Marionete de cristal



Desde quando seus pedidos e desejos voltavam-se contra ele?
Desde quando?

Quando era pequeno, era fácil saber o que queria. Um doce. Um colo. Uma vassoura. Uma história na cama antes de dormir, e aqueles contos intermináveis que elevavam o orgulho puro-sangue ao máximo e menosprezavam trouxas.

Por algum tempo ele se condenara todas as noites antes de dormir. Encostava o rosto no travesseiro e pensava algo como “Amanhã mesmo darei um jeito na situação” ou “Em breve vou dizer a ela que cansei e tudo estará acabado para sempre”. Era um tipo de terapia: jogar as preocupações para debaixo do tapete, e com elas, os problemas. Depois, desejava internamente que ele mesmo se ajudasse lembrando de que não era difícil fazê-lo, nas suas projeções mentais ele apenas deixava as palavras soarem com um tom de displicência. Ridículo, até.

Mas como estava cansado em constatar - era displicência demais. Demais para o sorriso dela. Para seu olhar penetrante e obstinado. Para suas palavras firmes que pareciam estar prontas muito antes dela pronunciá-las. Era tortura pensar em distância quando ela estava tão perto, quando seu aroma enchia o ambiente e insistia em continuar aguçando os sentidos dele por horas e horas...

Porém agora a situação havia mudado. Não sabia exatamente por que e o quê lhe fazia sentir aquilo, mas desde que a vira andar para longe dele naquele corredor, depois daquela conversa... Draco sentia que fora a última vez. Todas as lembranças, os malditos flashes de imagens que insistiam em mostrá-lo a pequena Gina suspirando por Harry Potter em seus primeiros anos de Hogwarts, os olhos impenetráveis e enormes dela ao questioná-lo sobre o suposto interesse de Potter, e claro, o próprio, e maldito Harry Potter, e todos aqueles olhares de atenção para Gina. Atenção, afeição, atração... Poderia encontrar mil palavras para descrever e separá-las pela inicial. Com todos esses pensamentos a semana passou para ele.
O mês.
Mais semanas... e seu desejo era finalmente atendido.

Ela não mandava mais os bilhetes secretos e anônimos. Ele sabia que quando não fazia, ela acabava fazendo-o, o que costumava acontecer na maior parte das vezes. Mas não agora. Sua intuição insistia em gritar-lhe que estava com a razão. E seus sentidos... seus sentidos gritavam-lhe para correr atrás dela, antes que fosse tarde demais.
Mas ele era covarde, e não cedia. Quando esses sentimentos de falta tomavam-lhe, ele simplesmente preferia ficar parado e inoperante. Não era aquilo o que ele pedira para si mesmo durante todo esse tempo? Livrara-se da culpa, ganhara uma ferida. Rezava para não demorar a cicatrizar.

Mais semanas. Ao mesmo tempo em que os dias arrastavam-se, voavam no calendário. Pareciam anular-se conforme passavam. E como se a preocupação fosse capaz de atrair mais problemas, Draco pegou-se ocupado em algo que planejara, mas que não sabia seu real tamanho.

Era comum ele desejar mais do que tinha. E nunca foi algo que disse para si mesmo, mas poder era uma das tais coisas. Ele sabia que tinha um potencial, mas nunca fora devidamente valorizado. Tudo o que precisava era de uma maneira de provar a todos. Provar, mostrar, fazê-los temer, causar impacto alheio. Desejou isso por anos, e a resposta pareceu acumular-se e finalmente chegar.
Seu desejo é uma ordem. Uma missão fora-lhe dada. Pelo próprio Lorde das Trevas.


[...]



Estava uma manhã insuportável. Talvez devesse encontrar outro adjetivo – insuportável era a palavra que ele vinha usando praticamente todos os dias para caracterizá-los.
Como se não bastasse o peso da lembrança da missão e de suas obrigações para elaborá-la, passar alguns dias na Ala Hospitalar lhe fez perder tempo e o fez de ridículo para a escola inteira. Claro, todos devem ter sabido no segundo seguinte ao acontecido que “Draco Malfoy duelou com Harry Potter e terminou na Ala Hospitalar...”. Geralmente quem costumava ter mais intimidade com a Ala Hospitalar era Potter, e não ele. Para completar, a Grifinória havia ganho a Taça de Quadribol. E lembrar-se de que não pôde fazer nada para impedir o sorriso no rosto de Potter, do Weasley... simplesmente era uma tortura. Seu pensamento involuntariamente se desviou para Gina, e por um segundo tentou imaginar sua expressão de felicidade ao receber a Taça. Apagou a imagem imediatamente e lembrou-se da sensação de jogar. No fundo, sentiu saudades... Estava quase se esquecendo de como eram os treinos de Quadribol... algo que ele sempre gostou, afinal. Mas algo que seria inútil depois dele se tornar alguém maior.

Engolindo seu café da manhã, olhou fixamente para o vestígio de uma das suas inúmeras cicatrizes de cortes... Madame Pomfrey dissera que as marcas sumiriam com o tempo, e que não demoraria muito. Mas, independente disto ou não, sentia o sangue ferver todas as vezes que olhava para tais sinais.
Potter pagaria por isso. Pagaria muito caro. E isso coincidia exatamente com a missão que ele estava destinado a fazer. Pensar nisso parecia instantaneamente influenciá-lo mais ainda a persistir em sua realização.

- Ah, que incrível! – exclamou de repente Pansy Parkinson, sua voz esganiçando-se. – Potter e a garotinha Weasley!

Draco pareceu engasgar, mas segurou qualquer crise de tosses. Seja lá o que estivesse comendo, parecia agora ter pedido seu sabor. Levantou a cabeça imediatamente, apertando a colher com uma força exagerada.
Era verdade. Na entrada do Grande Salão, ela, Gina, com uma expressão que exibia indiferença para todos naquele lugar que não fossem o garoto com quem ela estava de mãos dadas. Seu olhar nunca mudava, por que haveria de mudar agora? Expressava sua auto-suficiência com ele, e ao mesmo tempo sua afeição pelo namorado com um pequeno sorriso de canto. Draco não sabia dizer se Potter retribuia ou não. Suas pupilas tinham, estranhamente, paralisado na direção dela, e a imagem de uma Gina que não parecia sequer tê-lo conhecido ficaria congelada para sempre na sua mente.

- E não é que a filhote traidora do sangue teve seu final feliz? – debochou Pansy, o olhar maldoso acompanhando o casal grifinório andar até a mesa de sua casa – Será que Potter já descobriu que ela tem pulgas?
O comentário seguiu-se com risadas altas na mesa da Sonserina. Algumas garotas perto de Pansy pareciam estar muito interessadas no novo assunto, com certeza era algo que renderia ótimas piadas para o resto da semana.
- Se bem que... Ela se acha a melhor coisa que já aconteceu a Hogwarts. Agora sim essa garotinha estúpida vai ficar mais insuportável. - alguma garota da Sonserina reclamou em resposta.
- Me poupe! Olhe só a reputação da traidora do sangue: Corner é mais estúpido que um trasgo e Thomas é um sangue-ruim perdedor. E, convenhamos, namorar Harry Potter deve ser no mínimo um castigo... – Pansy refletiu com voz de desprezo. - Quem deve estar triste é você, não é, Blásio?
Blásio Zabini, pego de surpresa, virou-se para Pansy com uma expressão furiosa.
- Cale a boca. Já disse que eu nun...
- Ah, está certo, Blásio. Eu não quero ouvir explicações, até porque se um dia eu descobrir que você tocou em uma grifinória, eu deixo de ser sua amiga no mesmo instante.
Ao completar a fala, Pansy olhou diretamente para Draco, que ainda olhava para a mesa da Grifinória. Percebendo a situação, ele desviou seus olhos rapidamente voltando a concentrar-se em sua refeição... ou ao menos tentar. Era a segunda vez que Pansy parecia saber dele e de Gina. A primeira fora meses atrás, no vagão do Expresso, quando ela comentara que os garotos de Hogwarts achavam Gina atraente e lançara um olhar investigador para Draco.
Ele, por sua vez, torcia para que fosse apenas coisa de sua imaginação. Não, não havia sequer como ela saber...
- Draco – Pansy pareceu ler seus pensamentos e começou, com uma voz irritante demais para o gosto do garoto – Por que está tão calado? Ainda está doendo? Não vai fazer nenhuma piada sobre o novo affair de Potter?
- Eles... se merecem.
Foi tudo o quê conseguiu pronunciar. Embora sua mente sequer tivesse entendido o quê a frase queria dizer. Sentiu raiva. Uma raiva cada vez maior, crescendo dentro de si...
- Bom, não podemos dizer que não seja verdade, não é, visto que...
- Tudo bem, será que agora não podemos fazer um minuto de silêncio sobre a espetacular vida amorosa de Potter? – reclamou Draco, abrindo sua mochila furiosamente e tirando o primeiro livro a seu alcance. - Preciso estudar... Poções. É uma pena que não tenha conseguido nota suficiente para as aulas, Pansy, mas eu realmente não pretendo perder o ano.
- Nossa, parece que alguém aqui acordou mal-humorado. Tudo bem, então. – respondeu a garota, fechando a cara.
Com sua mente parecendo sedada, Draco rapidamente abriu seu exemplar de Poções e folheou as páginas sem conseguir pensar muito bem nos próprios atos. Escolheu uma página qualquer e começou a passar os olhos.
Curiosidade sobre a Amortentia: Apesar de ser conhecida como, a Amortentia não é uma Poção do Amor, e sim uma Poção da Ilusão. O que se obtém é uma paixão momentânea, um desejo ilusório. É importante lembrar que nenhum bruxo jamais conseguiu preparar qualquer fórmula ou feitiço para criar o verdadeiro Amor. Especialistas dizem que tal feito é considerado impossível, até mesmo para o Mundo Bruxo.
Oh, certo. Não havia como criar o Amor. Mas e destruí-lo?! Não era muito mais difícil? Em que página idiota poderia encontrar a maldita solução?

Espere aí... o quê ele estava dizendo a si mesmo? Era, afinal, Amor o que sentia por ela? Com certeza não, e isso precisava acabar... Não podia sequer pensar nisso...
Fechou o livro com força. Ergueu os olhos, pronto a encarar olhares de surpresa e questionamento dos amigos... Mas ergueu-os na direção errada. O que conseguiu enxergar foi Gina, de longe, sentada na mesa da Grifinória, e um rápido olhar na direção de Draco. Ele sentiu suas pestanas paralisarem. Ah, se pudesse congelar o tempo naquele instante para analisar cada milímetro do rosto dela, procurar qualquer indício de culpa, de saudade...

Não.
Não haveria saudade, muito menos culpa. Talvez houvesse raiva, até. Desprezo. É óbvio. Com certeza ela ficara sabendo do episódio do banheiro com detalhes. Detalhes que nunca iriam favorecê-lo, muito pelo contrário... Ela deveria saber que Draco tentara lançar uma Maldição Imperdoável no precioso Potter - agora seu namorado - e devia ter certeza de que ele não fora mais que uma vítima que agiu em legítima defesa...
Draco fechou o punho. Talvez ela tivesse até sido informada de que Potter o achara chorando no banheiro para a Murta-Que-Geme. Talvez eles tivessem gargalhado juntos de sua patética atitude.

Levantou-se por fim. A passos largos, Draco Malfoy saiu do Grande Salão, com sentimentos borbulhando de fúria comprimidos em cada centímetro de seu corpo. Não, ele não precisava de ninguém, e iria fazer tudo aquilo que lhe fora mandado por prazer.
Por prazer.

[...]


Praticamente assistiu sua vida passar nos seguintes dias. Se houvesse como caracterizar aquele seu ano em Hogwarts, talvez levasse o nome de “O ano perdido”.
Sua rotina em função de sua Missão intensificou-se ainda mais que antes.
Draco não fazia mais as lições, não distinguia os conteúdos das matérias, dormia mal e por isso sequer conseguia prestar atenção nas aulas. Isso quando conseguia chegar a tempo para as aulas. Com isso, perdia pontos para a Sonserina e já colecionava algumas detenções.
Mas ele não ligava. Agora podia contar nos dedos as semanas que faltavam até o dia marcado. E conforme ela se aproximava, o medo vinha em sua frente, imponente. E se o Armário não funcionasse na hora? E se demorasse mais do que ele planejara? E se o descobrissem antes? Voldemort o perdoaria por alguma falha que não fosse dele? O Lorde das Trevas saberia que ele se esforçara tanto? E não podia evitar perguntar-se... Poderia matar Albus Dumbledore?
Não havia outra resposta: Ele simplesmente deveria. Estava fora de questão fracassar – era fazê-lo ou morrer. E além dele, talvez sua mãe. E seu pai em Azkaban. A frase de sua tia Belatriz soava constantemente em seu ouvido – “A família Malfoy está em dívidas com o Lorde das Trevas... você entende, Draco? Seu pai cometeu um grande erro ao falhar no Mnistério. Ele pediu para avisar que você ainda pode salvar o resto da família acabando com o velho Dumbledore! Bole um plano, Draco, faça algo! O Lorde não vai ser caridoso com um segundo fracasso dos Malfoy... ele mesmo pediu para eu lhe dizer. Mas se você conseguir, Draco... Se você impressioná-lo com esse grande feito... Você receberá uma honra que jamais sonhou em ter!"

E agora andava depressa. Faltava checar apenas mais uma vez a Torre de Astronomia e repassar mentalmente seu plano. Era quase a hora de todos voltarem aos Salões Comunais e o bilhete que conseguira com Snape mostrava que não havia aula de Astronomia para nenhuma turma no último horário daquele dia. Pelo menos para isso servira agüentar todo aquele excesso de atenção de Snape querendo meter-se em seu plano. Mas a glória seria apenas dele – ele não se esforçara o ano todo em vão. Só mais alguns corredores para a escada da Torre...
Mas Draco não havia planejado aquele encontro. Foi como se mergulhasse em um sonho involuntário que estivesse tentando esquecer ou simplesmente como se voltasse no tempo alguns meses. Vindo em uma direção paralela à dele Gina percebeu-o antes que Draco pudesse se esconder atrás de uma velha tapeçaria.
Eles se encararam ao mesmo tempo em que os pés de Draco frearam. Gina pareceu diminuir seus passos involuntariamente, mas sustentou um olhar firme no garoto. Ele não conseguia sequer distinguir seus sentimentos perante a presença dela no mesmo corredor. Começou a perguntar-se o motivo dela estar ali... será que o seguira? Potter andava desconfiado dele, será que contara para Gina e estar resolvera usar o passado dos dois para tentar arrancar-lhe informações? Ela não conseguiria...
Quase hesitando, ele continuou a andar sem olhá-la... Chegando perto dela, moveu-se para o lado para desviar e ignorar sua presença. Mas então Gina parou a poucos metros dele, ainda olhando-o. Algo gritou no peito de Draco e ele sabia então que não poderia simplesmente desprezar aquilo.

- O quê foi, Weasley? Está esperando o quê, que eu lhe dê uma esmola? – perguntou sem pensar. Era o que ele sempre fez de melhor, aliás, difamar os Weasley. Talvez acostumara-se com isso.
- Você sabe que isso não tem efeito comigo. – ela respondeu, simplesmente. Indecifravelmente.
- Que pena. Perdi meu dia. Adeus. – ele injetou o máximo de sarcasmo que pôde em suas palavras.
- Espere.
- Me faça um favor! Continue andando e me ignore, igualzinho como você faz em público, ok?
- Draco. – ela tornou a chamar.
Ele já havia dado as costas a ela, mas seu corpo pareceu enrijecer à chamada de seu nome. Então para ela ainda era Draco, não é?
- O quê você quer, Weasley? – perguntou furiosamente, virando-se. – Não está bom ser a dama-do-Potter e ser o assunto do momento de Hogwarts? Por que você quer minha atenção também? Por algum acaso você me seguiu?!
- Não seja infantil, acho que você sabe muito bem o porquê de eu estar falando com você neste momento.
- Porque você é louca. Volte para o Potter e me deixe em paz.
- Olhe para você. – ela segurou seu pulso quando ele girou nos calcanhares, obrigando-o a voltar-se para ela. Depois de tanto tempo que pareceu uma vida inteira, ele finalmente revia seus enormes olhos castanhos de perto. Analisando-o. Ele quase podia sentir em sua face. – Olheiras enormes. Pele mais pálida que o normal. Você ultimamente anda para lugares que parece nem saber onde vai dar, anda trêmulo, com olhares sem foco...
- Uau, por acaso você não contou quantas gramas de Pudim de Carne eu comi no meu último jantar?
- ...E você está colecionando detenções, pelo que eu ouvi dizer. E faz algum tempo, desde que...
- Oh, você acha que estou em algum tipo de depressão por sua causa? – ele abriu um enorme sorriso debochado. – Não mesmo, Weasley, eu jamais me rebaixaria a tanto.
- Eu jamais esperaria isso de você. Acho que te conheci o suficiente.
- Não – ele corrigiu-a. – Você nunca sequer verdadeiramente me conheceu. E pelo jeito, nem eu você. Então vamos deixar como está.
- Não sou eu quem está andando por corredores isolados, recebendo detenções por não cumprir deveres e agindo de maneira estranha diante de todo mundo.
- Exatamente. Essa é a diferença. – ele voltou-se para mais perto dela, finalmente encarando-a de igual para igual. – Eu não preciso ser um fantoche no meio da multidão. Eu costumava achar que a verdadeira Gina era aquela que ia me encontrar no corredor do sexto andar. Ou talvez preferisse achar. Mas você é só uma Weasley, afinal.
- Então parece que temos a mesma opinião. – Draco notou que ela erguera ligeiramente o tom de sua voz. Era quando estava decidida a assumir um tom imponente, perspicaz. – Eu me adapto a você quando estamos juntos, mas existe uma Gina padrão, eu sempre fui ela para o mundo. Você sabe disso. Quanto a você, Draco... – ela pausou por uma fração de segundo e deixou o nome soar com efeito no ar. Ele conseguiu ver algum brilho de comoção em seus olhos... – Você vivia a sua vida vendo as horas correrem, sei lá, aprisionado a essa imagem que você sempre deixou transparecer... E depois agia diferente quando a gente se encontrava. Talvez você se incomodasse com isso, mas aquele sim – aquele é o verdadeiro Draco Malfoy. É por ele que eu me arrisquei todo esse tempo indo te encontrar nos corredores do castelo.
Como ela ousava?! Como ousava invadí-lo assim, e sair caracterizando seus verdadeiros “eus”? Como se ela soubesse de todos os fatos, de tudo o que acontecera a ele, das circunstâncias...
Deveria ser proibido. Ele sempre ouvira dizer que as palavras podiam causar mais destruição do que uma varinha. Mas e quando ela tinha mais do que simples palavras a seu favor? Como ela podia usar cada palavra em tons diferentes, tornando suas frases melodias que ele podia ouvir horas e horas seguidas e ainda assim continuar a torturar-se sem visar fim? Devia haver um mecanismo que a impedisse de controlar aquele brilho nos olhos. Mas como, se ela mesma parecia ser indiferente ao próprio ato, sem nem ao mesmo transparecer um mínimo a consciência de que acabara de realizá-lo, e sem nem se preocupar em mostrar saber que aquilo atingia Draco no peito, como se ela tivesse poder sob um fantasma invisível que pudesse entrar nele e embaralhar todos os sentidos mais frágeis...
Até mesmo com a Oclumência, sua tão comum salvaguarda. Gina parecia saber que ele se despedaçava por dentro ao mesmo tempo que parecia saber o quão ele era bom em escondê-lo.
- Bom... Que pena. Eu sou um Malfoy e não há como eu livrar disso. Felizmente você já tem um substituto para ser seu objeto de desejo.
- Oh, é essa a resposta então, apenas? Você é um Malfoy e é fadado a agir estranhamente. Certo? – insistiu.
- Se você está esperando explicações...
- Não, não estou esperando explicações. – ela balançou a cabeça, cortando-o. – Até porque é algo inútil e cansativo demais. Bom, eu não quero te forçar a me falar nada. Eu só quis me manifestar, para mostrar também que eu estou prestando atenção nas suas atitudes, Draco.
- Estas geralmente são palavras de ameaça, Weasley. – ele respondeu em tom analítico.

Gina deu um suspiro profundo num gesto de extremo cansaço, que atingiu até seus olhos obrigando-os a fecharam de leve. O ato pareceu durar horas. Ele queria muito que ela dissesse realmente porque finalmente dirigira a palavra a ele de novo depois de tantos dias.
- Parece que você não entende minhas palavras. Ou então que você entende... Mas antes de responder precisa transformá-las em algo negativo.
- Então seja clara e direta, e pare com essas filosofias idiotas. – ele começou a ficar realmente irritado com a enrolação.
- Eu não estou te ameaçando. Eu não vim aqui pra te acusar de sei lá o quê. Não estou insinuando que você está assim por minha causa. Ou qualquer outra coisa que talvez você esteja pensando que envolva manipulação da minha parte. Eu quero que você saiba que sim, eu me preocupo, e...
- Se preocupa?! – Draco abafou um rápido riso - Potter não ia gostar de ouv...
- Eu não ligo para o quê você esteja se tornando. – ela cortou-o, ignorando. Novamente ergueu ligeiramente a voz, e dessa vez conseguiu calar qualquer frase dele, que, qualquer que fosse, ficou entalada em sua garganta juntando-se ao grande nó que já havia começado a se formar. – Você não vai me contar, eu sei, eu não quero saber o que diabos você está fazendo, entende? O principal motivo de eu estar falando com você é para te lembrar uma coisa que talvez você tenha se esquecido: existe um outro lado, Draco. Você não está fadado a nada. Você pode escapar dessa... maldição enquanto é tempo, e se você decidir fazer isso, não encontrará portas fechadas.

Draco demorou um minuto inteiro para digerir o que Gina estava lhe falando. Ficou absorto mais um minuto inteiro depois disso, apenas olhando-a vagamente sem parecer acreditar no que realmente estava ouvindo.
- Você... você não está... querendo que...
- Você entendeu, não foi? – ela tomou fôlego para o que parecia ser o clímax de sua conversa. – Todas essas... coisas que você está fazendo, ou parecendo fazer. Tem a ver com ele, não é? Você-Sabe-Quem. E talvez tudo isso tenha realmente te distraído ou te iludido para o lado Negro. Mas existe um outro lado, sempre existiu...
O olhar de Draco era de pura descrença. Eles estavam mesmo tendo aquela conversa que pareceram evitar durante todos os encontros que tiveram? E... Ela estava mesmo, de fato, convidando-o pessoalmente para mudar de lado, como se fosse apenas uma brincadeira de criança que você precisa apenas atravessar alguma linha invisível no chão?
- O quê a faz pensar... que dizer isso para mim fará algum efeito?
- Eu não sei. Mas talvez conte para você saber: eu estou do outro lado. E você está andando para a direção contrária. Cada vez mais.
Cada vez mais. Como se ela estivesse assistindo seu processo de gradação às Trevas em um filme. Então, se ele achava que essa sua vida vazia não tinha expectadores senão ele, estava enganado. E podia inclusive vê-la lamentando pelos rumos que ele tomava, os quais ele agia como se estivesse sendo arrastado por algum vento invisível.
Vivera seus últimos dias como se fosse um elfo doméstico encantado, que não precisa raciocinar, apenas agir... E demorara a conseguir tal efeito. Estava funcionando. Como ela podia chegar estragando tudo? Ver sua face audaciosa pedir com cautela para que ele parasse com tudo o que fora o motivo dele perder quase seu ano inteiro pareceu despertá-lo violentamente de sua própria rotina automática.
Não era o que ele estava planejando. O jeito com que ela falava parecia tornar tudo mais fácil... e o pior é que ele não conseguia ver absolutamente nada do ângulo dela.
- Isso... não... existe! – foi o que ele conseguiu dizer.
- Sim, isso existe! Eu já ouvi papai falar, existe bruxos que conseguiram mudar de lado a tempo da outra vez que Você-Sabe-Quem assumiu o poder!
- Mas é claro que sim, Weasley! – Draco não conseguiu se conter e automaticamente aumentou seu tom. Aquilo não poderia continuar parecendo a coisa mais fácil do mundo. – Disso, eu já sei! Mas agora me diga, quantos Malfoy mudaram de lado? Perguntou esse detalhe a seu pai?
- Não import...
- Não importa?! – ele estava perplexo. - Weasley, você já visitou a biblioteca, leu livros de curiosidades reais do mundo bruxo, das guerras...? Procure qualquer livro que envolva ódio aos nascidos trouxas, traidores do sangue e derivados, ou apenas uma citação, e você vai encontrar o sobrenome da minha família lá. Não sou eu quem começou com isso, muito menos meu pai! Está no sangue da minha família, no meu sangue desprezar todos os sangues-ruins! A causa do Lorde das Trevas é exatamente o que condiz com a tradição dos Malfoy!
- Antes de ser um Malfoy, você é o Draco, e existe um Draco que...
- Não existe nada! Eu estou fadado a isso desde o dia em que sai da barriga de minha mãe. Eu não posso sequer imaginar a sua proposta se realizando.
- Sirius Black nasceu em uma das maiores famílias puro-sangue conservadoras e contrariou a tudo quando foi para a Grifinória...
- E depois acabou perseguido e morto. – Draco completou. Ela pareceu querer continuar a falar, mas curiosamente conteve as palavras. Óbvio, ela não tinha como contra-argumentar a verdade, e a verdade era que ele não queria acabar como Sirius Black.
- Mas é um exemplo. E existe a tentativa, Draco! Você poderia contrariar todas essas suas crenças idiotas e salvar a si mesmo se você se desse a oportunidade! Não se afunde nesse lago até que seja tarde demais para emergir, me ouça... Nós podemos ganhar e você sair ileso, nós temos Dumbledore.
A frase final dela surtiu nele o mesmo efeito de um balde de água fria. Não muito pelas palavras, mas mais pela ligação entre elas e sua expressão ao dizê-las.
Oh, sim. Eles tinham Dumbledore. O mesmo Dumbledore que ele estava predestinado a matar.
Então depois que ele o fizesse, ela nunca mais poderia dizer essa frase com o brilho de esperança no olhar. Ela apenas o odiaria e amaldiçoaria esse momento que acabara de se seguir...
- O caso não sou eu, Weasley! Que droga, será que você não vê? O Lorde das Trevas tem a família Malfoy na palma da mão, principalmente agora... E nós, como meros fantoches, estamos com a varinha dele apontada diretamente para nossas caras! Eu poderia muito bem ir para o seu lado, mas acontece que o egoísmo que você conhece da minha parte não atinge minha família, então me desculpe se eu não quero ver meus pais mortos!
As palavras saíram tão rapidamente que ele mal pôde perceber. No final dera-se conta que poderia ter falado demais.
Tudo bem que ele não sentia a necessidade suficiente de esconder as coisas na frente dela. Tudo bem que a face esperançosa à sua frente o fazia sentir a obrigação de explicar-lhe tudo, e se preciso esvaziar o seu interior, deixar as informações fluírem até quando fosse necessário para ele se arrepender...
Mas tratava-se de assuntos de Lord Voldemort. E consequentemente, era algo mais que estava em jogo: sua vida. A vida de sua família. O que mais poderia ser-lhe tirado? Sua vulnerabilidade ridícula e momentânea que era arrancada de si por ela não deveria colocá-lo em risco.
- Eu... Entendo. Ele usou chantagem, como sempre faz.
- Não! – cortou, arrependido, por fim, de ter desabafado. - Ele não chantageou ninguém! Faça-me um favor... Esqueça, ok?
- Não! Não vou esquecer! Draco, Dumbledore pode...
- Eu não quero nada de Dumbledore! Eu não quero ajuda! E... e não quero mudar de lado. – ele respirou fundo e tomou fôlego. – Eu estou aqui porque quero estar. Porque sou um Malfoy que vai ser recompensado depois, e essa sim é a minha ambição.
- Então sua ambição é a mais idiota que eu já vi. Você está sendo prejudicado, e isso pode ser fatal...
Não, não ia funcionar assim...
- Weasley, entenda! – ele quase gritou. - Eu jamais me sucumbiria a isso, ser ajudado por vocês. – Ele permaneceu uma fração de segundo calado, apenas esperando alguma reação dela que não veio. – Jamais.

Mas então, para a surpresa de Draco, ela pareceu desistir.
Realmente desistir.
Conseguiu ler em seus olhos – e isso era fácil demais quando ela o permitia. Tinha o mesmo efeito de um grito ou qualquer outra coisa ensurdecedora. Ele viu-a suspirar pela última vez, dessa vez por alguns segundos a mais, e balançar levemente a cabeça. Ele chegou a pensar até que talvez estivessem faltando-lhe palavras, e talvez ele devesse comemorar tal efeito... Mas como? Ele morreria pelas palavras que se seguiriam. As desejava e ao mesmo tempo as temia, e nessa mixagem sua curiosidade consumia-lhe por dentro. Todos os seus pensamentos, emoções, fatos – sua vida estava sendo decidida ali. E como sempre, a razão comandava-o, indo na frente.
- Então nós chegamos ao ponto, finalmente. – ela disse misteriosamente. O tom de sua voz era quase triste, melódico. – Aqui está nosso principal inimigo... Nosso maior obstáculo... O seu orgulho.
- Eu não posso deixar de ser eu. Não me importa se você considera um idiota – esse sou eu.
- Não – ela lamentou. - A idiota sou eu, em persistir.
- Você devia ter previsto que eu...
- Talvez nós nos encontremos em outro mundo, ou outra dimensão, Draco. Sei lá. Existe muito mais além de guerras e lados aqui que servem de correnteza extra para nós. – ela piscou pesadamente e afastou-se um pouco dele. – Mas nós estamos... Como posso dizer? Em retas totalmente paralelas. Pensei que talvez houvesse um cruzamento, mas não há.
Ele tentou ignorar suas palavras o máximo que conseguiu – podia se torturar com elas mais tarde.
- É... Me desculpe. – sua voz soou fria, irônica demais para o que ele realmente sentia. Quis não ouvir sua próxima palavra, e por alguma fração de segundo insana considerou tapar os ouvidos. – Adeus.

Fez o possível pra ter a imagem de Voldemort em sua mente. Seu plano. Snape. Belatriz. Seus pais... Caminhos totalmente contrários à imagem de Gina à sua frente, próxima demais. Sua missão, que vinha involuntariamente à sua mente a cada minuto dos últimos dias e agora parecia tão difícil nublar seus pensamentos e sua visão... Por fim, virou-se. Esqueceu-se de guardar a última imagem dela antes de fazê-lo e agora era tarde.

Um, dois, três passos... Ele realmente estava indo.
Melhor seria se ele pudesse parar o tempo, porque seus pensamentos dividiam-se mergulhados na última fala dela. Queria poder absorver tudo e ao mesmo tempo dar meia volta sem precisar sofrer ainda mais depois. Depois, depois, depois... Desde quando ele apenas pensava do depois? Quando em sua vida inteira dera ênfase no presente?
Dez, onze, doze passos. Queria pelo menos olhar para trás. Ele não conseguia saber se ela ainda estava lá, parada. Precisava ver sua expressão. Sentia-se como uma criança que deseja um doce e, no entanto, não consegue alcançá-lo... Virou o corredor.
Seus pés frearam. E mesmo se ele virasse agora não conseguiria mais vê-la.

Ficou ali parado sentindo sua visão perder-se, desfocar-se... Talvez até suas pernas fraquejarem. Andar ou sustentar-se, afinal, pareciam agora atos tão vagos... Como tudo sempre fora em sua vida... Era apenas parte do pacote. Carregar tudo em vão: consciência, razão, hostilidade... e acabar perguntando-se o por quê.
E a covardia – ele sequer fora capaz de imaginar a proposta dela. Agora, pela primeira vez imaginava se ela realmente estava falando a verdade, imaginando se o aceitariam realmente de braços abertos quando tudo parecia estar fechado para ele e sua família, inclusive o lado cujo qual ele sempre pertencera.
Durante todas essas semanas de rotina automática sentira-se um garotinho perdido em um quarto escuro ouvindo vozes que apenas davam ordens. E agora que ela aproximara-se dele para falar em portas abertas, foi como se uma luz de repente surgisse dentro do quarto e conseguisse guiá-lo sem ele precisar esforçar-se mais pra ouvir tais vozes.
Mas como ele poderia ganhar de si mesmo – como poderia ignorar sua voz interior que insistia em gritar-lhe velhas crenças que jamais o abandonaria? Como poderia abandonar a si mesmo para ter a ela?
Oh sim, Weasley... Talvez em outro mundo, em outra dimensão... Mas e como faço para chegar até lá o mais rápido possível? - mentalizou a resposta nunca dita à uma fala dela que inundara sua mente apenas agora. Um outro mundo parecia a saída perfeita. Por um segundo, Draco flutuou nesse pensamento feliz – desejando com todo o seu corpo que se tornasse real. Pelo menos nisso a idéia dele e de Gina coincidiam.

Mas ela tinha Potter.
E toda a idéia de universo paralelo foi-se com a mesma rapidez que veio.
Ela não poderia estar machucada do mesmo jeito que ele – ela não tinha uma missão e tinha Harry Potter. E o maldito poderia estar procurando-a neste momento. Eles se encontrariam – senão hoje, alguma outra hora. E algum vestígio daquela paixão, ou devoção de garotinha boba – ele não sabia dizer – pelo herói Potter estaria intacta, sim, dentro de Gina. Sendo assim, Draco não parecia tomar um papel tão grande em sua vida, no fim das contas. Mesmo se ele fosse para o lado dela (não poderia deixar de supor) – o que aconteceria? Sempre haveria Potter. E ela ligada agora mais do que nunca ligada a ele. Ela fecharia os olhos naquela noite e dormiria em paz, porque ao menos tinha boas distrações.

Ele andaria como sempre fizera, talvez sem direção, sentindo uma corrente invisível levá-lo. Ele não encontraria ninguém. Se encontrasse, afastaria, porque seu humor amargo era o melhor de si. Teria uma luta contra as palavras que continuassem a soar em sua mente, as de Weasley agora para somar-se às que já o assombravam. Assim, assumiria sua função de marionete idiota para o Lorde das Trevas e quem sabe evitaria morrer e levar sua família junto. Para isso, pagava com sua tranqüilidade diária e seu sono noturno.

Eram diferenças gritantes, disso ele sempre soube. E como acabara de constatar, era quase assustador parar para refletir. Mais uma prova de que o simples ato de eles estarem próximos era algo que parecia longe das leis da existência – ela seria sempre rodeada por alguém e ele pela solidão.
Se ao menos pudesse fazer aquilo acabar! Sentia o ódio transbordar-lhe, e com ele, a pressa. Se chegasse logo o dia, se fizesse tudo como planejara – ele repetia diariamente para si mesmo que era capaz – então ganharia a glória prometida e não precisaria sequer pensar mais nela. Seria um passado coberto conforme as folhas velhas fossem caindo, dando lugar para novas. Era uma questão de tempo, de brigar com seus pensamentos vulneravelmente ridículos e dizer adeus para seja lá o que quisesse, como qualquer boa marionete de Voldemort. Marionete idiota, repetiu o pensamento. Detestável. Sentia-se um lixo por cumprir tal papel tão subordinado.
De repente ocorreu-lhe que não era apenas uma marionete. Era diferente das outras e sequer conseguia ficar feliz com isso. Com ameaças soando-lhe aos ouvidos e uma missão para cobrir uma sentença de morte, só pôde chegar à conclusão que era uma marionete de cristal – um simples erro, um desandar... poderia ser fatal. E quais cordas estariam ligadas à dele para serem arrastadas também ao abismo?

Abriu os olhos, cansado demais de repetir pensamentos e não chegar a lugar algum. Se ao menos pudesse pensar em outra coisa...
Mas faltava pouco. Muito pouco.

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