Desconfiando
Voldemort andava descontente, mas apesar disso, havia conseguido muitos seguidores, e a vida no mundo bruxo estava seriamente comprometida. O Ministério estava desfalcado, muitos de seus bons funcionários haviam sofrido acidentes, ou estavam debilitados, internados no Saint Mungus, feridos depois de lutas corporais e mágicas com Comensais da Morte. Era crescente o número de pais que retiravam os filhos de Hogwarts, apesar da insistência do diretor, Alvo Dumbledore, em achar que as crianças estariam mais seguras dentro dos terrenos da escola. Não deixava de ser uma grande verdade, porque Voldemort, assim como todo o Ministério, desconhecia o volumoso contingente de bruxos que se agrupava para lutar contra as trevas: a Ordem de Fênix.
Toda vez que Snape aparecia no esconderijo de seu mestre era visto com olhos desgostosos, rapinas prontas para o ataque, abutres sobre um animal que ainda sobrevivia, isso porque era um conselheiro do Lorde das Trevas, era a ele que Voldemort confiava os trabalhos mais precisos.
― Sente-se, Severo. Gostaria de sua companhia por algum tempo - pediu Voldemort, como se fosse a mais bondosa alma do planeta. Mas então mostrou seu verdadeiro eu: - O resto de vocês pode sair! - ordenou num berro.
Snape sentou diante de seu mestre, tomou o cálice que ele lhe estendia e o girou nas mãos antes de beber o conteúdo.
― Sei que você considera inevitável a pergunta que vou lhe fazer... mas... Você era bem chegado a Kassandra...
― Sim, senhor - respondeu de olho no copo.
― Não desconfiou de nada? Nem uma pontinha?
― Se tivesse desconfiado, ela ainda estaria aqui - murmurou entre os dentes.
Os dois se encararam.
― No dia em que Rabicho nos contou onde os Potter estavam, o intruso...
― Sim, acredito ter sido ela.
― Ela - e Voldemort sorriu com ironia nos lábios. - Espetacularmente falsa e atrevida.
― Talvez tivesse cada passo planejado - murmurou Snape.
― Duvido disso. A não ser que ela conhecesse o lugar antes de nós. Acha que ela conhecia o paradeiro deles?
― Não sei, mestre.
― Eu não acredito que ela soubesse. Kassandra sempre gostou de viver no conforto, rodeada de regalias. Foi assim desde que a conheci. Mas - Voldemort apertou o punho no ar e crispou os lábios - eu queria descobrir o que a levou a fazer aquilo. Dinheiro, talvez.
― Acho que não.
― Piedade está fora de cogitação?
― Pode ter se arrependido... - Snape olhou para a bebida, dentro do copo, e parecia estar lendo o futuro.
― Você se arrependeria, Severo, de ter escolhido a minha bandeira?
Os olhos de Snape caíram nos olhos de Voldemort. Por instantes o silêncio pareceu emudecer toda a casa.
― Se o fizesse, teria que rastejar implorando perdão! E não preciso ser perdoado - Snape falou enojado, respondeu seco, pontuando a frase com firmeza.
― Bem, mas ela é mulher.
― E qual seria a diferença?
― São fracas - afirmou Voldemort sem rodeios.
― Bella é um ótimo controverso.
― Bella é uma exceção à regra. É uma seguidora nata.
Snape excluiu qualquer pensamento relacionado à Kassandra de sua mente naquele momento, mas durante a madrugada, muito tempo depois de seu mestre tê-lo dispensado, voltou a triturar os fatos. Na noite em que Rabicho chegara com a notícia de que Black lhe confiara o segredo da localização dos Potter, Snape vira Kassandra Crabbe deixar o quarto com os pertences. Ela pareceu particularmente interessada em saber onde havia ido Rabicho, pois perguntara a Snape duas vezes, no entanto, saiu sem receber resposta. Pouco depois, Snape ouvira Crabbe desabafar, na cozinha, a Malfoy, que esquecera de avisar à mulher sobre as condições da propriedade em Plymouth: os aurores a devastaram em busca de provas no último verão, e por tal razão seria esculachado e humilhado. Crabbe estava cansado daquilo, Snape, porém, não ficou para ouvir o resto da conversa. Dirigiu-se à sala de estar onde Voldemort o esperava.
“Voldemort estava de pé, diante de Rabicho, com um sorriso maligno nos lábios, olhos mais vermelhos e assassinos do que nunca.
― Sim, mestre, tenho certeza - guinchou Rabicho - porque o idiota do Black me fez fiel do segredo dos Potter! - repetiu o homem com cara de roedor.
― Rabicho - Voldemort resplandecia exultante -, onde estão os Potter?
Snape cerrou os punhos e esperou a resposta. Rabicho se aproximou de Voldemort e cochichou-lhe o segredo ao ouvido. E o Lorde das Trevas sorriu, conjurando taças de vinho para os presentes, e soltando um brinde de satisfação.
― Agora, pode sair, Rabicho - ordenou Voldemort, e o homem com atitudes de rato deixou o aposento pela porta dos fundos resmungando palavras ininteligíveis, indo para seu quarto no final do jardim, um ranchinho abandonado.
― Irei até eles, Severo, e tentarei trazê-los para o nosso lado.
― Sim, mestre.
― E se não conseguir, tratarei de liquidá-los!
Voldemort gargalhou alto, horripilante, e um leve estouro se ouviu no hall de entrada. Ele e Snape se entreolharam, os Comensais correram até lá, mas não encontraram ninguém, nem mesmo Rabicho tentando ouvir a conversa.”
Sim, só poderia ter sido ela, pensou Snape, fitando a noite enluarada lá fora, aquela lembrança ainda muito viva em sua mente. E ela apareceu mancando, logo depois, com uma desculpa esfarrapada.
“Os Comensais, organizados por Voldemort, examinaram cada centímetro da propriedade em busca de algum espião a pé, porque o lugar estava enfeitiçado e somente alguém autorizado poderia aparatar nos terrenos. Mas não acharam ninguém. Voldemort e mais cinco Comensais voltavam para a varanda quando uma mulher aparatou diante deles com uma pequena maleta em uma das mãos.
― Ora, ora, senhora Crabbe - sorriu entusiasmado Snape. - Não estava indo passar uma temporada em Plymouth?
― Poupe-me de sua ironia, Snape - rosnou ela, passando por entre ele e os outros quatro comensais, sem se importar com a movimentação e com o que faziam.
Snape, porém, a deteve, segurando-a pelo antebraço.
― Algum problema? - quis saber ela, quase uivando de raiva, como se fosse a dona do lugar.
― Alguém ultrapassou os feitiços - era a voz do marido, Crabbe.
― Impossível - disse ela salientando cada sílaba. - A não ser que você estivesse encarregado deles hoje. - Encarou-o de cima a baixo antes de continuar. - Mas em sua cabeçorra não entra muita informação, não é mesmo? Quem dirá na memória ser guardada uma simples lembrança de uma casa destruída.
― Minha cara Kassie - Voldemort interpôs-se por seu Comensal -, estamos todos muito cansados e nervosos, esse tal visitante indesejado...
― Perdoe-me pela insolência, milorde, sabemos que somente pessoas de sua confiança podem entrar nestes terrenos, mas isso deve ser relembrado - e olhou para o punhado de Comensais que os cercavam -, inúmeras vezes, porque muitas pessoas simplesmente não têm neurônios suficientes para pensar por si só!
― Você sabe que é bem-vinda em minha casa - respondeu Voldemort olhando para a mão de Snape que ainda segurava firme o antebraço de Kassandra. - Severo, acompanhe a senhora Crabbe ao aposento dela.
E enquanto os Comensais se mantinha alerta ao lado de fora da casa, Snape instalou Kassandra novamente num dos quartos. Com um giro da varinha, acendeu a lareira; com outro, o lustre. E quando ia deixando o quarto, ela pediu num sussurro: Por favor, fique. O que o desarmou por completo foi o abraço que ela lhe deu, por trás, acariciando seu peito por entre as vestes.
Aos poucos, as luzes dos outros cômodos foram se apagando e, por fim, somente a claridade da lareira refulgia no quarto onde estavam. No meio da noite, quando as chamas não mais existiam, Snape acordou; talvez por causa do frio e pela falta que elfos domésticos faziam numa casa, ou talvez por estar receoso em deitar-se com a mulher de um colega. Snape sentou, olhou envolta e cobriu Kassandra com o grosso cobertor de pele. Sabia que precisava voltar a seu aposento, mas vê-la dormindo tão serena o transtornava. Fazia-o repensar sua condição de vida.
Então ela abriu os olhos e sorriu suavemente; Snape franziu a testa, seus pensamentos voaram, e ele sentiu o cheiro gostoso de tortas de morango recém saídas do forno. Sim, aquela mulher o fazia se lembrar das melhores coisas da vida.
― Já vai embora?
― Já? São três horas da manhã - exclamou sério.
― Vamos tomar um banho - convidou ela -, então o deixarei ir.
Snape aceitou o convite com gosto, imaginando como é que uma mulher como ela acabara com um homem como Crabbe. Entraram no chuveiro e seus corpos se uniram, mas o contato foi breve; as mãos de Kassie foram afastadas bruscamente do rosto de Snape.
― O que você quer? - quase urrou ele.
― Como assim?
― Não se faça de boba, mulher!
― Severo.
― Está querendo descobrir coisas que não lhe dizem respeito... e de uma forma muito insegura!
Ela franziu as sobrancelhas. Snape ergueu os braços e balançou negativamente a cabeça, furioso, deixando o banheiro.
― Severo, espere! - chamou ela, mas a porta bateu com um forte estrondo. Kassie respirou fundo, terminou o banho e voltou para o quarto; secou o corpo calmamente, os olhos vermelhos; vestiu uma camisola de seda e sentou diante do espelho, penteando os cabelos. Foi então que, em sua mente, reboou um pedido de perdão a Snape, soou mais como uma suplica. Kassandra olhou para trás e viu Snape, sentado na cadeira, fitando-a com rancor.
― Não há nada que você não saiba em minha cabeça.
― Mas há coisas que eu não posso lhe contar na minha. E mesmo assim você ousa...
― Não foi minha intenção! - suplicou ela. - Por favor! Eu jamais poderia usá-lo, Severo...
Encaram-se e, depois de um breve meneio de cabeça, Snape deixou o quarto.”
Sim, ela tinha intenções, pensou Snape. Ela esteve ouvindo a conversa entre Rabicho e Voldemort e então tentara - e conseguira - descobrir o esconderijo dos Potter lendo sua mente. E, sim, fora ela quem os avisara de que Voldemort apareceria... Ela enganou a todos. Ela o enganou completamente.
― Vadia!
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