CAPÍTULO VII
A luz iluminou as escuras feições masculinas ; ainda um pouca atordoada, Fenny viu as veias irregulares do pescoço moreno, onde a camisa estava aberta. Ainda não totalmente consciente, quase não reco¬nhecia ninguém e a luz a cegava. Seus olhos examinaram aquela figura alta e magra e, quando se lembrou quem era aquele homem, sentiu um aperto no coração.
— Olá, boneca! — Zonar sorriu e segurou as mãos dela, levando-as delicadamente aos lábios. — Está me reconhe¬cendo? Lembra quem sou eu?
Ela concordou com a cabeça, aliviada e confusa ao mesmo tempo: tinha achado que ele era uma outra pessoa.
— É muito bom tê-la de volta, aqui conosco — ele disse, carinhosamente, e continuou segurando suas mãos finas e bem cuidadas. — Está contente por estar de volta em casa, Fenella?
— Sinto-me como se tivesse ficado muito tempo longe daqui. — Examinou o quarto e começou a reconhecer o lugar. — O que aconteceu, Zonar?
— Você sofreu um acidente nas colinas, quando um cachorro correu na frente do carro. Um garoto do povoado tirou-a de perto do carro e levou-a para um lugar seguro, antes que explodisse. Ele é um jovem herói. Cuidou muito bem de você, mostrou-se decidido e forte, mas estava muito preocupado.
— Estou muito contente e... e muito grata a ele. Foi muita bondade. Se isso acontecesse na Inglaterra, duvido que alguém parasse para me socorrer, pois lá todos têm medo de se envolver.
— Não pense mais nisso, só vai se sentir pior. Agora tudo acabou e está sã e salva, e se recuperando.
— Do que estou me recuperando? — Seus olhos não se desviavam dos dele, procurando tudo que se escondia por trás daquelas palavras. — Há quanto tempo estou... estou ferida?
— Há muitos dias. E a maior parte deles você dormiu e esteve aos cuidados da enfermeira que a alimentava com caldo de galinha. Mas não pense mais nisso... vamos falar de outras coisas.
— Muitos... dias — repetiu. — Eu... não consigo me lem¬brar. Devo ter ficado inconsciente. Fui ferida na cabeça? Zonar, por favor, me diga.
— Foi quando o carro bateu no rochedo. O corte está por baixo de seus cabelos; portanto, não haverá cicatrizes, o maior temor de toda mulher.
— Cicatrizes — ela murmurou. — Sim, eu tenho algumas.
— Não. — Ele balançou a cabeça, inclinando-se sobre ela e olhando intensamente em seus olhos. — Você, feliz¬mente, não sofreu nenhum outro ferimento, minha querida.
"Minha querida"... Como essas duas palavras lhe traziam recordações amargas e doces: outras mãos, mais calejadas pelo trabalho, segurando as dela; lábios beijando os seus, fazendo todo seu corpo estremecer. Ah, aquele homem!
— Não me preocupo com ferimentos. — Não podia mais suportar a dúvida. Desesperada, perguntou: — Eu... eu perdi meu bebê, não perdi?
A veia do pescoço de Zonar pareceu saltar. Ele baixou os olhos.
— Eu... eu acho que sim, Fenella. Nós sabíamos que você tinha que ser avisada e o médico achou que eu devia di¬zer-lhe... no lugar de Lion.
— Entendo — disse numa voz sumida. Estranho, não sentia vontade de chorar. Talvez já tivesse derramado todas as lágrimas. Naquele exato momento, seus olhos estavam secos, e seu corpo, vazio. Já não havia mais razão para viver: perdera o tão esperado filho de Lion. — Ele está assim tão zangado que... que não pôde vir me ver?
— Minha querida garota, não conseguimos localizá-lo! Ele partiu no Cirene e estamos tentando entrar em contato...
— Você procurou as antigas namoradas dele? Telegrafou para Nova York, onde minha prima está?
Zonar olhou-a fixamente e uma expressão de espanto apa¬receu em seus olhos.
— Você deve estar brincando, não pode pensar uma coisa dessas. Lion nunca faria...
— Lion ama minha prima, e quando nós dois nos separamos houve uma discussão feia. Agora... agora ele tem alguma coisa mais para acrescentar à lista contra mim. Sou a esposa que jamais quis, a garota que o roubou dos braços da mulher amada, que o forçou a se casar, e, para completar, matei o filho dele. Fiz tudo que era possível para que me odiasse,
— Oh, Fenella, o que posso fazer ou dizer para consolá-la? — Zonar apertou suas mãos e oíhou-a, carinhosamente, como para dizer que era solidário com ela, e que percebia o quanto estava sofrendo. — Mas ninguém da família sus¬peitava de alguma coisa, exceto a velha Kassandra, e foi ela quem medicou você, enquanto esperávamos a chegada do médico. Ela murmurava alguma coisa sobre esta ser a única oportunidade. Será que queria dizer que esta era a única chance de salvar seu casamento?
Fenella pensou no que Kassandra previra: que teria ape¬nas um filho. E agora não havia mais a criança.
— Lion sabia a respeito do bebê? — Zonar perguntou. — Você chegou a contar a ele?
Ela negou com a cabeça e recostou-se no travesseiro, seu cabelo preso numa única trança caindo sobre a camisola. Estava muito magra e pálida. Parecia uma garota jovem e magoada e perdida... Agora, não havia mais nada para guardar do seu estranho casamento. Ele se fizera em pedaços e não havia meio de consertar, nem mesmo que os dois lutassem muito.
Se ao menos... Oh, Deus, se ao menos seu amor por Lion tivesse morrido junto com o bebê. Mas não: continuava lá, e tão forte como sempre, magoando seu coração. Era tudo que poderia levar embora com ela de Petaloudes.
— Talvez, se você tivesse lhe contado, Fenella, ele não fosse embora — disse Zonar, suas sobrancelhas negras se juntaram. — Acho que Lion teria ficado contentíssimo. Um filho é a única coisa que falta para completá-lo.
— Oh, sim — ela disse, o cinismo brilhando em seus olhos. — Ele só me manteve presa para que lhe desse um filho. Foi o acordo que fez comigo. Eu seria sua esposa até que lhe desse um filho. Então, tudo estaria acabado. Eu... eu não queria que soubesse que ia ter um filho dele, fruto de uma paixão fria e calculista. Eu ia fugir no dia do acidente. Isso deixa você chocado, cunhado? Eu ia embora, enquanto Lion estivesse fora, em sua viagem por alto-mar, e pretendia me esconder em algum lugar na Inglaterra, onde nunca pu¬desse me encontrar. Já tinha tudo em mente, tudo planejado. Então, o destino interferiu sob a forma de um cachorro, metade selvagem, metade demônio, símbolo de Pã. Aqui nas ilhas gregas, qualquer um, depois de um certo tempo, passa a acre¬ditar na força dos deuses pagãos. Você acredita neles, Zonar? Ou é um homem civilizado demais?
— Acima de tudo, sou um grego. Acredito que os deuses dão presentes e depois nos fazem pagar um preço bastante alto por todos eles.
— Eu roubei o meu — ela disse. — Por isso, os deuses de vocês me puniram. E foi uma punição muito cruel. Agora, não tenho mais nada, e isso dói tanto que nem consigo chorar...
— Fenella... — Levou as mãos ao rosto dela. — Você... você é uma garota encantadoramente emocional, que guarda tudo no fundo do coração. E Lion, apesar de tudo, mora no seu coração. Mas conseguirá arrancá-lo de lá, se tentar.
Fenny viu nos olhos de Zonar o que lhe estava pedindo. Oh, como seria fácil virar-se para ele e receber carinho, em vez de frieza...
— Nós fugiremos juntos — ele disse baixinho. — Você só precisa dizer uma palavra...
— Não! Não vou acrescentar mais isso aos outros crimes que cometi, Zonar. Não serei o motivo da inimizade entre você e Lion. Ele educou vocês, você e Demetre. Gosta de você, morreria em seu lugar se fosse preciso, lutou, trabalhou em pedreiras e navios para que pudessem ter uma vida melhor do que a que teve. Por favor, me solte. Sabe muito bem que Lion é o único homem da minha vida, o único que amei. Por favor, pare de me dizer essas bobagens todas...
— Quando você estiver mais forte, Fenella, quando mais nada puder machucá-la, então conversaremos novamente. Temos nossa vida para viver, e quero você por tudo que é. Você! Tão meiga e justa, e com essa pele tão fresca.
Virou as palmas das mãos dela e levou-as aos lábios, bei¬jando-as... lá, no mesmo lugar onde Kassandra tinha olhado e visto aquelas sombras que acabaram por se realizar.
Fenny suspirou e sentiu-se sem forças para discutir com Zonar. Foi um alívio quando a enfermeira entrou no quarto, uniformizada e enérgica. Sem sorrir, dirigiu-se a Zonar.
— A senhora está fraca e precisa descansar. De manhã, já estará se sentindo bem melhor.
— Então, até amanhã. — Ele sorriu para Fenny, levan¬tou-se e caminhou lentamente para a porta.
Quando Zonar saiu, a enfermeira alisou o travesseiro de Fenny e ofereceu-lhe um suco de laranja.
— É muito bom o irmão do marido da gente ser tão prestativo. Não é todo mundo que tem essa sorte. Um jovem simpático... Os olhos dele se encheram de lágrimas, quando lhe contaram de seu aborto. Os homens gregos são muito sensíveis em relação a essas coisas. Talvez eles fiquem mais tristes do que a própria mulher.
Fenny olhou melancolicamente para a enfermeira.
— Poderei ter outro filho?
— Deve perguntar ao médico, kyria. — A mulher lhe deu as costas, parecendo um tanto evasiva, e se pôs a ar¬rumar as coisas no criado-mudo.
— Por favor, você não pode me dizer? Tenho certeza de que sabe. Prometo não desmaiar de chorar.
— Por quê? — A enfermeira voltou-se novamente para olhar para Fenny. — Você é uma dessas mulheres que não se importam realmente em ter família?
— Eu... eu me importo muito, mas também não gosto de ficar sem saber algo assim... assim tão importante para mim. Você sabe de tudo, tenho certeza de que sabe.
— Essas coisas nunca são certas, kyria. Em poucos anos...
— Anos? — Fenny respirou fundo. — Tenho medo de pensar no futuro.
— Os jovens sempre sentem medo. — Um sorriso apa¬receu no rosto da mulher. — Vou lhe dizer uma coisa, você teria muitas complicações durante o parto. Ter esse filho iria lhe custar muito.
— Minha vida? —Fenny sentiu como se tivesse sido esfaqueada no coração. Oh, Deus: ela teria morrido e o bebê seria mandado para um orfanato. — É isso que você quer dizer, enfermeira? Ou entendi mal?
— Eu não devia estar lhe contando isso, mas, nesses casos, todas nós precisamos saber. Sim, você poderia ter perdido a vida com o nascimento da criança. Era um garoto, kyria.
Fenny fechou os olhos. Sentia uma dor profunda... Ia dar à luz um filho, um menino que Lion tanto queria e que agora nunca iria conhecer.
Ele só saberia disso tudo quando voltasse da viagem. Saíra no caíque sem nem mesmo contar aos irmãos onde poderia ser encontrado, ern caso de emergência. Até mesmo os negócios, pelo menos uma vez, pareceram menos impor¬tantes para ele do que aquela necessidade repentina de afastar-se de todos.
De todos? Fenny tinha, cinicamente, insinuado a Zonar que ele havia ido para Nova York, encontrar-se com Penela. Mas não seria tão absurdo, se Lion estivesse lá. Se ele quisesse Penela com todas as forças de seu ser, não permi¬tiria que uma esposa indesejável ficasse em seu caminho. E Fenny sabia que a prima sempre achara muito excitante ter um homem casado apaixonado por ela.
— Você não deve se afligir muito; senão não ficará boa. — Fenny sentiu a mão fria da enfermeira na testa. — Será bem melhor para o seu marido, quando voltar para casa, encontrá-la recuperada, e não uma esposa pálida e doente. As coisas tristes que acontecem com as mulheres devem ser enfrentadas o mais corajosamente possível. O bebê mor¬reu, mas ele tem você...
— Eu? — Fenny deu uma risada. — Ele nunca me perdoará, quando descobrir o que aconteceu. Vai me culpar por tudo.
— Naturalmente que ficará desapontado, kyria, mas en¬tenderá que não foi por culpa sua que aconteceu o acidente. Não somos culpados por coisas que acontecem e ficamos mar¬cadas. Cada prazer tem seu preço, e cada dor sua recompensa.
— Eu adoraria poder acreditar em você, enfermeira, mas sinto que meu coração está vazio. Minha dor é muito forte e não há nenhum remédio para aliviá-la. Dói tanto que acho que o melhor para mim seria me juntar ao meu bebê.
— Você deve tentar não ser mórbida, kyria. Se fosse para morrer com a criança, você teria morrido. Se não morreu, é porque ainda não chegou a sua vez.
— Você acredita no destino, pelo que pude notar. Foi muita maldade do destino tirar de mim o único filho que poderia ter. E, não satisfeito, fez questão de deixar claro que eu mor¬reria, se tivesse esse filho tão esperado. Ele nasceu em mim, vindo do amor... do amor pelo homem que o deu para mim.
— Tente dormir — a enfermeira murmurou. — Amanhã, tudo vai lhe parecer mais claro. E, quando se sentir mais forte, perceberá que nunca desejou morrer. Boa noite, kyria.
— Boa noite. Obrigada por ter sido tão boa.
A luz do abajur foi apagada e, um momento depois, a porta do quarto foi fechada, silenciosamente, atrás da figura uniformizada. Só um candelabro iluminava o quarto, apenas o tique-taque do relógio quebrava o silêncio, só o que a mantinha viva era a recordação amarga de ter ficado nos braços de Lion e chegado a conhecer o prazer de se sentir possuída pelo homem que amava.
Um prazer que tinha roubado de outra mulher. E ali, na¬quela ilha grega pagã, os deuses a puniram por desafiá-los.
Dormiu, mas teve um sono agitado. Sonhou que estava na beira do mar, o vento soprando forte, vindo do alto do rochedo. Todas as luzes do castelo estavam apagadas. Estava sozinha, deitada na cama, e, de repente, ouviu um estrondo e viu o castelo em chamas. E não podia se defender. Então, acordou assustada e começou a pensar em sua vida ali.
Uma casa onde o amor não era bem acolhido. Tinha re¬jeitado o amor da jovem esposa de Zonar e, agora, o filho de Lion.
Foi só quando Fenny já estava bem mais forte e podia sentar-se ao sol na moussandra, que lhe disseram que ha¬viam erguido uma lápide em memória do bebê, na capela das colinas.
— Gostaria de ir visitá-lo — pediu a Adelina.
No primeiro dia em que recebeu permissão para sair de casa, Zonar e Adelina a levaram de carro até a capela. Ca¬minhou com eles por entre os ciprestes, até o lugar silencioso onde estava a pequena lápide de bronze. Havia algumas pa¬lavras gregas e o nome: Heraklion Mavrakis Júnior.
Ainda incapaz de chorar, Fenny ajoelhou-se junto do pe¬queno túmulo e passou os dedos pela inscrição.
— O que significam essas palavras?
— Ele colheu a flor da vida — Zonar respondeu, incli¬nando-se para ajudá-la a se levantar.
— Mas ele nunca chegou a colher, pobre criancinha. Nun¬ca houve uma chance para ele. Era apenas um feto, um pequeno embrião, que foi morto por um acidente de carro. Eu gostaria de gritar o nome dele, arrancar os cabelos e amaldiçoar os deuses de sua ilha.
— Minha querida — disse Adelina —, pense no lado bom que a vida tem para oferecer, seja mais otimista. Você po¬deria estar embaixo da terra, sem vida. Levante as mãos e sinta o sol penetrando em sua pele, e veja como é atraente. Não acha que ela está encantadora, Zonar?
— Sim — ele disse, mordendo o lábio, como para reprimir o que sentia pela esposa do irmão. — Posso imaginar como se sente e entendo, Fenella. Mas, acredite, a dor e o ódio acabam com o tempo. É exatamente como todos dizem: o tempo é o melhor remédio, quando se quer esquecer alguma coisa. Você verá que todo sentimento ruim que tiver dentro do coração vai se extinguir gradualmente, e a vida começará a ter um novo sentido.
— Claro que sim, Zonar tem toda razão. Não há mal que sempre dure, como não há bem que perdure. — Adelina passou o braço pelo de Fenny. — Você precisa aprender a se divertir, minha querida. Zonar vai nos levar a Atenas qualquer dia desses. Conosco, você se sentirá mais feliz, vai despertar para a vida. Você irá, não é mesmo, meu bem? Lion está ausente. Portanto, não precisa de permissão. Ele devia ter nos avisado onde poderíamos encontrá-lo, mas, em vez disso, partiu, fu¬gindo como um leão ferido. Santa Maria! Ele é o culpado de tudo o que aconteceu e de todos os nossos sofrimentos.
— Minha querida cunhada — Zonar sorriu, zombeteiro —, quando foi que você sofreu? Demetre é a mãe da paciência com você. Ele faz de tudo para satisfazer os seus menores desejos. É muito diferente de todos nós. Você devia dar graças aos céus.
— Eu me certifiquei, Zonar, de que o homem com quem ia me casar não fosse cruel. Sabe que meu pai queria que eu me casasse com Lion? Mas eu o fiz entender que preferia entrar na jaula de um leão de verdade. Tenho certeza de que a pobre Fenella já percebeu o erro que cometeu.
Fenny deu um sorriso amarelo. Tinha que aprender a esconder o sentimento ferido, e, quanto mais rápido, melhor.
Afastaram-se da pequena lápide de bronze e ela sentiu como se estivesse deixando uma parte de seu coração para trás, enterrada no gramado. Zonar tomou sua mão e colo¬cou-a no braço. Ele entendia seu sofrimento, como Adelina nunca poderia entender, porque, como Fenny, ele também se casara por amor.
Caminharam através dos jardins da capela, onde antigos túmulos de pedras ficavam ao sol, com suas inscrições. Fen¬ny olhava-os, como se ela também estivesse num deles.
Quando se dirigiram para casa, codornas voavam sobre os campos e colinas, e o ar tinha o aroma da essência de pinho e flores. Passaram pelo lugar onde Fenny sofrera o acidente. Ela viu as marcas negras onde a grama tinha sido queimada pela explosão e algumas manchas de óleo no paredão do rochedo.
— Espero que o garoto pastor de cabras tenha sido re¬compensado — ela disse. — Ele foi muito corajoso, tentando me salvar.
— Foi o cachorro dele que causou o acidente, querida — falou Adelina. — Ele admitiu que a culpa era dele, quando os homens do povoado levaram você para casa numa carroça usada pelos fazendeiros. Pensando bem, Zonar, esta é uma ilha bem primitiva. Devia ter um hospital. É uma necessidade.
— O que você fez pelo garoto? — Fenny perguntou ao cu¬nhado. — Sinto-me em falta com ele, sabe? Poderia ter se ferido. Foi muito corajoso, agiu como um verdadeiro homem.
— Falei com o pai do garoto e deixei claro que Lion vai recompensá-lo, provavelmente com uma boa quantia em di¬nheiro ou um reprodutor de sua própria criação. Aqui os ani¬mais são mais preciosos para o povo. Muito mais do que di¬nheiro no banco, é o que eles pensam. Têm, como você pode ver, uma forma de vida que Lion tem medo de estragar, e é exatamente por isso que vai modernizando aos poucos a vida do pessoal da vila. Já conseguiu isso em outros lugares. Antes do que você possa imaginar, os turistas já estarão lá, nos pequenos hotéis que estão sendo construídos nas praias, aca¬bando com a beleza e o povo. Mas um hospital é uma neces¬sidade, e Lion já falou sobre isto, acredite ou não, Adelina.
— Acho que ele só se preocupa com a própria imagem — disse a cunhada. — O rei da própria selva particular. Perdoe, Zonar, se acho seu irmão cruel e egoísta, mas ele nunca fez nada para me fazer pensar o contrário.
— A vida para ele nunca foi fácil, e sim cruel. — Zonar deu de ombros. — Nosso começo de vida foi muito duro, isso nos marcou muito. As privações e lutas endurecem os músculos e as emoções. Ele é compreensivo, e eu tenho que admitir isto.
— "Compreensão" é uma palavra muito suave. — Adelina olhou para Fenny. — Eu não gostaria de ter um marido que fosse viajar de caíque e não dissesse nenhuma palavra de satisfação, para onde ia e com quem ia. E isto não é próprio dele. Geralmente, tem muitos negócios para resolver e não se importa com mais nada. O que terá acontecido com o homem?
— Acho que queria ficar longe de mim — Fenny disse baixinho. — Tivemos uma briga, antes de ele partir. Eu... não estou aguardando com prazer a volta de Lion...
— Então, iremos passar alguns dias em Atenas. — Ade¬lina sorriu. — Você nos leva, Zonar?
— Com todo o prazer. Acho que umas férias farão muito bem a Fenella. Ela vai se divertir muito em Atenas: as lojas, as paisagens, a música. Deixem tudo por minha conta, providenciarei tudo, minhas senhoras. Posso garantir que nos divertiremos a valer. Serão dias que acredito que, nem depois de velhas, vocês irão esquecer.
— Vou lhe dizer uma coisa, Zonar. — Adelina acariciou o rosto dele com a ponta dos dedos. — Você não é apenas um belo homem, mas também muito humano. Fenella devia ter casado com você, querido garoto.
— Eu esperava que ela fosse a madrinha do casamento do meu irmão — ele respondeu. — E tinha feito meus planos, consequentemente.
Quando ele parou o carro no pátio do castelo, deu um olhar cínico para Fenella.
— Posso me atrever a fazer mais planos? Ou você ainda vai me surpreender?
— Eu... eu apenas não quero mais me envolver. Estou com o coração oco. Só desejo aprender a enfrentar a vida com menos seriedade. Quero aprender com vocês dois como manter minha cabeça nas nuvens e meu coração sob con¬trole. Vamos começar com as lições desde hoje, por favor. Não quero falar de nada que não seja dos bons momentos que passaremos juntos.
— Seja minha aluna, querida, e aprenderá tão bem as lições que conseguirá nota dez. — Adelina riu. — A vida pode ser um prazer, se você não levá-la muito a sério.
Mas, enquanto Adelina falava, Fenny estava consciente de que Zonar a observava, mas se recusou a encará-lo. Não ia permitir que aquele homem charmoso dividisse com ela sua vida interrompida... não, ainda.
Entraram, e Adelina pediu que o chá fosse servido no terraço que dava para o pomar, onde alguns dos trabalha¬dores estavam cantando, enquanto colhiam as frutas. Uma cantiga grega, estranha e triste. Fenny recostou-se na ca¬deira de palhinha e ficou observando o cunhado. Zonar lhe dava tudo que Lion nunca lhe dera: carinho, compreensão, amor, amizade. Gostava dela pelo que era, e não pelo que desejava que fosse.
Mas, de agora em diante, não seria bondosa e tão sensível à dor. Agora, ia procurar pelos prazeres sensuais que a vida podia oferecer. Recebendo mais do que dando, da mes¬ma forma que Penela e Adelina faziam.
Um delicioso chá forte foi servido, acompanhado de pão de mel e biscoitinhos. Sentaram-se, conversando animadamente por mais de uma hora, até que o sol começou a baixar no mar.
Adelina saiu para encontrar o marido. Fenny e Zonar ficaram sozinhos.
— Foi um lindo pôr-do-sol, hein? — ele murmurou. — Seus olhos estavam brilhando, enquanto você o observava.
— Nunca deixarei de ficar encantada com a beleza da Grécia. Todas as coisas aqui têm um pouco de paganismo, não é?
— Você pretende ficar na Grécia?
A pergunta inesperada fez com que Fenny prendesse a respiração por alguns instantes. Então, ele tinha adivinhado que ela estava planejando ir embora, depois da viagem a Atenas. Ele sabia que tudo estava acabado entre ela e o irmão, que não havia possibilidade de reconciliação.
— Devo ir embora, Zonar. Você entende, não é mesmo?
— Claro que sim. É preciso haver amor num casamento, ou não há nada. Apesar do que Adelina fala do casamento, há alguma coisa muito forte entre ela e Demetre. Eles com¬binam um com o outro.
— É assim que deve ser: combinar um com o outro. — O vento jogou uma mecha de cabelo em seus olhos. Tudo estava frio e escuro agora que o sol tinha desaparecido.
— Acho que você aprendeu a amar a Grécia, e a outras ilhas. Está com medo de Lion? De viver e de fugir dele? Quanto tempo vai fugir, Fenella, e para onde?
— Não posso ficar com um homem que não me quer. Nós não combinamos. Descobri que invejo Adelina porque tem quem combina com ela, como você mesmo disse.
— Chamam isso de necessidade — Zonar falou. — Todos nós precisamos de alguém. Gostaria de lhe dar tempo para precisar de mim, e acredito que você conseguiria. Não nasceu para ficar sozinha; certamente não, depois de ter vivido com um homem e engravidado.
— Não posso mais ter filhos, Zonar. Tomei-me uma mu¬lher quase inútil.
— Nunca diga isso! Você é o que é, não apenas um corpo para procriar um filho. Deixe que eu faça de você a mãe do meu pequeno Alekos.
Zonar parou de falar, quando alguém chegou ao terraço pela porta de vidro uma babá impecavelmente uniformizada.
— Espero que não se importe por eu vir lembrar-lhe, senhor, que está na hora de levar Alekos para brincar antes de eu dar banho nele e servir o jantar.
A voz era bastante educada, mas Fenny pôde perceber que a jovem criada tinha ouvido o que Zonar dissera a res¬peito do filho. Sentiu um nó na garganta, porque ainda era a esposa de Lion, e a última coisa que queria era abandonar Petaloudes com a família pensando que Zonar tinha des¬truído o casamento do irmão.
— Venha comigo — ele disse para Fenny. — O garoto ficará feliz de brincar conosco, e eu gostaria que você o conhecesse melhor.
Quase disse que sim, mas sentiu novamente o olhar des¬confiado que a babá lhe dirigia e mudou de idéia.
— Estou um pouco cansada. Vou ficar aqui sentada um pouco mais e desfrutar a minha solidão.
— Se é assim que você quer... — Inclinou-se para ela e, na frente daquela garota, beijou de leve seu rosto. — Sonhe com Atenas e com os momentos agradáveis que passaremos juntos. Até mais tarde,
Saiu com a babá do filho, e Fenny ficou sozinha com o pen¬samento confuso de que Zonar e ela estavam se metendo, quase inevitavelmente, numa intimidade perigosa. Os dois estavam sozinhos... tinham ambas perdido alguém que significava muito. Dos jardins cheios de sombras vinha um aroma agradável de uvas e o canto das cigarras. Estava tudo muito calmo, em contraste com seus sentimentos. Foi tocada pela beleza da noite, mas de forma diferente, como se nunca mais fosse se emocionar com coisa alguma. Bem distante, no mar, di¬visava as lanternas dos barcos pesqueiros, as luzes eram para atrair os peixes.
Havia beleza em viver, mas havia crueldade também e jurou a si mesma nunca mais permitir que seu coração a levasse a sentir aquele êxtase e dor.
Levantou-se e saiu do terraço, dirigindo-se para seu apar¬tamento na torre. Quando chegou ao corredor, encontrou Kassandra, rodando no escuro. A mulher cumprimentou-a, baixinho, depois, acompanhou-a à sala da suíte.
— Está parecendo bem melhor — disse. — Mas tenho estado triste por você, pois ouvi dizer que chamou por seu marido e ele não veio.
— Nunca mais vou chamá-lo novamente, Kassandra, e não pretendo ficar aqui. — Fenny encontrou os olhos da velha num espelho da parede. — Isso tinha que acontecer, e você sabia. Você viu na minha mão, na noite em que cheguei aqui. Então, eu era uma estranha na Grécia e não acreditava em tais coisas, mas nunca mais serei cética. Aprendi como é perigoso desafiar os deuses.
— A kyria vai permitir que eu leia sua mão outra vez?
— Não! — Fenny escondeu as mãos atrás do corpo. — Já sei o futuro por mim mesma e eu... eu simplesmente não suportaria ter certeza. Esqueça isso. Deixe que eu aprenda a esquecer.
— Como a kyria quiser. — Kassandra olhou firmemente para Fenny, de um jeito estranho. — Perigo, amor, fidelidade, esses são os fogos do espírito, você sabe. Eles nos erguem e nos destroem, e devemos ter coragem para enfrentá-los.
— Acho que minha coragem desapareceu. Não posso su¬portar mais...
— Então vai embora, kyria?
— Vou. Logo.
— Com o irmão do senhor?
— Sim.
— Então, Deus que os ajude!
Kassandra virou-se e saiu do quarto, fechando a porta com um barulho que mexeu com os nervos de Fenny. Oh, Deus, será que pensavam que era feita de pedra para suportar tudo aquilo? Ela não era grega. Não estava acostumada com o tipo de resistência deles, porque sua idéia de casamento era um ombro muito forte, protetor e firme para achar força. Não tinha nada disso, e não podia encarar o futuro assim.
Escondeu o rosto nas almofadas do divã, apertou-as, até que sentiu os dedos doerem. Não conseguiria encarar Lion e queria ir embora do castelo antes que ele voltasse. Já pagara bem caro por se casar com ele no lugar da prima.
Combinaram ir para o continente e Zonar reservou quar¬tos para eles no Hotel Achilles, no centro de Atenas, com vista para a Acrópole.
Então, veio a mudança de planos para Adelina, que re¬cebeu a notícia de que o pai não estava muito bem e desejava vê-la. Como era a única filha, Adelina decidiu ir imediata¬mente, arrumou as malas e foi na lancha que tinha sido enviada para buscá-la, acenando dramaticamente para o marido, que ficou na praia, com o olhar meio perdido.
— Pobre Lina — ele disse, balançando a cabeça. — Estava morrendo de vontade de fazer compras. — Demetre olhou para o irmão. — Você vai adiar o passeio, não vai? Fenella não terá acompanhante. Então, por que não esperam a volta da minha Lina? Ela não vai demorar muito, será uma visita curta. Disse o nome de Fenny muito cerimoniosamente, ainda obstinado em não aceitá-la. Talvez porque seu irmão gêmeo, sem dúvida alguma, gostava dela.
— Não, não há necessidade de adiar a viagem, porque Adelina poderá se juntar a nós, assim que voltar. — Zonar olhou diretamente para Fenny, — Você gostaria muito de conhecer Atenas, não é verdade?
— Muito — falou, como se o desafiasse. — A não ser que ache que devemos esperá-la para viajar. Depende de você!
— Não vejo nenhuma razão real para esperar. Você pre¬cisa de umas férias para se recuperar do acidente.
— Acho que você devia adiar isso — o irmão insistiu. — Seja razoável, Zonar, Fenella não é sua esposa! Ela pertence a Lion!
Agora, ele dizia aquilo. Mas sabía que nunca tinha per¬tencido a Líon no bom sentido da palavra. Demetre foi o primeiro a entender isso, quando a chamou de intrusa.
— Zonar está certo — disse, olhando para o outro cu¬nhado. — Preciso urgentemente fugir desta ilha e das re¬cordações. Quero ir para Atenas mais do que tudo no mundo. e poderei ir sozinha, se você achar que a família ficará ofendida se eu for com Zonar.
Demetre franziu a testa.
— Lion tem um bom nome e deve ser preservado. Não é direito a esposa dele sair com outro homem. Você não acha que já atrapalhou muito a vida de Lion?
— Oh, sim, estou bem consciente do que fiz com ele, Demetre, mas, o que os olhos não vêem o coração não sente. Vou para Atenas sozinha ou acompanhada, mas vou.
— Não, não tem nada de você ir sozinha, Fenella — Zonar interrompeu. — Nós dois somos bastante adultos, e para o diabo com a pessoal desta casa e com o que poderão pensar. Iremos amanhã, como tinha sido combinado. E tem mais: você não precisa ficar dando satisfações a ninguém.
— Lion não vai gostar nada disso — Demetre advertiu. — Sabe que temperamento ele tem, Zonar, quando alguma coisa o deixa zangado. Como esposa dele, aqui é o lugar de Fenella, e ela precisa estar em casa, para explicar o caso do acidente.
— Verdade, mano? Por acaso ele estava aqui, quando ela se atormentou por ter perdido o filho dele? Estava ao lado dela para lhe oferecer conforto e carinho? Fui eu que fiz tudo, e agora serei eu quem vai levá-la onde as luzes são claras e onde há música. Será assunto meu fazê-la sentir-se feliz no¬vamente, e estou pouco me importando com o que você ou qualquer outra pessoa possam pensar. Ela é uma mulher en¬cantadora, que merece ser feliz, e farei tudo para ajudá-la.
Zonar estava vermelho de raiva e não conseguia se controlar.
— Quando Lion chegar, ele que fique bravo comigo, que me ofenda, que me bata, que faça o que quiser. Mas não com a garota que o ama tanto. Olhe para ela, Demetre! É apenas uma garota fraca e vulnerável como a sua Adelina, e a única coisa que quer é ser protegida. Para o inferno com o bom nome de Lion! Para o inferno com ele! Vamos supor que esteja com aquela loura artificial e exibicionista... Isso prova que prefere qualquer mulher à esposa.
— Por favor! — Fenny segurou o braço dele, sentindo os nervos à flor da pele, — Por favor, não discuta com Demetre por minha causa. Ele está preocupado com Adelina, e, além disso, não me aceita e não gosta de mim. Pare com isso! Você é um bom rapaz, e não deve dizer coisas de que mais tarde poderá se arrepender. Há coisas que nunca devem ser ditas. Portanto, não fale tanto assim e não mande ninguém para o inferno. O inferno não é um lugar agradável para estar, eu sei!
Zonar baixou os olhos castanhos para Fenny. Depois, os músculos de seu rosto relaxaram e um sorriso curto surgiu em seus lábios.
— Por que nós estamos nos preocupando com os outros?
— Porque não somos completamente egoístas.
— Mas ainda vamos para Atenas... juntos?
— Sim — ela falou, com uma ponta de fatalismo. — Vou deixar acontecer. Meu rosto estará exposto, Zonar, e não coberto por um véu.
— Vocês dois... — Demetre começou — vocês vão fazer a própria infelicidade e a de outros também. Não entendem isso?
— Eu me recuso a pensar em qualquer coisa, além do dia de amanhã. Você não entende, mano, porque a paixão não é a sua cruz. Você tem o que lhe serve, mas Fenella e eu precisamos ir à procura da nossa estrela.
Enquanto voltavam para o castelo, Fenny olhou para a imponente casa branca, com seus níveis de telhados e sua torre como um minarete turco. Lá em cima, naquela torre, tinha sido uma prisioneira de seu amor por Lion. A escrava dele, uma barganha que agora estava acabada. Se alguém faz algo para ser magoado, parece não haver nenhuma forma de evitar o sofrimento.
Quando entraram no castelo, o céu sobre eles tinha tons escuros e selvagens e a ressaca do mar atirava areia no calçadão de pedra.
Voaram para Atenas no helicóptero e se hospedaram no Hotel Achilles, separando-se na porta dos quartos com o sorriso conspirador de duas pessoas no limiar de uma des¬coberta. Fenny suspeitava de que nenhum deles estava cons¬ciente do que aquilo poderia lhes causar, mas, por hora, estavam felizes. Como duas crianças que tivessem escapado das garras do cruel guardião.
Nos dias seguintes, dias encantadores, visitaram quase toda Atenas e Fenny conheceu os lugares que apenas um verdadeiro grego podia conhecer tão bem. Zonar deixou de lado a parte turística e levou-a a pequenas lojas fascinantes no velho bairro turco, com seus trabalhos feitos em cobre, tapeçarias, sapatarias e fábricas de seda. Negociaram um corte de seda com um turco velho. No fim, ele mostrou os dentes num sorriso e falou em turco com Zonar. Minutos depois, Fenny estava feliz com sua bonita seda.
— O que foi que ele disse? — perguntou, quando saíram da loja. Zonar olhou-a e riu.
— Ele disse que a seda combina com o seu cabelo e que daria um belo traje de dormir para uma houri. Ele viu a aliança no seu dedo e me tomou por seu marido.
Fenny olhou para a mão e encheu-se de surpresa porque, em nenhum momento, lhe passara pela cabeça tirar a alian¬ça. Agora estava na hora... mas não o fez. Sabia, no fundo do coração, que só tiraria a aliança de Lion quando sua memória e seu corpo não se lembrassem mais dele.
Caminharam sob o sol da tarde e subiram ao ponto mais alto da cidade, onde ficaram à sombra das colunas do templo dedicado à deusa-virgem, Atena.
Fenny percebeu como as turistas olhavam para Zonar. Não havia dúvida de que os gregos exerciam um fascínio selvagem sobre elas. Sorriu para ele e deixou que a ajudasse a descer os degraus, até onde uma velha vendia nozes, pistache e passas.
Os olhos de Zonar passearam sobre ela, enquanto cami¬nhavam, comendo nozes. Fenny usava um elegante vestido verde-mata e parecia flutuar ao sol,
— O sol grego se perde em seu cabelo — Zonar disse. — Agora, sua pele é um mel suave, e as tristezas parecem ter desaparecido de seus olhos. Gostaria de poder gritar para o mundo inteiro que você é minha. As pessoas olham para nós e pensam isso. Mas é verdade, Fenella?
— Eu não... não sei. Já não é suficiente o que estamos vivendo agora?
— Você quer que seja suficiente... por enquanto?
— Por favor, Zonar. Esses dias despreocupados com você têm me ajudado muito. Estou muito grata.
— Gratidão? — Seu sorriso era cínico. — Nunca pensei que um dia eu chegasse a ouvir essa palavra prosaica! Se não for cuidadosa, pequena, conseguirá fazer de mim um bom rapaz.
— Você já é um bom rapaz.
— Sim, acho que devo ser. Esta é a primeira vez que levo uma garota para umas férias platônicas.
— Mas você está gostando das férias, não está? Deve ser uma coisa diferente para você também.
Ele caiu na risada.
— O que é, Fenny? Tem vergonha de estar comigo?
— Não. Não, realmente. — Ao dizer isso, lembrou-se de como fora tímida e como ficara envergonhada com Lion. Um simples olhar tinha sido suficiente para fazê-la ficar vermelha dos pés à cabeça. — Sinto-me bem com você, Zo¬nar, no melhor sentido da palavra. Você é a pessoa em quem mais confio, o melhor homem que já encontrei. Não está com saudade do seu filhinho?
— Um pouco. É um amor de criança, não acha? Tem os mesmos olhos da mãe. Ela era uma criatura encantadora, sabe? Além disso, muito boa para mim. Eu... eu muitas vezes lhe dei motivos para não confiar em mim. Ao contrário de Lion e Demetre, eu nasci aventureiro. Meus dois irmãos são o que você pode chamar de homens de uma mulher só. Fenny baixou os olhos. Pensou em Penela e pediu a Deus para que a prima merecesse o amor que Lion lhe dedicava.
— Hoje à noite, iremos dançar — Zonar anunciou. — Fiquei sabendo que todas as sextas-feiras há bailes no salão do hotel. Bailes à fantasia. Esta tarde, vamos a alguma loja de aluguel para escolher nossas fantasias. Está entusiasmada?
— Oh, sim, claro, vamos nos divertir a valer. Nunca usei uma máscara... — Parou imediatamente, pois se lembrou do véu antigo que usara no casamento, escondendo o rosto de Lion.
— Não pense mais nisso! — Zonar acariciou as mãos dela. — Todos nós; uma vez na vida, fazemos uma loucura, e não podemos continuar sendo punidos. Não permitirei que isso aconteça com você! Ande, termine suas nozes, e vamos procurar nossas fantasias.
Naquela noite, o salão do hotel estava enfeitado com balões e lampiões e havia música tocada por uma orquestra grega.
A fantasia de Fenny era muito bonita, com um pequeno boné de abas, um bolero de veludo, uma blusa de seda com mangas compridas bordadas e saia rodada de veludo. Zonar usava uma calça preta justa, uma camisa de seda franzida e um gorro com pompom na ponta. Parecia uma mistura de pierrô e pirata.
De braço com ele, Fenny ria e sentia que tinha encontrado um pouco de esquecimento. Até que alguém pousou a mão nas costas de Zonar.
— Estou atrapalhando? — disse uma voz inconfundível. Fenny olhou fixamente para os olhos do homem, olhos dourados de leão faiscando através da abertura estreita da máscara negra.
— Permite? — perguntou Lion, tomando-a pela mão. Ela percebeu que Zonar ficou tenso, mas depois, sem uma palavra, deixou-a nos braços do irmão. Rapidamente, seus olhos encontraram os de Fenny e todo o riso desapareceu do rosto dos dois. Inclinou a cabeça, daquela forma irônica e cavalheiresca, e afastou-se.
Os braços fortes rodearam Fenny, que sentiu as pernas bambas.
— Eu... eu não consigo dançar — disse debilmente. — Por favor, leve-me para fora.
Ele concordou e guiou-a, sempre abraçando sua cintura. Lá fora, no terraço, ela se agarrou na pedra fria do parapeito e rezou para não desmaiar.
— Deixei você chocada? — ele perguntou, tirando a máscara.
— Como foi que conseguiu me achar? — Um pouco de sua firmeza começava a voltar, mas o coração traidor batia desesperadamente. Como ele era alto e como estava bonito, tão bronzeado.
— Fui informado de que você estava aqui com Zonar. Que tinha fugido com ele.
— Foi Demetre quem contou?
— Demetre é muito apegado ao gêmeo para ser desleal e negou saber o que estava acontecendo. Tive que perguntar a todos, arrancar informações, e acabei descobrindo que você tinha vindo para Atenas com meu irmão para se divertirem.
— Você falou com a babá de Alekos, não foi? Ou ela, voluntariamente, resolveu contar os detalhes escandalosos?
— São escandalosos? — Esticou o braço e tirou a máscara dourada do rosto de Fenny, como que para ver mais clara¬mente se estava mentindo. — Zonar é seu amante?
— Amante? — repetiu, olhando-o cara a cara e não se sentindo mais uma mulher fraca e boba. — Tive apenas um amante na vida, Lion. Apenas um homem, que conheceu cada centímetro de meu corpo. Um homem que me fez um filho... um pequeno ser que eu queria desesperadamente, mas que seus deuses gregos tomaram de mim, justo no dia em que fui à capela para agradecer por sua arrogante cabeça não ter sido arrancada por uma bomba.
— A criança! — Lion agarrou-a, com selvageria. — Você podia ter morrido, e eu seria o culpado...
— Não. O carro saiu da estrada.
— Falei com o médico. Ele me contou tudo.
— Então, agora já sabe que não tenho mais nada para lhe dar. Nada que você possa querer. Seu filho está morto e eu ajudei a matá-lo, embora preferisse ter morrido no lugar dele. Sem dúvida, é o que está pensando.
— O que estou pensando é que tenho sido um cego, pa¬lhaço e bruto com você.
— Comigo? — Levantou os olhos para ele e viu que estava bem diferente do homem cruel que ela esperava encontrar,
— Tenho apenas uma coisa para lhe dizer, Fenny, antes que você saia da minha vida. Eu a amava e não sabia. Quando percebi isso, você já não me queria mais, e foi por isso que fui para alto-mar no drene, como um garoto idiota.
— Você... você me amava? Mas sempre me desprezou, Lion. Você queria Penela, e eu achei que tinha ido à procura dela, que não aguentava mais ficar longe dela.
— Penela? — Ele parecia impaciente. — Minha querida, eu não podia mais pensar nela, depois de conhecer você. Era você que ocupava meus pensamentos, e algumas vezes até mesmo no meio de conferências de negócios. Seus cabelos dourados espalhados pelos ombros brancos, os grandes olhos suaves, as mãos como pássaros em meu corpo. As mãos de seda, que eu sentia por horas a fio... Santo Deus! Quis matar meu irmão, quando aquela garota me contou que você tinha deixado a ilha para ficar com ele. Você ama Zonar?
— Claro que eu o amo...
— Não! — Foi um gemido desesperado, e seus olhos pa¬reciam sem vida quando pousaram em Fenny novamente.
— Zonar é o cunhado mais adorável e compreensivo, todas as mulheres gostariam de ter alguém como ele, assim tão bom e tão prestativo.
— Ah! — Agora, ele suspirava de alívio. — De qualquer forma, eu não podia acreditar que você fosse fugir e fazer esse tipo de jogo. Mas eu tinha que me certificar por mim mesmo...
— Por quê, Lion?
Ele tinha dito que a amava, e se fosse realmente verda¬de... Oh, nem tinha coragem de acreditar!
— Você quer uma esposa que nunca vai poder lhe dar um filho?
— Eu quero você. Nunca conheci mulher alguma que fosse tão bondosa como você, Fenny. Tão meiga, valente e corajosa. Você tem tudo que um homem pode querer. Meu filho poderia ter matado você, está ouvindo? Queria você viva e apaixonada comigo no drene, mas você mesma disse que não queria ir. Nada nunca me magoou tanto como aqui¬lo. Por Deus, nada! Fiquei louco e cheguei a perder a cabeça.
—Teria sido maravilhoso, viveríamos num paraíso, mas achei que você ia me mandar embora e tive medo de me arriscar... — Não conseguiu continuar. Começou a soluçar, ao lembrar-se da criança e pensar que poderiam ser felizes os três.
— Eu mereço ser açoitado por ter feito um trato daqueles com você. Ah, Fenny, pode me perdoar por ter sido tão bruto? Vou mudar, você vai ver.
— Sim, mas não muito. — Passou os braços pelo pescoço de Lion e, quando aquele corpo forte curvou-se sobre o seu, Fenny aconchegou-se mais e ofereceu-lhe os lábios.
Lion a beijou com um ardor selvagem, do jeito que ela queria. A música tocava no salão de baile, e Fenny desejou ardentemente que Zonar encontrasse uma garota bonita para dançar. Agora, era feliz. Amava e era amada, tinha um cunhado encantador e o que mais queria era que ele fosse feliz também.
F I M
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