A ESCOLHA
Depois de atravessar o deserto como um morto vivo você estará bem próximo de estar realmente morto. Sua pele parecerá alguma coisa que foi curtida ou mascada pela boca de um gigante ou pisoteada por cem pernas de trasgos. Seus olhos estarão vermelhos como cerejas maduras, seus músculos estarão dormentes e você sentirá dor. Muita dor. Harry sentirá essa dor pelo resto da vida em seus pesadelos. Não apenas a dor física, mas a dor de não estar vivo, não estando realmente morto. Quando Patrícia quis saber como é a sensação do feitiço morto-vivo, foi a única vez que o irmão não respondeu de maneira gentil a uma pergunta. Ela teve a impressão que os olhos verdes do jovem escureceram um pouco e ele apenas pediu a ela que nunca mais tocasse no assunto.
Dobby passou três dias alimentando e dando poções revigorantes a Patrícia, enquanto Harry recuperava-se da travessia do deserto. Depois, ele havia encontrando um medibruxo nigeriano particularmente competente, mas suficientemente interessado em galeões de ouro ingleses e pouco interessado em fazer perguntas embaraçosas a respeito do estado de ambos.
Harry demorou poucos dias para ganhar a confiança de Patrícia e mais algum tempo para explicar à garota os aspectos do mundo mágico. Explicou-lhe sobre o “DOM” e, como havia desejado o pai da menina, ensinou-a a controlá-lo. Um mês de convivência e ambos já se consideravam irmãos, inclusive brigando como tais. Às vezes Dobby tinha que repreendê-los, exigindo bons modos, principalmente quando Patrícia tentava convencer aos gritos Harry a comer no café da manhã coisas mais saudáveis do que salsichas e bacon. Ambos descobriram também que tinham muitas outras coisas em comum, como parentes trouxas intragáveis que odiavam magia e referiam-se aos bruxos como “aberrações”. Harry, com vinte anos, e Patrícia com onze passavam os dias treinando feitiços, defesa contra a arte das trevas, poções e principalmente como controlar o “DOM”, evitando entrar na mente das pessoas, evitando perder o controle, ferindo alguém ou ferindo-se nesse processo. Era a primeira vez em muitos anos que o jovem se divertia.
Um ano depois, quando Patrícia ingressou na escola de magia de Beuxbatons, ela já tinha conhecimento o suficiente para entrar no segundo ano. Queriam colocá-la no terceiro, mas Harry achava que era importante não tornar a irmã muito arrogante e fazê-la passar mais tempo com crianças da sua idade. No dia em que em que foi levada até o barco mágico que a conduziria até a escola, Patrícia lhe deu um abraço apertado e disse que o amava. A simples menção à palavra “amor” evocou na mente de Harry uma jovem bonita de cabelos ruivos. Foi uma imagem tão forte que a garota pôde apreendê-la, mesmo tendo aprendido a controlar os poderes. Só nas férias de natal o irmão esclareceu de quem se tratava a ruiva. Conformada em ser apenas a “irmã” daquele moreno bonito, que ela descobriria na escola ser uma verdadeira lenda do mundo mágico, Patrícia havia decidido que faria de tudo para que Hary reencontrasse e se acertasse com aquela moça de quem ele havia se afastado.
Harry passaria os anos posteriores à destruição de Voldemort caçando os últimos Comensais da Morte espalhados em várias partes do mundo, mas ainda capazes de causar sofrimento para as pessoas que amava. No derradeiro momento, antes de matar o bruxo das trevas, ele havia tido um vislumbre dos planos dele e obtido mentalmente os nomes daqueles que deveria perseguir. Sempre cuidadoso em evitar que esses bruxos do mal retornassem à Inglaterra, Harry foi eliminando-os pelo mundo afora, até ter certeza de que eles não eram mais uma ameaça às pessoas que ele jurou proteger. E lá se foram mais alguns anos de sua vida. Sempre evitando retornar ao seu país até ter certeza de que não havia mais ameaças. Então sua saúde começou a se debilitar. Fraqueza, tonturas, desmaios. Cegueira. E possivelmente a morte esperando por ele. O castigo justo aos poderes quase sem limites, à violência desmedida, ainda que por uma boa causa. À distância daqueles que amava. E sem ter dito a Gina o quanto a amava. Sem dizer a Rony e a Hermione o quanto os dois significavam para ele.
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Um dos leônigos tinha estranhamente os olhos verdes. Quando fitaram Rony Weasley, o ruivo teve a percepção das dores e das angústias de seu amigo. As perseguições insanas aos Comensais da Morte, a conversa cheia de ameaças com Amos Okosha, o “Voldemort Africano”, a luta derradeira contra o Lorde das Trevas, a alegria de ensinar Patrícia a controlar o “DOM”, a morte do último Comensal em Hogwarts. A falta que sentia dos amigos e de Gina. Bem, agora Rony sabia que salvar o mundo mágico tinha o seu preço cruel e amaldiçoou-se mais uma vez por ter hostilizado o seu velho companheiro.
Rony contou aos presentes o sonho que tivera com Harry anos atrás. Remo Luppin não teve dúvidas que não havia sido apenas um sonho. O amigo havia realmente se comunicado com ele. Hermione recordou que foi exatamente nessa época que Rony havia largado a bebida e a havia procurado depois dela já ter desistido de recuperá-lo. Luppin ponderou:
- Esse fato cria realmente um vínculo muito poderoso. Mas mesmo assim continua sendo perigoso entrar numa mente como a de Harry.
- Bem, eu creio que seria perigoso de qualquer forma – disse Draco após alguns momentos de silêncio – E o Weasley, embora eu odeie admitir, acho que teria mais chances do que os demais.
- Por que? – perguntaram Gina e Patrícia quase que ao mesmo tempo.
- Eles se conhecem desde crianças – explicou Draco – Se eu não me engano, ele foi o primeiro amigo do Potter. Obviamente ele tem sentimentos fortes pelo ruivo, mas não suficientemente perturbadores como os que tem por Gina, o que seria perigoso para ambos na situação dele. E Patrícia aqui – apontou para a menina negra – poderia gerar uma catástrofe se vinculasse a sua mente com a dele.
- Não sei – ponderou Hermione – Eu acho que seria capaz de fazer isso.
- Claro que seria – disse Draco – Como o Professor Luppin também. Só que eu acho que seria mais inteligente de nossa parte manter vocês dois por aqui, fora da mente do Potter se der alguma coisa errada. Vocês são os que mais conhecem feitiços e tratamento mágico. Eu sou bom apenas em poções, lembram? E se a gente precisar de um feitiço complexo ou de conhecimentos de medicina bruxa, acho melhor ter os dois por perto para o bem do ruivo.
Os procedimentos (difíceis) foram realizados. Uma poção para manter o corpo relaxado, outra para tornar a mente receptiva. Uma poção para dormir. Hermione e Luppin ficariam monitorando sua reações e o acordariam se as coisas saíssem do controle. Foi colocado numa cama, improvisada ao lado da de Harry e suas mãos foram unidas para criar o vínculo necessário para atingir a mente do amigo. Um feitiço complicado executado pelo Professor completaria a união.
- Você não é o idiota imprestável que eu pensei que fosse, Weasley. Bem, talvez só um pouco – disse Malfoy com sua voz arrastada, desejando depois boa sorte. Rony ergueu o dedo médio para o loiro, mas estava sorrindo, assim como o ex-sonserino.
- Rony... – tentou dizer alguma coisa Hermione, mas os seus olhos encheram-se de lágrimas e ela apenas beijou o noivo.
- Também amo você, Mione.
- Desculpe ter socado você – falou Gina antes de abraçá-lo – Você mereceu, é claro. Mas você é o idiota mais nobre que eu conheço.
- Bem, obrigado, supondo que isso seja um elogio... – disse o ruivo, já tomado pelo sono induzido pelas poções.
O estranho leônigo de olhos verdes parecia protegê-lo dos demais.
- Harry? – chamou Rony, ainda temendo a reação daquele ser estranho. Por que o seu amigo estava na pele de um bicho daquele?
- Eu não queria que você se arriscasse tanto, Rony – disse numa voz etérea o ser das trevas.
- Você não é um monstro, Harry – disse o ruivo – Você não deveria se sentir como um.
- Você viu o que eu fiz, amigo! Só um monstro poderia matar e mutilar pessoas.
- Pare, Harry! – gritou Rony, sua voz soando estranhamente fantasmagórica – Eu passei anos esperando por você. Eu fui um idiota em não perceber suas razões. Eu vim aqui para te resgatar. Não um monstro, mas o meu amigo. Meu melhor amigo. Eu vou levar você de volta. E eu sei que esse não é você. Meu amigo não é uma besta das trevas invocada por Voldemort. É aquele cara legal que preferiria a morte a decepcionar os amigos. Eu vou atrás de você, cara, não desse monstro que você acha que é!
Rony ladeou os demais leônigos, que estáticos deram-lhe passagem. Para onde? Um estranho portal estava projetado à frente. Destemido, o ruivo rumou para encontrar seu amigo. Subitamente uma pequena mão segurou no seu braço. Parecia que quilômetros haviam sido percorridos dentro do portal. Uma voz suplicante de criança chamou o seu nome. Quando ele se virou, viu, como no sonho de anos atrás uma imagem infantil de Harry. O Harry que havia conhecido aos onze anos de idade. Magricela, com roupas gastas e folgadas, óculos remendados. O garoto suplicou:
- Por favor, Rony, você não deve ver isso.
Surpreso, mas sabendo que precisava continuar avançando, o ruivo arrastou o pequeno, que se transformou em seguida numa versão adolescente do seu amigo, tal como ele era quando desapareceu há nove anos.
- Eu não quero, machucar você, Rony – suplicou mais uma vez – Por favor, pare!
Instintivamente ele sabia que aquele não era ainda o Harry que precisava alcançar. Continuou caminhando. Horas ou dias, ou meses, não havia como saber. O que o seu amigo temia tanto que ele descobrisse? Seria algo assim tão horrível? Então eles pararam diante de uma outra imagem de Harry adolescente conversando com uma mulher que parecia jovem, mas que tinha os cabelos totalmente brancos. Teve a impressão que muitos falavam por ela quando sua voz encheu o ar:
- Seja eterno como nós, Harry Potter! – ela disse de maneira imperiosa, mas ainda assim serena – Essa é a primeira vez que repetimos nossa oferta. Você trocará a vida eterna por anos de tormento, apenas pelo amor aos seus amigos? Apenas pelo amor de uma mulher?
- Vocês sabem que eu tenho um destino. Vocês sabem o que será do mundo se eu não fizer o que tenho que fazer.
- Salvar o mundo lhe trará paz, Harry Potter? – perguntou a mulher, mas novamente sua voz soou como se muitas vozes tivessem falado.
- Provavelmente não. Mas eu espero que traga paz às pessoas que eu amo.
- Mas você morrerá – retrucou a mulher com a sua voz serena, parecendo muitas vozes.
- Todos morreremos um dia. Eu só espero que as pessoas que eu amo vivam um pouco mais – disse Harry por fim. Então ele se virou a começou a partir
“Então o idiota...”, pensou Rony, os olhos cheios der lágrimas. Sem pensar ele segurou a mão da outra imagem de Harry ao seu lado, que voltava ser o garoto que havia conhecido um dia no Expresso Hogwarts. Sem dizer nada, ele o abraçou.
Ainda tomado pelo choro, Rony Weasley despertou no St. Mungus. Confortado por uma confusa Hermione, que nunca havia visto o noivo em lágrimas, ele ainda segurava a mão de Harry. Este, assistido pelo Professor Luppin acabava de despertar. Confuso, olhou em volta com os olhos embaçados. Conseguiu distinguir o vulto de Rony nos braços de Hermione. Ainda tonto, com as pernas sem muita firmeza, levantou-se penosamente. Sem lembrar direito o que havia se passado, o “garoto que sobreviveu” deu um abraço apertado no casal. Aquela parecia ser a única coisa certa a fazer naquele momento. Ele estava de volta. Quase cego novamente, sem saber o que diabos estava acontecendo, mas estava definitivamente de volta. E o mais importante, com seus amigos.
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