DOURADO, VERMELHO E AZUL



- Conseguimos baixar os níveis de magia dele e agora estamos ministrando as poções – disse uma voz quase sussurrante enquanto pegava na sua mão. Aquele toque produzia calor humano, confiança e amizade.

Apesar de ser uma curandeira conceituada e famosa pela sua seriedade profissional, Hermione Granger nunca deixaria de se envolver emocionalmente com os pacientes. A neutralidade e a frieza que se exigia de sua profissão nunca seriam seguidas por aquela jovem de cabelos crespos. Principalmente quando o paciente em questão era o seu grande amigo Harry Potter. Principalmente quando sua melhor amiga Gina Weasley olhava suplicante para ela, à espera do tão aguardado milagre, de ver o jovem bruxo se levantando do seu leito.

Harry, semiconsciente queria agradecer à amiga, queria perguntar sobre Rony, queria, talvez, que ela continuasse segurando a sua mão. O mundo se descortinava para o “garoto que sobreviveu” com um imenso véu cinzento que parecia cobrir tudo e todos. Havia outra pessoa no quarto (estaria no St. Mungus?). O inconfundível aroma de flores silvestres, que sabia, só ele era capaz de sentir não deixava dúvidas.

Muito antes de perder a visão, muito antes de saber que a amava, muito antes do caos ter se imposto sobre a sua vida, ele tinha aquele aroma impregnando sua alma. Havia passado nove anos sonhando em senti-lo novamente. “Eu amo você, Gina Weasley”, murmurou não pela primeira vez. Havia repetido essas palavras em seus sonhos todos esses anos. Mesmo sem ter total consciência do fato, dessa vez a pessoa a quem aquele amor era destinado havia ouvido e tocado suavemente o sua face febril. “Eu também amo você”, respondeu a ruiva, as palavras acompanhando Harry através de regiões douradas, vermelhas e azuis, suas cores favoritas que dissipavam o véu cinzento da realidade. Era o mundo onde os leônigos fantasmagóricos do seu inconsciente foram banidos e ele se encontrava para sempre num dia feliz de Hogwarts, onde havia feito revelações importantes para aquela que estava destinada a ser a única mulher da sua vida. Ainda que fosse uma vida curta e sombria.

Hermione pegou a mão da amiga e a colocou sobre a de Harry. Com lágrimas nos olhos ele se afastou e fechou a porta do quarto. Sentia que não seria correto presenciar aquele momento dos amigos. Sabia também que a presença de Gina seria mais eficiente do que qualquer poção que os bruxos tivessem inventado. Em algum lugar no mundo dos sonhos um sol de cabelos vermelhos aquecia Harry Potter, trazendo-o de volta à vida. Não sabia por quanto tempo, mas não se importava, desde que o sol continuasse brilhando. Ele sorriu nesse momento, enquanto Gina soluçava ao seu lado.
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Rony Weasley havia retribuído ao abraço de Harry Potter até quase perder o fôlego. O amigo abriu mão da imortalidade, algo que tantos bruxos e trouxas sonharam por tanto tempo, para salvá-los. Mas ele o havia trazido de volta. Não sabia como havia conseguido tal feito, mas não era afinal o inútil que seus irmãos pensavam.

Gina havia bagunçado seus cabelos como quando ambos eram crianças. Hermione havia se agarrado a ele, falando de sua coragem. Sim, era bom ser uma pessoa boa às vezes. Mas Rony não sabia se abriria mão de burlar a morte se tivesse uma oportunidade. Ele não era Harry Potter, mas hoje estava realmente satisfeito de ser Rony Weasley e ter ajudado ao amigo.

- Ele realmente fez isso? – perguntou Hermione para o noivo. Rony queria saber como estava Harry, mas eles o deixaram descansando num quarto do outro lado do corredor. O rapaz já estaria morrendo de tédio, não fossem as lembranças perturbadoras da mente em que havia entrado. Leônigos, caminhos sem fim, portais que começavam ou terminavam em lugar nenhum. E os medos e as angústias de Harry. E a renúncia à imortalidade.

- Sim, ele fez, Hermione – respondeu o ruivo – Não foi delírio de minha parte. Estava registrado na mente do nosso amigo. Eu não sei se ele é o maior idiota do mundo...

- Ou a pessoa mais nobre que nós tivemos o prazer de conhecer – completou a medibruxa.

- Claro que é a segunda hipótese – falou Rony muito sério – E eu me sinto muito mal por isso. Por ter passado anos com pena de mim mesmo. Por ter odiado um amigo que deu a vida por nós. Por ter... – nesse momento a sua voz falhou. Hermione o abraçou e disse:

- Não fique assim, Rony. Na certa ele não gostaria de vê-lo triste pelas escolhas que fez. Você o ajudou quando ele necessitava. Isso faz de você uma pessoa digna. Harry sempre confiou em você, do contrário você não conseguiria resgatá-lo.

- Ele... ele vai viver?

- Claro! – respondeu Hermione, colocando na voz muito mais certeza do que possuía no seu íntimo – Ele é o “garoto que sobreviveu”, lembra?
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Draco Malfoy havia terminado mais uma poção que seria ministrada em Harry Potter. Ele havia ouvido Weasley contar para a noiva que o rapaz havia “apenas” renunciado à imortalidade. Uma figura esse Potter! Pensou nos bruxos de sua família, partidários do Lorde das Trevas, o que não dariam para viver para sempre. O que era uma estupidez, pensou. Viver para sempre...Não sabia se gostava tanto assim da vida para vivê-la sem limites. Essa era uma velha obsessão de bruxos maléficos e trouxas estúpidos. Vários Malfoys enriqueceram convencendo trouxas idiotas que poderiam dar-lhes a vida eterna. E Harry Potter havia recusado tal dádiva. O que ele, um legítimo Malfoy teria feito se pudesse escolher entre essa dádiva e uma morte jovem e heróica? Teria escolhido a morte para obter alguma glória vã? Teria preferido o tédio imenso da imortalidade?

Como ele estivera enganado nos tempos de Hogwarts em pensar que o “cabeça de cicatriz” era apenas o aluno favorito de Dumbledore! Que era apenas um moleque metido que buscava prestígio e queria chamar a atenção de todos. Ele tinha que admitir, Harry Potter era “o cara”. Certamente não permitiria que alguém dissesse o contrário dali para frente. Pensou, sonolento (não havia dormido muito nos últimos dias), se ele tivesse algum dia que escolher entre a imortalidade e uma morte precoce. Felizmente nunca precisaria fazer tal escolha. Nesse momento não tinha qualquer inveja de Harry Potter. Era muito melhor ser Draco Malfoy. Ele estava satisfeito de ser quem era e, de maneira relutante, tinha que admitir que estava feliz em ajudar alguém tão estupidamente altruísta como o “testa rachada”.
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SETE DIAS MAIS TARDE:

Patrícia não acreditava que estava em casa escolhendo roupas para levar para seu irmão, que teria alta do St. Mungus no dia seguinte. Ele ainda tinha alguma dificuldade para enxergar, mas parecia bastante animado. Gina Weasley viera com ela para conhecer a casa em que ambos moravam quando Harry vinha para a Inglaterra. Na verdade, passavam mais tempo na França, próximos de Beauxbatons, onde a garota estudava.

- Não quero me meter, mas você não deveria estar na escola? – perguntou Gina, tentando não bancar a irmã mais velha, postura que ela sabia que Harry tentava assumir sem muito sucesso.

- Ah não, você também não, Srta. Weasley! – brincou a adolescente – Sabe o que Harry me perguntou assim que pôde pronunciar mais do que duas palavras?

- Sobre a escola? – adivinhou Gina. Ela sabia muito bem o que era ter irmãos mais velhos. E o quão durona (como dizia Malfoy) ela havia sido para impedir que aquela multidão de ruivos ciumentos e superprotetores controlassem a sua vida. Sorriu com simpatia para a garota:

- Não me diga que Harry tenta também controlar os seus namoros – falou com uma ponta de diversão na voz.

- Como você sabe?

- Seis irmãos mais velhos, querida! Mas tenho certeza que Harry nunca conseguiria nem remotamente ser tão estúpido quanto Percy, por exemplo.

- Não, acho que não, pelo que vocês falam dele... – ponderou a garota – Sabe, ontem eu recebi uma carta da escola. Eles disseram que por causa das minha excelentes notas – disse Patrícia com uma voz afetadamente casual. – Eles permitirão que eu me ausente por mais tempo para cuidar do meu “extraordinário irmão”, como fizeram questão de frisar.

- Era isso que Harry odiava quando tínhamos a sua idade – ponderou Gina – Ele sempre detestou essa fama e a possibilidade de tirar proveito dela. Mas agora, com todos os jornais falando sobre sua volta, vocês vão ter que agüentar.

- “Nós”, Gina? – perguntou a adolescente – Pensei que você também fosse fazer parte da vida do Harry.

- Preciso perguntar uma coisa, Patrícia – disse Gina depois de alguns segundos de silêncio – Nós só falamos sobre isso uma vez e, eu reconheço, não foi muito educada com você.

- “Não sei que tipo de maluca você é” – falou a garota, imitando de maneira engraçada o jeito britânico de Gina pronunciar as palavras, lembrando-se do diálogo tenso que tiveram quando se encontraram num café.

A imitação era realmente engraçada. Gina riu bastante ao ouvir a sua própria voz tipicamente inglesa com o acentuado sotaque francês da irmã de Harry. Gostava cada vez mais da menina. Por isso tinha que esclarecer algumas coisas. Antes que Gina pudesse dizer o que a incomodava, Patrícia adiantou-se, usando agora sua própria voz:

- Harry é apenas meu irmão. Nada mais. E eu o amo como tal. Tenho certeza também que esse é o sentimento dele por mim.

- Eu tinha que saber – admitiu Gina – Vivendo tanto tempo com uma garota adorável como você, ele poderia perfeitamente...

- Não poderia, Gina – falou a garota de maneira decidida – Porque nós sabemos que só houve uma pessoa na vida dele. Não vou dizer que não tive algumas fantasias românticas quando era criança...

- Quando você “era” criança? – caçoou a ruiva – E isso foi há um mês atrás, mais ou menos?

- Ah, não amola, “senhora muito mais velha” – devolveu a brincadeira – Você sabe, de repente o Harry parecia um príncipe encantado de contos de fadas, salvando meninas indefesas.

- E como eu sei, garota! – recordou Gina – Matando basiliscos, enfrentando uma versão juvenil do Lorde das Trevas. Acho que o cavalheiro de olhos verdes é muito bom nisso!

Ambas riram. De repente era como se fossem velhas amigas. Para Patrícia, Gina estava se tornando a irmã que ela nunca teve. Para a ruiva, Patrícia era uma versão africana de sotaque francês de uma outra garota muito decidida e com muito senso de humor, só que de cabelos ruivos. E que também havia sido salva pelo “garoto que sobreviveu”.

- Sério, Gina – disse a menina depois de algum tempo – Eu quero a felicidade do Harry. E mesmo que ele ainda não tenha notado, o que eu duvido, a felicidade dele tem o seu nome, o seu corpo e essa maneira sua maneira engraçada de pronunciar as palavras.

Muito emocionada, Gina abraçou a garota. A frase “eu amo você, Gina Weasley” , dita por Harry Potter, iluminando os seus dias e antecipando a sua primavera.





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