Os Preparativos - Parte I



Os Preparativos – Parte I

Vocês não fazem idéia de como eu me senti bem quando eu tomei a decisão. Sei que é estranho, mas eu me senti saudável. Não sabem o que é alivio poder se livrar de vez do Dr. Stillman e sua dieta da água, dar adeus ao Dr. Atkins e a sua dieta das proteínas. Sim, a primeira decisão que eu tomei depois que eu decidi me matar foi parar de fazer dieta. Eles que cavem um buraco maior.
Todas as minhas atitudes mudaram. Passei a usar saias mais curtas, listras horizontais e cores que não emagrecem. Andava de táxi para todo o lado, sem me preocupar com o dinheiro. Comecei a pagar os camarotes VIPs.
O suicídio melhorou a minha personalidade. Eu me tornei mais transparente, mas direta e talvez um pouco mais ousada. Também me tornei uma professora melhor, porque parei de ter medo que um dos garotos me matasse com uma faca.
Imagino que a maioria das pessoas decida cometer suicídio e simplesmente se mate. Eu não podia fazer uma coisa dessas. É tão sem classe. Nada como em um filme que eu vi com seis cavalos brancos puxando o caixão. Eu queria algo simples, discreto, elegante e planejado até o ultimo detalhe.
Eu tomei essa decisão no final de agosto e pretendia resolver tudo até 3 de julho do ano seguinte. Assim, teria tempo de comprar um espaço no cemitério, uma lápide e naturalmente, terminar esse bilhete suicida. Estão se perguntando porque dia 3 de julho, não é? Ou talvez não estejam, mas foda-se, vou contar tudo do mesmo jeito. Eu imaginei que se eu me matasse no dia 3 de julho, eu seria enterrada no dia 4. Não é bonito e simbólico? O Quatro de Julho* - Dia da Minha Independência Particular.
Comprei um carimbo que dizia FALECIDA. Vi um anuncio na última página do New York Times que dizia “Fabricamos carimbos com quaisquer inscrições” ou algo assim. Não pude resistir. de inicio, queria mandar gravar um “foda-se”. Achei que ficaria ótimo carimbado nas minhas contas, mas não tive coragem. De qualquer modo, mamãe, papai e qualquer um que esteja cuidando de minhas coisas – carimbem FALECIDA em todas as minhas contas a pagar.
Sabem, eu nunca tinha pensado nisso, mas imagine que uma pessoa recebe uma conta astronômica da Barney’s porque não conseguiu se controlar numa daquelas grandes liquidações de fim de estação. Por que simplesmente não devolver a conta, com um bilhetinho educado contando que a pessoa em questão faleceu? O que poderia acontecer? Suponho que mandassem um cobrador para fazer uma verificação, mas a devedora podia se vestir de preto e fingir que estava de luto por ela mesmo. Afinal, eles não iam se lembrar de cada compradora.
De qualquer maneia, papai, o senhor vai achar o carimbo FALECIDA na gaveta em cima da minha escrivaninha.
-Já soube? A tal Granger se matou.
-Mas que coisa horrível fazer isso com os pais!
-Deixou todo o velório preparado, comprou um tumulo, uma lapide e tudo o mais.
-Eu devia ter uma sorte dessas com os meus filhos.

Eu já tenho o meu tumulo. E acreditem, não foi fácil conseguir. Para tornar as coisas mais fácies para os meus pais, que segundo a lei judaica teriam que visitar meu tumulo ao menos uma vez por ano, decidi ser enterrada num cemitério perto da casa deles, onde meus avós (um por parte de mãe e dois por parte de pai) estão enterrados.
Minha família tem um jazigo lá, mas só há espaço para meu pai, minha mãe, meu tio e minha tia. Os netos que se virem.
Fui para o cemitério em um dia calmo. Os cemitérios sempre me embaraçaram. Sempre que eu entrava em um eu abaixava a cabeça, porém não me sinto mais assim. Agora é como olhar um novo apartamento, e graças a Deus, eu não vou me mudar nunca mais.
Fiz uma visita aos meus avós e depois segui até o escritório do cemitério.
-Em que posso ajudá-la? – perguntou uma senhora vestida de preto, cabelos grisalhos e um sorriso simpático.
-Gostaria de providenciar um tumulo.
-Não quer se sentar, por favor?
A senhora foi até uma porta e voltou junto com um homem alto e cinzento.
Ele me ofereceu uma cadeira, me perguntou se eu estava confortável e verificou se havia uma caixa de lencinhos de papel a minha disposição. Ele se sentou em outra cadeira, não do outro lado da escrivaninha, mas de frente para mim, para termos um bom contato visual.
-A Sra. Goldman disse que procura um bom tumulo. Já conhece o nosso cemitério?
-Meus avós estão enterrados aqui.
-Excelente.
-Existem terrenos disponíveis?
-Sim, temos. Inclusive alguns de primeira, até com vista. (Com vista?)
-Gostaria de algo simples.
-Posso perguntar para quem é?
-Para mim. Estou com uma doença terminal. Nada de sério. Isto é, é incurável, mas não é nada contagioso ou coisa assim e vou precisar de um tumulo.
Ele se levantou e voltou folheando uma pasta. Finalmente, ele parou em uma página e disse, mostrando um mapa:
-Aqui está. Temos o lote 34 A e B e o 65 A e B. Ambos tem uma ótima localização.
-O que significa A e B?
-São dois lotes conjugados. Presumo que seu marido vá se juntar à senhora.
-Não sou casada. (E é por isso que eu estou aqui)
-Isso é um problema. Um problema muito sério. [Está dizendo isso logo para mim!]. Não sei se a senhorita sabe, mas nosso cemitério é um cemitério familiar. O problema é que não atendemos pessoas solteiras. Todos os nossos túmulos são duplos.
Dá para acreditar numa coisa dessas? Dá para acreditar no que esse homem está dizendo? E ainda querem que eu descanse em paz! Fala sério! Até no tumulo eu estou tendo problemas com o meu estado civil!
-Será que não... Será que eu não poderia ficar com o lote 34 A e se outro solteiro aparecesse, ele ficaria com o B?
-Desculpe, mas não posso dividi-los. Isso quebraria todas as regras. [Estou à beira das lagrimas. Estou a ponto de gritar, a ponto de morrer!]. O nosso procedimento habitual, Srta. Granger, é sugerir que as pessoas solteiras sejam cremadas.
Mas será que não temos sequer uma escolha? Somos assim tão sem importância? Os solteiros devem ser reduzidos a pó, queiram ou não?
-Não quero ser cremada. – e comecei a me levantar para sair.
-Vejamos, Srta. Granger. Posso lhe ceder o lote 65 A e B, com o preço de sempre. Fica uma ligeira inclinação do terreno. Pode ser?
-Lógico.
-Bem, e quanto ao caixão?
-Ah, por favor, não me diga que vocês só têm caixões duplos. [Ou tamanho King-size]
Ele quase sorriu, mas parou. Acho que no tipo de profissão deles, as pessoas são treinadas para não sorrir.
-De forma alguma; temos caixões a sua escolha. Isto é, se está certa que não prefere uma urna.
-Estou certa. Escute, posso lhe ligar mais tarde sobre o assunto do caixão?
Eu tinha guardado algum dinheiro para o caixão e o vestido com que seria enterrada. Sabe, se eu gastasse menos com o vestido, poderia gastar mais com o caixão. A essa altura, eu não sabia quando dinheiro ia sobrar.
-Claro. Aqui está meu cartão. Mas deve nos enviar um deposito de 150 dólares. Nossos túmulos têm grande saída.
Eu tinha quase certeza que ele me diria que havia um simpático casal muito interessado no tumulo que eu tinha acabado de comprar e quase também que me dissesse que eu devia ficar com ele porque tinha cubículos muito encantadores. Que nem as corretoras de apartamentos diziam.
Portanto, já escolhi o cemitério em que eu vou passar a eternidade, uma mulher solteira e solitária, num túmulo duplo.

* Quatro de Julho é o dia da independencia dos EUA.

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