Capítulo 7



Nos dias que se seguiram,Marisa foi sentindo que pouco a pouco se recuperava do susto sofrido.A presença de James tornava as coisas mais fáceis.Com a liberalidade normal das crianças,adaptou-se rapidamente aos novos ambientes,contaminando a todos com sua permanente alegria.Tinha-se a impressão de que para ele não havia nenhuma diferença entre morar numa casa enorme ou num apartamentinho sobre uma garagem.
Acordava,brincava,comia e ia para a cama sem manifestar surpresa com as mudanças que tinham se operado ao seu redor.
Gabriel mandou buscar seu berço,os brinquedos e as roupas para casa.Marisa não foi até lá,falou com Sally pelo telefone.Ficou preocupada ao notar que a amiga parecia estar ressentida com ela.Sally deveria ter sofrido um tremendo choque ao descobrir a verdade sobre o passado de Marisa.Principalmente da forma como aconteceu.Marisa sabia que Sally pensava que James era filho ilegítimo.Ela não tinha acreditado nessa história de Marisa ter fugido de um marido verdadeiro, o que tornava a gentileza e generosidade dessa amiga mais admiráveis ainda, já que ela nem desconfiava da verdade sobre sua protegida.
Conversando com Sally pelo telefone,notou uma certa estranheza,uma espécie de retraimento na voz dela.
Marisa não tinha feito nenhum plano para o futuro,tinha se preocupado unicamente com o bem-estar de James depois de sua volta.
Falando com Sally,percebeu que não havia mais clima para que ela voltasse para lá.Aquela fase de sua vida estava encerrada.Sally ficaria constrangida se Marisa sugerisse voltar para o apartamentinho.Gabriel morava muito longe do subúrbio onde Sally vivia e ela não poderia se adaptar á eventual aceitação de James.Marisa tinha sido definitivamente riscada do mundo de Sally.
- Sinto muito,Sally - ela falou quando ficaram em silêncio.Um silêncio de coisas não ditas que criava uma barreira entre elas,impossibilitando a conversa.
Sally não quis fingir que não entendia.
- Esqueça isso,meu amor.Foi muito bom ter tido você e James conosco.Joe e eu esperamos que tudo dê certo para vocês dessa vez.- Fez uma pausa e depois acrescentou - Gostei muito dele...o seu marido.Parece um homem muito bom.
Marisa corou.Não queria falar de Gabriel.Sally percebeu,pois mudou de assunto e logo depois despediu-se.Marisa sentia-se triste ao desligar o telefone.O fim de alguma coisa é sempre melancólico,mesmo que algo melhor comece.Nao agrada á natureza humana qualquer coisa que signifique o fim.
Nessa noite,sonhou que estava na sala de espera de uma estação ferroviária.O chão de pedra,os bancos de carvalho,o cenário vitoriano,tudo combinava.Do lado de fora vinha um som do apito do trem,das rodas nos trilhos... mas ela não prestava atenção.Esperava.Mas não sabia o quê.Todo o seu corpo estava num estado de tensa expectativa.Olhava para a porta.A qualquer momento ia aparecer alguém.Marisa não sabia quem,quem é que ela estava esperando.A impressão do sonho permaneceu mesmo depois de acordar.Suas emoções tinham sido tão intensas que ela ainda se sentia meio estranha.
O seu lado emocional conturbado tinha-a deixado flutuando no ar durante anos.A lembrança daquele sonho e dos sentimentos que ele trazia deixavam-na assustada.
Qual seria o significado desse sonho? Passou o dia intrigada com isso.Normalmente, os sonhos são coisas dramáticas das quais as pessoas se lembram.Ela conseguia se lembrar dos sonhos terríveis que tinha tido,mas,de uma forma ou de outra,tinha se livrado deles abafando-os ou sublimando as emoções que ele trazia.Existem mesmo alguns sonhos que são comuns a maioria das pessoas.Numa certa altura da vida,por exemplo,costuma-se sonhar que se está caindo,voando,perseguido por cobras ou insetos,Marisa sabia bastante sobre sonhos.
O inconsciente se revela para nós através de parábolas mais ou menos confusas que podem revelar algum problema,se tivermos a capacidade de entendê-las.Contamo-nos histórias enquanto dormimos,chegando a conclusões sobre nossos problemas ou revisando o que nos aconteceu durante o dia.
Mas qual seria o sentido desse sonho? Sonhar que esperava numa estação ferroviária por alguém que não tinha nome nem rosto.Que sentido isso poderia ter?
Um lugar onde se inicia uma viagem,ela pensou.Ou termina.Será que isso tinha importância?Ou seria a viagem que importava? Será que significava que sua vida tinha tomado outro rumo?
Não é fácil para o inconsciente se comunicar com o consciente através de parábolas nebulosas.
Gabriel não esteve muito presente durante a primeira semana.No dia seguinte ao da volta de James,o mercado cambial entrou em grande efervescência e Gabriel desaparecia a maior parte do dia,para tratar de assuntos ligados a essa questão.Marisa entendia muito pouco do assunto sobre o qual Gabriel tinha falado brevemente.Tudo que sabia era que ele não estava por perto e isso a deixava feliz.Sentia que não conseguiria tê-lo por perto.Ele era um problema que ela estava colocando de lado até que as coisas se normalizassem.
Na semana anterior ao Natal,a casa sofreu uma grande transformação.Dudley,a esposa e Marisa resolveram decorar uma árvore de Natal enorme e colocou luzes ao redor do piso dos quartos.
James sentou-se no chão,os pezinhos descalços,brincando com o papel colorido,fazendo uma cadeia de cores e concentrando-se atentamente no que fazia. Ele estava gostando do movimento todo,apesar de preferir comer alguns enfeites do que só observa-los.
- Na boca não,querido - Marisa ralhou,retirando um pedaço de estrela de sua boca.
- Hora do chá! - a sra.Dudley falou,olhando o relógio - Quer que eu o leve para a cozinha,sra.Radley?
Marisa abriu a boca para recusar,mas deparou-se com o sorriso alegre da sra.Dudley.
- Sim, obrigada.
A sra.Dudley carregou James no colo, que foi logo colocando seu dedinho no ouvido da boa senhora.Marisa tinha ficado com ele praticamente durante toda a semana.Precisava vê-lo o tempo todo.Sentia necessidade disso.Mas sentiu que a sra.Dudley também queria ocupar-se dele.O que haveria com os bebês e os animais que fascinavam tanto as pessoas? Será que eles despertavam nas mulheres o instinto materno,protetor...ou será porque brincando com eles os adultos se sentem renovados,vendo sentimentos e sensações que já tinham esquecido surgindo novamente? Ate mesmo Dudley pegava James nos braços,o empurrava no carrinho,fazendo caretas para ele...mas se alguém o visse,enrubescia até a raiz dos cabelos e se afastava,procurando disfarçar as emoções.
Marisa estava de jeans e suéter,arrumando a árvore de Natal.Olhou as horas e resolveu subir para se trocar.O ritual do dia tinha se alterado com a arrumação da árvore e já estava uma hora atrasada.Geralmente numa hora dessas James já estava na sua banheira ,mergulhando o submarino com o dedão do pé e Marisa a esfregar-lhe as costas.
Mal começou a subir a escada ouviu um carro aproximar-se.Parou e viu a porta se abrir.Gabriel entrou.O vento frio de inverno tinha desalinhado seus cabelos.Ele passou a mão por eles,olhando-a nos olhos.
- Olá! James está tomando banho agora?
- Está na cozinha, tomando chá. - Ela sentiu censura em seus olhos por causa dos trajes que usava.Eles tinham se visto muito pouco nessa última semana.
- Cheguei a tempo de assistir a cerimônia, então? - Colocou a pasta sobre a mesa, tirando seu casaco e sacudindo-o. - Queria chegar a tempo.
- Você chegou cedo.E a crise? Terminou?
- Quase. O mercado está tateando e voltando ao normal.O que me dá tempo, finalmente, para conhecer meu filho.
-A sra.Dudley está cuidando dele - Marisa hesitou,não sabia se subia para se trocar ou se ficava ali,como uma idiota,sem saber o que dizer a esse estranho que era seu marido.
-Temos tempo para um drinque, então. -Dirigiu-se para a sala e acenou para que Marisa o acompanhasse.
Ela sentou, relutante, com as mãos nos joelhos,observando os pés do marido metidos naqueles horríveis sapatos pretos.O que dizer quando qualquer assunto iria causar problema?
- Você acha que vamos ter ainda muita neve? Está bem mais firme o tempo, hoje - Que maravilha, falar sobre o tempo.Que originalidade.
Gabriel foi até ela para dar o copo de sherry.
- Você quer mesmo a minha opinião sincera ou posso responder aquilo que me passar pela cabeça?
Sentiu-se enrubescer.Resolveu provar a bebida.Olhou,então,para a árvore decorada.
- Gostou da decoração? - perguntou alegremente.
Gabriel assobiou e olhou para ela.
- Esse bonequinho de cima parece que vai cair. - Foi até lá e arrumou o boneco.- E agora?
-Está ótimo.
- James gostou? - Gabriel olhava os enfeites e as correntes de papel colorido,com o copo na mão e o corpo relaxado.
- Muito - Bebeu mais um pouco de seu drinque,desejando gostar do que bebia,mas tudo que tomava lhe parecia remédio para tosse.Cada um tem um gosto e ela sabia que algumas pessoas gostavam daquele sabor.
- O que vamos fazer com ele? - Gabriel perguntou indo sentar-se ao lado dela.
Tentou não se afastar dele.Concentrou-se na bebida e perguntou:
- O que você quer dizer?
-Não precisamos de uma babá?
- Não!- Marisa falou indignada, levantando a cabeça.- Eu mesma quero tomar conta dele.
-Ah... e quando você quiser sair?
- Ele vai comigo.
- Numa festa? - Gabriel zombou.- Em algumas ocasiões James não será muito bem recebido.E não me venha com o refrão: "quem me aceita,gosta do meu filho também".Alem disso,você estava acostumada a deixá-lo com uma pessoa de confiança,não estava?
- Era uma vizinha, e só algumas horas por dia.
-Dá na mesma.Acho que você precisa de ajuda para cuidar dele.Vou deixar que você providencie os detalhes, mas contrate alguém.
Marisa baixou os olhos, estremecendo.Não queria uma babá em horário integral e de uniforme, organizando todo o mundo de James e tentando afastá-lo dela.Já conhecia o esquema.Haveria uma guerra velada entre ela e a ama que tentasse dividir a afeição de James.
- E os convites? - Gabriel perguntou,terminando de tomar sua bebida e colocando o copo sobre a mesa.Encostou-se com os braços dobrados atrás da cabeça observando Marisa.
- Que convites?
- Recebi dúzias.Festas de Natal,de fim de ano,Deus sabe mais o quê. Ainda não consegui resolver qual aceitar.Estive muito ocupado.
Marisa olhava,apavorada.
- Não quero ir a nenhuma dessas festas! - Ela odiava essas festas elegantes,esses acontecimentos sem vida para os quais Gabriel a arrastara durante os meses que passaram juntos.Seus amigos eram educados,mas também zombeteiros e irônicos.A presença deles era sempre motivo para troca de olhares significativos e sorrisos amargos.Ela não passaria por isso novamente.Não tinha tido oportunidade de lhe falar sobre isso porque quase não conversavam.Mas agora estava resolvida a não passar por nada disso novamente.- Não vou a nenhuma delas - acrescentou,caso ele não tivesse entendido.
Ele levantou as sobrancelhas ironicamente.
- É sua ultima palavra?
- É - Estava inteiramente decidida.
- Caso Encerrado? Não quer nem mesmo discutir se você poderia gostar de alguma delas?
-Não vou gostar de nenhuma delas.
- Por que não? Como você sabe?
- Todos os seus amigos são austeros,emburrados e enfadonhos.
Ele assobiou com um suspiro.
- Uma condenação bastante grave,e além do mais,cega! O que eles fizeram a você?
- Me ignoraram,riram de mim,falaram de mim nas minhas costas. - Ela tentou pensar em alguns exemplos,mas nenhum lhe ocorreu,só lhe veio a lembrança um grande tédio. - Você acha que eu não sei o que eles pensavam? E eles sabiam que eu sabia.As mulheres conseguem dizer muito sem abrir a boca.Eu sabia que era um peixe fora dàgua e também que achavam uma lástima você ter casado comigo num impulso.Pensavam também que você estava a ponto de lamentar o que tinha feito. - Lembrou-se de uma passagem que a fez corar. - Lembro-me de uma mulher que disse abertamente,na minha frente,que a pensão alimentar seria boa,de qualquer forma.
Gabriel riu,fazendo-a olhar para ele,irritada.
- Não achei graça nenhuma!
- Pois eu achei e muita.Você não percebe? Ela só podia pensar isso mesmo...Estava com inveja de você,admirando-a por ter conseguido me agarrar.
- oh,realmente sou muito esperta. - Marisa falou,com amargura. - Perceberam isso logo.Um simples olhar e todos notaram que eu sou uma ilustre Maria Ninguém.
- Não fale tamanho absurdo!
Ela virou o rosto.
- Absurdo? O que eles diriam ou pensariam se chegassem aqui agora e me vissem com essa calça velha e o cabelo amarrado com um pedaço de fita?
- Depende.
Ela não entendeu.
- Depende do sexo dessa visita - Gabriel ironizou - Se fosse mulher... acharia ridículo.Mas se fosse homem... - Ele percorreu o olhar por seu corpo e sorriu. - E se tiver olhos vai pensar o que eu estou pensando.
Marisa levantou-se.
- Acho melhor subir para me trocar.
- Esse é um hábito que você vai ter que mudar.Vou curá-la dessa mania de fugir nem que eu morra para conseguir isso.
Mais tarde,ele foi até o banheiro ver James que já estava no banho,espalhando água com as mãos,indiferente aos protestos de Marisa.Gabriel tinha as mangas arregaçadas e abaixou-se ao lado da banheira para brincar com o submarino também.James olhou para ele,desconfiado.Ainda não sabia o que pensar sobre esse estranho alto e forte que podia erguê-lo nos braços sem o menor esforço.Agora ele estava no nível dos olhos de James e não parecia tão ameaçador.James agarrou o submarino,abraçando-o contra o corpo e desafiando Gabriel.
- Ele é possessivo com seus brinquedos - Marisa falou,sorrindo.Uma das bolhas de sabão escorriam pelo rosto dela no lugar onde James tinha acariciado.
- Quem não é? - ele respondeu,observando as bolhas escorrerem,uma expressão aberta e divertida no rosto.
Ela fingiu não perceber o duplo sentido.Curvou-se,levantou o filho e começou a seca-lo.Ele observava Gabriel meio desconfiado.Marisa passou-lhe talco e pôs o pijama.Depois,Gabriel levantou-o e sorriu,vendo aquele rostinho rosado.
- Temos que nos conhecer melhor.
James não parecia muito interessado.Olhava para o pai intrigado agora.Inesperadamente,mas de propósito,enfiou um dedo no olho de Gabriel,que soltou uma exclamação de dor.
- Por que tenho sempre a impressão de que ele não gosta de mim?
- Ele explora os olhos e as orelhas das pessoas o tempo todo.
- Seu monstrinho.Mas aposto que você não gostaria que fizessem isso com você.
Levou James até o quartinho ao lado do de Marisa,que tinha virado um verdadeiro berçário.
James deitou-se,o seu ursinho ao lado.Marisa inclinou-se para beijá-lo e foi até a porta.Gabriel ficou olhando para o filho,com o rosto impenetrável.Depois seguiu Marisa,saindo do quarto.
Olhou para ela com um olhar amistoso.
- Ele faz uma diferença enorme nessa casa.A sra.Dudley não fala em outra coisa.
Ela imaginava que a alteração de ordem talvez o amolasse,mas parecia que não.Ele estava mais relaxado do que nunca,sorria gostoso,agora.
Quando Gabriel sorria,transformava-se totalmente.O rosto forte e arrogante adquiria charme e a voz grave tornava-se delicada.
Durante o jantar,veio-lhe de repente à lembrança como tinha se sentido quando saiu para jantar com ele pela primeira vez.A enorme e mutua atração que os tinha dominado,a ponto de eles não perceberem o que se passava ao redor,concentrando toda atenção um no outro.
Ela olhou para ele com o rosto vermelho.Gabriel percebeu aquele olhar e sua expressão se alterou.Marisa disfarçou e desviou os olhos.Ele não devia ter percebido o que ela estava sentindo.
E o que estava sentindo? Por que estaria se lembrando de acontecimentos do passado e por que teria que trair seus sentimentos por ele?
Não estava mentalmente apta a tomar nenhuma decisão sobre seu casamento.Queria e precisava de tempo para pensar.Gabriel tinha voltado a fazer parte de sua vida depois de uma ausência de quase dois anos.Da última vez,ele tinha forçado um casamento que resultou num verdadeiro desastre por falta de compreensão de ambas as partes.
Não queria que nada disso se repetisse.Dessa vez ela queria decidir calma e racionalmente e no tempo certo.
- O que você planejou para o Natal já que as festas estão fora de cogitação? - Gabriel perguntou,durante o café.
- Ainda não pensei em nada.James e eu tivemos um Natal bastante tranqüilo no ano passado.
Tinha sido o Natal mais maravilhoso da vida de Marisa.Tinha passado quase todo ele com James,indo depois juntar-se a Sally e Joe para a entrega dos presentes e para a ceia ao redor de uma árvore pequena e simples.A presença de James foi a maior alegria para todo mundo.Ele não entendia o que se passava,mas divertiu-se com as luzes coloridas,os enfeites brilhantes e as risadas alegres.
- James e você... - Gabriel murmurou,os olhos apertados.
Olhou para ele surpresa com o tom de voz.
- Sim,apenas nós.
-Você sabe a freqüência com que diz isso? Quanto tempo vai levar para você reconhecer que eu também faço parte desse circulo familiar? - O tom áspero revelou-lhe algo que ainda não tinha percebido. - Você está me eliminando novamente.Marisa.James é nosso filho.Ele não é exclusividade sua. - Depois acrescentou: - Nem você é só dele.
Será que ele tinha ciúme de James? Ou da afeição que tinham um pelo outro? Será que ele se sentia excluído?
Gabriel levantou-se da mesa e ela seguiu-o até a sala de estar .Ele tinha posto uma fita de música suave e acendido um charuto e observava a fumaça.Quando ela se sentou no sofá,ele se virou para observá-la melhor com uma ponta de zombaria no olhar.
- Esse vestido fica melhor em você agora do que antes.Ou será que eu não devia comentar que engordou um pouco? Você era tão magra que parecia uma vareta quando a conheci.
- Ganhei uns quilinhos depois que tive James - respondeu alisando sua saia inconscientemente.
- Não foi só isso que você ganhou - ele murmurou,sentando ao lado dela e relaxando o corpo com um suspiro - Foi uma semana agitada,espero que o mercado se mantenha calmo para o Natal.
A conversa entre eles ainda era difícil,principalmente por continuarem em estado de alerta um com o outro.Gabriel se mexeu,encostando sua coxa na dela.A respiração de Marisa tornou-se mais agitada,ele olhou-a com o canto dos olhos e depois passou um braço ao longo do sofá,atrás das costas dela.
- Você não acha que já é tempo de nos conhecermos melhor? É um absurdo estarmos casados há três anos e nem mesmo sabermos as preferências mais elementares de cada um...em todos os terrenos.
- Você sabe mais ou menos tudo sobre mim,agora. - Marisa gostaria que ele parasse de olhar tanto assim,para ela,com aquele sorriso zombeteiro.Ainda não se sentia preparada para assumir nada por enquanto - Não me apresse,por favor.
- Quem está apressado? - Gabriel pôs-se a brincar com os cabelos loiros dela, que lhe caíam sobre os ombros. - Gosto do seu cabelo solto.Quando você o amarra para trás parece ter dezesseis anos.
- Pelo menos ele não fica caindo nos olhos.
-Muito prático,de fato. - Sorriu para ela e a força de seu perfil transmitia a natureza enérgica de um homem que está acostumado a obter tudo quanto quer. - Fale comigo,Marisa.Você soltou a sua língua,finalmente.Use-a,então.
- Já lhe falei tudo que tinha para dizer. - Ela não tinha mais nada a acrescentar...por enquanto. - E você? Você nunca me contou muita coisa a seu respeito.
- Não pensei que fosse importante.Acho que poderia resumir em apenas duas palavras...trabalho e prazer.Em nenhum dos dois me realizei realmente.Passei muito tempo debruçado em minha mesa de trabalho ou voando ao redor do mundo,falando até perder a voz.Quando não estava trabalhando tentava relaxar,mas tudo que se quer,as coisas perdem o interesse.
- Você inclui as mulheres nisso?
Olhou-a de forma penetrante.
- Mais ou menos.
-Talvez mais do que menos.
Gabriel riu do comentário.
- Se é isso que o mantém ligado - E ela deu de ombros e observou o olhar surpreso e divertido do marido.
- Não é.Não é uma questão de ligar,talvez seja mais de desligar.Quando eu trabalhava a toda durante um certo tempo,chegava uma hora que eu precisava esquecer um pouco o trabalho.
- Então você procurava uma mulher - Ela se lembrava bastante bem das discussões acaloradas no escritório quando a imprensa noticiava que ele tinha nova companhia.Sempre soube de sua vida passada e o que ele dizia não a surpreendia.Nunca se sentiu com direito a ter ciúme.Só se tem esse direito quando se está emocionalmente envolvida com a pessoa e Marisa sempre lutou para não se deixar envolver emocionalmente com Gabriel.
- Elas nunca diziam nada que prestasse.Mal consigo me lembrar da maior parte delas.Faltava sempre alguma coisa,apesar de serem adoráveis.Nunca sentia falta delas.Quando saíam de meu quarto,saíam da minha cabeça ao mesmo tempo.Agora,de você eu não posso dizer o mesmo.Desde o primeiro minuto em que a vi,você tomou conta de minha cabeça e não consegui me livrar mais.
- Pelo menos tentou? -Ela sempre se perguntou o que o tinha feito casar com ela.Desde a morte da primeira esposa,Gabriel nunca mais tinha demonstrado interesse em casar novamente,apesar das inúmeras mulheres que o rodeavam terem tentado fazê-lo mudar de idéia.
- A principio sim.Não queria aceitar o fato e tentei me convencer de que estava louco.Você acha que era a única a pensar que o nosso casamento era uma loucura?
-E foi - Ela sorriu - Foi um enorme ato de loucura.
- O amor é louco.Atinge a pessoa antes que ela saiba o que está acontecendo e quando acorda já está fazendo qualquer loucura.Deveria haver uma lei contra esse tipo de agressão.
Marisa riu com vontade e quando levantou os olhos viu que ele estava perigosamente perto,o rosto a alguns centímetros do seu,evidenciando cada detalhe de suas feições.Os olhos dela percorriam com impaciência aquele rosto,sentindo a força que dele emanava.Independente de sua opinião, era preciso reconhecer que Gabriel era um homem em quem se podia confiar quando necessário.Quando James sumiu,ela se apoiou nele e ele tinha atenuado incrivelmente a tensão daquelas horas.
Até agora não havia pensado nisso.As coisas eram como eram,e ela nem sequer se deu ao trabalho de refletir sobre o assunto.
Seu sorriso morreu de repente.Os olhos cinzentos tinham uma expressão que ela conhecia muito bem.
- Você me pertence,Marisa.Você realmente me pertence.Só Deus sabe por quê...eu não tenho bem certeza.Já me perguntei inúmeras vezes o que há com você que me faz desejar agarrá-la pelos cabelos e arrastá-la,queira você ou não.Deve ser pelo fato de você ser tão frágil.Sempre tive medo de deixar marcas em você mesmo se a tocasse com um dedo.
- Não me parece que você tenha sido tão cuidadoso. - lembrava-se da noite em que tinha batido nela.
Aquilo o irritou.
- Não pense que me orgulhava da maneira que me comportava.Eu me detestava.Mas não conseguia me controlar quando você me virava as costas.Se as menos tivesse esperanças de que você se importasse comigo...
- Você não pode forçar as pessoas a amá-lo. - retrucou.E ele tinha tentado.Estava pronto para força-la a fazer o que ele quisesse.Essa era uma das razões de Marisa sempre ter se sentido um objeto,uma coisa sem vontade ou iniciativa.
- Você nunca tentou me amar.
A temperatura emocional entre eles tinha se alterado dramaticamente.Para surpresa de Marisa,a calma com que eles estavam conversando transformou-se rapidamente.Qual dos dois tinha rompido aquela trégua? Subitamente,o ambiente tinha se tornado tenso e ela reagiu como costumava reagir quando se sentia emocionalmente ameaçada:levantou para fugir.
- Não - Gabriel murmurou,tentando aproximá-la.Seu rosto estava sério e os olhos,cheios de emoção e raiva.
Ela tentou desvencilhar-se empurrando-o com as duas mãos,era muito frágil para combater a força que a tinha arrastado para junto dele
Sua boca desceu faminta;com uma das mãos nas costas de Marisa,mantinha-a presa.Tentando lutar contra ele,ela perdeu o equilíbrio,tropeçando.Os dois caíram no sofá.Gabriel segurou sua cabeça com força,aproximou a boca feroz outra vez e Marisa se sentiu invadida por uma onda quente e excitante.
Aquela investida selvagem abrandou-se assim que ele sentiu que ela cedia.O beijo progredia,sua mão acariciava seus cabelos, a nuca...Ela começou a respirar rapidamente,sentindo a força do corpo que estava sobre o seu,a pressão morna daquela coxa musculosa contra a dela...
Sua pele queimava,tinha a impressão de estar com febre e os ossos pareciam se derreter dentro da brasa em que seu corpo tinha se tornado.
Mais uma vez assaltou-a o velho medo de ter que lutar contra esse medo selvagem que sentia,o medo de lançar-se num vôo cego e irracional.
Queria ceder inteiramente a essa paixão violenta,mas ainda estava muito assustada.
Lutou novamente para libertar-se,empurrando-o pelos ombros,ouvindo Gabriel murmurar:
- Entregue-se,minha querida.Pare de lutar contra você mesma.
- Não consigo,não posso.- Estava dividida entre o fascínio e o medo do abismo.Metade de seu ser ansiava por se lançar e outra metade afastava-a do perigo.
- Do que você é feita,Marisa? - Gabriel murmurou selvagemente. - Dois anos,dois malditos anos estive esperando por você e novamente você me afasta de seus braços.O que pensa que eu sou? - Seu rosto pressionava o pescoço de Marisa,seus lábios tremiam,descendo por sua pele macia,o calor da respiração aumentava,seu corpo trêmulo de desejo pressionava o dela.
- Não faça assim. - sussurrava, tremendo,seu medo crescia na proporção do desejo dele.Era terrível ter de lutar contra suas próprias necessidades sabendo que Gabriel também já estava perdendo o controle.Ele acariciava Marisa com uma insistência rude,queimando seu corpo onde o tocava.
- Preciso de tempo. - Começava a se mostrar zangada. - Gabriel,será que você não consegue entender? Pare de me provocar.Me dê tempo para pensar.
- Inferno! - Afastou-se dela,desentrelaçando as pernas com movimentos violentos que a deixaram jogada no sofá.Gabriel levantou e afastou-se com uma das mãos sobre os cabelos e a outra arrumando a camisa e colocando-a para dentro da calça.
Marisa ficou esparramada no sofá,respirando irregularmente,observando as costas de Gabriel que tremiam.
- Sinto muito.
- ah,você sente muito? Me parece que você não tem a menor idéia do que quer.Você não é mais nenhuma criança.Sabe muito bem como me sinto.
- Sei como você pensa se sentir.
- Desejo você desesperadamente. - falou,de costas para ela,com o corpo tenso.
- Deseja? Deseja? Você fala como um menininho apontando alguma coisa na vitrine.É assim que James faz quando passa por uma confeitaria.Ele ainda não tem dois anos, mas você já é adulto,pelo amor de Deus.Deve saber que não é só dizer "eu quero"para que tudo lhe seja entregue! - Sua voz estava exasperada mas quando o comparou com James tinha se abrandando.Tinha pensado tantas vezes na semelhança entre eles quando o filho pulava em seu carrinho pedindo qualquer coisa na rua...
Gabriel percebeu a mudança em sua voz.Virou-se para ela menos agressivo,menos tenso.
- Então,parece...
- Tente encarar as coisas do meu ponto de vista.Estamos apenas começando a nos conhecer.Da última vez,você me apressou a casar e a dormir com você antes que eu estivesse preparada, e isso me bagunçou a cabeça.
- Muito bem,vou esperar.Mas não demore muito.Minha paciência tem limite.
- Repita isso novamente!
Gabriel riu,relutante,olhando-a com um brilho curioso nos olhos e disse:
- Você sabe que mudou.A principio,pensei que fosse exatamente a mesma,talvez pelo estado de tensão em que a encontrei.Agora que começou a falar vejo que houve mudanças nesses dois anos.Sua cabeça está mais tranqüila,não está?
- Não entendo muito a minha cabeça.Apesar de tudo,acho que estou mais confiante.Tinha que estar.Não foi fácil criar uma criança sozinha.Depois que James nasceu fui obrigada a decidir sozinha,por mim e por ele.Ser responsável por meu filho me tornou mais responsável por mim também.
- Talvez seja isso.Você está mais madura.Quando a conheci era jovem e imatura.Aos dezenove anos mais parecia uma menina de quinze.Agora é quase uma mulher.
Ela riu,arqueando as sobrancelhas.
- Não tenho certeza se gostei da maneira que você disso isso!
- Você nunca vai se realmente uma mulher até se decidir a assumir seus sentimentos.E isso você nunca vai fazer se continuar fugindo deles.
Marisa levantou-se do sofá com o rosto virado.
- Não estou fugindo de coisa alguma.
-Não?
- Não - ela falou,indo até a porta. - Estou apenas...
- Apenas o quê,Marisa?
- Pensando sobre o assunto. - E retirou-se,apressada.

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