Eu te conheço?



Entrei no trem, e sim, ela estava lá. Normalmente, isso teria me irritado, mas ela não. Isso era legal. Legal é bom.

- Oi.

Eu a olhei, alarmado.

- Como assim?
- Eu só disse “oi”. – ela sorriu.
- Oi. Olá... Oi. – eu me atropelei nas palavras. Ela fazia isso comigo.

Observei-a se levantar e caminhar em minha direção.

- Posso sentar mais perto? – ela nem esperou minha resposta, e já estava lá. – Para onde está indo?
- Aah.. Godric’s Hollow.
- Nem vem! Eu também! – ela parecia ter um jeito bem extrovertido.
- Sério? – eu não me interessava.
- Que coincidência! – ela respirou fundo, e me olhou séria. – Eu te conheço?

Eu a olhei, tentando me lembrar se já a tinha visto. Ela não esperou.

- Você faz compras na Floreiros e Borrões?
- Claro. – Quem não faz?
- É isso! Eu já te vi, cara! Trabalho na sessão de livros.
- Ah, legal. – novamente, não me sentia interessado.
- Sou uma escrava lá, há... Cinco anos, acho. – ela fez uma pausa. – E você, trabalha aonde?

Eu sorri. Um sorriso sarcástico, cínico. Quase o de um maníaco.

- Você não vai querer saber... – fiz uma voz baixa e arrastada, propositalmente. Ela se assustou.
- O cabelo. – ela disse. – A cor. Eu... Eu mudo. Talvez você não tenha me reconhecido por isso.
- Hmm... – eu soltei uma risada estranha. Eu não sabia rir. – Bonita cor.

Ela riu. Riu muito.

- Sabe, essa cor chama-se Ruína Azul. – ela sorria.
- Entendi.
- Eu queria dar nome às cores. – eu não compreendia. – De tinta. – ela esclareceu.
- Acha que realmente existe um emprego desses? – isso soou divertido. Eu não sou divertido.
- Oras, alguém tem esse emprego, certo? – ela estava certa, tecnicamente. – Ameaça Vermelha, Febre Amarela, Revolução Verde, Agente Laranja! Eu inventei essas! – ela sentia-se orgulhosa.
- É, você seria bem sucedida num emprego desses, garota.
- Eu sei! – ela ria, divertida. – Eu ponho minha personalidade numa tinta.
- Duvido muito disso. – era verdade.

De repente, ela ficou séria.

- Você não me conhece, então não sabe, sabe?

Eu me senti estranhamente desconcertado.

- Desculpe, só estava tentando ser legal. – disse, por fim. Desculpe? Legal? - senti raiva de mim mesmo. Eu não pedia desculpas. E eu não era legal.
- Ta. Saquei. – ela disse, e seu tom indicava impaciência.

Ainda desconcertado, abri o meu caderno. É, aquele caderno. Estava me concentrando em algo para escrever, quando ela disse, me assustando:

- Meu nome é Ginevra.
- O meu é Draco. – Ginevra...
- Sem piadinhas sobre meu nome... Ah, não! Você não faria isso. – ela zombava de mim. – Está tentando ser legal.
- Ah, não sei nenhuma piadinha sobre o seu nome. – eu não sabia mesmo.
- Pode me chamar de Gina. Prefiro assim.
- Não gosta do seu nome?
- Tenho motivos para gostar? – ela arqueou uma sombrancelha.
- É diferente. Você é diferente. – isso era um elogio.
- Diferente?
- É, você é legal.

O humor dela mudou novamente. Oh, maldita garota com distúrbios de humor constantes!

- Ah, agora eu sou legal? Você não conhece nenhum outro adjetivo? Não preciso de “legal”.

Mal sabia ela que o único adjetivo que eu não conhecia era “legal”. Eu realmente não conhecia. Ela continuou:

- Não preciso ser legal e não preciso que as outras pessoas sejam legais comigo.

A viajem continuou, e ela ficou calada por um bom tempo. Eu tinha um caderno, eu tinha uma caneta. Meu caderno tinha folhas em branco e minha caneta tinha tinta.
Por que diabos eu não conseguia pensar em nada pra escrever?

- Draco? – ela disse depois de um tempo. Eu não respondi. – É Draco, não é?
- Sim.
- Desculpe ter gritado com você. – ninguém nunca me pedia desculpas. – Estou meio destrambelhada hoje. – ela não me deixou falar. – Devo admitir, constrangida, que gosto muito que você seja legal. - maldição, eu não sou legal! – Tipo agora, eu digo. Não sei dizer o que vou gostar de um momento para o outro, mas bem agora, fico feliz que seja legal.

Garota estranha. Diferente. – concluí.
Tudo o que pude fazer foi sorrir. Um sorriso bem estranho, acho que mais estranho que os outros. Dessa vez, foi um sorriso genuíno. Argh, sorrisos.
Eu percebi que ela olhava as páginas abertas do meu caderno.

- Eu tenho umas coisas que... – eu disse, indicando o caderno.
- Ah sim! Claro, desculpe. – ela desviou o olhar. – Cuide-se, heim? – e saiu, voltando ao lugar onde estava sentada antes.

Eu observei, e voltei a me concentrar no caderno. Eu ainda não sabia o que escrever.

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