DOZE
Doze
- Eu não estou cansada - insisti para o Jim durante o almoço no dia seguinte. - Dormi um pouco no hospital- acrescentei. - Não me faça voltar para casa. Eu e Joelle ficamos vinte horas juntas. Isso é praticamente o máximo que conseguimos suportar.
O médico havia liberado Joelle às nove horas da manhã, recomendando repouso absoluto. Às dez, começamos a nos irritar uma com a outra. Às onze, Joelle teria dito "gostaria que você fosse trabalhar". Brigamos por causa disso, e eu telefonei para a nossa vizinha de doze anos. Mandy ficou feliz de ganhar uns trocados para ir lá em casa, ficar esquentando sopa e olhando Joelle.
- Você ligou para os seus pais? - Jim me perguntava agora, encostando-se em sua cadeira no escritório.
- Joelle não iria deixar. Eu não sabia o que fazer, Jim. Ela ficou triste, começou a chorar e me implorou para não ligar pra eles. Eu não queria piorar as coisas. Quer dizer, sei que foi culpa minha. Eu fiz com que ela se sentisse como um grande problema. É tudo culpa minha.
- Não é culpa de ninguém, Hermione. E você não pode exigir que Joelle seja racional num momento desses. É você que precisa manter a cabeça no lugar. O que o médico disse?
- Pra manter ela na cama. E ligar imediatamente se ela começasse a sangrar de novo. Amanhã ela vai voltar lá.
- Consegue segurar essa barra?
Fiz que sim com a cabeça.
- Bom- disse Jim, e escreveu algo num pedaço de papel- Aqui está o meu telefone. Pode me ligar a qualquer hora, por qualquer motivo, mesmo que você só queira mais uma pessoa por perto. Se você me ligar às três da manhã, já estarei a caminho de sua casa um minuto depois. Levando uma pizza.
Sorri um pouco, olhei o número, então coloquei o papel no meu bolso.
- Obrigada, Jim.
- E não se preocupe com a noitada do acampamento na quinta. Eu arranjo uma substituição - disse ele. - Para onde eu devo mandar o Hau e as crianças hoje à tarde? – Ainda estava chovendo e o campo estava encharcado. - Para o antigo ginásio?
Concordei, feliz porque teria a ajuda de Hau durante o turno.
Hau chegou ao ginásio carregando um bolo de cartões feitos por suas crianças. Abri cada um deles. "Espero que fique melhor", eu li.
- Obrigada, Tam. Obrigada a todos. Minha irmã vai adorar esses cartões - ainda que Joelle enfiasse todos eles na prateleira mais alta junto dos ursos de Harry, os cartões desenhados já haviam melhorado o meu humor.
Mais tarde, quando Jim trouxe o grupo da segunda série, eles vieram marchando como anjinhos.
- Só para mostrar - sussurrou Jim - Que, quando querem, conseguem se comportar.
Nenhum deles implicou com Miguel naquele dia. Não sei se foi o bom comportamento das outras crianças ou o treino do dia anterior que havia aumentado sua confiança, mas Miguel parecia mais feliz e fez duas cestas, o que é bastante para alguém da altura dele. Trabalhar com as crianças do acampamento realmente me ajudou naquela tarde. Fiquei triste quando Jim voltou para levá-las para o ônibus.
De qualquer modo, Jim estava tornando as coisas mais fáceis para mim, bancando o anjo da guarda. E eu ainda não tinha precisado encarar Harry. Ele já havia me visto com raiva antes; certamente, acreditava que eu era capaz de dizer coisas mesquinhas para Joelle e deixá-la deprimida. Ele me lançaria aquele olhar de investigação; talvez percebesse quanto eu estava temerosa por ela e pelo Camarada. E eu não conseguiria suportar isso; não conseguiria lidar com alguém que me deixasse ainda mais vulnerável.
Eu me sentei na fileira mais baixa da arquibancada e comecei a desatar uns nós antigos no cordão da sacola da bola de basquete. Gosto de ginásios silenciosos. Consigo rezar melhor em velhos ginásios acinzentados de escola do que em igrejas. Curvei o tronco sobre a sacola da bola, segurando os nós da mesma maneira que minha avó costumava segurar as contas do rosário, e comecei a rezar por Joelle. E por mim também.
- Hermione? Você tá bem?
A voz de Gina me assustou.
- Claro, claro. Só estou organizando as coisas.
Ela cruzou a quadra, vindo em minha direção.
- Como está a Joelle?
- Bem. Vai voltar ao médico amanhã. Ela tá um pouquinho balançada, mas acho que vai ficar bem.
- E você? - perguntou Gina, sentando-se ao meu lado.
- Um pouco como a Joelle, eu acho.
- Sinto muito. Deve tá difícil para você, né? Eu me lembro quando a minha mãe sofreu aquele acidente de carro. Às vezes, é mais apavorante ser a pessoa que está tentando ajudar do que a que precisa de ajuda.
Engoli seco.
- Tentei te ligar ontem à noite. Eu estava muito preocupada - ela disse. Seus grandes olhos cinza mostravam isso.
- Eu sei. Peguei as suas mensagens hoje de manhã.
- Liguei pro Harry. Ele também ficou preocupado.
Eu me ergui para recolher as bolas de basquete. Gina andou para o canto oposto, para pegar uma bola desgarrada, então fingiu que estava fazendo uma cesta. Deu um de seus saltos de ballet, alcançando uma altura incrível para a sua estatura.
- Já te disse, o esporte teve uma grande perda quando você resolveu se dedicar à dança - falei.
- Eu estou amando - ela sorriu para mim. - Eu estou amando o que estou aprendendo aqui. E devo isso a você, Hermione. Por não ter me deixado desistir.
- Você é muito boa para desistir - sorri de volta.
- Estava falando sobre isso, ontem à noite - ela disse - Sobre como você me empurrou para fora daquela loja e me deu um sermão. Eu contei pro Harry.
Desejei que ela parasse de mencionar o nome dele. Na primeira mensagem que Gina me deixou, antes de falar que estava muito preocupada comigo, ela havia dito que queria conversar sobre Harry.
- Preciso de mais alguns conselhos - ela falou.
Enfiei duas bolas na sacola e, então, estiquei minha mão para pegar aquela com a qual ela brincava.
- É sobre o Harry - acrescentou Gina.
- E ele?
- Eu realmente gosto dele, Hermione - ela enrolava os seus longos cabelos ruivos ao redor dos dedos. - Quero dizer, de verdade.
Sacudi a cabeça, concordando.
- Mas ele não pára de querer me ver, e me ver de novo. É tão estranho... - ela disse.
De fato, essa era uma típica reação masculina a Gina. A parte mais estranha disso tudo era que Gina continuava querendo se encontrar com ele. Eu tinha achado o Harry convencido quando ele me dissera que não precisaria da minha ajuda para ter um encontro, mas percebi que ele estava acostumado a conseguir as garotas que queria.
- Não sei o que fazer - suspirou Gina.
Tive uma vontade inesperada de levantar a sacola das bolas acima da minha cabeça, começar a girá-la pelo cordão e, então, soltá-la no ar.
- Que tal aproveitar? - sugeri baixinho.
- Eu gostaria de poder - ela me contou. - Se, ao menos, eu não estivesse tendo essas aulas com o Dan.
- Dan? Quem é Dan?
- Um outro aluno. Ele estuda em Kirbysmith e é um excelente bailarino. A professora diz que nós somos perfeitos juntos. Ele namora firme com a mesma garota desde o primeiro ano do segundo grau e sempre achou que fossem ficar juntos para o resto da vida. Mas agora que a gente se conheceu, ele não está mais tão certo.
É claro. Um cara com uma namorada. Um aluno de faculdade que está comprometido com a mesma garota desde o segundo grau. Eu tive vontade de berrar e sair correndo por entre os bancos de madeira.
- Você acha que tudo bem se eu sair com Harry e Dan ao mesmo tempo? Eu contaria a eles, é claro. Não os enganaria com falsas expectativas. E mostraria que cada um deles é único para mim.
- Isso seria legal da sua parte - eu disse.
Ela percebeu o tom da minha voz e me olhou rindo.
- Entendi. Você não acha que seria legal.
O que é que eu podia falar? Que eu a achava uma safada por ficar correndo atrás do namorado de outra? Para tirar as mãos do Dan? Se eu dissesse isso, eu a empurraria mais ainda para perto do Harry. O que, é claro, seria a coisa certa a fazer porque, assim, ela não partiria o coração de outra garota. Pelo menos não da namorada do Dan.
Tentei lhe dizer isso. Para não deixar Harry escapar. Mas não consegui.
- Não posso ajudar - disse, por fim. – Você precisa se decidir sozinha.
Ela me olhou como se eu a tivesse abandonado.
- Bem, acho que você está com muitas coisas na cabeça agora - falou, tentando ser compreensiva.
- Com certeza - estiquei o braço por entre os bancos, dando um tapinha numa bola de modo que ela rolasse para a beirada da arquibancada. - Talvez a gente possa se falar mais tarde.
- Está bem – concordou disposta, virando-se para sair.- Preciso ir pra casa e me arrumar pra hoje à noite.
"Se arrumar para quem?" Fiquei imaginando por alguns minutos, enquanto retirava a bola debaixo da arquibancada. Eu a peguei e arremessei violentamente contra a parede. Peguei de volta e lancei de novo.
Corri com a bola, quicando-a por toda a quadra, driblando, trocando de mão, correndo em direção à cesta. Lancei. Cesta.Lancei de novo. Cesta. Lancei. Cesta.Não errava uma. Dei um salto: cesta! Agarrei a bola e corri para o meio da quadra, lançando violentamente contra uma pilastra, quer dizer, uma pessoa ao lado da quadra.
- Falta - disse Harry, agarrando a bola. - Tenho direito a um lançamento.
- Não disse que você podia jogar - peguei a bola de volta.
- Tudo bem, eu só vim para conversar - retrucou.
Exatamente o que eu não queria fazer. Desviei dele e fiz outro lançamento. Cesta. Estava com tudo hoje. Pelo menos no basquete eu estava com tudo.
-Como está a sua irmã? - perguntou ele.
- Bem, está em casa - falei, quicando a bola e a lancei sobre a minha cabeça. Cesta.
-Jim disse que os seus pais estão fora essa semana. E que você teve de levá-la de carro para o hospital.
-Foi ótimo ter uma desculpa para correr no trânsito - retruquei, lançando a bola. Cesta.- Fiquei um pouco desapontada porque ninguém me parou.
- Mesmo?
Na verdade, eu estava tão nervosa na noite passada que não conseguia engatar a marcha certa.
-Você parece estar bem calma com isso tudo.
-Ahã. Não foi nada demais - disse, fazendo mais uma cesta. -Faz parte da gravidez. Joelle também estava tranqüila - menti.
- Bem, se tiver alguma coisa que eu possa fazer por você - ele ofereceu - Qualquer coisa que possa ajudar...
"Vá embora", pensei. "Isso vai ajudar." Errei a cesta.
A bola ricocheteou diretamente em Harry, e ele não iria desistir dela.
-Posso pegar outra bola na sacola – disse a ele.
-Poderia, mas você é muito orgulhosa para desistir dessa aqui – falou, quicando a bola longe de mim.
Olhei de cara feia para ele.
-Vinte e um pontos - ele me desafiou. - E como eu sou um cara gentil, deixo você começar.
- Eu não preciso de nenhuma vantagem.
- Está bem - retrucou. - Então, começo eu - ele passou por mim e lançou a bola facilmente.- Dois a zero.
- Sortudo.
Harry arremessou a bola para mim. Corri, mas ele também foi rápido, e tive que recuar um pouco. Enganei-o com um drible, apenas um movimento pequeno com os ombros. Ele seguiu. Dei a volta pelo outro lado e lancei.
- Dois a dois - gritei.
Ele trouxe a bola para o centro da quadra e eu esperei, sabendo que ele nunca conseguiria acertar a cesta daquela distância. Cesta.
- Quatro a dois - ele olhou para mim.
- Então - falei - Como sua mãe não pôde colocar uma montanha-russa no seu quintal, ela comprou uma cesta de basquete. Toda a sua vida você passou praticando e esperando por este momento, não é?
Ele sorriu e veio andando me trazer a bola. Parou bem perto de mim. Muito perto:
- Toda a minha vida eu esperei por este momento.
Eu dei um drible e saí correndo. Dois passos depois, ele conseguiu me alcançar.
Quanto mais jogávamos, mais ágeis e mais perto um do outro ficávamos. Numa marcação cerrada, os corpos se batiam, os braços suados se encostavam. Eu me mantinha atenta a todos os movimentos de Harry. Ele já estava me deixando maluca. Parecia estar em todos os lugares para onde eu seguia. Eu ganhava de 12 a 8, mas era como se estivesse perdendo.
Saltamos para disputar uma bola. Demos um encontrão no ar e caímos esparramados no chão, como um polvo, dois corpos esmagados um contra o outro, com oito braços e pernas.
Eu estava por cima dele, atordoada.
- Você está bem? - ele perguntou.
Tentei sair de cima dele, mas Harry me segurou por um momento. Sem nenhuma segunda intenção. Da mesma maneira que nós seguramos uma criança com a qual esbarramos acidentalmente.
- Estou bem - respondi. – E você?
- Ótimo.
Eu me desvencilhei dele e saí engatinhando para o lado.
- Eu, hã, não quero mais jogar.
- Eu te machuquei - ele disse, sentando-se silenciosamente.
- Não. É só porque eu tive um dia longo. De quarenta e oito horas. Na verdade, o dia de ontem ainda não acabou pra mim.
Ele observou o meu rosto. Ambos estávamos um pouco sem fôlego.
- Você tem mesmo certeza de que não há nada que eu possa fazer? Eu poderia ir até a sua casa e fazer um pouco de companhia pra Joelle, caso você quisesse sair. Quer dizer, você pode querer se encontrar com o Ovos Mexidos - acrescentou.
- Obrigada, mas não. Obrigada. Meus pais vão voltar no sábado.
Ele continuou me observando com aqueles intensos olhos azuis. Seu cabelo escuro estava e úmido de suor. Prestei atenção quando ele levantou a camiseta para tirar o suor do rosto. Eu estava querendo tocar o seu cabelo molhado, espiar o seu peito.
- E aí, como vai indo com a Gina? - perguntei.
- Tava indo bem, mas acho que ela tá começando a perder o interesse - ele sorriu um pouco. - Você sabia que isso iria acontecer. Vá em frente, diga, Hermione. Você já havia me falado.
- Escute - eu disse - Você está sendo um zilhão de vezes melhor do que os outros. A Gina nunca passou dois dias e duas noites com o mesmo cara. Não desista agora.
Ele olhou para mim e por um momento os seus olhos pareciam ter mudado de cor. Pareciam tão tristes, tão desapontados.
- Não fique chateado com isso, Harry. Eu sei de uma coisa que pode te dar uma ajuda - então, contei a ele sobre a idéia de Gina de sair com dois caras ao mesmo tempo, ele e Dan.
- Imagino que isso provavelmente tenha te deixado triste, mas se você mantiver a calma, se pegá-la de surpresa... Se disser primeiro a ela que você gostaria de sair com outras pessoas, bem, então: Hah! - falei cheia de satisfação.
- Hah... - ele repetiu devagar.
- Você vai conquistar ela! Ela pode até sair com o outro cara, mas não vai conseguir parar de pensar em você.
De repente, pareceu que o sol estava nascendo dentro dos olhos de Harry.
- É uma boa idéia - ele disse, finalmente. - Que tal sábado à noite?
- Bem, se eu fosse você diria isso para Gina hoje mesmo. Mas acho que pode esperar até o fim de semana para sair com alguém.
- Mas é disso que eu estou falando - ele disse. - Está livre?
- O quê?
- Você pode sair comigo no sábado? Não se preocupe. Eu explico tudo para o Ovos Mexidos. Ele provavelmente vai achar engraçado.
Mas aquilo não era nem um pouco engraçado. A idéia de passar uma noite inteira com Harry, ajudando-o a conquistar Gina, fazia com que eu me sentisse miserável. Levantei do chão, peguei a bola de basquete e comecei a andar em direção à sacola.
- Não sei. Não acho que é uma boa idéia.
- Hermione - ele falou, me seguindo - Você sabe que assim que a Gina descobrir que eu estou com você ela vai ficar incrivelmente enciumada e interessada.
Larguei a bola dentro da sacola.
- Eu te ajudei quando você estava atrás do Ovos Mexidos - ele me lembrou. - É apenas por uma noite, ou duas ou três, o tempo que for necessário. Eu levo você para uns lugares divertidos - Harry colocou a mão sobre o meu braço. - Você não conseguiria fingir que existe algo entre nós?
Eu sabia que tinha uma dívida para com ele. Atravessei a quadra com dificuldade, arrastando a sacola com as bolas atrás de mim.
- Claro. A gente sempre consegue fingir.
Sorry, demorei para att, mas o novo capítulo está ai!
Falta uns seis capítulos para acabar a história agora... Eh, eu sei! A história é tão boa, né? É até triste saber que já está acabando.
Sem mais comentários! Nos vemos por ai!
Milharesdebeijos ♥
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