Caput II



Caput II
O Presente


Londres, 9 de Abril de 1656.


Era fato, que mesmo que eu continuasse revirando-me na cama, não pegaria no sono novamente. A claridade perturbava minhas pálpebras ainda fechadas. Eu podia jurar que a janela estava aberta, do contrário o canto dos pássaros não seria demasiado audível. Tudo o que eu almejava era ser capaz de ignorar o mundo de intervenções a meu redor e voltar a meu descanso, mas é claro que não foi o que prosseguiu. Minha tão desejada paz foi absolutamente extinta quando senti uma pequenina mão balançar gentilmente meu ombro.
- Miss Virgínia? – Ecoou a voz. Como um sussurro receoso.
Virei-me na direção de onde o som da voz vinha e abri meus olhos para encarar Amelie. Amelie era a pessoa que ajudara minha mãe; quando ela estava a minha espera; que fez o meu parto e me acompanhou durante toda vida. Ela fora empregada de minha família desde que meus pais se casaram – muito antes de meu pai se tornar ministro – sempre ajudando em tudo, relacionado a casa e as pessoas da família – que era constituída por papai, mamãe, eu e meus seis irmãos – gostávamos de dizer que ela era como nossa segunda mãe, mas para mim ela era mais que isso, era minha fiel escudeira. Claro que mamãe era – e sempre seria – minha melhor amiga, mas com Amelie era diferente. Ela não era minha mãe apesar de tudo. Eu a via como alguém que eu podia contar meus sonhos mais loucos, meus segredos... Alguém que estaria sempre disposta a me ajudar. Fosse no que fosse.
- Amelie, quantas vezes já lhe pedi para não me chamar de miss? – Suspirei olhando para a janela, mas meus olhos congelaram em uma enorme pilha de presentes. Um flash de realidade passou pela minha cabeça. – Hoje é meu aniversário!
- Sim, minhas felicidades miss Virginia! – O rosto bondoso de Amelie formou um sorriso luminoso.
- Você não desiste não é? Chame-me de Virginia! Ou vou ter que chama-la de Mrs Amelie? – Ergui minha sobrancelha em desafio. Levei anos de minha existência dedicando-me a ensinar Amelie a chamar-me apenas de Virginia; e parece que ainda teria muito que progredir. Ao menos não se dirige mais a mim como Miss Weasley. Por Merlim, onde já se viu uma criança ser tratada pelo sobrenome e ainda com a palavra miss fazendo o papel de prefixo?
- Oh! Mrs Amelie me parece algo um tanto quanto... Ultrapassado! – E sua bondosa face contorceu-se em uma expressão repentina de horror.
- Você quer dizer velho demais. – Acusei-a. – Eu não gosto que me chame de miss por ser um termo formal. Amigos não se tratam com formalidade.
- Sim, eu sei. É apenas hábito. – Defendeu-se.
- Eu vou ajudá-la a se livrar de seus maus hábitos querida Amelie. – Disse por fim e beijei-a nas maças do rosto. – Não quer me ajudar a desembrulhar os presentes?
Fomos em direção a pilha desorganizada de caixas. Gostei de todos os presentes que recebi; em especial os de minha família e dos amigos mais íntimos; também recebi diversas cortesias provindas do ciclo social de meu pai, mas estas não estavam nem perto de serem minhas prediletas. Eram somente objetos. Não traziam nenhum sentimento verdadeiro ou positivo talvez. Mais um embrulho em especial roubou minha atenção. Era um embrulho muito bem feito em seda extremamente negra e brilhante. Sem sinal de cartão ou similares.
- Amelie, sabe quem fez a gentileza de enviar-me este agrado? – Indaguei curiosa.
- Infelizmente não mis... Virginia! – Corrigiu-se depressa. Não mais a perturbaria com isso. Quem sabe no mais tardar do dia. Minha mente estava ocupada. Pelo presente misterioso. – Por que pergunta? A letra do remetente está ilegível?
- Na verdade... Não há remetente. Sequer um cartão! – Deveria arriscar-me a abrir? Poderia ser algo perigoso... Ser a filha do Ministro da Magia não é das tarefas mais fáceis. Entretanto era arduamente difícil resistir à tentação...
Dei por mim um segundo mais tarde segurando uma pequena, porém majestosa, caixinha de prata toda ornamentada e esculpida em ouro amarelo vivo; quantos quilates teriam sido necessários para a realização de tal obra? Suponho que muitos devido a seu peso. Na superfície, havia o Sol e a Lua entrelaçados em finas linhas douradas enfeitadas por minúsculos diamantes. Abri-a por fim. Uma linda e lenta melodia se fez ouvir. Mesmo que meus conhecimentos musicais não fossem admiráveis, eu tão pouco era ignorante. Essa melodia... Eu jamais a havia escutado; principalmente em uma caixinha de música, cujas quais já tive milhares. Esse som... Era como se alguém estivesse ao meu lado tocando piano, tamanha sua vivacidade e plenitude! Não era superficial como todo o resto. Eu estava deslumbrada.
- Não vai ler o pergaminho... Virginia? – Amelie despertou-me de meus devaneios. Abri meus olhos e a fitei.
- Como? – Questionei confusa. Ela acenou ligeiramente para a caixa. Voltei meus olhos ao presente novamente e lá, no fundo da caixinha, continha uma rosa e um pequeno pedaço de pergaminho. Em branco.
- Está em branco! – Respirei ansiosa. Que infortúnio! E eu me vangloriando ao pensar que desvendaria esse mistério! Uma batida na porta.
- Entre. – Falei normalmente. Uma dama nunca eleva seu tom de voz.
- Querida. – Minha mãe abraçou-me apertado. Seu sorriso era tão largo que eu me perguntei se seu rosto não estava doendo. – Minhas Felicidades! Eu te amo tanto! Minha mocinha!
- Obrigada mãe, eu também. – Não pude deixar de fazer uma careta ao ouvir a palavra mocinha. Tudo bem que eu fosse uma, mas ouvir isso da boca dela não era o que se pode chamar de agradável. Ew!
- Você não está pronta? – Exigiu horrorizada.
- Hm... Pronta para o que exatamente? – Desde que coloquei o pé pra fora da cama hoje só tenho me sentido confusa e estranha. Deve ser a idade. Há!
- Para a prova do vestido e para a tarde de embelezamento! – Então eu estava me casando aos dezesseis anos e nem tinha sido informada? Ao perceber a minha cara de quem-sou-eu-e-o-que-estou-fazendo-aqui, mamãe acrescentou depressa: - Gina, o baile será em apenas algumas horas! Você mesma exigiu que a festa começasse ao crepúsculo!
Ah! Então era isso! Que cabeça a minha! Como eu posso ter me esquecido da minha festa de aniversário que eu não queria ter? Isto é uma blasfêmia! Uma calúnia a ética, a moral e aos bons costumes!
- Tudo bem mãe, vamos logo. – Suspirei resoluta. Que comece a tortura!

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