CAPITULO I



Fenny estremeceu. Como explicar a loucura que tinha feito? Tirou a grinalda, a grinalda do vestido de noiva que sua prima devia ter usado, e encarou aquele homem furioso à sua frente. O pior vinha agora.
Tinha sido fácil enganar toda aquela gente na igreja. Nem mesmo tio Dominic suspeitara, em nenhum momento, que era a sobrinha, e não a filha, que estava levando ao altar. Mas agora a farsa terminara. Era impossível conti¬nuar enganando o noivo. Ou melhor, o homem que havia casado com ela, pensando que fosse sua prima Penela.
— Como conseguiu fazer esta encenação? — Puxou-a com força pelo cabelo. — Foi aquela droga de véu, hein? Por trás dele, você se parecia com ela. Depois, o desmaio na sacristia. Tudo fingimento, para não ter que ir à recepção. — Chegou mais perto dela, ameaçador. — E agora, espertinha? Ainda se sente tão confiante, sozinha comigo neste hotel?
Heraklion Mavrakis era um grego típico. Justamente por isso havia sido tão fácil montar aquela farsa. Ele tinha ido para o hotel num carro separado, com dois irmãos e uma dupla de amigos, porque os gregos, como os árabes, não gostam de juntar-se às mulheres em público. Por isso ela havia sido mantida longe dele até agora, quando, completamente sós, encararam um ao outro como marido e mulher.
Cada momento daquela manhã parecia gravado na mente de Fenny, como as facetas do anel de esmeraldas que Penela tinha abandonado na penteadeira, sobre o bilhete que dei¬xara para o noivo, o grego, que conhecera em Atenas e a seguira até a Inglaterra.
Fenny sabia do caso que a prima tivera com Drake Mon-tressen, um produtor de teatro muito mais velho e cheio de vícios, mas nunca imaginou que a louca fugisse com ele no dia do casamento.
Agora, o noivo, que ainda nem sabia que tinha sido enga¬nado, esperava uma explicação e parecia a ponto de esganá-la.
— Como você foi capaz de usar as roupas dela, o nome dela?
— Não usei. Dei o meu próprio nome, que é parecido com o dela: Fenella. Foi o que assinei nos documentos do cartório e no registro do hotel. Achei que ninguém ia reparar.
— Sua mão tremia tanto que, se tivesse assinado Jezebel, ainda assim seria indecifrável. Confesso que fiquei surpreso de ver Penela tão nervosa; logo ela, que é sempre calma e senhora de si. Mas por que eu ia suspeitar de que a garota a meu lado, de cabelo loiro e sedoso, não era a minha verda¬deira noiva? Por que eu deveria suspeitar de uma impostora?
Empurrou-a para a janela.
— Agora posso ver que você não chega aos pés de Penela. Não pode ter sentido nada de bom quando colocou o vestido branco de noiva e escondeu o rosto atrás daquele véu no¬jento! O que esperava conseguir?
Fenny teve que desviar os olhos para que ele não des¬cobrisse a verdade. Era melhor deixar que pensasse que ela, sendo pobre, vira nele uma boa oportunidade para en¬riquecer, e por isso tramara toda a farsa. Aquilo ele con¬seguiria entender, mas, o verdadeiro motivo, nunca... Não, Lion, como a prima o chamava, não podia saber que a tímida e apagada Fenny o amava.
Sem uma palavra, entregou-lhe o bilhete de Penela. "Querido
Ainda morro de amores por você. Sei que poderíamos ter tido momentos inesquecíveis juntos, porém, mais do que tudo, quero ser atriz e você nunca permitiria. Hoje surgiu a minha grande oportunidade: vou subs¬tituir Gertrude Maine numa peça, em Nova York. Não podia recusar. Por favor, tente entender e, em nome da nossa grande paixão, perdoe todo o mal que lhe fiz, faltando com a minha palavra. Provavelmente, Fenny lhe entregará este bilhete. Ela é de absoluta confiança, muito discreta. Aos convidados, você poderá dizer que terminamos o noivado porque não nos dávamos bem. Obrigada pelas horas maravilhosas que tivemos. Sempre sua, Penela."
Ele amassou o papel e atirou-o no cesto de lixo, perto da escrivaninha.
— Então, posso confiar em você, hein? Uma pessoa dis¬creta e incapaz de qualquer desonestidade.
Fenny sentiu o coração frio e pesado como uma pedra, porque sabia que ele jamais iria perdoá-la.
— O que é que você vai fazer? — Tinha medo de que a expulsasse do quarto. Que situação: era esposa dele e, ao mesmo tempo, uma intrusa.
— O que acha? Deve saber melhor do que eu. Quem entrou na igreja, vestida de noiva, ocupando o lugar de outra mulher foi você. É a prima pobre, não é mesmo? Per¬cebe que está inteiramente à minha mercê?
— E, eu... eu acho que sim.
— Poderia matá-la. Quem se importaria?
— Ninguém. Você teria uma boa justificativa.
— Ainda não entendo como pude ser enganado. Penela é sensual e cheia de vida, e você, insignificante. Seus olhos são azul-acinzentados, enquanto os dela são cor de safira. Seu cabelo é dourado e não prateado. Sabe o que penso exatamente de você?
— Posso imaginar — disse Fenny baixinho.
— Não. Duvido que faça uma idéia de como a odeio. É como se tivesse comprado um diamante valioso e, ao abrir o estojo, encontrasse um caco de vidro.
Fenny não podia mais aguentar aquilo. Se pudesse chegar ao corredor, conseguiria escapar. Correu para a porta. Esque¬ceu, porém, que usava os sapatos de Penela, um número maior do que calçava. Pisou em falso e perdeu o equilíbrio. Foi agar¬rada por mãos fortes que a arrastaram para o grande sofá. Ergueu os olhos suplicantes para ele, cheios de dor e angústia. Mas em nenhum momento o rosto moreno se suavizou. — Então, o sapato não serve no pezinho da Cinderela? — zombou. — E já deve saber que não sou nenhum príncipe encantado, nem vou ser galante, bondoso e gentil para permitir que vá embora, depois de você ter salvado a minha honra. Sua tola, acha que ligo para a opinião dos outros? Ia casar com Penela justamente porque ela não se importava com isso, nem com o meu dinheiro, entende? Ela brilhava, cintilava como uma jóia, e eu a desejava. No entanto, por ironia, aqui estou eu com você, e não há nada que nenhum de nós possa fazer.
— Está enganado, há uma saída — disse Fenny impul¬sivamente. — O casamento pode ser anulado.
— Um casamento grego? Acha que, só porque me casei no seu país, aceito os seus costumes? Sou espartano de nascença, e, embora não me considere um santo, mantenho-me fiel às leis da minha igreja. E, para ela, o casamento é indissolúvel.
— Isso quer dizer que você e eu estamos unidos até que a morte nos separe?
— Goste ou não goste, você é minha esposa, e vamos celebrar o casamento com o champanhe que Zonar trouxe.
Ela o observou pegar a garrafa que o irmão colocara no balde de gelo. Ao se despedir, Zonar tinha dito; "Minha nova irmã, até amanhã..."
Amanhã, quando estariam voando para a ilha de Peta-loudes, na Grécia, uma das muitas propriedades de Mavra-kis. Ele era dono de minas de mármore, vinhedos, plantações de figo, uma indústria de óleo de oliva, uma das melhores fábricas de enlatamento de peixe, estaleiros, hotéis, um clu¬be noturno, três restaurantes e algumas luxuosas vilas.
Depois da guerra, ele e os irmãos menores tinham estado entre os muitos órfãos que procuravam o que comer nas latas de lixo. Só sobreviveram porque Lion era valente e muito inteligente. Fenny podia entender a adoração que os irmãos tinham por ele e a maneira reverente — e até te¬merosa — como todos o tratavam.
Encolheu-se toda quando a rolha do champanhe estourou, caindo no carpete, perto do sofá.
— Não vai brindar comigo? Dizem que dá sorte. E você vai precisar de muita sorte — ele disse, com desprezo.
"Jamais acreditará que eu realmente queria salvar o or¬gulho dele", pensou Fenny; era auto-suficiente demais.
— Tome, esta é para você. — Entregou-lhe a taça e ela sentiu um nó na garganta. — E a que devemos brindar? Sim, porque desde que me conheço por gente, toda vez que tomo champanhe é para comemorar algum acontecimento feliz. Talvez devêssemos brindar a uma longa vida, cheia de prazeres e de alegrias ao lado um do outro.
— Não! Você me faz sentir como uma criminosa!
— Não é exatamente isso que você é, boneca? Você roubou tudo o que devia ser de outra mulher.
— Mas Penela o abandonou na porta da igreja...
— Ela fez tudo isso para que eu corresse atrás dela. Não percebe, sua tonta?
A taça tremeu nas mãos de Fenny, e ela teve que beber um gole para aliviar a sensação de desespero que a sufocava.
— Isso, beba, beba mais. Vai precisar de muitos drinques para enfrentar o que a espera.
Fenny olhou para ele, assustada. Que espécie de homem era ele? Por que não mostrava um mínimo de compreensão? Ah, se pudesse fugir daquele lugar, desaparecer!
— Muitas felicidades — ele zombou. — Não é isso que os ingleses dizem quando tomam alguma coisa com outra pessoa? Santa Virgem Maria, não consigo imaginar como é que você pôde ter tanto sangue-frio para fazer esse jogo comigo. Diga-me a verdade: o que é que queria, realmente? Dinheiro? Sei que não tem onde cair morta.
— Tio Dominic permite que eu ocupe um dos quartos na casa deles... — começou, com voz rouca.
— O patinho feio, cheio de inveja da linda prima, hein? — Dirigiu-se ao bar, encheu a taça novamente e levou o resto para Fenny. — Vamos, tome mais um pouco. A bebida vai nos ajudar a encarar esta situação idiota. Porque temos que encará-la. — Derramou um pouco da bebida no chão e riu. — Dizem que quando alguém derrama champanhe é sinal de boa sorte, mas, neste caso, quer dizer desgraça. Beba!
Ela estremeceu e obedeceu, sentindo a bebida forte subir-lhe à cabeça. Tinha certeza de que aquele homem ainda encon¬traria uma maneira de puni-la, e de que o castigo seria terrível.
Ele pareceu adivinhar-lhe o pensamento.
— Não me diga que esperava que eu a perdoasse. Se pensou, é idiota, além de oportunista. Nós, gregos, quando odia¬mos, odiamos para valer. E você fez o possível para ser odiada.
— E... mesmo assim, quer levar adiante este casamento?
— Nossa religião não aceita o divórcio. Quando fazemos uma promessa, nós a mantemos. Mas prometo que vai se arrepender para o resto da vida por ter ocupado o lugar de Penela e usado aquele véu para me roubar e enganar.
— Oh, não! Isso é uma injustiça!
— Não, querida. Você roubou o lugar de sua prima ao meu lado, mentiu durante toda a cerimônia, e vai terminar esse jogo sujo hoje à noite, quando estiver em meus braços.
— Não! Nunca pretendi me aproveitar da situação. A única coisa que quis fazer foi salvar o seu orgulho, embora você não queira aceitar o fato.
— Ah, não me diga! Acha que há orgulho num homem que, de repente, se vê casado com uma mulher que nunca lhe interessou?
— Preferia a humilhação de ficar esperando Penela na igreja?
— E esta situação é menos humilhante? Mas agora está feito. Você usa o meu nome e, sejam quais forem os meus sentimentos, não vou permitir que suje esse nome.
— Nunca pretendi ofender o seu orgulho, acredite. Sei que fiz uma loucura, uma idiotice, mas...
— Acho que sabia exatamente o que estava fazendo desde o instante em que leu o bilhete de Penela. Sabia que eu tinha muito dinheiro. Sua prima deve ter contado do meu castelo na ilha de Petaloudes. Como você deve ter adorado a idéia de viver num castelo, em vez de num simples quarto! E que preço baixo teria que pagar: bastava oferecer o seu corpo ao amo e senhor.
— Eu... eu nunca pensei numa coisa dessas — Fenny garantiu, corando violentamente. A verdade é que aquele homem não lhe saía da cabeça.
— Bem, se está curiosa para saber como é que eu sou, boneca, prometo satisfazer a sua curiosidade. — Caminhou na direção dela, e Fenny levantou-se, apavorada e consciente de que aquele era o quarto de sua lua-de-mel.
Foi recuando, até ficar acuada contra a janela. Agora, não tinha mais como escapar. Começou a soluçar quando ele a segurou com força.
— Foi você mesma quem quis se casar comigo. Ao fazer essa escolha, tornou-se minha propriedade. Terá que fazer tudo que eu exigir. Está entendendo?
— Oh, sim...
— Admito que foi esperta. Planejou tudo direitinho. Se seu plano não desse certo, não teria nada a perder, não é mesmo? Voltaria para o seu quarto na casa de tio Dominic e continuaria vivendo à sombra de sua encantadora prima. Devo confessar que é uma ótima atriz: talvez você se saísse melhor do que Penela no teatro.
— Acha que eu sentia ciúme dela? Não é verdade e não tem o direito de insinuar uma coisa dessas.
— Aqui, quem não tem direito algum é você. Nunca per¬mitirei que uma mulher me diga o que fazer. Muito menos você, que só serve para uma coisa... E acho que não preciso dizer o quê. Ou ainda é assim tão pura que não sabe?
— O... o que quer dizer com isso?
— Não é mulher bastante para entender? — Suas mãos apertavam cada vez mais a cintura de Fenny.
— Você tem todo o direito de estar zangado comigo, mas deve procurar entender que só fiz isso para ajudá-lo. Estou realmente arrependida por ter causado tanta encrenca. Por favor, por que não me deixa ir embora? Não vamos conseguir suportar a presença um do outro por muito tempo. E você ainda poderia casar com Penela, se é que a ama.
— Amor? — Arqueou as sobrancelhas, com sarcasmo. — Nunca perdi tempo sentindo alguma emoção pelas mulheres, mocinha.
— Mas você... você veio à Inglaterra atrás dela.
— E que diabo tem isso a ver com o amor? Eu a desejava! Entende o que quero dizer?
Não precisava casar com ela só por isso, Fenny pensou, mas não teve coragem de dizer. Baixou a cabeça, atordoada e indefesa.
— Olhe para mim! — Com raiva, ele a puxou pelo cabelo e forçou sua cabeça para trás. — Você se colocou no altar, sacrificou-se por mim. Portanto, não banque a virgem as¬sustada. Queria viver num castelo? Pois vai viver. Em troca, me dará um filho. E, quando tiver a criança, eu a deixarei partir. Está me ouvindo, espertinha?
Ouvia, mas não podia acreditar. Deu uma gargalhada histérica.
— E o que acontecerá se eu não puder ter um bebê? Ou se nascer uma menina? Vai me matar?
Os olhos dele tinham um brilho dourado e perigoso,
— Reze para que possa ter um bebê e que seja menino. Não acredito que queira passar mais do que um ano em Petaloudes, com um homem que apenas quer que gere um filho e que não tem nenhum outro interesse por você.
Aquilo foi a gota d'água. Fenny começou a tremer tão convulsivamente que seus dentes batiam. Ele a tomou nos braços e carregou-a para o sofá. Depois, foi até o telefone.
— Serviço de quarto? — Sua voz era áspera, cheia de autoridade. — Mandem café quente e sanduíches para a suíte da cobertura.
Desligou e voltou para perto dela.
— Procure se controlar, porque não vou aguentar essas crises de nervos por muito tempo. Se é que não está repre¬sentando. Em todo o caso, acredito que esteja morrendo de fome. Um criado vai lhe trazer algo para comer. Quando ele chegar, comporte-se como uma noiva feliz.
Desesperadamente, Fenny tentou fazer tudo o que ele mandava, mas seus nervos estavam em frangalhos. Ele real¬mente falava a sério sobre o casamento. Tinha feito uma proposta e a obrigaria a cumprir a palavra dada.
Depois de alguns segundos, ouviu um toque discreto à porta e, em seguida, entrou um criado com um carrinho de chá. Lion imediatamente pôs-se à frente de Fenny, prote¬gendo-a do olhar do homem, até os dois ficarem sozinhos novamente. Então, puxou o carrinho para perto dela e ser¬viu-lhe uma xícara de café.
— Vamos, beba. Pare de agir como criança, porque não vai conseguir me comover.
Ela bebeu em grandes goles, sentindo-se reanimada. Evi¬dentemente, ele a julgava uma atriz e, pensando bem, não podia culpá-lo. Pois, se é que havia alguma culpa, era toda dela. E nem ao menos conseguira poupá-lo da humilhação. O que aconteceria, quando todos ficassem sabendo que não era Penela quem estava usando aquele divino vestido de noiva? Homens como Lion tinham muitos inimigos que gosta¬riam de se aproveitar do fato de ele ter sido abandonado pela noiva e de ter se casado com outra, por engano. Logo ele, um grego para quem o orgulho masculino valia mais do que tudo...
— Agora, por que não come? — ele perguntou, tirando a xícara de café das mãos dela.
— Eu... eu não tenho muita certeza de que quero comer.
— Mas vai tentar. — Dirigiu-se ao carrinho e pegou dois sanduíches.
— Obrigada — murmurou. — Você também vai comer?
— Não se preocupe comigo. O jantar será servido às sete e meia e desceremos para o restaurante. Depois, iremos ao Aldwych, assistir a uma peça de Shakespeare. Não sei se lhe agrada, mas Penela gostava muito, e foi ela quem su¬geriu o programa.
Penny estremeceu quando ele mencionou o gosto da prima por Shakespeare. Lembrou-se do caso de Penela com Drake Montressen. Um homem como Montressen não era do tipo que deixava escapar uma conquista com facilidade, muito menos uma mulher tão atraente. Penela queria ser uma atriz de sucesso e Lion jamais aceitaria a idéia de sua esposa se apresentar diante de outros homens que também iriam admirá-la... e desejá-la.
— Você gosta de Shakespeare? — perguntou. Sabia tão pouco das preferências dele! Como poderia levar adiante aquele casamento, o casamento com o qual tanto sonhara... um sonho que nunca imaginou ser uma realidade tão cruel?
— Às vezes gosto, outras, odeio, depende do meu estado de espírito, do meu humor. — Lion pegou alguns sanduíches e instalou-se numa poltrona.
Comeram durante algum tempo, em silêncio. Fenny não imaginava que estivesse com tanta fome. Não comera nada o dia todo. Nem pensara nisso, desde o momento em que encontrou aquele bilhete de Penela, encostado num vidro de perfume, junto com a aliança de esmeraldas de noivado. Não era próprio da prima desprezar uma jóia como aquela. Devia ter muito medo de Lion.
Fenny estremeceu mais uma vez, imaginando como seria estar nos braços dele. Braços que a envolveriam sem qualquer espécie de ternura, mas como algemas de aço, obrigando-a a obedecer às suas exigências. Só quando lhe desse um filho seria livre. Até então, estaria ligada a ele, amando-o e temendo-o. Sentiu os olhos encherem-se de lágrimas.
— Gostaria que acreditasse que estou sentida com o que aconteceu. — Sua voz era pouco mais do que um murmúrio. — Agi num impulso...
— Você representou maravilhosamente bem. E, por favor, poupe-me de suas explicações e lágrimas. Realmente, não há necessidade de continuar interpretando o papel de virgem hesitante. Ah, por falar nisso: você ainda é virgem?
— Claro que sou!
— Não há nada de claro sobre isso, boneca. — Acendeu ura fino charuto e observou a fumaça subir. — Pode-se es¬perar qualquer coisa de uma mulher que faz o que você fez... menos que seja virgem e inocente. Além do mais, sou o seu marido e tenho o direito de perguntar. De qualquer forma, descobrirei por mim mesmo esta noite, não é?
Fenny corou, percebendo que os lábios dele se contraíram num sorrisinho sarcástico.
— Termine de comer. E não fique imaginando coisas a meu respeito. Terá muito tempo para me conhecer. Agora, estou simplesmente querendo saber que espécie de mulher arranjei para esposa. Hoje à noite, nos divertiremos; amanhã, viajaremos de avião para a Grécia Por falar nisso, você tem passaporte?
Ela concordou com a cabeça e mastigou um pedaço de sanduíche, que agora tinha gosto de palha.
— Ah, é! Agora me lembro de que Penela disse que você ia de férias para Creta, com um colega de trabalho. Um homem?
— Não, claro que não! — Fenny olhou-o, indignada. Ele não perdia oportunidade para atacá-la. Será que imaginava que Penela era um anjo de candura? Ah, se soubesse do caso da noiva com Montressen!
— Bem, isso pouco me importa. — Encolheu os ombros fortes. — Você não tem que ficar me dando explicações de seu passado. O que interessa é o que vai acontecer daqui para a frente. Não duvido de que eu acabaria tendo alguns problemas com Penela, porque ela é muito moderna, tem um modo de pensar bem diferente do meu, mas isto também já não faz diferença. Quer queira, quer não, você vai ter de me dar um filho, porque eu nunca jogo para perder.
Suas palavras feriram o orgulho de Fenny, que levantou a cabeça e disse, com voz firme:
— Acabo de ser desafiada, e aceito o desafio, mas não poderemos viver juntos sem sentir afeto um pelo outro. Nos¬sa vida vai ser um inferno!
— Garanto que vai. O que esperava? Que um homem que só a despreza fosse lhe oferecer o céu? Claro que não, minha querida. Você só pensou nas vantagens materiais. Vejo que trouxe até a bagagem de Penela. Se o vestido de noiva lhe serviu, então o resto do guarda-roupa também deve servir... com exceção dos sapatos.
Para ele, Fenny não passava de uma trapaceira oportu¬nista, a quem daria agora todas as coisas materiais que teria dado a Penela, desde que ela se comportasse como uma esposa servil.
— Você está sendo muito duro — disse, mas sem nenhu¬ma esperança de que ele se comovesse.
— É muito justo que pague pelos seus pecados. Foi você mesma quem escolheu assim. Agora, é minha esposa. Vai se vestir como sua prima e, na frente da minha família, se mostrará muito carinhosa. Também vai me respeitar. Fará tudo o que um grego espera de sua jovem esposa.
— Quer dizer que devo representar, fingir que o amo? Se Lion pudesse imaginar que o amor que sentia por ele
era a única realidade em toda aquela encenação...
— Isso mesmo. E vai representar tão bem como repre¬sentou hoje, no altar. Sou o chefe da família, todas as res-ponsabilídades e cargas são minhas. Segundo a tradição grega, tenho e mereço o respeito de meus irmãos mais moços e tenho o direito de esperar isto de você, minha esposa!
Esposa... Uma pobre esposa, aceita pelas leis dele, mas não por seu coração.
— Já tomou todas as providências para viajar? Foi va¬cinada? Há cachorros selvagens nas colinas da Grécia, que são usados pelos pastores para manter o rebanho junto, e a mordida de um pode ser muito perigosa.
— E isto faria alguma diferença para você? — Naquele momento, Fenny sentia que nada no mundo poderia ser pior ou mais doloroso do que o ódio de Lion.
— Claro que sim, sua tola. A hidrofobia é ainda mais desagradável do que um casamento sem amor, porque pode ser fatal. Então, já tomou as vacinas?
— Já.
— Mostre o braço — ele ordenou. Fenny estremeceu com o contato dos dedos dele. — Tenho que ver pessoalmente. De uma esposa que mente não posso esperar outra coisa senão que tente me enganar. E quanto ao passaporte e do¬cumentos? Está com eles, ou ficaram na casa de seu tio?
— Está tudo na minha bolsa.
Ele continuava segurando seu braço com tanta força que machucava. Fenny não sabia como reagir. Nunca imaginou que um dia pudesse sentir tamanha atração por um homem daqueles.
— Diga-me, por que foi que você decidiu visitar Creta?
— Bem, eu... eu ouvi você dizer que é fascinante e, como ia entrar em férias, achei que seria o lugar ideal.
— E é. Mas Petaloudes é ainda mais bonito. Tenho certeza de que vai gostar muito de lá. Tem penhascos vulcânicos à beira-mar. O castelo fica um pouco acima deles. Foi construído na época em que os turcos ocupavam aquela parte da ilha, que agora pertence a mim. Mas você já deve saber disso. Não há dúvida de que sua prima contou tudo a meu respeito. Deve ter sido justamente nessa ocasião que começou a invejá-la.
— Não! — Fenny balançou a cabeça, desejando muito con¬vencê-lo de sua sinceridade. — Nunca senti inveja das coisas de Penela e, muito menos, dela. Precisa acreditar em mim. O que aconteceu hoje foi... Oh, não sei explicar. Quando eu me vi na igreja, já era muito tarde para fazer alguma coisa, a não ser enfrentar tudo de cabeça erguida e com sangue-frio.
— Pois daqui para a frente terá que enfrentar tudo o que acontecer. — Inclinou-se sobre Fenny, com as mãos em seu pescoço e então a beijou.
Ela sentiu-se perdida, como se estivesse sozinha numa floresta escura durante uma forte tempestade.
— Você não beija tão bem como sua prima. — Sua ex¬pressão era tanto de zombaria quanto de surpresa. — Que tipo de mulher é você? Uma virgem muito inocente ou a vagabunda mais esperta do mundo? Seja qual for a verdade, vou fazer de você uma mulher de verdade, madura, contro¬lada, fina e inteligente.
Depois, como se sua fúria aumentasse repentinamente, apertou o pescoço dela com mais força, murmurando feroz:
— Amor e ódio são muito parecidos. E, pelo amor de Deus, você e eu vamos ter que manter uma fina corda esticada entre essas duas coisas. Acha que está preparada para isso?
— Tenho que estar. Você não me dá outra escolha.
— Nenhuma, minha pequena mentirosa. E não tenha ilusões, não vou deixá-la partir antes de me dar o que quero: um filho.

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