Capitulo III



— Gina — murmurou, encostando-se em uma pratelei¬ra e ficando de frente para ela, em uma postura também sedutora. — Por que não vamos...
— Gina! Não sabia que viria aqui! — exclamou Molly Weasley, correndo pela loja e empurrando uma enorme betoneira de plástico.
— Trouxe-lhe uma surpresa — disse Gina sorrindo.
— Adoro surpresas! Mas, primeiro... — voltou-se para o rapaz. — Aqui está, Harry, conforme prometi. Chegou na segunda-feira e reservei para você.
— Ótimo! — A expressão sedutora e calculada deu lu¬gar a um riso espontâneo. — Perfeito! James vai vibrar!
— O fabricante faz esses brinquedos para durar. Esta betoneira é algo para divertir uma criança durante anos, não por apenas uma semana depois do Natal. — Molly deu o braço a Gina e perguntou: — Já conheceu minha filha?
Harry ergueu o olhar do brinquedo, surpreso.
— Filha?!
Então, concluiu para si mesmo, aquela era a bailarina. Fazia sentido...
— Acabamos de nos conhecer, devido a um ligeiro aci¬dente de trânsito — disse Gina, sempre sorrindo, mas inda¬gou com um pressentimento sombrio: — James é seu sobrinho?
— Meu filho.
— Oh!
As fantasias que já criara desvaneceram-se no ar. Que descarado aquele! Casado e flertando! E não importava quem fora que começara com a provocação, pensou. Ela não era casada.
— Tenho certeza de que vai adorar o presente — falou com frieza, virando-se para Molly. — Mamãe...
— Gina, estava conversando com Harry a respeito de sua escola de dança. Creio que gostaria que ele desse uma olhada.
— Para quê?
— Harry é empreiteiro. E um excelente marceneiro. Re¬modelou o escritório de seu pai no ano passado e vai refor¬mar minha cozinha. Minha filha exige sempre o melhor — acrescentou Molly para Harry, os olhos sorridentes. — Portanto, é claro que me lembrei de você.
— Agradeço.
— Sou eu que fico agradecida, porque sei que seu tra¬balho é da melhor qualidade, com um preço justo. — A mãe de Gina apertou o braço de Harry. — Eu e Arthur agrade¬ceríamos se fosse ver o prédio.
— Cheguei há dois dias, mamãe. Não vamos nos apres¬sar. Mas encontrei alguém quando estava lá há pouco... Fi¬cou na entrada, encantando Luna.
— O quê? Rony?! Por que não disse antes? Enquanto Molly saía quase correndo, Gina voltou-se para Harry.
— Foi um prazer conhecê-lo.
— Igualmente. Telefone-me caso deseje que vá ver o prédio.
— Claro! — Gina recolocou na prateleira o carrinho que ele lhe dera. — Tenho certeza de que seu filho vai adorar o presente. Só tem James?
— Sim, é meu único filho.
— Deve manter você e sua esposa muito ocupados. Agora, se me der licença...
— A mãe de James morreu há quatro anos. Mas, sim, ele me ocupa bastante. Cuidado para não cometer mais aciden¬tes de trânsito, Gina — advertiu, pondo a betoneira debaixo do braço e afastando-se.
— Belo começo... — murmurou Gina por entre os dentes.

Uma das melhores coisas em ser seu próprio patrão, na opinião de Harry, era poder elaborar sua própria agenda de compromissos. Por outro lado, havia muita dor de cabe¬ça, responsabilidades, papeladas, clientes caloteiros... sem mencionar os períodos em que nem havia clientes. Mas a liberdade de ação compensava todos os aborrecimentos.
Nos últimos seis anos, sua prioridade tinha um nome: James.
Depois de esconder a betoneira sob um pedaço de lona, no banco de trás da picape, foi até um canteiro de obras para ver o andamento dos trabalhos, telefonou para um fornece¬dor para alertar sobre uma entrega especial e parou em outra obra para dar a um cliente em potencial uma estimativa sobre o preço da reforma de um banheiro. Depois foi para casa. Às segundas, quartas e sextas-feiras, fazia questão de estar em casa antes que o ônibus escolar apontasse no final da rua. Nos outros dois dias de escola e, de vez em quando, por um atraso imprevisto, James ficava na casa dos Skully, onde podia passar algumas horas com seu melhor amigo, Rod, sob a vigilância de Beth Skully.
Harry devia muito a Beth e Jerry Skully, em especial pelo fato de proporcionarem um ambiente seguro e feliz quan¬do James não podia ficar na própria casa. Fazia dez meses que Harry voltara a Shepherdstown e lembrava-se, quase todos os dias, como as cidades pequenas podiam ser agradáveis.
Com trinta anos, ficava surpreso ao pensar como aban¬donara aquela cidade sem olhar para trás, dez anos antes. Bem, ponderou, ao fazer a curva na esquina de casa, nada era por acaso. Se não tivesse deixado o lar, determinado a abrir caminho para o sucesso, não teria aprendido tanto na vida, não teria conhecido Cho, nem tido James.
Quase fechara o círculo, e estava acabando de transpor as barreiras para reconquistar os pais. Ou, corrigiu em pen¬samento, James estava. Seu pai podia ter ressentimentos em relação ao filho, mas não resistira ao neto.
Fizera bem em voltar para casa, refletiu, olhando para os bosques que cresciam de cada lado da estrada. Finos flo¬cos de neve começavam a cair do céu cinzento.
Era um bom lugar para se educar uma criança, concluiu Harry com satisfação. Era melhor viverem em uma cidade pequena, onde James tinha uma família, e começarem a co¬nhecer um ao outro de verdade.
E os parentes teriam que amá-lo pelo que era, e não como uma lembrança do passado.
Harry manobrou e estacionou o carro. O ônibus chega¬ria em poucos minutos, e James desceria correndo e entraria na picape, preenchendo o espaço com as exclamações e novidades do dia. Era uma pena que não pudesse compar¬tilhar com o filho certas confidencias também, pensou. Di¬zer a ele que conhecera uma mulher que fizera seu sangue se agitar de novo. Não apenas um ligeiro interesse, mas um verdadeiro terremoto...

Continua [...]

-X-


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