A aposta



––––CAPITULO VINTE E OITO––––

A aposta

Já fazia três semanas que Kyo havia acordado e Madame Pomfrey ainda não o tinha dispensado, dizendo que ele não havia se recuperado por completo, apesar de ele sempre reclamar que o único jeito decente de ele se recuperar é respirar um pouco de ar puro e não aquele ar viciado da ala hospitalar.

–Vai, Madame Pomfrey, deixa eu sair... –implorava o garoto –nem que seja só pra dar uma volta...

–Nada disso, –era o que ela sempre dizia –esse seu braço não está em condições de passear.

-Se eu ficar mais um dia enfiado aqui dentro vou enlouquecer... –murmurou ele, sozinho, depois de ser deixado sozinho pela enfermeira –isso se minha tentativas de suicídio fracassarem...

–Eu ouvi isso, Sr. Hunter.

–Era pra ouvir...

A única coisa que animava o garoto eram as constantes visitas de seus amigos, Nanda aparecia a todo intervalo de aula, casualmente seguida por Sarah ou Lilian, Tathiane também viera visitá-la e demonstrou felicidade ao ver que o garoto que ela iria derrotar na final de quadribol já estava melhor e praticamente em condições de jogo, Carla Malfoy apareceu umas duas vezes, ele fingia dormir, não sabia se queria falar com ela, que ficava observando-o sem dizer nada, mas ainda assim com um sorriso quase maternal nos lábios.

Madame Pomfrey estava certa em dizer que ele conquistara varias fãs pelo castelo, toda vez que o sinal que tocava indicando a hora do almoço ou jantar e até mesmo antes das aulas, na hora do café da manha, a ala hospitalar se enchia de garotas que queriam ver o cara mais lindinho de Hogwarts, como elas mesmas chamavam. Muitas delas traziam comida e doces e queriam a todo custo que ele comesse o que elas traziam, depois saiam se vangloriando dos elogios que ela fazia aos pratos feitos pelas garotas e das caretas quando comia algo queimado ou um sabor estranho das caixinhas de feijõesinhos de todos os sabores.

A melhor parte era quando Uandalini aparecia, a garota parecia ter se arrependido amargamente do que fizera na noite em que ele acordara, pois evitava a todo custo os olhos dele, alem de ficar extremamente vermelha quando ele lhe dirigia a palavra:

–Se é pra ficar imitando um pimentão toda ver que eu falar com você por que você vem, então? –perguntou ele, num tom gozador que adquirira recentemente.

–Eu... gosto de ficar aqui... –disse ela, em seu tom baixo e tímido, também adquirido recentemente.

–Por que não admite logo de uma vez que está apaixonada? –essa mania de chamar a garota pelo sobrenome também foi adquirida recentemente.

–Porque eu não te amo. –finalmente a voz dela voltou a ser firme.

–Ah, qual é, Evans, tá na cara!

–Evans? Quem é Evans?

–Eu... eu te chamei de Evans?

–Chamou, quem é essa zinha?

Kyo gostou de ouvir o tom de voz que ela usou a para se referir na tal Evans, principalmente quando olhou nos olhos dela e ouviu a já conhecida vozinha: “O que ele pensa que tá fazendo me chamando pelo nome de outra garota? Ah, mas eu vou torcer esse pescocinho dele!”.

–Foi mal, eu nem sei quem é essa, é coisa da minha cabeça...

–Sua cabeça? Angh! Sei.

–Serião, Longbotton, eu não chamaria minha flor de outro nome, você sabe disso.

–Eu não sei de nada, Hunter.

A garota ultimamente o chamava pelo sobrenome, mas não seriamente, como Kyo, mas num tom zombeteiro que ela sabia muito bem que frustrava o garoto, mas ele, como sempre ignorou.

–Sabe, você podia admitir logo que está caidinha por mim e me dar outro beijo daqueles, não é?

–Não, não poderia, porque eu só fiz aquilo num impulso de mostrar que eu sou melhor que Nanda.

–E para que eu resolvesse ficar com você de vez e deixasse a Nanda pra lá, não é?

–Você é muito arrogante, moleque!

–E você é demais, gata!

–Que ousadia é essa, Hunter, eu posso saber?

–Eu sou estou utilizando os direitos de cara por quem a mocinha está apaixonada.

Ela virou um belo cruzado de direita na cara dele, que ficou com o olho inchado quase que imediatamente. Mas ele não se intimidou, se ergueu da cama, o rosto ardendo em fúria.

–Sabe de uma coisa Longbotton? –disse ele, chacoalhando ela pelos ombros. –Eu já tô de saco cheio! Há duas semanas você vem aqui só pra me azucrinar! Agora chega! Sai fora! Desembaça! Dá linha na pipa!

–Que? –ela não entendera nada. –Do que você tá falando?

–Não entendeu? Então vou ser mais direto, tchau, Liberta!

Da varinha dele irromperam faíscas azuis claras que acertaram a porta em cheio, fazendo-a abrir com estrepito. Uandalini olhou para a porta, depois para ele, e de novo para a porta.

–Tá mais compreensível agora? –perguntou ele, com falsa ironia.

–Mas... Kyo, eu... ah, tá bom, eu já tô indo, seu idiota!

Ela ia se virar, mas não antes de seus cruzarem com os de Kyo, que desejou com todas as forças não saber o que ela estava pensando. Ele escutou um tipo de sussurro, incompreensível, não ligou naquele momento. A garota bateu a porta com força, deixando-no plantado, olhando para uma porta fechada, com o supercílio inchado e ligeiramente roxo.

–Menina idiota! –exclamou ele, antes de se largar de costas na cama, com a parte onde a garota socara ardendo..

Ele fitava o teto do quarto sem emoção, seus pensamentos longe e rápidos demais para que pudesse acompanha-los, girava o a varinha entre os dedos, enquanto sentia as faíscas caírem sobre sua mãos e roupas. Podia-se ouvir o som do silencio que se passava naquele quarto, misturando-se com o leve, mas grave som das batidas do coração dele.

–Ah, meu deus! Garoto, o que andou aprontando? –a voz de Madame Pomfrey ecoou pelo quarto, fazendo Kyo pular da cama.

–Nada, por que? –perguntou Kyo, com a mais pura das inocências.

–Então como me explica esse supercílio inchado desse jeito? Venha, venha logo, vamos passar um antiinflamatório nisso.

Ela se dirigiu a porta de sua salinha, onde Kyo normalmente ia buscar sua poção revigorante. Era uma salinha apertada toda pintada de branco e rosa, lembrando muito um quarto de uma garota, havia varias prateleiras pelas paredes onde estavam centenas, talvez milhares de frascos de poções dos mais diversos tipos e das mais variadas cores. Sempre que entrava ali Kyo sentia que entrara num caleidoscópio gigante.

Madame Pomfrey pegou um frasco de liquido rosa choque numa prateleira alta, derramou um pouco num tecido de aspecto duvidoso e apertou-o com força contra o olho do garoto, que sentiu o mesmo arder e lacrimejar. Ela pôs a mão do garoto em cima do pano e passou a tatear suas vestes a procura de alguma coisa, provavelmente a varinha.

–Pode tirar isso agora, querido... –disse ela, enquanto limpava a varinha nas vestes. –Vamos ver, Reparate Vita!

Ela tocou o a parte de cima do olho do garoto com a varinha e, logo em seguida, ele sentiu como se um grande pedaço de gelo fosse colocado ali enquanto sua pele afrouxava devagar. Pôs o dedo onde Madame Pomfrey tocara coma varinha, sentiu uma ligeira dorzinha e o ferimento ainda alto, mas não ardia mais.

–Ahn... valeu, Madame Pomfrey. –disse ele, meio envergonhado.

–Essa foi novidade para mim. –Disse a enfermeira com um gesto de impaciência, dispensando o garoto. –Nem saia da enfermaria ainda e já me arruma mais alguma coisa pra tratar...

Ele ainda escutou ela dizer alguma coisa que parecia com um “Ah, mas o Alvo vai ficar sabendo de uma barbaridade dessas...”, mas ignorou, ainda estava muito nervoso e a pessoa que viu sentada em sua cama não melhorou muito seu estado de espírito.

–O que foi, Malfoy, perdeu seu irmãozinho? –ironizou o garoto, antes mesmo de chegar até a garota, que se virou rapidamente quando o escutou.

Kyo poderia ter brigado com deus e saber que nas próximas vinte e quatro horas teria o mais terrível das mortes, mas ainda assim sentiria-se bem se visse um sorriso daqueles. Nunca parara para pensar no quanto Carla Malfoy era linda, talvez porque sempre preocupara-se mais com o fato de ser irmã do cara mais detestável do mundo, sentiu-se mal por ser tão egoísta e preconceituoso. Se o rosto de Hagrid lhe dissera algo, quando conversaram sobre a garota, era que esta só poderia ter puxado a mãe, apesar de não conseguir pensa em nenhum parente de Tiago ou dos trigêmeos que tivesse o cabelo de outra cor se não o vermelho.

–Você poderia ser mais educado com suas visitas, Hunter. –disse a garota, a voz ligeiramente triste.

–Foi mal... –se desculpou o garoto, sem graça. –É que eu... você já acordou com o pé esquerdo, né?

–Normalmente durante as férias eu acorde desse jeito todos os dias... –disse ela, sem emoção.

–Por que? Aposto que por causa do mala do seu irmão.

–Também, mas ele não é o principal motivo.

–E quem é? Você não tem outro irmão tem?

–Deixa pra lá... isso é problema meu.

–Se for pra puxar assunto e deixar ele morrer no meio do caminho é melhor nem começar.

–Não, é só que eu não quero te envolver nos meus problemas.

–É só impressão minha ou tem uma Malfoy se preocupando comigo?

–Eu não sou uma Malfoy, sou uma Weasley!

Kyo se surpreendeu ao ouvir aquelas palavras, nunca imaginou que a garota soubesse daquilo, para ser sincero ele nunca teve tempo para pensar naquilo, ou melhor, para ser ainda mais sincero, tempo ele teve, mas não achava que deveria gastar seu tempo com uma Malfoy. Mas como ela mesmo dissera, não era uma Malfoy e sim uma Weasley.

–Weasley? Tipo assim, você andou bebendo? –perguntou o garoto, tentando se fazer de inocente.

–Não! –exclamou ela, com a voz aguda. –É que... que... deixa pra lá!

–De novo? Assim não podemos ter uma conversa decente?

–É impressão minha ou Kyo Hunter está querendo ter uma conversa com uma Malfoy?

–Isso não teve graça.

–Não foi pra ter graça, eu só quis começar uma conversa decente.

–Você é sádica.

–É a convivência.

–Nós nunca nos falamos antes.

–Mas que estou mais próxima do que você imagina.

Kyo riu, então a garota andava o observando. Preferiu não comentar, mas continuou a conversa:

–E o que você veio fazer aqui?

–Uma fã não pode ver o seu ídolo? –perguntou ela, num tom brincalhão que lhe lembrou os trigêmeos, sem duvida ela era uma Weasley.

–Uma ídolo tem direito a intimidade, o que eu desconheço há um mês.

–Você quer intimidade..?

A garota se aproximou dele, a voz dela soara sensual e cheia de malicia, o que fez Kyo achar melhor estar debaixo das cobertas, que agora estavam em baixo das pernas de Carla, “Aposto como ninguém conseguiu tirar dele o que eu vou tirar agora... agora ele vai ser só meu!”, a voz da garota soando daquele jeito na cabeça do garoto fez ele realmente querer estar debaixo das suas cobertas.

–Quero... er, mas... não esse tipo de intimidade... –disse ele, extremamente envergonhado –não! Querer eu quero! Mas... mas não assim. –completou ele, ao vê a cara que a garota fez.

–Eu pensei que você gostasse... –disse ele, pegando ele pelo colarinho, puxando e o jogando na cama.

–Gostar eu gosto... tira a mão daí!

A garota já estava com a mão da bainha da calça dele e enfiando-a dentro da mesma, que sentiu um forte arrepio e um pontada no baixo ventre. Ele se afastou relutante, apesar de não querer realmente, era meio difícil resistir a uma investida tão direta de uma garota tão linda quanto Carla Malfoy.

–Então você não me quer..? –perguntou ela, com um sorrisinho maroto.

–Eu... quero... mas... –começou ele –não, não quero... eu gosto de outra pessoa.

–Outra pessoa, hum... acho que você precisa esquecer essa outra pessoa.

–Mas eu não vou esquecer, não mesmo... ah para com essa carinha... e vai pra trás, eu não quero...

–Essa carinha? Não, não vou parar com ela e nem vou ir pra trás...

–Ah, pelo amor deus, para com isso...

–Não, eu não vou parar, vou continuar até eu conseguir te...

Não foi preciso ela terminar a frase, seus lábios tocaram os dele e ele pode perceber o que ela queria. Sentiu vontade de empurra-la, queria joga-la longe, azara-la, amaldiçoa-la, qualquer coisa, só queria mostrar para ela que ele não era um qualquer pra ela sair beijando, mas seu corpo não respondia. Ele esquecera-se até mesmo de respirara, apesar de ter certeza de que não era muito legal respirar durante um beijo.

–Kyo eu queria...

Ele empurrou a garota, finalmente recuperando os sentidos e a sensibilidade em seu corpo, olhou para o lado e viu Uandalini na porta da enfermaria, o queixo caído, rosto lívido e, Kyo reparou, mas achou que fosse apenas imaginação, algumas lagrimas nos olhos.

–Eu... eu... –começou a dizer ela. –eu nem sei o que dizer.

–E eu... e eu muito menos. –disse Kyo, os olhos indo de uma para outra.

–Eu, sinceramente, posso dizer que foi muito bom. –Carla sorriu, passando os dedos, sensualmente, pelos lábios.

–Carla fica quieta! –exclamou Kyo, nervoso, pondo um dedo na cara da garota. –Quem você acha que é para ficar com essas ousadias?

–Ousadia, mas você gostou, não é? –brincou ela, tentando se aproximar dele.

Kyo não podia negar que gostou do beijo, mas não do ato da garota e se dependesse só dele ela daria um soco bem servido na boca dela.

–Isso não vem ao caso! –exclamou ele, nervoso.

Isso não vem ao caso! –imitou Uandalini, sem muito sucesso. –Admite que foi você quem beijou ela!

–Eu não beijei ninguém! –exclamou ele, mais nervoso ainda. –Será mesmo que você tirou o dia pra me encher?!

–Eu não tirei o dia pra nada! –exclamou ela, com a voz aguda. –Só... só...

–Ele não me beijou, queridinha, foi o contrario. –interviu Carla, com a mesma sensualidade anterior na voz, e se virando para Kyo continuou: –Acho que ela está tentando dizer que está tentando proteger o que é dela.

Tanto Kyo quanto Uandalini ficaram em silencio se encarando, Uandalini possivelmente tinha os pensamentos embaralhados, pois Kyo, mesmo olhando diretamente nos olhos dela, não conseguia escutar o que pensava, tentou ainda se concentrar, mas sem sucesso.

–Ela... ela tá falando a verdade? –perguntou Uandalini, com a voz fraca.

–Eu não sei... –respondeu ele, sem escutar direito o que a garota perguntou –acho que você é que deve saber se eu sou seu ou não.

–Não e disso que eu tô falando, seu prepotente! –gritou ela, com a voz ainda mais aguda do que anteriormente.

–Eu estou indo, acho que o casal precisa se entender. –comentou Carla, se virando em direção a porta. –Ei, Hunter, quem sabe não nos encontramos num corredor escuro e deserto, pode ser mais interessante. –completou, enquanto saia.

Kyo e Uandalini se olharam, Uandalini parecia um tanto mais calma, mas os olhos dela ainda estavam cheios de lagrimas os punhos cerrados.

–Foi mesmo ela que te beijou? –perguntou a garota, temerosa, Kyo sentiu vontade de rir ao ouvir a tão cobiçada nota de ciúme.

–E se fui eu quem beijou ela? –perguntou num tom serio de repreensão. –E se ela mentiu pra me encobrir?

–Ai estará comprovado que você é um galinha e que o que disse há dezessete, nesse mesmo quarto, dias era mentira e você não gosta de mim.

–Você ainda quer que eu jure?

–Me parece ser necessário.

–Então, como disse há dezessete dias, neste mesmo quarto, essa será sua maior duvida.

–Você não gosta de mim, não é?

–E se disser que sinceramente gosto, mas que fiquei balançado pela Nanda e me sinto muito atraído pela Sarah?

–Então eu vou achar engraçado arrancar algumas penas suas.

Kyo riu.

–Você realmente faria isso? Tentaria arrancar penas minhas?

–Eu conheço um bom feitiço pra te transformar em galinha.

–Você é péssima em feitiços e sabe disso.

–Eu não sou péssima! Só tenho algumas dificuldades.

–Que você nunca me deixou te ajudar a superar.

–Você sabe que eu não gosto de ser ajudada, sou muito independente.

–Você é muito prepotente, acha que consegue fazer tudo sozinha, que é independente, quando o que mais quer neste mundo é ter alguém que te proteja e faça as coisas por e com você.

–Você deveria ser psicólogo.

–E você deveria calar essa boca e me beijar.

A tensão que se instalou na sala era tão densa que poderia ser cortada com uma faca de margarina. Os dois se encaravam, Kyo sabia que a garota lutava contra a tentação de beija-la e achava aquilo engraçado, mas não riu, realmente não queria magoar a garota.

–Eu não devo te beijar, mesmo porque você acabou de beijar a Malfoy.

–Você não pode negar que ela seja bem atraente.

–E você não pode negar que o sobrenome dela já o torna o pior dos monstros.

–Pode ser que o sobrenome Malfoy não seja lá os melhores para se ter, mas ela não é como o Willian, ela tem sentimentos.

–Sentimentos perversos, isso sim. Ela te agarrou, Kyo!

–Ela me agarrou talvez porque esteja afim de mim...

–Como metade da escola, você ficou muito arrogante nesses últimos tempos.

–E você tá adorando o arrogante, tá?

–Não, eu preferia o Kyo de antes, simples e na sua.

–O Kyo de antes não tinha chances de papar todas!

–E nem agora.

–E por que não? Eu sou lindo, sou gostoso, sou charmoso e as garotas se derretem só de olhar para esses olhos azuis aqui.

–Mas você já tem dona!

–Tenho? E posso saber quem é? Acho que esqueceram de me avisar, já que provavelmente sou a parte mais interessada.

–Você nem imagina quem seja?

–Espero que seja bonita, não tô afim de pegar qualquer uma.

–Seu insensível! –Uandalini com a voz aguda.

Ela saiu correndo da enfermaria, deixando um Kyo abobalhado plantado na cama onde estava sentado. Madame Pomfrey apareceu para tentar descobrir que gritaria era aquela:

–Eu posso saber o que está acontecendo? –perguntou ela, em seu habitual tom mandão.

–Nada, Madame Pomfrey, nada.

Ele se levantou e seguiu em direção da porta, não sem antes ouvir a voz aguda da enfermeira:

–Onde o senhor pensa que vai?

–Resolver um problema maior que um arranhão no ombro. –disse o garoto, girando a maçaneta.

–Mas não é só um arranhão, é um ferimento de flecha de centauro!

–Poderia ser um corte na garganta...

Ele ganhou os corredores do castelo, sentindo seu corpo recuperar as forças conforme respirava o ar puro e livre do castelo. Enquanto estava deitado naquela cama pensou que não conseguiria se lembrar dos caminhos, mas ao vê-los novamente pode perceber que jamais esqueceria os caminhos daquela enorme construção.

Ele tentou por vários corredores de uns três corredores do castelo, mas nem sinal de Uandalini. Teve que se desvencilhar de mais de quarenta garotas que quiseram se exibir para cima deles, duas ou três deviam ter mais de vinte anos, pois Kyo tinha certeza de tê-las visto num grupo de garotas do sexto ou sétimo ano.

Ele pensou um pouco, “onde ela estaria?”, tentou a biblioteca, o banheiro interditado do segundo andar, ignorou os gemidos que vinham lá de dentro, pois eram comuns, a sala de estudos vinte e um, a estatua de elfo da montanha do quinto andar, deixando apenas mais um lugar, a torre da Grifinória. Com o máximo de velocidade que suas pernas lhe permitiam, com o seguinte pensamento: “por que não pensei nisso antes?”.

A sala comunal estava cheia, explicando para ele o porque de nem Nanda nem Sarah terem ido visitá-la ainda, era fim de semana. Vários rostos se viraram na direção dele ao verem-no entrar. Pode ouvir gritos de garotos pelos vários cantos da sala, muitos do tipo: “já voltou, Kyo?” ou então “E então? Resolveu vir falar comigo?”. Não havia sinal de Uandalini por sinal algum, mas um grito aguda, que sobrepôs aos outros, indicou que Nanda reparara na sua presença:

–KYYYOOOOOOO!!!

–Droga, –murmurou ele –lá se foi o elemento surpresa...

A garota veio correndo na direção dele, segurava um enorme livro e estava meio enrolada em alguns metros de pergaminho. Sarah vinha logo atrás com Tiago, ambos seguravam bem uns quinze livros, e Kyo teve a certeza que todos eram de Sarah e que metade ela levaria até a ala hospitalar para que ele se mantivesse em dia, como ela mesma dizia. antes que qualquer um dissesse qualquer coisa ele já foi logo perguntando:

–Cadê a Uanda?

–Ah, agora sabemos porque ela tava chorando? –disse Sarah com tanta ironia que até mesmo Nanda, que estava parecendo possessa, riu.

–E serio, fala onde ela tá? –insistiu o garoto.

–Vocês brigaram de novo? –perguntou Nanda, interessada.

–É, mas fala, cadê ela? –o garoto dava pulinhos no mesmo lugar.

–É a terceira vez essa semana, cara! –zombou Tiago. –Vocês vão acabar casando.

–Eu realmente espero que você seja um vidente. –disse Kyo, também em zombaria. –Mas cadê ela?

–Ela tá lá em cima no quarto, mas... –começou Sarah, mas Kyo já tinha corrido.

Ele subiu mais ou menos cinco degraus da escada que levava ao dormitório feminino quando uma sirene tocou e a escada se tornou uma esteira. Todos na sala começaram a rir do esforço dele para subir a escada, correndo inutilmente na esteira.

Uandalini apareceu no patamar da escada, parecia curiosa quanto a sirene que tocou, mas ao ver Kyo, deslizando na esteira tentando a todo custo chegar ao andar onde ela estava. Ela riu e ele perdeu o equilíbrio, descendo as escadas deslizando até o chão, mas sem tirar os olhos de Uandalini.

–O que está fazendo aqui? –perguntou ela. –Deveria estar na ala hospitalar.

–Eu sei, meu ombro ainda tá doendo. –respondeu ele, se levantando.

–Então..?

–Eu tenho algo mais importante do que um arranhão no ombro.

–Era uma flecha de centauro, é mais perigoso do que você pensa.

–Eu não ligo. Tô nem ai pra mim.

–Pensei que gostasse de viver.

–E gosto, mas quem pode me dizer que morrer não é mais emocionante.

–Eu não quero que você morra.

–É por isso que eu vim.

–Que? Não entendi.

–Porque sabia que você gosta de mim.

–Eu não gosto de você.

–Tem certeza?

Todos na sala observavam a cena com atenção, até mesmo Nanda parecia estar querendo que eles ficassem juntos. Kyo olhou diretamente nos olhos da garota, se concentrando em saber o que ela estava pensando. “Para de me olhar assim... esses olhos são meio... são inteiramente apaixonantes... tá certo, eu admito eu te amo, mas não vou falar isso”.

–Não precisa. –disse Kyo, com um sorriso.

–O que?

–É isso que você ouviu, eu já sei.

–O que você sabe?

–Que você me ama.

–Não te amo, não.

–Se é assim, você se lembra da minha proposta?

–Que proposta?

–Jogar um pouco, fazer uma aposta.

–Que aposta?

–É o seguinte, nós temos um problema, eu não vou admitir nem você, então se eu ganhar você é minha e você ganhar eu sou seu.

–E quais são os termos?

–Se algum de nós dois não resistir a tentação perde.

–Você disse que se eu ganhar você é meu e se você ganhar eu sou sua? De um jeito ou de outro você ganha.

–Não, minha flor, você nunca me entende, se você ganhar eu farei o que você quiser, por mais humilhante que possa ser.

–Eu estou gostando disso, aposto que vai ser você quem vai perder.

–Eu não apostaria nisso.

–E por que não?

–Por que eu sou mais esperto e resistente do que você pensa.

–Eu também sou.

–Mas não resiste a uma provocação.

–E daí? Eu posso aprender a resistir.

–É talvez em sete anos você aprenda.

–Há, há, há.

Kyo riu da garota, se aproximou dela, ainda olhando naqueles grandes olhos castanhos, que tremiam ao vê-lo se aproximar, , ele pôs a mão no queixo dela, o erguendo levemente.

–Sabe? Será mesmo que você agüenta? –perguntou ele, num tom provocativo.

–Pode crer.

–Veremos.

Ele aproximou o rosto do dela, olhando fundo nos olhos dela, ela fechou os seus, inspirando o perfume leve que ele nunca deixava de usar, apesar do relaxo.

–Eu sabia, acho que vou ter que pegar leve contigo. –disse Kyo, recuando seu rosto.

E com isso ele seguiu na direção do retrato da mulher gorda, sorrindo, deixando uma Uandalini bufando de raiva pra trás.
–É brincar o que ele quer, é brincadeiras o que ele vai ter. –disse a garota, subindo para seu dormitório, definitivamente aquele não fora seu dia.


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