Dorcas, a malvada
Dorcas empurrou Alice para dentro do dormitório feminino, como se a pobre garota não tivesse nenhuma outra escolha, exceto ouvi-la. Por sua vez, Alice sentou-se delicadamente na beirada da sua cama, observando a outra garota com ar suspeito. Era a segunda vez no mesmo dia que tentava se aproximar dela, atitude um tanto estranha, já que Dorcas nunca fora íntima de Alice.
- Alice, hoje eu estava conversando com o Frank sobre você e ele, antes da aula de adivinhação – Dorcas começou e a outra meneou a cabeça, concordando pacientemente.
- E a que conclusão chegaram, que eu sou caso de estudo para a psiquiatria do St. Mungus? - Alice falou, mas havia um semisorriso nos lábios.
Os olhos claros de Dorcas quase saltaram das órbitas, tamanho espanto com o qual Alice tratava aquele assunto.
- Claro que não! - fez questão de colocar rapidamente. - Eu estava perguntando como vocês começaram a namorar!
- Ele te contou? - a garota sentada perguntou, fazendo uma careta. - E você ainda tem coragem de falar comigo depois disso?
- Alice!?!
A garota se inclinou, dando uma gostosa gargalhada. Uniu as mãos e levantou os olhos para a outra, que se até aquele momento estava levando na brincadeira o comportamento alucinado de Alice, agora começava a repensar a competência mental da mesma.
- Desculpa, Dorcas. Pode continuar.
Antes de prosseguir, Dorcas deu um pulinho animada e se jogou ao lado de Alice na cama. Sua euforia dificultava a comunicação, mas a outra parecia contagiada com sua energia alegre e a imitou, como se estivesse ansiosa para contar a última fofoca que rolava pelos corredores.
- Bom, Frank disse que você deu o primeiro passo, certo?
Alice fez que sim, animadamente, com a cabeça de cabelos curtos.
- Eu queria umas... dicas – completou timidamente, mas sonhadora.
- Dicas...? - Alice repetiu, para o caso de não compreendido mesmo.
- É que eu estou afim de um carinha, Ali! E ele é tão lindo, perfeito e popular que eu me sinto incapaz de chegar nele.
- Mas você só gosta dele porque ele é lindo, perfeito e popular?
A pergunta pegou Dorcas de supetão. “Como é”? Ela não tinha parado para pensar porque gostava de Edgar Bones, só sabia que gostava dele e ponto. Sem mais nem menos. Pela demora que teve na resposta, Alice deu um risinho meio bobo e fitou a outra serenamente.
- Dorcas, existe uma coisa na qual eu acredito. Talvez você não compartilhe disso comigo, mas eu vou te dizer para você pensar: eu acredito que quando fomos criados, éramos uma única coisa, só que para nos encarnarmos, nossas almas foram dividas em duas partes – uma parte masculina, uma feminina – e colocadas em corpos diferentes. Daí vem o homem e a mulher. Então, para nos completarmos nessa vida, temos que encontrar essa metade de alma que nos foi separada. Mesmo que essa metade esteja encarnada numa pessoa que não é fisicamente atraente aos seus olhos, ela será o amor da sua vida, a única que poderá te completar. Ela será sua alma gêmea, o pedaço que faltava.
Dorcas acompanhou todo o discurso de Alice com uma das sobrancelhas ceticamente arqueadas. Mas do que ela estava falando? Ninguém se apaixona pela alma do outro quando o vê pela primeira vez. A atração física é o que move os relacionamentos. Era nisso que ela acreditava, e sua atração física por Edgar Bones a dizia que ele era o homem da sua vida. Começou a achar que foi um erro achar que Alice poderia ajudá-la. Ainda assim, a outra menina prosseguiu delicadamente. Era tão encantadora que mesmo não concordando com nenhuma palavra dela, Dorcas se viu incapaz de deixá-la ou cortá-la no seu relato.
- Quando eu vi Frank pela primeira vez, o achei desengonçado e estranho, mas eu sabia que ele era mais que isso. Por quê? Porque ele é minha alma gêmea, a parte de mim que precisava ser achada. E como ele também sabia que eu era a parte dele, mas não tinha como ter certeza e sua timidez era algo descomunal, eu vi naquele jogo de tarô que ele te contou que eu tinha que tomar uma atitude, ou deixaria minha outra metade sair da minha vida sem nem ao menos tentar me aproximar dela. Entendeu onde eu quero chegar?
Dorcas parecia ter saído de um transe quando Alice a perguntou. Deu um pulo involuntário e assentiu com a cabeça. Estivera pensando, meditando sobre o que acabava de ouvir. Estranhamente, ela lembrou-se de alguém que não era Edgar Bones, mas só o pensamento sobre essa pessoa a deixava tonta e com nojo de si mesma. Afastou imediatamente o pensamento. “Sem chances”!
- Entendi sim, Alice, mas... vamos combinar, você deu sorte de achar sua alma gêmea tão rápido e fácil, e reconhecê-la. Agora, vamos ao meu caso. Eu não tenho ideia de quem pode ser minha alma gêmea e não posso ficar esperando por ela sentada, concorda? Enquanto isso, eu preciso conhecer garotos!
- Conhecer garotos não é um problema para você, Dorcas. Metade do público masculino de Hogwarts acha você gostosa – Alice falou tão sinceramente que deixou a outra constrangida e ruborizada.
- Até parece mesmo... - ela falou, tentando disfarçar sua hesitação com um suspiro. - Tanto sou gostosa que estou sozinha aqui, enquanto minhas amigas, todas elas têm companhia para o baile de Boas Vindas.
- Ah, mas isso é porque você intimida os garotos.
Definitivamente, aquela conversa com Alice não deveria nunca ter acontecido, Dorcas pensou. A cada nova frase, ela conseguia se superar de tal jeito que sentia vontade de sair correndo e gritando de sua presença. E essa agora, de intimidar os garotos?
- Como é, Alice? - ela franziu a testa.
Alice suspirou demonstrando cansaço, como se fosse algo tão fácil de ver que era absurdo ela ter que explicar.
- Você tem vários pretendes, mas consegue deixá-los com medo de chegar em você. Não leva a mal o que estou dizendo, mas é verdade. Sabe, Edgar...
- Que tem ele? - Dorcas a cortou na hora, os olhos faiscaram de esperança. - Ele falou de mim...?
- Nossa, se eu ainda tivesse alguma dúvida de quem era o tal garoto “lindo e popular”, agora você teria se entregado de graça! - Alice comentou, perplexa. - Ele tinha comentado que um amigo da Corvinal, sabe o Ryan Entwhistle? Ele, ele tinha interesse em te chamar para o baile, mas Edgar mesmo falou para o garoto ter cuidado com você, pois sua fama era de dar foras fenomenais nos meninos que te chamam para sair.
Dessa vez, sentiu uma vontade imensa de esbofetear Alice. Jogar assim, na sua cara, que o garoto que ela vinha desejando há algum tempo acha isso dela? Doeu. Doeu muito. Doeu tanto que Dorcas abaixou a cabeça e parecia prestes a chorar. Alice jogou os braços ao seu redor. Mesmo querendo empurrá-la para longe e encher de bolachas sua cara magra, ela se deixou abraçar. Ela precisava.
- Dorcas, desculpa, mas eu precisava dizer isso. Eu sei que a minha sinceridade é meio macabra, mas eu juro que é para o seu bem. E você logo, logo, vai entender isso.
- Por que você precisa ser tão sincera? - Dorcas resmungou, ao mesmo tempo em que Alice deitou sua cabeça em seu ombro para consolá-la.
- Porque você está perdendo uma parte importante da sua vida só pelo simples fato de não deixar ninguém fazer parte dela. Você precisa ser mais maleável, Dorcas. Deixe o lindo cisne que existe em você superar o pato feio que você veste para se esconder da verdade, que é o fato de você ter medo de se apaixonar por um cara que não atenda aos seus conceitos de beleza e popularidade.
A menina de cabelos castanhos ergueu a cabeça, completamente abestalhada. As teorias de Alice não eram de tudo desprezíveis e, incrivelmente, ela conseguiu descrevê-la como nunca antes uma de suas amigas conseguira. Como Alice poderia a conhecer tão bem?
- Alice, como você pode ter certeza disso? - ela perguntou.
Alice pensou por um momento. Depois deu de ombros.
- Não sei. Só sei que sabia que você precisava saber – ela riu. - Ficou confuso, então vou clarear a frase: eu senti que você precisava saber, para abrir seus olhos.
- É, mas eu acho que uma porrada na cara me faria enxergar isso e doeria menos... - ela murmurou.
Depois, Alice e Dorcas riram juntas e se abraçaram, sem nem saber direito porque faziam isso.
Finalmente, aquele dia cheio de acontecimentos estranhos acabava. Todos se recolheram aos seus Salões Comunais sem maiores balbúrdias. Estava bom de confusão para um dia até para os alunos.
Amanheceu, para desespero de Lily, que pela segunda noite consecutiva não conseguira dormir. Na noite anterior fora com ódio de como Potter a tratara mal; na noite atual, fora ódio de si mesma por ter tratado Potter mal. Pareciam que estavam quites, mas, por que infernos ela não conseguia tirá-lo da cabeça?
Dessa vez, não teve Marlene para desabafar. Estranhamente, a amiga voltara da conversa com os professores mais feliz que nunca e não precisava nem ser muito esperta para saber que tinha Sirius Black na história.
- Sabiam que hoje vai ter escolha de jogadores para o time de Quadribol? - James comentou com alguns alunos na mesa do café da manhã, enquanto Lily estava evitando seu olhar a qualquer custo, envergonhada. - Vai ser depois do almoço.
- Puxa, que pena – Marlene suspirou, se servindo de um pãozinho. - Eu tenho detenção a cumprir depois do almoço. - e lançou um olhar para Sirius, que piscou e jogou um beijinho para ela.
Os dois decidiram juntos deixar em sigilo, por enquanto, esse namoro. Estavam mais preocupados agora em levar o plano que traçaram a frente. Apelidaram esse plano de “Operação Potter + Evans”. Para fins de conhecimento geral, ela ainda ia ao baile com James Potter e Sirius ia ao baile com Lily, que já até escolhera o vestido combinando com sua gravata e tudo.
O difícil era resistir a Sirius. Ele era irresistível.
Alice e Frank se juntaram a mesa tardiamente naquela manhã. A menina estava toda empolgada e tagarelou a maior parte do tempo com as pessoas ao seu redor. Na verdade, todos estavam conversando muito animados por ali, exceto Lily e Dorcas. Dorcas reparou que a amiga estava distante e que gastara mais tempo que o normal escondendo suas olheiras na hora de se arrumar. Por sua vez, Dorcas estava pensando sobre o que Alice a havia dito na noite anterior. Ela precisava mudar, precisava ser gentil, doce e menos difícil... que difícil isso. Resolveu tentar remediar o que tinha feito a Lily: recordou de como tinha sido má com a amiga quando ela queria desabafar sobre James. É, Alice tinha razão, Dorcas era uma menina muito, mas muito mesmo, malvada.
- Lily? - ela falou com uma vozinha que tentava ser gentil.
A garota parecia ter levado um choque.
- O que foi, amiga? - ela perguntou, assustada com sua reação.
Antes que ela pudesse responder, as corujas fizeram uma bagunça entrando pelas janelas e entregando as cartas e encomendas para os seus respectivos donos. A coruja de Alice parou perto dela, com uma correspondência amarrada na pata. Ela arregalou os olhos. Não esperava uma carta naquele dia. Rapidamente, tirou o envelope, vendo que era outra carta de sua família pelo lacre de cera com o P de Prewett. As mãos pequenas abriram o envelope imediatamente e olhos curiosos correram pela carta quase automaticamente. Era como se todos estivessem esperando para saber o que ela lia, ao menos os que estavam mais próximos dela. Quando ela acabou de ler, entretanto, estava tão catatônica que ninguém ousou perguntar sobre o conteúdo da carta. Ela levou a mão à boca e as lágrimas desceram na mesma hora. Frank esteve o tempo todo do seu lado, com os braços ao seu redor, mas ela nada falou, apenas o empurrou e saiu correndo da mesa, chorando e deixando a carta para trás.
- O que houve? - Marlene perguntou o que vários olhos aflitos queriam saber.
Frank pegou a carta e leu rapidamente. Fechou os olhos e deu um estalo com a língua no céu da boca, demonstrando pesar.
- Oh, Merlin... - ele falou, escondendo o rosto entre as mãos. - O irmão dela... foi atacado na noite de ontem por dois comensais e... - ele deu um soco na mesa, fazendo os pratos e talheres tintilarem. - Eles está morto agora!
Frank não ficou para ver a comoção geral da mesa ao receber essa notícia. Levantou-se ligeiramente deixando sua cadeira cair, indo atrás da namorada.
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