUSTAR DESSE JEITO, MANDAREI ESGAROTH PARA TOMAR CONTA DE VOCÊ! ABRA O OLHO!” - Terminada a mensagem, o berrador consumiu-se em chamas.
O Salão Principal inteiro olhava para Érika, cujas faces estavam em fogo e os olhos cheios de lágrimas. Várias pessoas riam, principalmente os alunos de Ametista e de Safira. Alice revoltou-se, não entendia como eles podiam rir de alguém de sua própria casa.
Naquele instante, toda a comida desapareceu, era o sinal de que faltavam dez minutos para o início das aulas, e todos os alunos começaram a se levantar. Porém, antes que a massa de alunos bloqueasse a saída, Érika levantou-se e saiu correndo. Alice, recolhendo a carta que escrevera e murmurando um “a gente se vê depois” para Carlos, saiu atrás dela.
Saindo do salão, passando pela entrada e correndo pelo gramado, Alice só alcançou Érika quando esta parou, encostada a uma árvore que ficava próxima aos estábulos.
-“Você é rápida!” – comentou Alice ao aproximar-se.
-“Me deixa em paz!”
-“Hei, vá com calma! Eu só quero ajudar...”
-“Não preciso da sua ajuda!” – Érika agora chorava, sem se preocupar em esconder as lágrimas. –“Pode voltar para lá, se juntar aos outros para rirem de mim!”
-“Eu não estava rindo de você, nem pretendo começar! Escute, foi só uma carta da sua mãe, escreva para ela de volta e tudo ficará bem!”
-“Você já recebeu uma carta da sua mãe que berrava para centenas de pessoas ouvirem?”
-“Não, mas acho que um começo de ano em uma escola nova, sem um mico, não tem graça nenhuma!” – falou Alice, ao que a outra sorriu. –“Pelo menos agora você já é bastante popular, não tem como alguém não saber o seu nome!”
O sorriso de Érika aumentou, Alice sorria também.
-“Vamos para a aula, temos que arranjar um mico para mim também. A propósito, quem é Esgaroth?”
Érika corou.
-“É o gato persa da minha mãe.” – respondeu baixinho.
As duas estavam saindo de perto da árvore quando ouviram duas vozes se aproximando.
-“Tem certeza de que ninguém nos ouvirá por aqui?” – disse uma voz de garota.
-“Claro que tenho!” – respondeu um garoto. – “A maioria das pessoas está em seus dormitórios, buscando os livros para a primeira aula.”
-“Ótimo, pois o que tenho a dizer é extremamente importante, além de secreto!”
Ao ouvirem aquilo, Alice e Érika se sobressaltaram. Uma fez sinal para a outra para que se escondessem atrás da parede lateral dos estábulos, e assim fizeram.
-“Vamos dar a volta no galpão e sair pelo outro lado.” – cochichou Érika. –“O que quer que esses dois precisem conversar, nós não precisamos ouvir!”
Alice concordou, mas naquele momento, o garoto e a garota haviam chegado até a árvore e Alice viu que se tratava de Henry Monfort e Nicole James.
-“Espere!” – sussurrou para Érika. –“Eu preciso ouvir o que eles vão dizer.”
Assim, as duas se abaixaram e ficaram bem quietas, prestando atenção em cada movimento de Henry e Nicole.
-“Você me deixa curioso, apesar de eu já ter uma idéia de qual possa ser o assunto que você quer tratar comigo.”
-“É mesmo?” – a voz de Nicole soava incrédula. – “Sobre o que você imagina que seja esse assunto?”
-“Não se faça de boba!” – disse o garoto. – “Você é uma James e sabe melhor do que ninguém que sua família é muito conhecida por suas inúmeras tradições, assim como a minha, portanto, temos assuntos em comum.”
Nicole soltou uma risada sarcástica.
-“Isso o que você está me dizendo não passa de enrolação! Você não tem a mínima idéia nem da natureza, nem da importância do assunto. Sendo assim, você joga para o lado do lugar-comum da questão, falando coisas que qualquer um poderia deduzir pelo simples fato de nos ver conversando.” – Henry arregalou os olhos, Alice e Érika entreolharam-se. –“Mas isso não tem importância, com o tempo vou ensinar-lhe a ter mais cautela e a pensar antes de falar.”
Ela fez uma pausa, olhou ao redor, como se tivesse a impressão de estar sendo observada, mas aparentemente afastou essa hipótese da cabeça, pois continuou:
-“Já ouviu falar disso?” – perguntou, puxando um cordão prateado de dentro da blusa. O que estava na ponta do fio, Alice e Érika não puderam ver.
A expressão de Henry foi do mais profundo espanto.
-“Então você tem o...”
-“Sim, eu o tenho!” – Nicole tinha um tom orgulhoso na voz, quase triunfante. –“O que preciso lhe dizer, meu caro Monfort, é que existe a possibilidade de que você também tenha um destes!”
-“Pensei que fosse apenas uma lenda tola.”
-“Não meu caro, definitivamente não é uma lenda, é real.”
Ele abriu um largo sorriso. Alice e Érika podiam ver o reflexo prateado em seu rosto, projetado pelo objeto que Nicole lhe mostrava.
-“Espere um pouco.” – disse Henry, fechando a cara de repente. – “Minha família não tem esse tipo de tradição, e todos dizem que estes objetos são passados pelo sangue. Se é assim, como posso possuir um?”
-“Griffindor escolheu não passar o seu pelo sangue, e sim pelo espírito.”
O rosto do garoto ficou mais uma vez radiante.
-“Então você acha que eu tenho o espírito de Gabriel Griffindor?”
-“Existe uma grande possibilidade.”
Érika soltou um gritinho de espanto, Henry e Nicole se sobressaltaram.
-“Tem alguém por perto!”
-“Eu sei, idiota, me ajude a encontrar quem quer que seja!” – ordenou a garota.
Enquanto os dois olhavam ao redor da árvore, Alice e Érika saíram correndo, contornaram os estábulos e chegaram em frente ao lugar marcado para a aula de Trato de Criaturas Mágicas.
Nicole olhou atrás da parede do galpão, mas não viu ninguém. Irritada, preparava-se para ralhar com Monfort, quando olhou para o chão e encontrou uma pena de escrever. Sorrindo, com um plano em mente, ela voltou-se para o garoto e fez um sinal para que ele a acompanhasse à aula.
-“Perdi minha pena!” – falou Alice, quando ela e Érika se juntaram ao grupo de alunos que esperava pelo professor, em frente ao estábulo número três.
-“Não se preocupe, voltaremos lá depois e a encontraremos!” – Érika disse baixinho, ao ver Nicole e Henry se aproximarem.
Naquele momento, o professor surgiu em frente à turma, e os poucos que ainda conversavam se calaram.
-“Bom dia a todos, sou o professor Aloísio d’Angelo e serei seu mestre em Trato de Criaturas Mágicas!”
O Sr. d’Angelo era um bruxo alto, que aparentava ter algo entre 45 e 50 anos. Tinha uma barba curta, porém espessa, e cabelos muito negros, mas com duas entradas começando a formar-se.
-“Como hoje é nosso primeiro dia e não temos aula dupla, não lhes mostrarei nenhum animal mágico hoje.” – alguns alunos soltaram um ‘aahh’ de desapontamento, ao que o professor fez um gesto pedindo que se calassem. – “Hoje nós vamos para o estábulo número três, que é onde teremos nossas aulas de teoria. Acompanhem-me, por favor.” – o professor virou-se e, com o auxílio de uma imensa chave, abriu a porta do estábulo número três.
Era um lugar espaçoso, com chão de terra batida e cheiro de feno, mas muito limpo e arrumado, com carteiras enfileiradas e um enorme quadro negro pendurado na parede ao fundo. Após os alunos terem se sentado, o professor fez a chamada, que foi acompanhada de cochichos ao nome de Nicole James e Henry Monfort, e risadas abafadas ao nome de Érika Marinho. Quando terminou, o Sr. d’Angelo fez um aceno com a varinha e a matéria do dia apareceu sobre o quadro, imediatamente, os alunos começaram a copiar.
-“Sim, Srta. James?” – perguntou o professor, ao ver a mão de Nicole erguida.
-“Eu encontrei esta pena,” – disse a garota –“gostaria de saber se é de alguém desta turma.”
Alice arregalou os olhos, era a sua pena.
-“Professor!” – disse Érika, ao ver que ele se adiantou e pegou a pena da mão de Nicole.
-“Srta. Marinho, esta pena é sua?”
Érika abriu a boca para falar, mas Alice conseguiu chutar a amiga por baixo da mesa bem há tempo, o que a fez desistir.
-“Pensei que fosse, mas não.” – Érika disfarçou.
Alice suspirou aliviada, Nicole sorria ao ver a cena.
-“Acredito que não seja de ninguém desta turma.” – concluiu o Professor d’Angelo – “Fique com ela para você, Srta. James.”
-“Obrigada, professor.”
Ao final da aula, afastando-se do restante dos alunos, Érika perguntou a Alice:
-“Porque você não me deixou dizer que a pena era sua? Eu ia recuperá-la para você, pensei que era o que você queria.”
-“Eu realmente queria minha pena de volta, mas você não viu que Nicole só fez aquilo para descobrir quem a estava espionando? Se disséssemos que a pena era minha, ela saberia que nós escutamos toda a sua conversa com Monfort!”
-“Tem razão! Será que ela percebeu quando você me chutou?”
-“Espero que não, mas não importa agora, vamos voltar para o casarão, ainda temos que descobrir onde ficam as salas das nossas próximas aulas.”
-“Certo,” – concordou Érika – “mas enquanto isso, você vai ter que me explicar porque queria tanto ouvir àquela conversa!”
-“Olá garotas! O que acharam de nossa primeira aula?” – era Alexandre. A explicação de Alice teria que ficar para depois.
Chegando ao casarão, as duas conseguiram se livrar de Alexandre por tempo suficiente para combinarem que ficariam de olho em Nicole e Henry, já que Alice teria aula de Feitiços com os alunos de Ametista, e Érika teria Transfiguração com os de Esmeralda.
-“Teremos Poções juntas logo em seguida, então veremos como andam as coisas.” – disse Alice, vendo Érika concordar e seguir para a ala Leste.
* * *
Ao final da segunda aula, as duas encontraram-se em frente à escada que levava aos porões, onde seria a aula de Poções.
-“Como foi a aula de Transfiguração? Morro de curiosidade de saber como são as aulas da Srta. Jacobs!” – Alice foi logo perguntando.
-“Ela fala muito rápido! Mas então, você descobriu mais alguma coisa?”
-“Não vi Monfort fazer nada suspeito durante Feitiços.”
As duas começaram a descer as escadas. Érika informou que não tinha mais novidades sobre o comportamento de Nicole e as duas resignaram-se ao que já sabiam.
-“Por que você queria tanto ouvir àquela conversa?” – começou Érika –“E porque você não quis contar ao Alexandre o que ouvimos?”
-“Acredite em mim, agora não é uma boa hora! Tenho o palpite de que devemos ficar de olho em Henry e Nicole, e isso vai ter que ser o suficiente para nós, por enquanto. Você está comigo ou não?”
-“Estou!” – Érika respondeu sem piscar.
Quando os alunos entraram na sala de Poções, uma atmosfera sombria e enevoada aguardava por eles. As mesas eram grandes o bastante para que se trabalhasse em trios, e assim, Alice, Érika e Alexandre sentaram-se juntos.
-“Bom dia a todos!” – disse uma voz melodiosa. –“Acredito que os outros professores já lhes deram as boas vindas, mas considero indispensável passar-lhes algumas regras de conduta que nortearão nossos trabalhos ao longo desse ano letivo.”
Os alunos viravam a cabeça para todos os lados, tentando ver de onde vinha a voz, mas não encontravam ninguém além de seus próprios colegas.
-“Número um: quando eu falar, não quero que ninguém fale ao mesmo tempo; número dois: nossas aulas duplas serão dedicadas à prática do preparo de poções, as demais, como hoje, serão aulas teóricas. Em ambas vocês devem trazer seus livros de poções, mas as ervas e os demais ingredientes somente serão necessários nas aulas duplas. Por último, teremos duas provas esse período, assim como todas as outras matérias, os pesos das avaliações estão no quadro-negro.” – ela fez uma pausa –“Alguma pergunta?” – disse, finalmente revelando-se.
Praticamente todos os alunos levantaram a mão. A professora, uma bruxa loura de aparente meia-idade e ar severo, contemplou os alunos por alguns segundos antes de apontar para Alexandre:
-“Sim?”
-“Bom,” – começou o garoto, meio tímido –“eu só queria saber se a senhora poderia nos dizer seu nome.”
-“Me chamo Débora Eleonora Fernandes, Sra. Fernandes para vocês. Sim, querida?”
-“Eu não entendi o que a senhora quis dizer com ‘pesos das avaliações’.” – disse uma menina ruiva, quando a professora apontou para ela.
-“Vejo que, novamente, meus colegas se esqueceram de lhes falar sobre o sistema avaliativo de Amgis.” – ela suspirou – “Pois bem, o ano letivo em nossa escola é dividido em quatro períodos, nos quais vocês devem obter notas acima da média, que é 5,0, para ‘passarem’ de ano. Em cada período vocês farão duas provas, uma teórica e outra prática, que somarão pontos para compor sua média. Cada uma dessas provas terá um ‘peso’, que pode variar de acordo com a matéria, por exemplo, em Poções, esse período, a prova teórica valerá 60% de suas notas e a prova prática 30%. Os outros 10% serão pontos da chamada ‘avaliação formativa’, ou seja, freqüência às aulas, deveres em dia, postura adequada em sala, etc. entenderam?”
Os alunos, mudos, limitaram-se a acenar com a cabeça.
-“Ótimo!” – disse a professora, enérgica –“Copiem a matéria que está no quadro para que eu possa lhes explicar.”
-“O que acharam dela?” – perguntou Alexandre, cinco minutos depois, quando todos copiavam um enorme texto intitulado ‘Ervas do Sol’.
-“Ela é...exigente.” – respondeu Alice, medindo as palavras.
-“Ela é uma megera!” – disse Érika, sem o menor tato. Alice e Alexandre sufocaram o riso.
-“Quero o nome dos três!”
Eles ergueram a cabeça, a professora os encarava severamente.
-“Alice Elsea, Érika Marinho e Alexandre Marques.” – disse o garoto, enquanto a Sra. Fernandes tomava nota em seu diário de classe.
-“Que belo começo de ano, não?” – disse ela, erguendo as sobrancelhas para os garotos.
Alguns alunos riram.
-“Também querem perder pontos?” – falou a professora, fazendo-os calar. –“Muito bem, esse ano nosso assunto será Ervas do Sol. Alguém sabe me disser o que são?”
A mão de Alexandre ergueu-se no ar com surpreendente velocidade.
-“Sim, Sr. Marques?”
-“São ervas mágicas cujas propriedades são acentuadas quando colhidas ao sol.”
-“Sua resposta está certa, mas não está completa.” – disse a Sra. Fernandes, com sua voz melodiosa –“Ervas do sol são ervas que só apresentam propriedades mágicas quando colhidas sob o sol do meio-dia. Sim, srta. Elsea?”
-“Professora, no texto que acabamos de copiar não consta essa informação...”
-“Eu sei.” – disse ela, sorrindo – “Esse texto contém os dez erros mais comuns cometidos por bruxos em relação às ervas do sol. Sua tarefa é ler o primeiro capítulo do livro-texto para poder corrigir o que vocês copiaram. Podem começar!”
* * *
-“Que belo começo de ano, não?” – disse Érika, com voz de falsete, enquanto servia-se de batatas assadas – “Não sei como vou agüentar um ano inteiro com essa mulher!”
-“Acalme-se, foi só o primeiro dia. Ao longo do tempo você vai se acostumar.”
-“Não sei Alice, acho que vai ser bem difícil.”
A outra deu de ombros.
-“Você quem sabe.” – concluiu.
-“Ei, Alice!” – disse Alexandre – “Aquele não é seu amigo do segundo ano?”
A menina ergueu os olhos. Da entrada do salão, Carlos lhe acenava.
-“Nossa, esqueci! Ele tinha prometido me mostrar onde fica o corujal.”– disse ela, acenando de volta –“Vou até lá, nos encontramos depois!”
-“Sem problemas!” – falou Érika – “Mais tarde, você me mostra o lugar, preciso responder o berrador que mamãe mandou.”
Alice acenou com a cabeça, levantou-se e saiu. Érika parou de comer por um momento. Com a cabeça apoiada nas mãos ela observava os demais alunos que almoçavam, misturados nas mesas das casas.
-“Um nuque por seus pensamentos” – a voz de Alexandre a despertou de seus devaneios.
-“Um nuque? Achei que eles valiam, pelo menos, um galeão!” – sorriu a garota. – “Mas não importa, eu só estava olhando as pessoas. A propósito, você viu Smaug?”
-“Seu gato? Não o vejo desde ontem à noite, por quê?”
-“Porque eu também não o vejo desde ontem e estou começando a me preocupar.”
-“Relaxe! Ele deve aparecer em breve!”
A garota deu um sorriso fraco, não estava tendo um primeiro dia de aula dos mais empolgantes.
* * *
À noite, sentadas a um canto da sala comunal de Safira, tendo descoberto que, em Amgis, ninguém se importavam muito em ter pessoas de outras casas em suas salas comunais, Alice e Érika repassavam os acontecimentos do dia.
-“Certo, me explique isso de novo, você disse que viu Nicole James na livraria do ‘The Witch’s House’ ?
-“Sim! Ela estava com seu pai, acho, um homem severo e muito rude. Mas o essencial é que ele viu que ela estava carregando algo no pescoço e a mandou esconder o que quer que fosse.”
-“Alice, você viu o que era?”
-“Não.” – Alice olhou para o chão, desapontada.
As duas ficaram em silêncio por um momento, até que Alice ouviu um miado que a sobressaltou.
-“O que foi?” – perguntou Érika.
-“Foi só um gato.” – e vendo o bichano se aproximar, concluiu – “É o seu gato, Érika!”
-“Smaug!” – exclamou a garota, enquanto o gato siamês pulava em seu colo, miando. –“Você me deixou tão preocupada! Não suma nunca mais, está ouvindo?”
Em resposta, ele soltou um miado baixo. Depois, acomodou-se no colo da dona, que começou a coçá-lo atrás da orelha.
-“Foi por isso que eu quis ouvir a conversa entre Nicole e Henry.” – falou Alice, retomando o assunto.
-“Bom, se você acha que devemos ficar de olho neles, então ficaremos! Mas o eles podem estar tramando de tão importante?”
-“Não faço idéia, não faço idéia.” – Alice balançou a cabeça. O silêncio caiu novamente entre elas.
Nos dias que se seguiram, elas nada descobriram de novo a respeito de Nicole e Henry. Aula após aula, a semana foi chegando ao fim e o sábado trouxe consigo a primeira aula de quadribol dos alunos do primeiro ano.
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