Cáp. 3
A ponte Causeway desembocava na Quinta Avenida, em South Beach. A Quinta era formada por três pistas para cada um dos sentidos, separadas por um canteiro gramado. Lojas ladeavam a rua. O motorista virou à direita na Avenida Meridian, percorreu uma quadra e parou junto ao meio-fio.
Vi-me num bairro de bangalôs e edifícios atarracados de estuque de dois andares. Os terrenos eram pequenos. A vegetação, uma selva. Havia carros estacionados com o pára-choque encostado no do veículo seguinte em ambos os lados da rua de mão dupla. O prédio de Draco era amarelo com detalhes turquesa e rosa-forte, muito parecido com um motel barato. Grades de ferro forjado cobriam as janelas. A maioria dos prédios na rua tinha janelas gradeadas. Em Baltimore, bairros onde as casas tinham grades nas janelas eram associados com pichações de gangues, lixo espalhado pela rua, prédios incendiados caindo aos pedaços e carros destruídos. Nenhuma dessas coisas existia naquela vizinhança que, embora fosse modesta, era mantida com todo o capricho.
Paguei ao motorista e caminhei com dificuldade pela passagem que levava à entrada do apartamento. Musgo brotava dentre as pedras do calçamento, arbustos e trepadeiras floridos, crescidos em excesso, invadiam e esparramavam-se pela calçada e subiam pelo prédio de estuque amarelo. O ar emanava um cheiro doce de produtos químicos. Aerossol para insetos, pensei. Na certa, estava um passo atrás do exterminador. Era melhor ficar de olho na barata do tamanho de uma vaca. Camaleões deslizavam apressados pela passagem diante de mim e grudavam-se nas paredes de estuque. Embora eu não quisesse ter nenhum prejulgamento a respeito de Miami Beach, os lagartos influíram na minha opinião.
O prédio era dividido em seis apartamentos. Três em cima e três em embaixo. Seis portas no térreo. Draco morava num apartamento de quina no segundo andar. Eu não tinha a chave. Se ele não respondesse à campainha da porta, eu tentaria os vizinhos.
Toquei a campainha e examinei a porta. Viam-se lascas recentes na madeira em volta da fechadura e da tranca quebrada. Virei a maçaneta e a porta se abriu. Maldição! Não sou especialista em comportamento criminoso, mas achei que aquilo não era um bom sinal.
Empurrei mais a porta e olhei para dentro. Um pequeno vestíbulo de entrada com uma escada levava ao resto do apartamento no andar de cima. Não ouvi nenhum ruído, nada de televisão, conversa ou briga.
-Olá? Gritei. –Vou subir e estou armada.
Aquela era uma grande mentira gritada por uma boa causa. Imaginei que, na hipótese de haver bandidos limpando a gaveta de talheres de prata, isso os estimularia a pular pela janela.
Esperei dois minutos e subi cautelosamente a escada. Nunca me julguei especialmente valente. Fora minha breve carreira de piloto de stock car, não faço muitas coisas excêntricas ou arriscadas. Não gosto de filmes de terror nem de montanhas-russas. Jamais quis ser policial, bombeira ou super-heroína. Por quase toda a minha vida simplesmente segui com um pé na frente do outro, indo em frente sempre segura, no piloto automático. Quando decidi ir para a faculdade, minha família achou que eu estava realizando um ato de extrema coragem, mas a verdade é que a universidade era o único meio de eu sair da oficina. Amo meu pai, mas estava de saco cheio de ficar ali cercada por carros e caras que não conheciam nada além daquilo. Vocês podem me achar metida, mas não queria uma relação romântica onde um caminhão feito sob encomenda fosse mais importante do que eu.
Cheguei ao topo da escada e gelei. Os degraus se abriam para a sala de estar, eu via a pequena cozinha. Os dois cômodos se encontravam em um verdadeiro caos. As almofadas do sofá haviam sido atiradas no chão. Os livros derrubados das prateleiras. Gavetas arrancadas de armários e o conteúdo espalhado. Alguém desmantelara o apartamento e isso não era coisa de Draco. Eu já conhecia a bagunça dele. Tinha mais a ver com roupas sujas deixadas no chão, comida grudada no sofá e um monte de latas de cerveja por toda a parte. Não era isso que eu via ali.
Logo dei meia-volta e desci voando a escada. Atravessei a porta de entrada e cheguei à calçada em segundos. Fiquei ali parada diante do prédio, olhando fixamente o apartamento de Draco e tentando respirar. Aquele era o tipo de coisa que só acontecia no cinema. Não na vida real. Pelo menos não acontecia na minha vida real.
Continuei ali, tentando me recompor e ouvindo o constante zumbido do tráfego a uma quadra de distância, na Quinta. Não havia qualquer atividade visível no prédio de apartamentos diante de mim. Nenhuma nuvem o apocalipse pairava por ali. Um ou outro carro passava pela rua, mas, tirando isso, tudo estava calmo. Levei a mão ao coração e senti que meu batimento cardíaco melhorava. Há poucos minutos, provavelmente até caíra abaixo do nível do derrame.
Muito bem, vamos entender o que aconteceu aqui. Alguém virou de cabeça para baixo o apartamento de Draco. Felizmente, parecia ter ido embora. Infelizmente, Draco também parecia ter ido embora. Na certa, eu devia voltar e dar mais uma examinada.
A voz da razão começou a berrar dentro da minha cabeça. Quem é você, uma louca varrida? Chame a polícia. Um crime cometido aqui. Fique longe disso.
Então a voz da irmã mais velha responsável falou mais alto. NÃO SEJA TÃO COVARDE. Pelo menos dê uma conferida. Draco nem sempre é tão esperto. Lembra a vez em que ele “pegou emprestado” o clássico GTO de Andy Wimmer da garagem para levar os amigos para dar uma voltinha e acabou indo parar no xadrez? E a vez em que “pegou emprestado” um barril de chope do bar de Joey Kowalski pra a festa que ia dar4 depois da final do campeonato de futebol americano? Talvez você não precise envolver a polícia assim, logo de cara. Talvez seja necessário tentar primeiro entender o que está acontecendo.
“Minha nossa!”, disse a voz da razão.
“Feche a matraca ou só vou parar de te encher de porrada amanhã”, retrucou a voz da irmã para a voz da razão.
A questão é que aquela era a voz da irmã que foi criada numa oficina de carros em Baltimore.
Soltei um suspiro, suspendi minha mochila de lona e me obriguei a voltar para o prédio de apartamentos e subi mais uma vez a escada. Larguei a mochila no chão e examinei o aposento. Andaram procurando alguma coisa por aqui, concluí. Estavam com pressa ou furiosos, pois era totalmente possível realizar uma busca sem transformar a casa naquela bagunça.
Não era um apartamento grande. Uma combinação de sala de estar e de jantar, cozinha, banheiro e quarto. A porta do armário de remédios estava aberta no banheiro, porém quase mais nada fora tocado. Não há muito que fazer quando e vira um banheiro pelo avesso, não é? A tampa da privada caíra no chão. Não restara pedra sobre pedra.
Entrei de mansinho no quarto e olhei em volta. Roupas espalhadas por toda parte. A gaveta da mesinha-de-cabeceira ao lado da cama havia sido jogada no chão e as camisinhas, ainda nas embalagens, estavam esparramadas pelo tapete. Montanhas de camisinhas. Como se toda a gaveta houvesse sido enchida com elas. É, esse era o apartamento de Draco, pensei. Embora o número de camisinhas parecesse otimista, até mesmo para um cara como ele.
A televisão e o aparelho de DVD estavam intactos. Arrombamento induzido por drogas foi excluído da lista de possibilidades.
Voltei para a cozinha e procurei em volta, mas não encontrei nada de interesse. Nenhum livro de endereços. Nenhum bilhete que detalhasse atividade criminosa. Nem mapas com uma rota de viagem traçada. Comecei a me sentir mais à vontade no apartamento. Fazia quinze minutos que chegara ali e nada de ruim acontecera. Ninguém subiu correndo a escada com uma arma ou uma faca. Eu não descobri nem uma única mancha de sangue. Na certa, o apartamento estava fora de perigo, disse a mim mesma. Já havia sido vasculhado, certo? Não existia motivo algum para os bandidos voltarem.
A marina ficava perto dali. Draco trabalhava num barco que pertencia a uma empresa chamada Calflex. O nome do barco era Flex ll e ficava atracado na Marina Miami Beach. Eu comprara um mapa e um guia turístico no aeroporto. Segundo o mapa, podia ir a pé até a marina. Viraria uma poça de suor se fosse andando vestida com as roupas que usava, por isso, as troquei por uma minissaia de algodão rosa, camiseta branca sem mangas e tênis de lona também brancos. Tudo bem, tenho cabelos negros lindos e gosto de rosa-forte. Recuperem-se disso.
Procurei por um segundo conjunto de chaves enquanto remexia na confusão do piso da cozinha de Draco. Queria deixar minha mochila no apartamento quando fosse até a marina. Esperava ainda poder trancar a porta da frente. E se chegasse a conseguir trancá-la, ia precisar de uma chave para tornar a entrar.
Em geral, as pessoas guardam chaves extras em ganchos na cozinha ou perto da porta. Ou em gavetas junto com uma coleção de quinquilharias. Ou, se fossem daquelas que tinham ressaca freqüente e tendiam a trancar-se do lado de fora só de calcinha quando iam até a porta para pegar o jornal, talvez as guardassem fora de casa.
Ajeitei a mochila sobre o ombro e fui até o andar de baixo, tomando o cuidado de deixar a porta aberta atrás de mim. Lá em casa, guardamos nossas chaves de emergência numa imitação de cocô de cachorro de borracha. Meu pai acha hilariante o cocô de cachorro. Conta para todo mundo. Metade de Baltimore sabe que, se quiser roubar nossa casa, é só procurar o cocô de cachorro.
Remexi embaixo de um arbusto que invadiu o lado direito do alpendre- e na mosca! A imitação de cocô de cachorro. Retirei as chaves do interior da pila de cocô. Uma chave da casa e outra do carro. Experimentei a da casa e ela se encaixou perfeitamente na porta da frente do apartamento de Draco. Tranquei-a e segui o caminho de pedras até a calçada. Apertei o botão de alarme no controle remoto preso junto à chave do carro, esperando encontrar o de Draco entre os que estavam estacionados ali na rua. Nada aconteceu.
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Oie.... dps de séculos sem postar nd... eis que surge o novo cap.
Tive uns probleminhas com o pc...
Espero coments viu????
xoxo MayPotter
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