Quebrando Pendências
Estava sentado no chão, exausto demais para dizer qualquer coisa quando começou a entrar várias pessoas. Alguém lhe levantou e lhe levou para fora, mas não viu quem era. Voldemort escapara, mais uma vez.
Mas apesar de tudo estava aliviado, pelo menos agora Voldemort estava fraco, e pudesse ter uma real chance de acabar com ele, quem sabe.
-Harry, você está bem?
Era uma voz doce que lhe perguntava isso, olhou e viu Gina ao seu lado. Ela parecia realmente preocupada.
-Ele se foi...
Ela ficou muda por um instante, mas então sorriu contente.
-Que bom, então...
-Não, não, eu quis dizer que ele fugiu.
Ela continuou sorrindo.
-Ainda assim, você fez um bom trabalho.
Ele saiu um pouco de seu torpor e percebeu que o lugar todo estava arrasado, como se batalhões inteiros tivessem lutado ali.
-O que aconteceu?
-Ora, eu não sei o que você fez lá dentro, mas causou um bocado de destruição. Nós não arranjamos tanto confusão assim aqui fora.
Engraçado, ele não tinha percebido nada, aliás, na hora tudo parecera tão calmo, até mesmo monótono para uma batalha há tanto tempo esperada. Gina estava falando com ele, algo sobre ter encontrado alguém que ele ia ficar muito feliz em ver, mas ele não estava prestando muita atenção, seu corpo estava cansado, sua mente estava parada e seus olhos estavam pesados demais para continuar abertos...
Ele ouviu alguns sons estranhos, como se fosse de crianças conversando e rindo, algumas pareciam estar meio assustadas, pelo tom baixo e soturno que usavam. Lá fora alguns pássaros cantavam.
Ele abriu os olhos e seu coração disparou. Estava numa enfermaria bem familiar: a enfermaria de Hogwarts. Ao lado algumas crianças o olhavam, umas admiradas, outras assustadas. Ele sorriu amigavelmente.
-Olá.
As poucas meninas do grupo sorriram e coraram, os meninos estufaram o peito, afinal Harry Potter tinha os cumprimentado.
-Ora vocês, saiam daqui! -esbravejou uma voz conhecida.
Era Madame Pomfrey, nunca pensou que a veria ali novamente.
-... veja se isso pode acontecer, alunos invadindo minha enfermaria!
Ele sorriu para ela, que lhe retribuiu o sorriso.
-Ainda voltando para cá, Sr. Potter...
Ela estendeu algumas vestes bem estampadas por cima da cama próxima a ele.
-A festa começara em três horas, você pode ir se prometer não abusar demais de sua condição física.
-Ah... é, claro, mas de que festa mesmo estamos falando?
-Dia das bruxas.
Ele parou pensativo, esse fora o ano que menos vivera realmente. Tudo que se lembrava era de já ter estado em várias enfermarias o ano inteiro, e que em todas devia ter permanecido um bom tempo em cada uma delas. Era estranho.
Levantou-se e andou um pouco pelos jardins, lembrando de seus tempos em Hogwarts. Percebeu que o que fizera não devia ser segredo, pois por todo lugar onde passava os alunos o olhavam curiosos e apontavam para ele. Sentou-se debaixo de uma árvore onde anos atrás quatro amigos haviam se sentado também.
-Aqui te lembra muita coisa?
Ele olhou para quem falara, era Gina.
-Por que você está aqui?
-Fico feliz que estava você goste de me ver.
Ele corou sem graça.
-Desculpe, é que...
Ela riu e se sentou ao lado dele.
-Está tudo bem.
Os dois ficaram sentados em silêncio, agora que estava mais calmo e não tinha um mundo para salvar, ele se lembrava perfeitamente do quanto ela fora injusta com ele. Não queria falar com ela, na verdade nem a queria por perto, mas não podia pedir que ela se retirasse.
-Eu queria pedir desculpas, Harry. Acho que o subestimei.
-O quê?
-Eu talvez...
-Não, você não subestimou, você foi egoísta e injusta. Isso não tem haver comigo, tem haver com você. E sabe o que me deixa com mais raiva? É que segundos antes eu estava tentando te animar, porque achava que você estava nervosa com a situação. Tudo o que fiz foi pensar em você e você não deu a mínima. Talvez você tenha se achado importante demais para pensar além do seu umbigo.
Ele disse tudo de uma só vez, e agora respirava furioso, estava perturbado de um modo que faria Madame Pomfrey expulsar Gina da escola.
-Harry, agora é você que está sendo injusto...
Ele não falou nada, por ele a conversa já estava encerrada. Ela ficou esperando uma reação dele, mas como só veio o silêncio, ela se levantou irritada.
-Você não mudou nada, hein? Continua se fazendo o tempo todo de vítima, como se você próprio também não errasse e machucasse os outros, como se estivesse acima de todos os defeitos e tudo mais.
Ela já andava de volta ao castelo quando ele se virou e gritou, chamando a atenção dela de volta.
-Quando eu te machuquei? Não me lembro dessa parte!
Ele recolheu sua raiva quando ela se virou com os olhos marejados.
-Quando você me machucou? Eu não acredito que você está me perguntando isso?
Começava a se sentir mal, porque ele simplesmente não ficara calado e a deixara ir embora com raiva?
-Não vou falar do início da minha adolescência, Harry. Eu era só uma sonhadora, e o que eu sentia por você nada tinha de especial, era só uma paixonite -ela limpou algumas lágrimas que insistiam em cair e inspirou profundamente- Você me abandonou!
-Ora, Gina, eu estava tentando...
-Me proteger...
-... te proteger de Voldemort...
-Que poderia me ferir...
-...que poderia te ferir.
Ele estava com raiva.
_Se você entendeu a situação por que está reclamando?
-Você alguma vez me perguntou o que eu queria, Harry? O que eu sentia? O que eu pensava?
Ele olhou culpado para o chão.
-Não.
-Interessante. Agora vamos pensar, o que eu pensaria com você terminando o namoro do nada, saindo com outras e indo para longe se tornar um Auror, sem me dar uma única explicação?
Ele resmungou algo.
-O que você disse? Eu não entendi...
-Você imaginaria que eu não queria continuar com você -ele falava baixinho e devagar, bem hesitante- porque eu não queria que você se envolvesse na guerra.
Ela riu irônica.
-Ah claro, com certeza foi a primeira coisa que me passou na cabeça.
Ele não a encarava, era incrível como na época tudo parecia fazer pleno sentido para ele, mas agora sendo tudo revisto pelo ponto de vista de Gina... ele se sentia um canalha. Ao ver que ela se dirigia de volta para a escola sem esperar uma resposta dele voltou a ficar irritado. Levantou-se e foi atrás dela.
-Era algo tão difícil de entender?!
-ERA!
Os alunos que estavam por perto a princípio estavam achando que eles só estavam tendo uma conversa séria, mas agora até o mais míope de todos podia entender que eles estavam brigando. A mulher ruiva não só estava chorando como parecia bem perturbada, e Harry Potter estava irritado.
-Era sim! Eu pensei como você queria que eu pensasse, mas tinha algo inexplicável... por que Rony e Hermione podiam continuar a seu lado, por que você não os afastavam como fez comigo? E por mais que eu pensasse em várias coisas, só havia uma resposta para esse pergunta... eu era dispensável.
-Não, Gina, você nunca...
-Era sim! Era! Você não queria me proteger, como dizia, queria evitar que não ia ter problemas comigo. Queria garantir que eu não ia ficar desesperada ao seu lado, te agoniando ainda mais, queria não ter que pensar em mais uma pobre coitada que você tinha que proteger caso algo desse errado. Você me achava um estorvo! E por isso eu fiquei para trás, quando você sumiu com Rony e Mione.
Ela abaixou a cabeça e enxugou algumas lágrimas, respirou fundo e se recompôs.
-E sabe de uma coisa? Eu estava certa. Quando você apareceu na 11ª Divisão, você estava arrasado porque estava longe dos dois, você estava deprimido e pessimista. Situação muito diferente do que aconteceu quando você me abandonou, que você se sentiu aliviado por ter deixado para trás um problema.
Ele fechou os olhos, desejando mais uma vez que tivesse ficado quieto. Doía nele admitir, mas ela estava certa. Nunca dera confiança a Gina, tratou-a bem, gostou dela, mas não a incluiu em sua vida. Claro que ele não pensou nela como um estorvo, não conscientemente, mas sem querer fora exatamente isso o que acontecera.
-E sabe o que eu mais estranho? É que eu te tratei o melhor possível quando você apareceu. Te consolei, te ajudei, te dei auto-confiança. Fiz tudo o que você não fez por mim, e o pior... fiz tudo isso sem mágoa alguma. Agora vem você me cobrar algo que está além de mim, como se você realmente merecesse.
Ela se surpreendeu quando viu que ele também estava chorando.
-Gina, eu nunca tive a intenção...
-Mas você fez!
Ele a abraçou forte, como se quisesse tirar toda aquela dor dela, murmurava baixinho pedidos de desculpas no ouvido dela, realmente arrependido por tudo o que já havia dito e feito de ruim para ela.
Ela separou o abraço.
-Eu vim aqui pedir desculpas a você, e parece que você me perdoou. Eu já não tenho nada a fazer aqui. Só uma coisa, Harry. Eu vou embora, mas, por favor, não fique sendo o Sr. Nada Dá Certo Pra Mim, muda de vida. Encare as coisas de frente e tente melhorar a situação ao invés de se lamentar -e dizendo isso voltou para o castelo.
Ele ficou parado no jardim por uns instantes, servindo de ótimo objeto de observação para os estudantes curiosos, até que algo brotou em sua cabeça e ele voltou para a enfermaria.
-Madame Pomfrey, a senhora poderia chamar Dumbledore para mim?
A enfermeira assentiu e saiu do aposento, ele se sentou ansioso na cama. Resolvera seguir o conselho de Gina, tinha que encarar certas coisas de frente. Só queria uma única resposta do diretor.
Ele ficou feliz em ver aquela barba branca e aquele nariz torto novamente, há muito achara que tinha perdido tudo isso para sempre.
-Olá, Harry.
Ele deu um aceno com a cabeça.
-Um mundo gira, várias coisas acontecem, mas sempre volta para cá. São e salvo.
-Tenho um estoque de sorte a mais que as outras pessoas.
Os dois sorriram. Dumbledore sentou-se ao lado de Harry na cama.
-Como sempre você deve ter muitas perguntas...
-Tenho, mas agora eu só quero a resposta para uma delas.
-Espero que eu possa responder.
-Tenho certeza que pode. Onde eu posso encontrar Rony e Mione?
A casa era pequena, mas organizada, pelo menos assim era a entrada com um mini-jardim. Ele parou em frente a porta e não demorou mais do que milésimos de segundos de indecisão em sua cabeça para que ele tocasse a campainha.
Estava nervoso e parecia que havia algo corroendo seu estômago, tinha medo do que poderia ouvir, do que poderia acontecer, mas pela primeira vez na vida, preferia uma catástrofe verdadeira a uma paz falsa. O tempo das mentiras e dos segredos havia acabado.
Não demorou mais que quinze segundos até que um homem alto, sardento e com cabelo bem flamejante atendesse à porta. O choque da surpresa se misturava à incredulidade e a felicidade.
-Harry?
-Olá, Rony -disse ele num tímido sorriso.
Rony o abraçou forte e o fez entrar, nem reparando que Harry não parecia tão feliz em vê-lo quanto ele estava em ver Harry.
-Cara, eu não acredito que você está vivo. Quando Mione me disse eu não pude acreditar!
Ele ficou surpreso.
-Mione já sabia que eu estava vivo?
-Ah nem te conto, finalmente fui descobrir o que ela faz... Departamento dos Mistérios, quem dirá, hã? Ela estava lá, Harry, quando você o impediu mais uma vez, ela era uma das pessoas encapuzadas que chegaram mais tarde, no meio da madrugada. -ele falava e conjurava copos, pratos e bebidas, enquanto ia e voltava rapidamente da cozinha para pegar alguns petiscos- Enquanto a batalha ocorria do lado de fora Gina e Mione se encontraram... eu também quase não acreditei nessa história da Gina. Vê se pode, todo mundo achando que ela estava estudando na Alemanha...
Ele falou algo como um "pois é..." ou coisa assim. Rony sentou-se terminou de ajeitar as coisas e sentou-se em frente a ele.
-E aí, como é que você está?
Harry quis falar, mas os sentimentos se embolaram na garganta e nada saiu. Sentia um vazio imenso, e só algo poderia lhe ajudar: a verdade.
-Rony, já faz um tempo que eu sei que vocês casaram...
Rony sorriu sonhador, lembrando de algo bom.
-Pois é, quando eu a vi naquele trem pela primeira vez nunca poderia pensar que algo assim aconteceria.
Harry sorriu amarelo.
-Por que vocês casaram?
Rony pareceu surpreso com a pergunta. Só então percebeu que Harry estava triste, que não o encarava nos olhos e que parecia desconfortável. Harry então voltou a perguntar.
-Por que vocês se casaram logo após eu ter desaparecido?
-Olha, Harry, eu não sei o que você pensou quando soube. Mas a questão é que a gente pensou que você tinha sido pego e tinha morrido, imagine o que isso foi para nós. Mione teve um princípio de depressão e eu nunca me senti tão mal e agressivo na vida. A gente não conseguia suportar a sua perda, sempre pensamos que você é que ia sair vitorioso dessa, então você tinha morrido.
Rony tomou um gole de cerveja amanteigada e suspirou fundo, lembrando de algo.
-Nós ficamos com medo, toda a confiança e esperança que a gente tinha fora embora junto com você. Então foi quando eu parei e pensei que a qualquer momento eu podia perder Hermione também, e isso quase me deixou louco. Eu queria garantir que eu a teria sempre comigo, que ia cuidar dela e a vigiar, por isso eu a pedi em casamento. A minha garantia não era boa o suficiente, mas me deixava seguro o suficiente para não enlouquecer.
Harry encarou o amigo nos olhos.
-Eu me senti abandonado quando descobri. Não pelo casamento em si, mas porque foi logo depois que eu sumi. Era como se vocês não dessem a mínima para o que tinha acontecido comigo.
-Muito pelo contrário, o nosso casamento no início foi um inferno. Havia um peso na consciência, será que o que estávamos fazendo era certo? Além do que nós dois estávamos tão preocupados com você que a nossa vida conjugal passou a ser segundo plano, nós pensamos em nos separar, para só casar de novo quando nós estivéssemos preparados.
Harry ficou surpreso, nunca poderia imaginar o que os amigos tinham passado. Rony sentou-se ao seu lado e no abraço apertado que trocaram estava toda a cumplicidade de velhos amigos que finalmente, depois de um longo período, se encontram.
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