Caput I
O Coração
A nossa última visita a Hogsmeade foi atrapalhada pela tempestade. Chovia como se o mundo estivesse prestes a desabar sob nossas cabeças. Emily, Nail e eu estávamos enfurnadas na Dedosdemel há um século; assim me pareceu. Como eu odiava chuva. Odiava, odiava, odiava. Olhei para o relógio que jazia no lado oposto da janela. Quatro horas. Droga, eu tinha menos de duas horas pra ir naquela bendita loja – sabe lá Merlim onde – pra conseguir os ingredientes necessários para “O” produto de Fred e Jorge – Os negócios com a loja iam às mil maravilhas e a entrada do dinheiro nos cofres era como o estalar de dedos – em troca da minha viagem de férias ao Caribe; quente e ensolarado. Seguramente isso é de extrema importância; que outro motivo eles teriam para cederem a meus caprichos? Eu só esperava não ter minha viagem ao Caribe trocada por uma temporada em Azkaban. O que tinha nessa loja afinal? Coisa boa não deve ser, já que Draco Malfoy é um de seus fregueses. Não que eu ouça conversas, só que é inevitável deixar de ouvir certas coisas.
Os minutos passavam apressados e a chuva parecia amenizar. Era a hora.
- Preciso ir. – Disse a Emily e Nail e me apressei até a porta.
- Ta maluca? Você vai adoecer! – Emily falou. Um misto de descrença e preocupação em seus olhos.
- Eu tenho compromissos. – Respondi distraída. Quatro e dez.
- Mas Gina... – Ouvi Nail sussurrar relutante.
- Vejo vocês mais tarde. – Abri a porta badalando mil sininhos no processo.
A chuva apesar de amena, estava congelante. Tudo o que eu podia ouvir agora era o uivo do vento, o bater dos meus dentes e o guinchar das minhas botas no gramado úmido. Eu cada vez me afastava mais do vilarejo e nada de achar a tal loja, puxei a grande e grossa capa preta da escola e a pus sobre minha cabeça a fim de olhar o mapa que me fora entregue. Eu tinha que seguir no sentido leste da floresta, uns quinze minutos de caminhada em linha reta e estaria lá. É bom essa viagem ser muito, muito boa. Eu já podia me imaginar deitada numa das confortáveis cadeiras de sol de um luxuoso cruzeiro, bebendo água de coco, cercada por homens lindos e pegando um bronzeado com óculos escuros e biquíni caríssimo. Ninguém merece essa minha brancura azeda.
Foi realmente uma surpresa quando constatei que havia chegado à loja. Quero dizer com certeza isso era a loja, certo? Eu não posso ter me distraído tanto a ponto de desviar do caminho, posso? Estava hesitante sobre bater ou não a porta - já que essa se encontrava fechada – mas esta foi aberta por uma senhora, de aparência muito idosa.
- Estava a sua espera senhorita Weasley. – Ela me sorriu gentilmente. – Entre, por favor.
Acenei com a cabeça e murmurando um licença entrei. Aquela loja era como eu nunca tinha visto igual. Lotada por objetos que, nem em meus sonhos mais loucos teria imaginado. Acho que a senhora notou minha surpresa, pois se dirigiu a mim novamente.
- A Transctulogia é mesmo surpreendente. – Ela olhava os objetos tão fascinada que era como se nunca os tivesse visto também, o sorriso gentil ainda nítido em sua envelhecida face.
- Perdão...? – Eu respirei atordoada.
- O Estudo do Passado. – Ela voltou-se para mim, seus olhos com um brilho estranho. – Transctulogia...
- Pensei que a História se encarregava disto... – Murmurei para mim mesma.
- Acredite minha jovem, a História como é contada, nem sempre é eficaz. Às vezes os acontecimentos mais importantes jamais são retratados... – O brilho se acentuou.
- Me desculpe senhora, mas não entendo. – Eu disse em um murmúrio. Onde é que eu havia me metido?
- Me responda uma coisa jovem, - E aquele mesmo sorriso estava de volta. – até onde vai sua fé?
Huh? Até onde vai minha fé?
- Hm, acho que ainda não entendo...
- Você acreditaria se eu lhe dissesse que há muito mais mágica neste mundo do que nós bruxos somos capazes de conhecer? – Ela estava assustadoramente perto agora o que me fez sentir cheiro de algo como alho e almíscar. Ao perceber que o silêncio se prolongava, continuou. – Todos viemos a este mundo com um propósito e temos que cumpri-lo; mas se por acaso não formos capazes de faze-lo então teremos uma segunda chance, apenas uma. O que é vulgarmente chamado de Reencarnação. E aí temos a idéia central da Transctulogia.
- Hm... – E o que eu tenho a ver com isso?
- Perdão, me entreti novamente! Sabe minha jovem eu sou deslumbrada pela Transctulogia! É simplesmente magnífico e... – Ela parou por um instante e olhou para mim. – Vou pegar a encomenda de seus irmãos.
E sumiu de minhas vistas, reaparecendo pouquíssimo depois.
- Aqui está. – Me entregou um grande saco preto e grosso; e bem pesado. – É sigiloso.
- Não deixarei ninguém ver, obrigada. – Eu estava prestes a sair novamente quando ela me chamou.
- Senhorita Weasley?
- Sim? - Voltei-me para ela curiosa e tensa. Como ela podia saber meu nome? Eu era tão parecida com meus irmãos assim?
- Leve isto. – Me entregou um colar fino, dourado e brilhante, com um pingente de coração que apresentava a mesma suntuosa tonalidade e intenso brilho, mas não era um coração comum, seu formato era singular, único. Eu nunca tinha visto um coração daquele jeito antes. Não era tão absurdamente diferente do que as pessoas costumam representar, mas ainda sim havia algo de peculiar ali e parecia conter algo escrito, mas ele estava demasiado velho e a escritura um pouco apagada. O virei lentamente na ponta de meus dedos e encontrei uma pequena falha; um pedaço aparentemente quebrado; na extremidade pontiaguda do coração. – Vai lhe guiar na direção certa, a chuva forte deixa essa floresta fantasmagórica e é muito difícil de enxergar.
- É como uma bússola? – Perguntei confusa.
- Pra você minha jovem, acredito que signifique muito mais. – Ela sorriu. Como se soubesse de algo sobre mim que até eu mesma desconhecesse. Algo muito importante. – Apenas se deixe guiar e irá na direção certa.
Eu assenti com a cabeça. Essa senhora parecia completamente desprovida de juízo perfeito, era mais seguro se eu só concordasse com tudo que ela me dissesse e desse o fora dali o mais depressa possível.
- Obrigada mais uma vez. – Eu agradeci agora já a uns dez passos da casa, em direção a floresta.
- Adeus, minha querida. – Foi a última coisa que ela me disse.
A chuva voltou desta vez mil vezes pior do que a da tarde. Agora pedras de granizo despencavam furiosamente do céu negro. Eu iria agradecer a Merlim se conseguisse chegar intacta, ou talvez viva desse ataque da natureza. Isso é se eu conseguisse chegar. Eu não fazia a mínima idéia para onde estava indo; eu me encontrava completamente cega e ensopada, obedecendo ao governo de minhas pernas que pareciam uma parte separada e pensante do meu corpo. O céu escurecia numa velocidade surpreendente e ao constatar isso eu soube: estava perdida. Muito mais do que quinze minutos haviam se passado desde que eu deixei aquela loja/casa. Eu não devia ter me arriscado desse jeito. Foi insensato de minha parte. Como eu faria agora? Estava perdida no meio de uma floresta que eu nem ao menos conhecia, a noite nascia a cada segundo que eu caminhava zonza pelo frio enregelante da chuva e o pior: a essa altura já teriam dado por minha falta no colégio. Eu estava absolutamente encrencada. Foi aí que eu vi. Através da névoa branca, havia algo. Algo grande. Parecia... Uma cabana! Mas não era bem uma cabana, era algo como... Uma daquelas casinhas lindas que habitam os contos de fadas, feita de pedras extremamente desgastadas, com janelas e uma porta de madeira, que quase se desfizeram em minhas mãos ao toca-las, devido aos cupins. Não havia nada além de uma enorme árvore coberta de hera e um enorme buraco em formato de lareira em uma das paredes perfeitamente redondas. Era tão aconchegante ali - apesar da perceptível decadência - e ao mesmo tempo tão familiar... Eu estava tão ocupada admirando minha recente descoberta que quase tive um ataque cardíaco quando senti algo tocar meu ombro. Virei-me imediatamente na melhor expressão de susto que alguém poderia fazer. Mas isso só fez com meu terror aumentasse.
- Malfoy? – Meus olhos provavelmente pulando das órbitas.
- Eu te procurei por todo lugar... – Ele sussurrou como se estivesse conversando consigo mesmo; encarando o chão da cabana. – Mas, quando decidi vir aqui... Jamais pensei que te encontraria... Mas de alguma forma eu tive que ter certeza...? Por quê?
Será que todo mundo tirou o dia hoje pra me fazer de idiota ou o quê? O que diabos esse sujeito tava resmungando afinal?
- Por que o quê...? Como assim você estava me procurando? – Eu guinchei confusa as palavras saindo emaranhadas da minha boca.
Ele pareceu retomar a consciência de que eu estava ali parada igual um dois de paus com a melhor das caras de demente.
- Hirsch e Tail me disseram que você havia saído para ir à loja da senhora Turtensen e que não havia voltado... Elas estavam preocupadas com você... E eu não queria problemas para mim, especialmente quando os alunos estavam sob minha responsabilidade de monitor-chefe nessa visita. Eu decidi te procurar, as horas se passavam e nada de você aparecer. Eu sabia que estaria encrencado e que não poderia voltar a Hogwarts a essa altura – eu estava longe demais – foi aí que decidi vir passar a noite aqui, nessa cabana, que eu sou o único a ter conhecimento, já que lancei um feitiço protetor nela que a faz invisível. Mas você a encontrou... Como?
As informações giravam na minha cabeça. Então a tal senhora chamava... Turtensen?
- Eu... Eu não sei como, eu só a vi, e decidi vir me abrigar da chuva. – Eu sussurrei confusa. De repente eu estava cansada demais. Então me lembrei do que me tinha intrigado. – Porque você lançou esse feitiço protetor? Porque você queria essa cabana só pra você?
- Eu gosto daqui. Eu posso ficar sozinho, relaxar, pensar, fugir de tudo... E o engraçado é que é tão familiar... Como se aqui fosse meu lugar. Essa estranha sensação de conforto... – Ele deu um sorriso torto agora. Como se tivesse aprontado alguma.
- Hm, bem, eu nunca imaginei que um Malfoy se sentiria confortável em um lugar tão decadente como esse. – Ri. – Não pude perder a piada!
- E eu nunca imaginei que um Malfoy e uma Weasley poderiam ter uma conversa civilizada, mesmo que por alguns segundos. – Seu sorriso torto se alargou. Era como se ele tivesse ignorado completamente o que eu disse. O que convenhamos, para os padrões dele é um milagre.
Eu estava pronta pra revidar quando meu estomago praticamente berrou; se é que é possível.
- Ops! – Soltei sem graça. Deviam ter horas desde minha última refeição.
- Mas por outro lado algumas coisas nunca mudam não é Weasley? Continua uma morta de fome! – E ele estava rindo agora. Gargalhando na verdade. – Não pude perder a piada!
- Muito engraçado Malfoy, estou passando mal de rir. – Eu rosnei cinicamente fazendo uma carranca, mas não me senti verdadeiramente ofendida como em tantas outras vezes. Talvez fosse aquele sorriso deslumbrante dele ou a sua risada que soava como música a meus ouvidos... O que está pensando Gina? Controle seus hormônios adolescentes! Eu me repreendi instantaneamente; um barulho ensurdecedor na delicada janela de madeira a meu lado me tirou de meus pensamentos.
Os granizos pareciam querer destruir a estrutura de pedra da cabana tal a força com a qual caíam. Eu não duvidava que fosse impossível devido a frágil estrutura. Eu inclusive estava meio que me perguntando como as janelas e a porta estavam sobrevivendo ao ataque de fúria.
- Coma isso. Vai se sentir melhor. – Malfoy prendeu minha atenção novamente, em sua mão havia uma enorme barra de chocolate – Cocomilky. A novidade da Dedosdemel.
- Obrigada. – Eu peguei a barra receosa, mas minha paixão desenfreada por chocolate não me deixaria negar de qualquer modo. Quem se importava se tivesse veneno? Eu não! Pelo menos morreria comendo chocolate.
- Não se preocupe, eu não coloquei veneno. – Ele ainda ria.
- Quanto a isso eu não sei mais... – Eu hesitei por um momento procurando as palavras certas. – Você está sendo tão gentil e... Sorrindo o tempo todo... Eu nunca te vi assim antes.
- A maior parte das pessoas nunca me viu assim. Na verdade nem eu me vejo muito assim... Eu não tento ser gentil ou sorrir pra todo mundo, isso agora... É espontâneo, incontrolável eu diria. – Ele acendia a lareira agora.
E aí o silêncio mortal caiu sobre nós. Eu estava realmente começando a ficar tensa, desde que ele acendera a lareira, Malfoy se pôs a observar o fogo crepitante, perceptivelmente perdido em seus pensamentos. Eu vasculhava minha mente inutilmente, procurando alguma coisa não-estúpida demais pra falar. Comecei a andar pela cabana. Não tinha muito que fazer é claro; só havia duas janelas de madeira, uma porta, uma lareira e uma árvore. A lareira já estava hm, ocupada, sobrava às janelas e a porta que realmente são muito interessantes para entreter uma pessoa enquanto essa pensa em algum assunto pra puxar conversa. Hm, definitivamente não, vamos a árvore. A medida que fui me aproximando da generosa árvore, percebi que se tratava daquela espécie rara que a professora Sprout tinha nos pedido para dissertar em um gigantesco trabalho sobre Os Cascos e Seu Poder de Cura. Uma idéia me ocorreu. Se eu pegasse um pedacinho desse casco com certeza meu trabalho seria o destaque da classe e minha nota seria máxima. A ansiedade com minha brilhante idéia fez com que minhas mãos removessem avidamente toda a hera ali existente, caçando uma boa brechinha pra tirar o pedacinho necessário; eu não queria destruir algo tão primoroso. A hera já tinha sido removida quase que por completa, faltando apenas uma pequena parte no centro, cuja tirei sem dó nem piedade após algum esforço.
E ali estava. O coração. O do pingente que a senhora Turtensen me deu mais cedo. O mesmo formato singular. E este também continha uma escritura. Peguei o pingente em meu pescoço e tentei comparar a escrita. O do pingente estava meio apagado, mas as letras D e G no final estavam mais fortes que todo o resto. Olhei pra árvore novamente e ali estava: D e G. Exatamente no mesmo lugar.
- O que que isso? – Me ouvi dizer e meio segundo depois Malfoy estava a meu lado. Ele também pegou no pingente, tocando minha mão no processo o que me fez estremecer. Ele olhou em seguida para a árvore; sua boca ligeiramente aberta e então para o pingente de novo.
- A... d Aeterno. D e G. – Nós dissemos em uníssono, como se tivéssemos combinado.
O pingente brilhou em minha mão – ainda sustentada pela de Malfoy – um forte brilho dourado, que contornou lentamente o coração na árvore e a escritura nele contida. O brilho começou a se expandir por todo lugar, como numa tentativa de nos cegar, mas eu podia sentir Malfoy, me segurando ainda mais firmemente, minha cabeça começou e rodopiar e a última coisa que eu vi foram os seus olhos. Azuis acinzentados. Como eu nunca antes tinha os visto.
N/A: Primeiro cápitulo, gente espero que tenham gostado! Beijinhos :)
anúncio
Comentários (0)
Não há comentários. Seja o primeiro!