Jardim de ilusões



Não havia sentido em fugir, ela o encontraria. De novo, de novo e de novo. Com aqueles olhos castanhos que refletiam tudo o que ele precisava evitar. Resistir.
E ele tinha mil planos para evitá-la, mas todos, ao colocá-los em prática, falhavam.

O início? Fora como tudo era na vida dele – sem nenhum propósito. Ele sempre soube da existência dela desde o seu primeiro ano em Hogwarts, obviamente. Todos acabaram sabendo; ela se metera no escândalo da Câmara Secreta e quase fora morta. E ela gostava do Herói Potter. Na verdade, ela não só gostava, mas idolatrava, parecia ter um amor profundo e verdadeiro, ou até uma obsessão. E isso enojava Draco.

Na verdade, tudo o que se dizia a respeito de ‘dar algum crédito à Harry’ enojava Draco. Não, ele não tinha inveja, com certeza não. Tudo bem que receber um pouco de atenção às vezes era bom, mas ele acharia profundamente desgastante ser parado a todo tempo para mostrar uma cicatriz que para começo de conversa era nojenta.

E ela gostar de Potter não era nenhuma novidade. Ela era só mais uma Weasley, e idolatrar Harry Potter era só mais um motivo para Draco desprezá-la. E sempre foi muito fácil desprezar os Weasley, todos irritantes, com os seus ridículos cabelos ruivos e sardas... Draco nunca gostou de cabelos ruivos e sardas. E tinha pavor daquelas roupas de segunda mão e livros surrados que eles usavam. Tinha a plena certeza que se mataria se nascesse numa família como aquela.

Mas foi simplesmente... inevitável. Era esta a palavra certa? Não, ele não conseguiu perceber a tempo que estava muito próximo dela, não conseguiu sentir mais aquele ódio profundo que sentia pelos Weasley a partir do momento em que seus sentidos o alertaram de que ela era uma garota, e era uma bela garota; de uma personalidade incrível e palavras tão afiadas quanto as dele. Palavras e atitudes que passaram a fazê-lo ter a necessidade de procurá-la e de jogar-lhe outras palavras ácidas para ao menos tentar atingi-la por dentro, de verdade e de fazê-la ver do que ele era realmente capaz.
Porque isso só acontecera com freqüência no primeiro ano da garota, quando ela era dominada por aquele diário e vivia assustada. Era prazeroso demais ver o espanto em seus olhos ou ver seu rosto sardento se enrugar em uma raiva reprimida e talvez um choro abafado. Tanto quanto foi frustrante vê-la mudar e não se abalar mais com as palavras dele. Ele podia contar nos dedos as únicas vezes que, depois da mudança, ela realmente perdeu a paciência com ele. Mas ele precisou buscar mais reações. Era a sua ração diária. Ela era peça-chave de seu dia, a garota Weasley, antes era divertido e ideal demais por ela ser a caçula Weasley, o alvo ideal para todas as flechadas de Draco; depois se tornara necessário pois ela era a única que conseguia com rapidez respostas à altura para derruba-lo do topo, ninguém mais causava aquele efeito, era como se ela tivesse peças de um Quebra-Cabeça que ele tentava completar. Procurava-a, então, com o canto dos olhos por onde andava e chegou até a pensar em xingamentos de noite para atirar a ela no dia seguinte. E ele se divertia muito com isso.

Até o dia em que seus hormônios, malditos hormônios, entraram na história. E disseram-no que era por ela que sua nuca iria arrepiar-se, eram por ela que suas palavras iriam sumir, era ela o motivo da nova mania dele de estalar o dedo todas as vezes que a via com Miguel Corner... Até o momento em que seus lábios finalmente encontraram o dela, depois de uma verdadeira eternidade. O momento em que ambos precisaram lembrar um ao outro, sem uso de palavras, que eles haviam crescido demais. Uma pequena observação de que ele era o garoto, ela a garota.

E lá estava ela. Aliás, ele não a via, apenas via a sombra de sua silhueta que dançava ao lado dele e denunciava que ela se aproximava... Ele, como sempre, sentiu um leve arrepio na nuca. Ele tinha certeza de que, mesmo sem dizer, ela adorava provocá-lo, assim, chegando de repente.

- Escondendo-se muito?
Ele suspirou. Fechou os olhos por um segundo e virou-se. Ela sorria com os dois cantos da boca.
- Não tenha tanta certeza disso, Weasley. – respondeu, não conseguindo encontrar muitas palavras.
- Oh. E o quê está fazendo aqui, afastado de tudo e de todos?

E seu plano falhou de novo quando ela abriu um outro sorriso. Virando levemente a cabeça para os lados, olhou-a com o canto dos olhos por um milésimo e a beijou. Só assim se sentia em paz. Completo, talvez. No começo, quando ele a beijava, costumava se sentir um completo anormal, e essa sensação demorava a passar. Agora ele já estava acostumado com toda essa perturbação. Sua mente era apenas fumaça quando os lábios dela encontravam os seus.
Sentiu os cabelos dela com as mãos. Os fios finos deslizavam pelos seus dedos enquanto ele sentia o doce da sua boca. O cheiro do perfume se acentuava cada vez mais, até ela quebrar o encanto e mirá-lo com os grandes olhos castanhos.

- Algo está te incomodando. – ela disse simplesmente. Já não sorria. Ao mesmo tempo, não era um tom de acusação. Soava mais como uma observação.
- Não. – ele disse, debilmente.
- Eu não te perguntei, Draco, eu afirmei.
- Eu sei, Weasley. E mesmo que algo realmente estivesse me incomodando – ele aproximou-se alguns centímetros dela – eu não precisaria te contar o quê é, precisaria?
A expressão dela não mudou. Raramente mudava. Era sempre ela, a Gina determinada, com o mesmo ar de esperteza.
- Se diz respeito a mim, obviamente sim. – respondeu, de modo que Draco teve certeza de que ela sabia que se tratava dela. Como ela conseguia?
- Esqueça isso, ok?
- Vamos lá, Draco. Você sabe que não precisa esconder as coisas de mim.
Draco abafou um riso.
- Você acha que está falando com quem, Harry Potter? – ironizou. - Devo te lembrar, Weasley, de que não somos um casal comum.
- E eu devo te lembrar de que não somos sequer um casal, não é? – retrucou, sua voz pesada de ironia também.
- Sim, mas olhe bem para o quê você disse. Esconder as coisas de você? É mais fácil eu dizer o quê eu não escondo de você, e o quê você não esconde de mim.
- É a conseqüência de estar com um Malfoy.
- Ou com uma Weasley.
- Não, o problema aqui é você, acho que nós dois temos de concordar nesse quesito.
Agora Draco riu com vontade.
- Não para o mundo em que eu vivo, Weasley. – ele arqueou uma sobrancelha e sorriu de canto. Típico de Draco para enfatizar alguma coisa. Gina suspirou.
- Essas conversas são cansativas demais. Caso você não tenha percebido, sempre que abrimos a boca para conversar, acabamos tomando posições diferentes em discussões. Você não poderia simplesmente dizer o quê está te incomodando?

Draco encarou-a por alguns segundos. Abriu levemente a boca, depois a fechou. Abriu de novo, determinado a falar, ou vomitar o quê tinha ensaiado para falar. Uma atitude que ele considerava ridícula, aliás.

- Essa... situação. – murmurou.
Gina inclinou um pouco a cabeça para o lado, fazendo uma cara de interrogação.
- Tudo isso... está me matando, Weasley. Está tudo muito errado aqui dentro. Eu preciso... Preciso pôr as coisas no lugar, eu não sei. Só consigo sentir que estou andando fora de uma linha. Eu precisava acabar com isso...
Conjugara o último verbo errado. Queria ter falado “preciso”, mas não conseguiu. No fim sentiu que falara demais. Desabafara demais. Abrira-se demais. Talvez por tentar encontrar uma explicação plausível para dar a ela...
- Você está falando sobre...
- Sim. Nós.
- Acabar com isso...? – ela repetiu, dando um leve tom de pergunta.
Então ela prestara atenção o suficiente. Nenhum dos dois podia negar: eles se entendiam. Mais do que pensavam, por sinal. Ela com certeza estava ciente de que ele não queria dizer aquilo. Ela lia cada palavra que passava pela mente dele, às vezes, e isto o assustava. Mas mais do que assustava... fascinava. Ninguém nunca dera tanta importância nas frases de sentido que lhe rondava a mente, e talvez por isso ele sempre fora tão bom no jogo das palavras.
Agora ele tinha trabalho extra, e precisava pensar duas vezes antes de dizer algo para Gina Weasley.
- Eu sempre precisei. – disse, finalmente.
Além do mais, ela era forte. Forte nas palavras, também, e forte nas expressões. A segurança que exibia às vezes irritava Draco, de tão perfeita que era. Era o seu jeito, o mesmo jeito quando ela lhe dirigiu a palavra pela primeira vez na Floreios e Borrões, defendendo Harry Potter.
- Isso é meio óbvio, não? – ela levou a mão esquerda ao cabelo, mesmo pouco percebendo o próprio ato, ajeitou uma mecha atrás da orelha e olhou rapidamente para baixo em um gesto pensativo. – Desde o começo sabíamos que não era certo. Mas aqui estamos, Draco. Todo esse tempo. Eu também me pergunto como deixamos todo esse tempo passar, sem que sequer percebamos...
- Para você é fácil não perceber. Você simplesmente age como se não houvesse nós.
- Do que é que está falando? Você por um acaso quer que os outros saibam que...
- Não estou falando dos outros. Estou falando de você. Você namora o Thomas e me beija nos corredores. Para você isso não é traição?
- De novo isso? – ela finalmente então cessou com sua expressão de certeza. O efeito que Draco planejara: Gina assumiu um leve tom de culpa. – Dino não é meu namorado, pelo amor de Merlim... Ele é só um... “ficante”.
Draco riu da dificuldade dela em encontrar as palavras.
- A escola toda acha que vocês são namorados. Se duvidar até ele acha, Weasley.
- Ora, não me interessa o que a escola acha ou não. E eu esclareci sim para o Dino que não somos namorados oficiais, se você quer saber.
- Mas se ele descobrisse que você tem mais alguém com certeza acharia antiético, não acharia? – ele perguntou, divertindo-se.
- Ok, Draco. É antiético. É errado. – ela deu um suspiro profundo. – Mas você não percebe? Fiz isso por você. Faço isso por você. Eu realmente esclareci para ele que não é namoro. Ele é um garoto legal, muito legal, aliás, e sempre foi carinhoso comigo, e mesmo assim eu disse não quando ele me pediu em namoro de verdade. Porque eu estava com você. Eu já lhe disse isso e você mesmo pediu para nunca mais falarmos no assunto, até porque ninguém nunca descobrirá nada sobre nós.
Fim da diversão, Draco Malfoy. Por um momento, ela o fez se sentir igual antes: um garotinho perto das palavras dela, que pareciam ser de repente muito grandes. Mas...
- É... eu sei. – cortou rapidamente. - No entanto, Thomas não é o problema principal... Aliás, problema definitivamente não é a palavra certa...
- E qual é o principal?
Ele estreitou os olhos, procurando vestígios.
-Tem uma quarta pessoa nessa história, e tenho certeza de que você sabe de quem se trata.
- Não faço idéia, Draco.
Não adiantaria procurar por respostas em sua expressão. Então procurou pelas palavras, que é o que ele fazia de melhor.
- Já faz algum tempo... Ele vem te olhando... Eu percebo, Weasley. Você pode achar que não, mas está claro como a água.
Ela não disse nada. Apenas encarou-o, piscando de leve.
- Potter. – ele completou.
A boca dela então se abriu de leve, talvez pela sensação causada ao ouvir aquele nome ali, entre ela e Draco, sobre uma situação no mínimo delicada. Ela tentou falar algo, mas pareceu desistir. Mexera com os sentidos dela, e isso era mais do que Draco acharia triunfal. Porém, não se sentiu satisfeito ao vê-la girar os olhos em um tom que denunciava que estava demorando a digerir uma informação. Não... Draco se sentiu incomodado. Mais do que isso, sentiu raiva. Sim, uma leve raiva, e a imagem de Gina com onze anos apareceu em sua cabeça, suspirando por Harry Potter, o herói...
- Então vai ser isso, não? Agora é só descartar Dino Thomas e esperar o pedido de namoro de Potter. Imagino que esse você vai aceitar...? E vai terminar esse caso comigo também, obviamente?
- Pode parar por aí, Draco! Eu não disse nada e você já coloca mil palavras na minha boca...
- Diga, então. Diga que em você não resta nem um pouco daquele sentimento de obsessão pelo Potter-perfeito de anos atrás e que você não está feliz com o Cabeça Rachada olhando para você em tudo quanto é lugar que você vai...
- Eu sequer havia percebido que o Harry estava interessado em mim!
A maneira de ela dizer o nome Harry o irritou profundamente.
- Eu não acredito em você. – ele disse rápido. – Vamos, me diz que não está feliz...
- E tem mais: sabe Merlim se essa história é verdade! Você deve estar vendo coisas onde não há! Provavelmente é isso.
- Você sabe que não é.
- Eu não sei nada!
Eles se encaram por alguns segundos. Se ele não fosse Draco Malfoy, ele imploraria para ela confessar que sabia, que percebera o interesse de Potter... porque não, ele não estava cego, nem de ciúmes ou de qualquer outra coisa. Tinha certeza de que vira, no mínimo umas vinte vezes, Harry Potter olhando para Gina com outros olhos. Isso o enojara todas as vezes e, em todas as vezes, o provocara vontade de gritar-lhe na cara de que ele, Draco Malfoy, a possuía, e Potter não.
- Eu não estou inventando! – insistiu – Eu tenho a certeza absoluta do que estou dizendo, tanto quanto tenho certeza de que você já percebeu isso também. Então pare de se fazer de desentendida e confesse logo pelo menos isso. Não vai mudar em nada o meu pensamento.
Torceu internamente para que ela confessasse logo. Aquilo de repente ficara cansativo demais, e ele não estava mais suportando falar sobre Harry Potter. Principalmente porque se tratava do interesse de seu maior inimigo na garota cujos lábios ele beijara a poucos minutos...
- Eu estou dizendo a verdade – ela disse em tom calmo – Draco... Você tem a certeza absoluta do que você está falando? Por favor, não invente coisas assim para...
- Não-estou-inventando! – aumentou ligeiramente a voz e ela olhou de imediato para os lados em gesto de protesto – O quê a faz pensar que eu inventaria uma coisa ridícula dessas? E por que é que você está tão interessada em saber mais da história? Vai finalmente confessar que está pulando de felicidade por dentro? Vai voltar a ficar sem graça e vermelha quando o ver?
- Eu treino quadribol com Harry, vejo-o no mínimo duas vezes por dia só na sala comunal, ele praticamente mora em minha casa nas férias... E eu não percebi nenhum tipo de interesse amoroso da parte dele por mim. E se isso fosse verdade, eu realmente voltaria a ficar um pouco sem graça na frente dele, mas não por causa do meu interesse por ele, mas pelo suposto interesse dele por mim!
Draco não respondeu imediatamente. E fez questão de expressar em sua face que ele simplesmente não acreditava em suas afirmações.
- Não minta para mim.
Ainda com a boca aberta, ela suspirou e fechou os olhos. Levou a mão novamente ao cabelo e ajeitou os fios ruivos, que deslizaram suavemente pelos seus ombros.
- Ora. – Gina começou em um novo tom, levando os olhos do chão até os olhos cinza de Draco – Por que é que estamos discutindo isso? – perguntou numa voz indiferente. - Não somos sequer um casal, lembra-se? Não devemos satisfações um ao outro. Não falamos sobre isso. Não precisamos falar sobre isso. Não gostamos das mesmas coisas, não gostamos das mesmas pessoas, não deveríamos estar juntos; logo não precisamos sequer abrir a boca para conversar sobre o nosso redor. Não somos namorados, Draco Malfoy.
Com um baque, ele caiu na verdade. Aliás... ele sempre esteve na verdade. Toda a perturbação interior... ele sempre soube que vivia uma mentira, e essa era a única verdade. No entanto, isso não lhe satisfez; longe disso... Não queria dar a Gina a fuga de assumir a realidade, não podia deixar de falar sobre isso com ela. Queria mais do que ouvir da boca dela, queria sentir e ter certeza de que Potter jamais chegaria muito próximo dela assim como ele fazia, que ele jamais tocaria o rosto de Gina com as mãos...
- Eu não quero beijar a mesma boca que Potter!
Pensou alto. Um tanto alto demais... Estavam num corredor deserto, mas sequer importou à Draco se estava deserto ou não... Ela precisava entender a súplica em suas palavras, mas não como súplicas... Era uma coisa tão óbvia...
E ela pareceu se dividir entre a preocupação em ver se alguém havia ouvido-o e o choque das palavras de Draco. Pareceu reprimir um sentimento ruim e por um momento ele achou que ela iria azará-lo com a varinha, mas então ela apenas se virou para ir embora. Ele assistiu em câmera lenta ela dar dois, três passos... Acabaria ali, então? Era o que ele precisava que acontecesse, não era?
- Weasley... espera. – ele pediu, embora não fosse ele quem estivesse pedindo. Não ele, Draco Malfoy, orgulhoso e dono da razão. Algo com certeza havia entrado em seu corpo, corrompendo os seus sentidos e deixando-o ridiculamente vulnerável...
Mas Gina parou, e embora não se virou instantaneamente Draco se sentiu aliviado vê-la ficar.
- Sabe qual é o seu problema, Draco? – ela disse calmamente e então girou os calcanhares. – Você está dividido. Completamente dividido. E isso está te deixando perdido no meio de tantas conseqüências.
Ela pausou esperando que ele falasse algo, mas ele não o fez.
- Um lado seu, o lado que você dá maior atenção porque é o lado da razão, te diz que isso tudo é loucura. No pior caso deve permanecer sendo nosso maior segredo possível, e que quanto menos você me ver, melhor. – ela deu dois passos pequenos para chegar mais perto dele. – O outro lado, Draco, grita, implora para que você ceda pelo menos um pouco da emoção que há dentro de você. Você não está sabendo manipulá-lo direito e ele vem à tona nas horas menos propícias. Você acabou de dizer em outras palavras que está com ciúmes do Harry, mas eu te pergunto: o quê você realmente sente, Draco Malfoy? Você gosta demais de mim para me ver com o seu rival ou você está se agitando por dentro na vontade de dizer para ele que você já tem o que ele possivelmente quer?
- Você disse ciúmes? Weasley, isso está ficando ridículo. – ele forçou uma risada, fingindo não ter ouvido nada do resto. A expressão dela não mudou.
-... Ou talvez sejam as duas coisas? – completou, também o ignorando.
Ele sentiu o sorriso esvair-se de leve... Ela podia ter simplesmente afirmado a última frase. Seria de um tom quase idêntico.
- Dói em você, Draco? – ela quebrou ainda mais as paredes de defesa dele. – Confessar?
Alguma coisa afundava dentro dele. Um efeito que só ela conseguia causar. Algo parecia desmoronar, simplesmente assim, e ele tinha quase certeza de que era a sua autoconfiança. Ela falava serenamente, como quando ele observava-a falar alguma coisa sem importância para algum outro irmão seu. Ao mesmo tempo era uma voz serena que pressionava, forçava algo, entrava pelos ouvidos de Draco bagunçando suas memórias. Bagunçando tudo. Como ela bagunçava sua vida.
- Você está realmente... – ele respondeu quase soletrando as sílabas - ...esperando uma resposta de mim?
Um sorriso torto de decepção vacilou nos lábios dela. Por um momento ele teve certeza de que a resposta seria afirmativa.
- Não. – os olhos castanhos dela baixaram e ela respirou forte suspirando em seguida. – Não... Já desisti disso faz um tempo. É inútil e cansativo demais esperar que você faça isso. Não estou esperando que você revele algo para mim. Não você, Draco Malfoy.
Algo daquele gesto atingiu-o de tal maneira que nem ele foi capaz de conter-se.
- Bom, eu não sou tão previsível assim às vezes. – disse e a beijou, precisando dar um passo largo à frente.
E no segundo seguinte não havia mais as ditas barreiras da sua autoconfiança. Aliás, não havia mais sarcasmos ou ironia que ele pudesse atirar. Tudo isso parecei simplesmente esvair-se em uma pequena fumaça, virara apenas pó que seria levado com o vento mais tarde... algum tempo que ele nem veria chegar... Havia apenas ele e Gina. Num mesmo lugar, numa mesma situação, com um sentimento totalmente semelhante, pois eles eram apenas um. Colados, entrelaçados, de um jeito que absolutamente nada pudesse separar...
Nada. Além deles mesmos.

- Esqueça o Harry. – ela sussurrou quando suas bocas finalmente se separaram.

Ele não conseguiu sequer forjar um sorriso torto. Ao contrário, seu rosto mantinha a expressão de incômodo. Pensamentos começaram a invadir-lhe... será que havia feito certo em contar-lhe sobre Potter? Talvez ela começasse a reparar mais no garoto também, e percebesse que ele de fato estava cada vez mais atento a cada gesto dela... Harry e Gina sem querer estavam sempre unidos, como ela havia dito. Mesma casa, jogavam Quadribol juntos, Harry era quase um Weasley... O mundo parecia conspirar a favor dos dois. O único empecilho era supostamente Dino Thomas, que não duraria para sempre. E, para Gina, ele... Draco. Que obviamente também não duraria para sempre. Ocorreu-lhe, pela primeira vez, que um dia teriam que assumir um ao outro que nunca mais se encontrariam às escondidas. Então essa história tornaria-se apenas um rascunho para que o verdadeiro romance da vida de Gina Weasley fosse escrito depois, com Harry Potter como novo protagonista? Porque ele sim... Apesar de ter uma Guerra pré-travada com Voldemort, ele poderia sobreviver... e poderia tranquilamente ser feliz para sempre com a garota que estava parada em sua frente agora.
Mesmo depois de ela amá-lo tanto por anos no começo de sua adolescência e ele sequer notá-la. Porque ela era a mesma, afinal... Gina Weasley, desde o começo, e por que ele só foi perceber que ela estava ali agora?
Observou-a por um instante. A cabeça dela estava levemente curvada e ela ora olhava para ele, ora deixava seus olhos saírem de foco. Também parecia absorta em pensamentos. Draco imaginou se ela também estaria pensando no mesmo que ele. Por um momento passou-lhe pela cabeça pedir para ela prometer não se envolver com Harry Potter, mas desistiu. Primeiro porque era ridículo, e segundo, era doloroso admitir, porque no fundo sentia que acabaria acontecendo. Se Potter realmente estivesse interessado nela, eles terminariam juntos. O único que poderia impedir isso era ele próprio – Draco Malfoy. Conseguia sentir que Gina não estava com ele em vão, e nunca soube se isso o deixava com sentimentos bons ou ruins, pois nunca conseguiu ver nada no futuro da relação dele além de fumaças negras. E sim, ele poderia derrubar o sonho de Harry Potter de ter Gina, pela primeira vez triunfar publicamente sobre o Menino-Que-Sobreviveu, e ter ela só para ele, para sempre.
Mas, ao mesmo tempo, ele não podia. Pelo mesmo e único motivo. Por ele ser Draco Malfoy. Malfoy. Filho de Lúcio Malfoy, agora preso em Azkaban por fracassar na missão que Lord Voldemort havia lhe dado. Filho de Narcisa, cujo desespero se tornara palpável desde que descobrira que seu querido filho havia ganhado uma missão das trevas também.
Era este o seu lado. Era isto o que Draco estava se tornando. E Gina estava lá... muito longe... Do outro lado.

- Em que você está pensando? – ela indagou, de repente. Draco piscou duas vezes antes de mirá-la novamente.
- Em até quando isto vai durar.
Observou a reação dela. As sobrancelhas da garota contraíram-se levemente, mas ela pareceu entender.
- Você já pensou nisso, Weasley? – ele insistiu calmamente. Ela ergueu os olhos.
- Já. Já pensei muitas vezes nisso, Draco.
Ele surpreendeu-se com a resposta no início. Depois, pensando melhor, era uma coisa óbvia, que ele não conseguiu descobrir o porquê de só ter se indagado sobre isso depois de todo esse tempo. Talvez estivesse andado absorto demais...
- Você chegou a alguma conclusão? – perguntou Gina, e seu tom soou um pouco debochado.
- Como poderia? – ele respondeu – Eu não prevejo futuro. Principalmente futuros como esse...
- Futuros incertos. Não é?
Draco nada pode fazer, além de assentir. Parecia ser a primeira vez em que concordavam assim em algo. De fato, era a primeira conversa mais amigável que tinham. Geralmente pouco conversavam, e quando conversavam, era para discutir opiniões que tomavam rumos totalmente contrários. Era estranho mas, ao mesmo tempo, agradável dar um tempo com as competições de palavras entre ele e Gina. Naquele instante chegou à conclusão de que tudo estaria ligado a um sentimento bom se Gina estivesse associada também.
- Estou esperando você pedir minha opinião. – ela brincou forjando uma careta autoritária.
Draco sorriu levemente com o canto direito de sua boca e ergueu as sobrancelhas como se fizesse a pergunta.
- Ok, Draco. Eu diria que cheguei à conclusão de que nosso futuro é certo até aonde nós decidirmos ser certo.

De fato era. Draco deixou-se perder em alguns devaneios enquanto ela o abraçou.
Porque ela não sabia que a decisão estaria tão próxima deles.
Ela beijou-o.
Mas ela não sabia que agora este garoto que a beijava estava mais envolvido com o lado negro do que nunca.
Ela não sabia que Dumbledore, o diretor que ela tanto venerava por confortar-se com a idéia de que era a única pessoa que Lorde Voldemort temia, estava predestinado a morrer, e pelas mãos de quem ela acariciava os fios loiros e sedosos neste mesmo momento.
Ela não sabia que seus sentimentos de afeto por Draco passariam automaticamente a ser de pura raiva e desprezo daqui a poucos meses.

Ela sequer sonhava com o fato de que aquele pudesse ser o último beijo.

Depois de alguns minutos que pareceram segundos, talvez os últimos, eles finalmente se separaram. Como sempre faziam, Gina saiu primeiro do repartimento dos corredores que estava e Draco não agüentou olhá-la pelas costas ainda tomado por pensamentos de perda. Um sentimento ruim atacava-lhe e gritava em seu íntimo que ele jamais a teria nos braços novamente. Por um segundo pensou em correr até a garota, fez um movimento que denunciou seu desejo... e parou. Não podia mais. Desejara isso antes, que tudo acabasse, e que se acabasse também a culpa; e agora isto lhe parecia um castigo que escaldava-lhe as têmporas... Fizera sua escolha, e constatou que escolhas machucavam no íntimo. Fora como precisar quebrar um vaso de cristal, valioso demais, para conseguir algo que estivesse em seu interior.
Queria pelo menos ter dito as palavras certas, antes que sentir que nunca mais teria a oportunidade. Mas quais palavras certas? Não havia palavras que iriam fazê-lo satisfeito agora sem contrariá-lo depois. Tudo, de algum jeito, iria voltar-se contra ele. Inclusive ela. Ela, que fora sua sina, seu pecado, e sua maldição.

De repente, tudo em sua vida havia se tornado mera hipocrisia. Um jardim de ilusões. E Gina fora, por tanto tempo, suas flores... agora, olhando de perto, flores de plástico.

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