Os Preparativos - Parte II
Os Preparativos – Parte II
Algum de vocês conhece alguém que esteja no negocio a varejo de vendas de lapides? Nem eu.
Numa bela manhã de sábado, não faz muito tempo, sai para comprar uma. Todo tumulo precisa de uma lápide e eu já tinha um. Já era tempo de conseguir uma. Primeiro, procurei nas Páginas Amarelas On-line, anotando nomes de firmas que me pareciam simpáticos: Monumentos Funerários de Granito Especializada em Retratos; Lares Funerários; Miguel Rodríguez, se Habla Español. Assessores de Monumentos Fúnebres. ASSESSORES. É, assessores. Devem assessorar a gente na escolha!
“Filho, quando você crescer, quero que seja Assessor de Monumentos Funerários. Acho que essa área tem grande futuro”.
Mas aonde ir? Especializados em Retratos... Hã-hã. Bem que eu teria levado em consideração se eu tivesse escolhido a cirurgia plástica no nariz como presente de formatura. De repente, eu me lembrei de um. Monumentos Funerários Bingo .
Bingo fica em Connecticut – em Kent, Connecticut. Quando eu era pequena, eu os via duas vezes por ano, indo e vindo do acampamento, nas férias de verão. Bingo era um local muito estranho. Uma casinha branca aos pedaços, com o jardim e o quintal cheio de lápides de pedra.
Sempre que eu passava por lá eu via crianças, muitas crianças loiras e sujas, brincando em volta da casa, olhando os ônibus que nos levavam para o acampamento. Aquelas crianças ficavam apoiadas, ou sentadas, ou brincando, entre as lápides o dia inteiro. Enquanto estávamos acampados, nadando e tentando jogar tênis (Quantas vezes tenho que lhe dizer, Hermione, para manter o pulso reto?), as tais crianças brincavam em frente, entre as pedras funerárias. Sentia uma pena delas. Não iam para acampamentos e provavelmente nem para a universidade. Mas elas se casaram. Não me pergunte como eu soube, mas eu soube.
Telefonema para a mamãe:
-Alo, mamãe.
-Oi, Hermione, quais são as novidades?
-Nada de especial.
-Você tem algum encontro sábado? [Ela ainda tentava]
-Não sei ainda. [E eu ainda tentava deixá-la feliz.]
-Quando vem passar um final de semana aqui em casa?
-Não sei, mamãe, na primeira oportunidade. Escute, mamãe, será que pode me emprestar o carro no sábado?
-Aonde é que você vai? [Mãe, pelo amor de Deus! Tenho 30 anos! Será que não posso pedir o carro emprestado sem dizer aonde eu vou?]
-Vou a Connecticut, na Monumentos Fúnebres Bingo, escolher a minha lápide. [Claro que eu não disse isso]
O que eu disse:
-Vou a Connecticut com um rapaz que conheci algumas semanas atrás. Ele gosta muito de lá, eu também e resolvemos passar o dia. [Eu sabia o que ela ia dizer em seguida]
-Que bom. Por que não vem os dois primeiros até aqui para pegar o carro? [EU SABIA! Mas, o que ela realmente queria, era dar uma olhada no meu namorado imaginário]
-Ele bem que gostaria, mamãe, mas não pode.
-Por que não?
-Porque ele não existe. Eu o inventei. [Também não disse isso]
O que eu disse:
-Porque ele tem que visitar a mãe no sábado de manhã.
[Minha mãe não podia ainda competir com a mãe dele.]
-Certo. E quando vamos ver você?
-No sábado de manhã. Vou até ai pegar o carro.
-E por que não sexta à noite? Vamos ter um ótimo jantar. [Por que me pergunta quando eu vou, se já está me dizendo quando ir?]
-Ta bem.
Dirigi até Kent, Connecticut, sozinha. Duas horas e meia de viagem. Era a minha primeira viagem de carro naquela região. Ano após ano, eu fiz a viagem de trem com outras crianças, que mascavam chicletes e brincavam de pega-pega nos corredores, todos usando o uniforme do acampamento (camiseta azul claro e short azul marinho). Íamos de trem até a estação de Kent, onde éramos apanhados por ônibus que nos levavam até o acampamento.
Naquela bela manhã de sábado, fui direto ao Bingo e fiquei surpresa por não ver crianças. Eu esqueci completamente que as crianças que brincavam lá tinham agora a minha idade.
Bati na porta, que foi aberta por uma senhora usando vestido de festa junina. Seria a Sra. Bingo? Em toda a minha vida nunca conheci ninguém que usasse um vestido caipira fora da festa junina. A Sra. Bingo tinha longos e finos cabelos brancos, usava um vestido caipira e era do tipo que não engordava.
[Eu, sorridente e muito amável] – Oi, eu gostaria de encomendar uma lápide.
[Ela, muito curiosa] – Espere um momento, por favor. Vou chamar o meu marido. Só um minutinho.
O marido dela era muito alto e muito magro.
[Eu, muito, muito amigável e sorridente] – Olá, gostaria de encomendar uma lapide.
Ele me olhou com um olhar que parecia dizer “Mas que inferno ela está fazendo aqui?”.
-Eu ia no acampamento perto daqui e sempre reparava nesse lugar. Preciso de uma lápide e pensei em vir até sua loja.
-Lá estão as nossas lápides. Escolha a que quiser e depois fale comigo para acertamos o preço.
Olhei para as lapides. Eram lapides para gente casada (de novo não!), com corações, flores e inscrições como “Em memória da minha querida esposa”, “meu amado marido”, “querida esposa e mãe”. Oh, Deus, até os monumentos fúnebres era para casados. Havia um genérico “Nosso querido filho ou filha”, mas todos com cruzes em cima. Eu sou judia!
[eu, ainda amável e sorridente] – Sr. Bingo, o senhor faz lapides por encomenda?
[depois de uma pausa] – Todas essas ai são de encomenda. É só dizer o nome que quer e nós colocamos nelas.
-Não, o que eu quis dizer é se fazem uma encomenda completa e sem nenhuma inscrição.
Ele apontou uma sem inscrição – em forma de uma grande cruz com dois anjos na base.
-Sim, aquela é muito bonita, mas o que eu queria, o que eu realmente queria, era uma pedra completamente lisa... Sem nada.
-E como é que vai saber quem está enterrado, se não tiver nada escrito?
-Não, o que eu queria saber é se eu podia pegar uma pedra lisa e escrever o que eu lhe dissesse.
-Pode mandar gravar qualquer uma dessas – ele disse, apontando as de mãe e esposa.
-Não servem. Sabe, a pessoa não era uma querida mãe ou esposa.
-Sinto muito, não posso ajudá-la.
-De qualquer maneira, obrigada.
Eu dirigi até o acampamento. Havia uma corda presa em duas árvores, fechando o meio da estrada e um cartaz que dizia “Proibida a Entrada”. Tirei a corda e continuei, uma coisa que jamais teria feito antes da decisão. Sempre tive medo de vigias.
Os acampamentos não mudam. Bom saber que algo não muda num mundo sempre em mutação. Estava frio e eu nunca tinha estado lá nessa época do ano, mas parecia um acampamento mesmo. Que tempos felizes passei lá. Quase esqueci que era tão antiatlética que, quando os colegas escolhiam os times, eu era sempre a última. Todo dia, ouvia a mesma briga: “Vocês é que ficam com a Hermione!”.
Então, de volta a Nova York, liguei para os Assessores de Monumento Fúnebres. Eles tinham um catálogo, e o vendedor usava um anel com uma pedra cor de rosa gigante.
-Posso perguntar para quem é o monumento?
-É para mim. Estou sofrendo de uma doença incurável.
-Sinto muito ouvir isso, mas fico feliz que tenha solicitado os nossos serviços.
-Sim, eu gostaria de algo simples.
-Veja, aqui está o nosso catálogo. Por que não dá uma olhada?
Um catálogo para amadas esposas e mães. Então eu vi a opção de “pedra simples, gravamos o que vocês quiserem!”
-Eu queria algo simples. Tudo o que eu quero gravado no monumento é “AQUI JAZ HERMIONE GRANGER, AMADA ESPOSA DE NINGUÉM”. Dá para fazer isso?
-Está louca, minha senhora? Será que não sabe que todo esse trabalho é feito a mão? A gravação custa 5 dólares a letra. Está certa de que precisa dessas letras todas?
-Sim.
-Vamos ver, então. Por uma pedra pequena, vai lhe custar 5 vezes 39, dá cinco, vai quatro... O que vai dar 195 dólares pela inscrição, e vamos dizer, 150 pela pedra, pequena, mas em mármore... Dá cinco, aqui 95... Aproximadamente, vamos dizer, 345, 350 com a vírgula, pagos adiantados.
-Tudo bem. [Mas ele deveria ter dado um desconto pela vírgula!]
-Quando e onde quer que seja entregue?
-Tem que estar pronta em torno de 4 de julho, porque estou planejando morrer no dia 3 e ser enterrada no dia 4.
-Sei. [Escreve os dados]
-E pode entregá-la aqui?
-É pesada demais, seu chão ia afundar.
-Aviso depois onde deve fazer a entrega. Fechado?
-Sim, mas vou precisar de um deposito de 100 dólares para começar o trabalho.
Fiz um cheque.
Aposto que Andrômeda Black conhece alguém que vende por atacado.
Comentários (0)
Não há comentários. Seja o primeiro!