AS QUATRO QUEDAS - PARTE II



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AS QUATRO QUEDAS


Parte II


 


— É uma bela porta – disse Tiago, ao passar pelas pesadas portas de prata e seguir por um corredor fracamente iluminado.


— Sabe, eu estive pensando. Essa coisa toda da Esfinge foi muito Corvinal, você não achou? Quero dizer, a própria criatura disse que Ravena a prendeu – comentou Elizabeth.


— Eu pensei a mesma coisa – concordou Rose, parada mais adiante. — Talvez para chegar até a voz, as provações que tenhamos de passar sejam desafios das quatro Casas.


— Faz sentido – expressou Malfoy. — Nesse caso, quem teria sido o primeiro? Não era algo de Salazar, posso garantir.


— Era de Helga – respondeu Alvo, sem titubear e todos o encararam. — Trabalho em equipe, amizade e acolhimento de todos sem distinção. Na verdade, acho que foi mais uma preparação para o que viria.


— Essa nossa fundadora tem um jeito muito peculiar de “preparar” para o desafio seguinte – disse Peter, ressaltando com as mãos o preparar. — A gente podia ter morrido.


— Bom, a gente podia ter morrido em tudo até agora – comentou Khai e todos concordaram. — Eu realmente não quero pensar no que o nosso fundador pensou como desafio. Ele era... Bem... Difícil.


Dito isso todos ficaram em silêncio por um tempo. Na verdade, até aquele momento tinham passado por tudo com muita sorte.


— Parem! – gritou Jonathan, que seguia à frente, quebrando o silêncio.


— O que houve? – perguntou Rose, passando por todos.


— Acabou o caminho. Não tem continuação, só um grande vazio – respondeu o grifinório.


— Como assim? – quis saber Tiago.


Lumus máxima! – Jonh lançou o feitiço enquanto os outros iluminavam com o lumus simples.


Adiante havia apenas um abismo sem fim.


— Vamos ter que descer de corda, novamente – constatou Alvo e olhou preocupado para Peter e Deymon.


— Mas Alvo, isso parece não ter fim – constatou Rose.


— Eu posso fazer alguns feitiços de duplicação na corda – sugeriu John. — Ela está na sua bolsa, Rose.


A garota logo abriu a bolsa e lançou o feitiço accio corda. De imediato, a grande corda unida começou a sair de forma contínua, como se fosse uma cobra e se enrolar próxima aos pés da grifinória. John a duplicou de imediato e Rose as uniu em seguida. Sem querer, Peter encostou em uma delas e a corda foi precipitada para o abismo.


— Segu...


Alvo tentou avisar para segurarem e evitar a perda da corda, mas foi surpreendido, assim como a todos. A corda simplesmente pairou sobre o abismo, como se uma camada invisível permitisse a passagem. Com cuidado, Rose colocou sua mão para constatar se era seguro, mas ela ultrapassou o ponto da corda, indicando que o vazio continuava ali.


— Talvez seja magicamente modificado para não utilizarmos a corda – disse a garota e a recolheu de volta para sua bolsa.


— E como vamos descer? – perguntou Peter, nervoso.


— Com coragem! – respondeu John, sorridente. — Esse tem que ser o desafio de Godric. Temos que escolher saltar – disse e se dirigiu para a beirada, mas foi seguro pela mão livre de Malfoy.


— Pode ser uma armadilha do Salazar, Jonathan – alertou.


— Malfoy, eu não conheço muito bem a história dele, mas acha que nos daria escolha ou já teríamos caído de qualquer jeito? – cogitou o grifinório.


O jovem loiro ponderou por alguns segundos e o soltou.


— John, isso é estupidez! – exclamou Lizzie, agora segurando o irmão pelo braço.


— Exatamente! Todo momento de coragem tem alguns segundos de estupidez – disse sorrindo, se desvencilhou da irmã e saltou.


— Jonathan!! – gritou Elizabeth em desespero, mas o silêncio foi sua resposta.


— Tente ler a mente dele, rápido – sugeriu Rose, também nervosa.


— Nada, eu não vejo nada. Só o escuro. Ai, meu Deus! – exclamou, colocando as mãos na cabeça. — Jonathan! – gritou mais uma vez e saltou.


— Elizabeth!! – gritaram os sonserinos, Alvo e o corvinal.


O grito da garota foi interrompido como se atravessasse uma barreira antissom.


— Não temos escolha. Não há volta, só... Em frente – disse Tiago e caminhou até a beirada, direcionando seu olhar para Rose. — O que John disse faz sentido, não é?


— Sim, mas...


— É o suficiente – respondeu, erguendo a mão e interrompendo a garota. Respirou fundo e saltou.


— Temos que ir atrás de Elizabeth – chiou Khai e saltou, seguido por Malfoy.


— Juntos? – sugeriu Alvo estendendo a mão para a prima, que sorriu.


— Sempre.


— Venha, Peter – chamou o colega.


— Você tem certeza? – questionou ao amigo.


— Peter, você tem que escolher pular. Se for isso mesmo, deve fazer parte da magia – explicou Rose.


— Então você também não tem certeza – desconfiou o lufo.


— Peter, não tem como – respondeu a grifinória, dando-se por vencida. — Vem com a gente – disse, estendendo a mão para o amigo.


Peter encarou a ambos como se estivessem loucos. Andou de um lado para outro, respirando de forma acelerada. Encarava os olhos dos amigos pacientes com sua indecisão, sem abandoná-lo. Realmente, voltar e encarar a Esfinge só os três não seria nem um pouco sensato e jamais conseguiriam voltar pelo poço inundado e lacrado. Era exatamente como o corvinal disse: só havia em frente.


— Se há apenas um caminho a seguir, por que deixar a gente escolher pular? – questionou Peter.


— Porque escolher por si mesmo faz toda a diferença – respondeu Rose, sem dúvidas. — Nós somos seus amigos, Peter. Confie na gente.


— Estamos juntos nisso, amigo, mas não vamos te forçar a nada – disse Alvo.


Peter encarou os dois por alguns segundou e depois deixou escapar um suspiro.


— Vamos nessa e que Deus nos acuda! – exclamou, fazendo o sinal da cruz e segurou a mão da garota com seu braço bom. — No três?


— Um... – contou Rose.


— Dois... – disse Alvo.


— Três! – gritou Peter e todos saltaram.


Antes mesmo de ultrapassarem 1 metro da beirada, a queda se transformou em uma descida suave por alguns segundos na escuridão, como se alguém os segurasse pela cintura e suavemente os colocasse no chão. Assim que tocaram os pés na pedra, o que parecia ser uma grande gota gosmenta preta os abandonou e desapareceu no teto acima, mostrando que todos estavam sãos e salvos.


— Vocês demoraram – disse um Jonathan sorridente.


O ambiente seguinte era um choque comparado ao anterior. Uma grande sala oval luxuosa, com gigantescas luminárias de ouro e velas que emitiam um calor bem vindo. Ao lado, sofás de veludo vermelho escuro pedindo para serem usados por um longo tempo e um velho espelho de corpo inteiro. Havia também uma mesa repleta de frutas frescas e uma cascata de água gelada. Um paraíso depois de todas as provações se não fosse por um único detalhe: não havia porta ou janela, conforme alertou o corvinal.


— Isso é potencialmente problemático – informou Rose.


— Potencialmente problemático? Sério? – ironizou Khai.


— Eu preciso sentar – disse Peter e se jogou no sofá.


— Não! – gritaram todos e o lufo paralisou sentado, esperando acontecer alguma coisa terrível.


— Vocês estão neuróticos – respondeu Peter, rindo.


— Um descanso não cairia mal mesmo – comentou Alvo.


— E comida! – sugeriu John. — Quer dizer, não deve estar envenenado, certo?


— Não vale a pena arriscar – respondeu Rose. — Eu trouxe comida.


— Nós também – disse a sonserina.


— Podemos fazer um piquenique! – animou-se Tiago.


— Pode ser, mas não seria prudente comer tudo. A gente pode ficar preso e precisar de comida mais para frente – ponderou a grifinória.


— Concordo. Metade meu, metade seu? – sugeriu Lizzie.


Rose concordou e elas começaram a retirar os sanduíches de atum e queijo, suco de abóbora, frutas, tortilhas, bolos de caldeirão e doces das sacolas dividindo em oito partes iguais, enquanto os meninos as circulavam com olhos famintos. Até aquele momento, eles tinham realmente esquecido da fome que sentiam. Quando as garotas informaram que estava tudo pronto, os meninos atacaram famintos e elas balançaram negativamente a cabeça.


— Meninos... – e sorriram.


Por alguns minutos, comeram descontraídos, conversando sobre as provações até ali. Contaram em detalhes como encontraram as pedras e onde estavam os portais. Khai descreveu com precisão o momento que encontraram o hungú e manteve os grifinórios e lufos com a comida parada a caminho da boca durante a narrativa. Elizabeth elogiou Tiago por afastar o animal deles e informou que o haviam trancado e enviado um bilhete voador pelo corredor. Malfoy descreveu o momento da queda deles em detalhes até a primeira provação: o labirinto de túneis por onde escorregaram, como às vezes eles se separaram e se reencontraram mais à frente e as teias de aranha que reduziram a velocidade da queda no fim. Todos souberam como Malfoy salvou Potter e de que forma Lizzie curou o sonserino com a versão honesta do lufo. Além disso, Tiago explicou como Jonathan o ajudou, mesmo sem saber, a decifrar o enigma. Depois ainda discutiram sobre a magia de Hogwarts e especularam o que estava por vir. Todos concordavam que até o momento tinham muita sorte de estarem vivos e aquela não era uma aventura feita para crianças. Estavam metidos em uma grande enrascada e o maior perigo ainda estava por vir: quem seria o dono da voz?


— E se for alguém poderoso e perigoso? Antes a gente pensava em chamar um professor, mas e agora? – perguntou John.


— Convenhamos: a gente se meteu nessa enrascada sem pensar muito nisso – deduziu Peter e todos concordaram com ele.


— Bom, podemos sair dessa machucados, mortos ou até mesmo expulsos – constatou a sonserina. — Podemos, inclusive, nem sair e ficarmos presos aqui pelo resto de nossas vidas ou até quando durar a comida.


— Animador, Carter – exclamou Malfoy e a garota deu de ombros.


— Eu acho que existe um motivo – raciocinou Tiago. — Quero dizer, se Hogwarts está mesmo jogando um jogo, escolheu a gente como peça.


— Tem sentido mesmo, Tiago – constatou a grifinória. — Temos pelo menos um representante de cada casa e possivelmente estamos enfrentando um desafio dos quatro fundadores. Passamos por tudo agora porque trabalhamos em grupo. Talvez uma pessoa só não conseguisse.


— Talvez. Mas então por que Hogwarts escolheria alunos do 1º ano? Por que não alguém do 7º ano que estaria melhor preparado? O que temos de especial? – questionou Lizzie.


— Ouvimos a voz? – sugeriu Khai.


— Eu não estava lá, lembra? - rebateu Tiago.


As crianças ficaram em silêncio por algum tempo tentando adivinhar o porquê de terem descoberto tudo aquilo, mas não parecia que alguém encontraria a solução.


— Não vai adiantar queimar a cuca desse jeito. O melhor é continuar e ver no que vai dar. Não temos lá muita opção – disse John.


As meninas começaram a guardar as coisas e resolveram levar um pouco da comida daquela sala, como precaução.


— Então, como vamos sair daqui? – perguntou Peter.


— Tem apenas duas opções é claro: uma passagem secreta ou o espelho – informou Lizzie, com o olhar de aprovação da grifinória e do corvinal.


— Vamos vasculhar a sala em duplas – sugeriu Malfoy. — Tentem tocar em tudo, puxar alavancas, arrastar peças, fazer cócegas, pedir por favor ou qualquer coisa. Vamos descobrir se tiver alguma passagem secreta nesta sala.


As crianças se dividiram em duplas para a tarefa por segurança: Malfoy com Khai, os irmãos Dumbledore, Rose e Tiago e os lufos juntos. Enquanto os outros vasculhavam cada canto possível, Jonathan encarava o espelho curioso. Sua irmã analisava a sua borda folheada em ouro. Havia pedaços oxidados, com aspecto comido em boa parte das extremidades, como se fosse muito antigo. John pensou que um bruxo como o fundador de sua Casa jamais deixaria de colocar um feitiço anti deteriorização em uma peça tão bonita, então ela devia ser realmente muito antiga quando ele a encontrou. Certamente não estaria ali por acaso.


Jonathan tocou na peça, sob um olhar aterrorizado da irmã, mas nada aconteceu. Encarou os detalhes do aposento onde estavam através do reflexo para ver se algo estava diferente, como um jogo de sete erros, contudo, cada coisa estava em seu devido lugar. Então suspirou e observou seu reflexo derrotado.


“Você deveria estar mais animado, amigo”, pensou para si mesmo e então a coisa mais incrível do mundo aconteceu: seu reflexo sorriu desdenhoso e balançou a cabeça. Jonathan piscou várias vezes sem acreditar.


— Lizzie, você tem que ver isso! – chamou e posicionou a irmã ao seu lado.


— O quê? – perguntou, olhando tudo no espelho.


— Fica sozinha, parada e olha pra você. Eu juro que o meu reflexo se mexeu sozinho!


A garota o olhou desconfiada e passou a encarar sua imagem. Por mais profundo que observasse, nada mudava.


— John, você deve ter imaginado coisas. Não tem nada. Vem, vamos nos juntar aos outros para procurar – disse e se afastou do irmão.


O grifinório se recusou a sair e ficou olhando fixamente para si mesmo.


— Eu não imaginei coisas – disse baixinho, contrariado. — Eu sei o que vi e você se mexeu. Deve ser algum tipo de feitiço. Vamos, eu sei que você pode fazer uma coisa diferente. Quero dizer... Eu posso fazer, porque você sou eu e essa é a conversa mais ridícula que eu já tive na frente de um espelho.


Lizzie abafou uma risadinha e ele olhou zangado para a irmã, que observava seu téte-a-téte com os braços cruzados e um sorriso irônico.


— Você é um teimoso sem jeito – brincou. — Vocês dois – disse, apontando também para o reflexo do irmão.


E então o absurdo aconteceu mais uma vez: John fez uma cara feia e mostrou a língua, enquanto seu reflexo cruzou os braços e ergueu uma sobrancelha.


— Pelas barbas de Merlim! Ele se mexeu! – gritou a garota atônita, chamando a atenção de todos. — Seu reflexo fez algo diferente de você!


— Eu te disse – afirmou, orgulhoso, enquanto os outros os rodeavam.


— O que aconteceu? – perguntou Rose.


— A saída é o espelho, só não sabemos como – informou John encarando a si mesmo.


— Ele reage a interações, mas não sabemos exatamente a que – completou sua irmã.


— Você pode nos deixar sair? – perguntou John e seu reflexo fez os mesmos gestos espelhados. — O que eu preciso fazer? Pode me mostrar? – tentou novamente, mas nada de diferente aconteceu.


— O que você disse quando ele se moveu? – quis saber Tiago.


— Eu pensei que ele precisava se animar mais se quisesse descobrir a saída e depois a Lizzie nos chamou de teimosos - respondeu. — Mas não acho que ofender seja o caminho.


— Não, ofender, mas desafiar – esclareceu Rose. — Godric sempre gostou de um bom desafio. Dizem que foi ideia dele a competição entre as Casas.


— Eu desafio você! – disse John, com toda a pompa e circunstância, mas nada aconteceu.


— Saia daí, Dumbledore. Deixe outra pessoa tentar – sugeriu Malfoy.


— Espere! Eu acho que fiz errado – rebateu, afastando o sonserino do raio de reflexo do espelho. — Ele sou eu, certo? Então eu não posso desafiar ele e isso é tão interessante e maluco – completou, sacando sua varinha e se endireitando em frente ao espelho. — Eu me desafio!


Em um movimento mais rápido do que qualquer bruxo pudesse pensar em desaparatar, o espelho se desprendeu da parede, fez um giro de 360º para frente e engoliu Jonathan até retornar à sua posição original, deixando em seu lugar um vazio sepulcral. As crianças estavam em choque. Elizabeth encarava o espelho estarrecida diante da falta de noção de segurança do seu próprio irmão, por duas vezes consecutivas. Queria muito estuporá-lo, mas acima disso, desejava que estivesse tudo bem do outro lado. Malfoy pigarreou para quebrar o silêncio.


— Hu-hum. Então... Quem é o próximo?


Tiago se posicionou e, sem dificuldades, conseguiu que o espelho repetisse a façanha. Era realmente angustiante a sensação de que seria esmagado ou que a peça se quebraria em mil pedacinhos, cortando a pessoa totalmente e levando-a a morte.


— O que exatamente estamos desafiando quando dizemos isso, Rose? – cochichou Alvo, enquanto Malfoy já se posicionava para ser o próximo. — Quero dizer, é só uma forma hipotética como a coragem necessária para ultrapassar o abismo, certo?


— Eu acho que não – respondeu, ainda chocada ao ver o sonserino desaparecer. — Eu não sei exatamente como vai ser isso, mas se pudesse dar um palpite diria que vai ser como se tomássemos um gole de veritasserum e começássemos a falar apenas a verdade, sabe? O que às vezes a gente finge não ligar só porque não queremos saber – completou, encarando as próprias mãos e brincando com a varinha.


Khai não estava muito seguro e por isso o encantamento não funcionava com ele. Deu lugar a Peter e tentou novamente, sem sucesso. Lizzie o incentivou, enquanto Rose prosseguia através do espelho e finalmente o garoto completou a passagem. Ao ficar sozinha com Potter insistiu para que ele fosse antes e Alvo acatou, entendendo que ela queria ser a última. Não havia um motivo muito claro, mas aquele não era um momento para se discutir sobre besteiras. Além disso, o garoto tinha certeza de que ela lhe diria não ser da sua conta. Alvo encarou seu reflexo por alguns instantes e começou a imaginar se tinha mesmo o olhar irônico que via refletido.


— Eu me desafio!


Seu reflexo fez uma mesura ao mesmo tempo em que o objeto caía sobre sua cabeça. O pânico durava um segundo até ser substituído por uma gélida sensação de unhas arranhando todo o seu corpo e de seu cérebro virando geléia, enquanto permanecia imóvel no escuro sem conseguir se mexer ou falar. Uma luz branca intensa o cegou momentaneamente, fazendo-o institivamente levar as mãos aos olhos, tentando se proteger. O que deu certo, pois já estava livre de qualquer tipo de feitiço. À medida que foi se acostumando ao ambiente, levou um grande susto. Estava em um octógono coberto por espelhos de cima a baixo. Via seus reflexos em todo lugar, mas, ao contrário dele, não estavam agitados. Sorriam de forma irônica e aquilo o fez tremer por dentro.


Alvo, Severo, Weasley, Potter... – enumeraram os reflexos como se fosse uma pessoa apenas falando com desdém. — Onde meus pais estavam com a cabeça para praticar uma maldição dessas? – e ergueu uma sombrancelha, inconformado. — Não acha?


Alvo estava boquiaberto diante da situação. Por todos os lados, para onde quer que se virasse, podia ver a si mesmo dizendo aquelas palavras. Logo o palpite da prima veio à mente. Era aquilo mesmo que pensava sobre o próprio nome? Quer dizer, era estranho, mas chamá-lo de maldição era demais.


— É uma homenagem aos... – começou sem saber para qual reflexo olhar.


Só bebês acreditam nessa baboseira ridícula de homenagem – interromperam todos os reflexos. — Por que eles não fizeram isso com o James? Ele podia se chamar Alvo Severo e eu ficaria com o James Sirius. Seria mais justo! As homenagens vêm primeiro; as maldições vêm em segundo.


— Meu nome não é uma maldição! – rebateu alteando a voz.


Não é? Oh, você sabe que sim! É tão ruim ser você que eu decidi ser eu agora. Você é motivo de piada na família sempre que encontram alguém com nome esquisito, porque nada pode ser pior do que Alvo Severo. As pessoas ficam desconcertadas e com pena. E esse lance de homenagem? James teve uma homenagem. Você ficou com o peso maldito de dois grandes bruxos que fizeram coisas extraordinárias e quem é você? Você é um nada, um garoto sem nenhum talento excepcional e muito sem graça.


— Não sou! – reclamou.


Bebê chorão! O segundo filho, uma sombra entre duas crianças tão queridas. James é o primogênito: tem um talento nato para quadribol, garotas e encrencas. É constantemente comparado ao vovô Potter por todo mundo e consegue lidar com a fama sem problemas. Lily é capaz de encantar qualquer pessoa, além de ser muito inteligente, absolutamente decidida e com uma lábia que enrola até o papai. Você? Você é um filhinho da mamãe que reclama de tudo o que o James faz de errado. É inseguro, sem talento e personalidade. O que você fez que a ideia tenha sido sua? Hein? Nada! Você não sabe se impor, fica deixando todo mundo dar opinião em tudo e no fim só sabe seguir ordens. Será um grande pau mandado... Um funcionário de quinta categoria do Ministério!


— Isso não é verdade! – gritou, secando suas próprias lágrimas. — Você é venenoso e cruel. Eu não penso essas coisas!


Não pensa? – questionou o reflexo, aproximando seu rosto do espelho. — A quem engana? A si mesmo, é claro. Por que me desafia se não está preparado para ouvir as próprias verdades que esconde? Olhe para si mesmo: você é uma ideia patética de ser parecido com o grande Harry Potter. Mesmo corte de cabelo, mesmos olhos e até os malditos óculos redondos! Só lhe falta a cicatriz. Não acha que mamãe está querendo compensar na imagem o que falta em talento? Quem é você? Um Weasley Potter? – riu maldosamente. É uma vergonha para a própria família! Lufa-Lufa... Lufa-Lufa!! Sério??? Merlim, eu queria morrer!


— A Lufa-Lufa é uma Casa tão importante quanto as outras – se defendeu.


Por favor! Não me faça rir! É claro que o papai diria isso, mas você sabe o que ele realmente estava pensando, não é? Oh, e não era o que ele fez de errado não, porque não foi culpa dele. A culpa é sua! Você não é bom o suficiente para ser um Weasley e muito menos um Potter! Só você para dar essas decepções na família: o desajustado!


— Pare de falar! – gritou, com lágrimas escorrendo em sua face. — Diffindo! – tentou lançar um feitiço que foi absorvido pelo espelho.


Faça o estardalhaço que quiser, os espelhos são enfeitiçados. Se você tivesse o mínimo de miolos bruxos teria deduzido isso – sua imagem cruzou os braços e se afastou do espelho.


O garoto caiu sobre os joelhos, tentando segurar o choro em vão. Aquilo tudo era uma carga emocional forte demais. Não poderia negar que essas coisas passaram por sua cabeça em algum momento, mas não queria acreditar que ainda remoía aquilo. Eram pensamentos ruins. Era o seu pior lado dizendo tudo sem filtros e magoando a si mesmo.


E eu não vou nem falar sobre ele.


— Ele?


Oh, Potter! Você é patético.O que diria a mamãe se soubesse que você está gostando da companhia desse garoto? – tamborilou os dedos no queixo. O que diria os tios? Vovô e vovó? O papai? Ah, ele vai matar você. E o James? Isso eu quero ver.


— O Malfoy salvou a minha vida! – afirmou.


E agora você é um devedor. Garanto que ele vai te pedir algo sórdido em troca. Sabe que nenhum Malfoy é bonzinho. Sabe disso. Você vai se meter em outra decepção. Lufa-Lufa... Sinceramente? Nem Corvinal? Não, tinha que ser na esquecida, zero à esquerda Casa de Helga, que aceita todo o resto que ninguém quer.


— Você não sabe o que está falando. Eu gosto da Lufa-Lufa! – gritou.


— E tem jeito? – questionou, com um sorriso irônico. — Você vai ter que aturar isso para o resto da vida, porque não tem transferência de Casas em Hogwarts. Será marcado como um lufo para sempre, a não ser que se revolte, quebre tudo, mate a todos e instaure uma nova forma de viver na comunidade bruxa como Voldemort! Ah, eu iria querer ver essa perda de controle. Seria tão interessante – disse, com os olhos brilhando de excitação.


Mentiroso! Isso está errado! Nunca em minha vida eu pensei algo assim. Você está inventando coisas agora! – rebateu. As outras... O que você disse antes... É verdade – admitiu triste e viu o sorriso vitorioso de seu reflexo sumir.


Uma ideia começou a se formar em sua mente.


— Você tem medo de tudo, duvida de tudo. “Papai, e se eu for para a Sonserina?”? Ah, faça-me o favor! Você é um covarde!


Não sou um covarde, mas eu tenho medo, sim. E é normal ter medo – disse, honesto.


— Só os fracos têm medo ­– rebateu, já sem tanta firmeza.


Todo mundo tem medo: forte ou fraco, adulto ou criança, bruxo ou trouxa – afirmou, se reerguendo e encarando um reflexo que lhe sorria amarelo. Meu nome é estranho sim, mas o que posso fazer? É o meu nome e vou viver com ele e as piadinhas o resto da minha vida, mas eu não ligo tanto. Dá para ignorar, sabe? Você sabe que sim – desafiou o seu reflexo estreitando os olhos e o viu recuar.


— Você... Você está mentindo para si mesmo!


Não, eu estou abrindo o jogo comigo – afirmou e abriu as mãos, sem defesa. Pois é, eu tenho ciúmes do James. Ele é legal, descolado, capitão de quadribol, corajoso e da grifinória. Lily é a caçula. Fala sério! Todo mundo tem ciúmes dos caçulas porque eles são tão paparicados! E ela ainda é a única menina, claro que tem tudo para ela. Eu tenho que pegar a segunda vassoura do James, a segunda cadeira da mesa, o segundo quarto... Mas eu sou o segundo filho, então deve ser meio normal isso. Nunca parei para perguntar a alguém. Não acha? – questionou, agora sorrindo diante da apatia do outro.


— Você não está falando sério – exclamou, horrorizado.


Claro que estou e você sabe disso, não é? E apesar do que todos falam sobre a Lufa-Lufa, eu acho que ela é a Casa mais forte de Hogwarts.


Seu reflexo torceu o nariz.


— Eu também achava que só o descartado ficava na Lufa-Lufa. Já fiz esse comentário maldoso com o James quando era mais novo, agora me lembro – disse, batendo na própria cabeça. — Acho que fui escolhido justamente para entender que Helga era muito inteligente. A Grifinória está cheia de corajosos bruxos, a Sonserina têm os mais ambiciosos e a Corvinal os intelectuais. E a Lufa-Lufa? Você vai me perguntar. A Lufa tem todos: os corajosos e ambiciosos, os intelectuais e corajosos e os ambiciosos intelectuais. Por não criar rótulos, podemos ser tudo. Enquanto os sonserinos pouco prezam pela amizade, os corvinais escolhem a dedo e os grifinórios se fecham em seu clubinho particular, somos nós que fazemos a ponte entre todos. Não porque somos o resto, mas porque somos um pouquinho de tudo e, por conta disso, podemos lidar com todos de igual para igual – finalizou, sentindo um calor pelo corpo e o rubor nas bochechas.


Quem... Quem você pensa... – tentou falar o reflexo, trêmulo.


Sou Alvo Severo Weasley Potter, filho do grande Harry Potter e da incrível Ginevra Weasley. Sou da Lufa-Lufa por escolha do Chapéu Seletor e pelas ideias geniais de Helga. Mas quem sou eu de verdade? Ainda não sei, mas não tenho pressa de descobrir – finalizou.


Todo o ambiente tremeu e Alvo sacou a varinha, assustado. Um a um os espelhos começarem a desaparecer até sobrar apenas o seu reflexo original.


— Obrigado – agradeceu de coração e viu uma abertura surgir na sua frente.


— Alvo! Graças a Deus! – exclamou Peter dando um grande abraço no amigo.


Ainda surpreso, o lufo olhou o ambiente ao redor. Parecia uma masmorra e só tinha pedras para onde quer que olhasse. A um canto, Jonathan estava sentado no chão, com um sorriso de alívio por ver Potter ali, mas seus olhos estavam muito tristes e ele se limitou a acenar. Tiago, que estava encostado em uma das paredes próximas, veio apertar sua mão, mas não sorria ou tinha a expressão inteligente, como sempre.


— Que desafio, né? – comentou Peter, baixinho.


— Nem me fale – respondeu Alvo.


Uma abertura surgiu ao lado dos lufos e dela saiu um Malfoy sério e pisando forte. Não falou com ninguém e sequer os encarou para notar que estavam ali. Tinha os olhos injetados de raiva, os punhos fechados já brancos de tanto os apertar e tentava se acalmar expirando várias vezes. O senso comum era claro e não houve uma palavra por algum tempo. Quando deu por si, Alvo tinha o olhar fixo em algum ponto da parede, sem enxergá-la de fato e estava repassando tudo o que foi dito em sua mente. Olhou ao redor e todos pareciam perdidos.


— Eu nunca me achei grande coisa, sabe? – Peter começou a falar para Alvo, baixinho, mas em virtude do espaço todo mundo dava para ouvir. — Sempre fui o gaguinho esquisito e os garotos da escola trouxa eram realmente cruéis comigo. Eu cansei de tentar entender por que eu tinha que sofrer tanto bullying.


— O que é bullying? – perguntou o amigo.


— É quando as brincadeiras deixam de ser zoações saudáveis e passam a agredir a gente. Fisicamente ou mexendo com a cabeça. Começavam me imitanto... Cara, é realmente uma droga quando fazem isso, mas você entende a zoação no início. O negócio é a insistência na piadinha sem graça. Depois davam descarga no banheiro com a minha cabeça no mictório, então, você pega a ideia da coisa – respondeu, ignorando que os outros estavam ouvindo.


— Como podem fazer isso? E não são expulsos? – perguntou Potter.


— E eu sou maluco de denunciar? Eles me pegam na esquina e me quebram na porrada, Potter. Nem todas as escolas são como Hogwarts. No mundo trouxa os professores não têm uma varinha para se defender de alunos que perdem a noção.


— Eu não sabia. Ele... Quero dizer, o seu reflexo ficou lembrando essas coisas?


Peter balançou a cabeça assertivamente e encarou suas mãos, brincando com a varinha.


— De como eu me sentia. Da raiva. Da vontade de poder ser outra pessoa e devolver tudo o que eles fizeram comigo – disse e fechou os olhos por um momento, recordando. — E eu me toquei que agora sou um bruxo e posso fazer isso – abriu os olhos e encarou a parede. — Na verdade, eu acho que já tinha deduzido isso faz tempo, mas não estava querendo pensar sobre. O meu reflexo começou a enumerar tudo o que eu podia fazer e aquilo me deu medo, porque eu não quero ser assim – concluiu, olhando para o amigo. — Escolher faz toda a diferença, não é? Como Rose disse. Eu quero ser uma pessoa melhor do que aqueles trouxas. Não preciso me vingar deles, porque depois de passar por aquilo eu me sinto mais forte. Não é porque agora tenho uma varinha que possuo o direito de pisar nos outros. Bullying é burrice e eu não quero ser um burro. E então eu saí de lá, mas essas coisas ficam na cabeça mesmo quando a gente sai – exclamou, apontando com a varinha para si mesmo. — É uma droga!


— Algumas verdades são difíceis de serem aceitas, mesmo quando a gente entende – comentou Tiago, encostado na parede. — Deixar para lá é o mais complicado e a lição do desafio de Godric Grifinória é bem clara: lutar contra um adversário pode ser mais fácil do que lutar contra si mesmo.


Os garotos ficaram em silêncio, analisando bem o que o corvinal dividia com eles. A nostalgia foi quebrada pelo aparecimento de uma morena acobreada com lágrimas escorrendo de seu rosto. Assim que identificou o primo correu para ele e o abraçou, chorando copiosamente. Alvo apenas a abraçou de volta.


— Oh, Al, foi horrível! Foi horrível! Ela... Ela... Eu... Foi tão ruim e é tudo tão verdade! O que eu vou fazer? Eu sou uma decepção, eu sei que sou.


— Rose, claro que você não é – contra-argumentou o primo, já imaginando do que se tratava.


— Eu não sou inteligente como minha mãe e nem sou boa em quadribol como meu pai. E eu tento tanto ser, Al. O que eu estou fazendo de errado?


— Rose, é óbvio que você não está fazendo nada de errado e sabe disso. Você saiu de lá, não foi?


— Foi... Saí... Mas foi tão horrível! – encarou um a um no local e continou chorando, afundando o rosto no peito do seu primo.


Malfoy rolou os olhos diante do drama da garota. Tiago a encarou piedoso e Peter não conseguia entender como ela não se achava inteligente. John pousou a mão no ombro da amiga, que o encarou e chorou ainda mais.


— O que foi? – perguntou o grifinório.


— Oh, Merlim! Que vergonha!


— Rose, desculpe. Eu não queria... – John tentou se redimir, mas foi interrompido.


— Não é você. Sou eu – respondeu a garota, tentando em vão secar as lágrimas. — Eu... Eu... Eu meio que tenho inveja de você – admitiu, encarando os pés e segurando fortemente o braço do primo. — Você é tão talentoso com feitiços e nem sabia que o mundo da magia exista há pouco tempo. Me... Me desculpe. Eu já fiquei muito frustrada com isso, mas a culpa não é sua. Eu não sou boa o suficiente.


— Do que você está falando? Os feitiços que eu sei foi você quem me ensinou ou indicou um livro. Eu estaria perdidinho sem você – respondeu honesto. — Eu só tenho sorte com a varinha, mas sem uma ideia do que fazer, eu não seria bom. E eu só sou bom nisso, lembra?


— E em transfiguração – completou a garota, já se controlando melhor.


— Hum... Eu não... – tentou contradizê-la, mas a garota ergueu a mão o interrompendo.


— Está tudo bem. Eu já admiti. Só precisava confessar, porque estava me sentindo péssima com esse sentimento dentro de mim. É uma inveja boa, tá?


— Eu só sou bom nessas coisas. Sou péssimo em Herbologia e Poções. A Lizzie... – disse e se calou, ao notar o olhar derrotado da grifinória.


— Do que adianta, John? Ela provavelmente será a medibruxa mais nova da história – assumiu a garota.


— Não é muito justo, sabe? Mesmo a gente não sabendo que éramos bruxos, ela já era a CDF de ciências da escola e queria ser médica ou cientista.


— Vocês são Dumbledores também. O sangue sempre conta – informou Alvo e voltou-se para a prima. — E sabe o que eu acho, Rose? Que o Peter é ótimo em Astronomia, Tiago passa John em Transfiguração e Malfoy é o melhor de DCAT. Você é boa em tudo. Não tem uma matéria que leve bomba, ao contrário da maioria de nós. Isso é ser bem inteligente na minha opinião.


Rose o abraçou e beijou sua bochecha.


— E você é o melhor bruxo cavalheiro que eu conheço.


— Você não conhece tanta gente assim – respondeu, corando.


As atenções foram desviadas para a abertura que surgiu na masmorra, permitindo a passagem de Elizabeth. John imediatamente foi ao encontro da irmã e segurou suas mãos, que tremiam. Por um breve momento, eles se encararam e a garota sussurrou um “depois”. Em seguida cumprimentou a todos e foi se sentar a um canto, acompanhada pelo irmão que entrelaçou os dedos em sua mão, com carinho.


Ela não chorou ou resolveu comentar o ocorrido a plenos pulmões, o que era muito digno de uma sonserina na opinião de Deymon. Eles deviam aceitar suas próprias mazelas com a cabeça erguida e, se tivessem que dividir com alguém, que fosse em particular. Claro, ele mesmo não pretendia confessar a ninguém as verdades que teve de ouvir de sua própria boca sobre sua família, seus pais e sua história. Sobre a absurda amizade que parecia insistir em se firmar entre ele e Alvo, contra a qual relutava a cada segundo. Admitiu, a si mesmo, que gostava de sua companhia e de ser tratado como um cara normal por ele, além do fato de o garoto não ser em nada parecido com a descrição que o pai fazia dos Potter. O mais velho sim, James, era o reflexo da inconsequência e necessidade de aparecer. Alvo era só um garoto comum, tentando se encaixar da melhor forma na herança de um sobrenome, assim como ele próprio.


Os minutos foram passando e o ambiente ficou desconfortavelmente silencioso. Rose tinha a cabeça no ombro do primo, enquanto folheava um livro. Alvo encarava a parede diante de si e, às vezes, se pegava olhando para todos os amigos reunidos ali. Tiago parecia encontrar alguma coisa interessante em sua própria mão, enquanto Peter brincava com a varinha no chão. Os irmãos Dumbledore permaneciam juntos sem trocar uma palavra e Deymon estava de olhos fechados, embora fosse nítido que não dormia. Apenas Khai não tinha passado pela provação ainda.


— Estou ficando preocupada – disse Rose, fechando o seu livro. — E se aconteceu algo com ele?


— Dê tempo a ele – rebateu Elizabeth.


— Mas e se ele não aparecer? O que podemos fazer? Como entrar lá e encontrá-lo? – questionou a garota.


— Acho que não podemos – respondeu Tiago. — Mas a gente precisa decidir o que fazer.


— Não vamos embora sem ele – afirmou Alvo. — Não vamos deixar ninguém para trás.


Malfoy abriu os olhos e encarou o lufo com curiosidade.


— Dê tempo a ele – repetiu Elizabeth.


— Vamos aguardar mais, Rose – concordou John. — Lizzie acha que ele vai conseguir sair, então ele vai. Ela nunca erra um palpite.


Rose ergueu uma sobrancelha e cruzou os braços balbuciando com desdém “Ela nunca erra um palpite”, fazendo seu primo fracassar ao segurar um risinho e receber um cutucão por isso.


— Precisamos de um plano B – insistiu Tiago.


— Quando for a hora pensamos nisso. Agora aguardamos – Malfoy encerrou a conversa.


Os minutos passaram de forma angustiante, sem sinal de Macbeer. O ambiente já estava bem tenso com Rose direcionando seu olhar desconfiado para Lizzie, que apenas erguia a sobrancelha em desagrado. Antes que a grifinória pudesse falar alguma coisa para quebrar o silêncio, uma porta de madeira apareceu no fundo da masmorra ao mesmo tempo em que uma fenda se abria para a passagem de um sonserino irreconhecível.


Khai estava pálido, com olhos vermelhos e inchados, os cabelos grudados de suor e as mãos sangravam como se ele tivesse esmurrado a parede de espelhos, o que, de fato, havia acontecido. O garoto desabou no chão, apoiando-se em suas mãos, chorando descontroladamente e todos sabiam que não era da dor de seus ferimentos. Elizabeth desvencilhou-se do irmão rápido e pôs-se a buscar em sua mochila uma poção para curar as feridas do amigo. Malfoy levantou-se e colocou a mão no ombro do colega, o que o fez ter um acesso pior.


Rose estava angustiada, com as mãos na boca, tapando um murmúrio de lamento que não saía devido ao seu estado de choque. Como ela poderia achar que seus problemas eram o fim do mundo diante do que o reservado sonserino apresentava? Alvo tinha certeza de que o pai foragido de Azkaban tinha uma boa parcela de culpa naquilo e fez menção de ajudar, contudo Malfoy manteve todos à distância, com seu olhar frio. John olhava o cuidado com que a sonserina tentava curar as mãos do colega, que se retraía e evitada encará-la, embora deixasse que o tocasse. Tiago sequer ameaçou se aproximar, pois sabia que ele não apreciava sua companhia e observou calado, junto a Peter, a tentativa dos sonserinos em acalmar o amigo.


Malfoy balbuciava alguma coisa junto ao ouvido de Khai que ninguém conseguia entender, mas parecia acalmá-lo aos poucos. Lizzie finalmente tinha conseguido estancar os cortes e agora fazia um breve curativo com o que ainda tinha de material. Respirando melhor, Khai ergueu os olhos para Deymon e sentiu segurança nas palavras do amigo que o observava com um olhar duro, mas de plena compreensão. O garoto enxugou suas lágrimas nas vestes e se recompôs, antes de encarar a sonserina que o aguardava com um sorriso amigo. Imediatamente ele relaxou, enquanto ela lhe oferecia um bom pedaço de chocolage mágico, insistindo que aquilo o faria sentir-se melhor e segurando sua mão machucada. Malfoy tinha certeza de que não seria o chocolate a alterar a autoestima do colega.


Khai se levantou, após algumas mordidas no chocolate, ainda segurando a mão da sonserina e encarou os outros na sala. Imediatamente sentiu-se um fraco e envergonhado do seu espetáculo descontrolado. Não sabia para onde olhar e o que dizer, mas foi salvo por um lufo iluminado pelo momento.


— Estão todos aqui, vamos em frente – afirmou Alvo, desviando o assunto.


— Acho que o próximo desafio será o mais difícil, porque só sobrou o Salazar por eliminação – informou Tiago. — Malfoy, o que podemos esperar dele?


— Tudo, mas desconfio que tenha algo a ver com cobras e muita astúcia para conseguir superar esse desafio. Claro, será o mais mortal que encontraremos, porque Salazar só admite merecedores em sua Casa – completou, lançando um breve olhar ao colega que se sentiu mais reconfortado.


— Não seria melhor... – começou Rose, mas foi cortada pela sonserina.


— Descansar? Certamente, mas não acho que temos tempo. Perdemos essa noção e acredito que logo será dia e todos irão se preparar para embarcar no Expresso. Não podemos perdê-lo, portanto, vamos em frente.


— Em frente então, pessoal – confirmou John. — Varinhas a postos é claro e mantenham-se juntos. O que vier será a maior provação de todas.


John abriu a porta e um vento úmido entrou na masmorra em que se encontravam, apagando todas as chamas que mantinham o lugar iluminado e deixando-os no completo breu.


— Não iluminem – pediu Malfoy. — Se ele quisesse que víssemos algo, veríamos. Vamos jogar de acordo com as regras dele – informou.


O grifinório liderou o grupo para dentro do próximo ambiente, tateando a parede em busca de uma nova passagem e buscando com o pé segurança ao pisar. Assim que o último atravessou a porta, ela se fechou com força, arrancando exclamações de susto de todos. O ambiente ficou rapidamente úmido e um zumbido bem baixinho deixava a todos muito intrigados, contudo, ninguém se atrevia a iluminar o local. John continuou caminhando por longos minutos, mas parecia se tratar de um caminho sem fim que dobrava ora à direita, ora à esquerda. Iria sugerir se afastar da parede, mas seus pensamentos foram interrompidos.


— Por quê? – perguntou Khai.


— Por que o quê? – questionou Peter.


— Por que dar 13 passos para frente e depois virar à esquerda? – continuou. — É estranho decidir isso depois de estarmos caminhando seguindo a parede, não acha?


— Do que você está falando? Ninguém disse nada – afirmou a grifinória.


Khai sentiu sua espinha gelar e ficou parado, sem saber o que fazer. Malfoy imediatamente compreendeu o que estava acontecendo e procurou a garota Dumbledore na escuridão, na certeza de que ela estaria em busca de uma estratégia com ele.


— É, eu ouvi também – disse Deymon, acobertando o amigo. — Achei que tinham enxergado algo aí na frente.


— Não, Malfoy, estamos perdidos nesse labirinto – exclamou Alvo.


— É isso! É um labirinto! – deduziu Lizzie. — E somente nós podemos guiá-los para fora, porque nenhum de vocês é um sonserino. Isso explica o porquê de somente nós estarmos ouvindo – completou, mentindo descaradamente sobre ouvir qualquer coisa. — Vocês não são merecedores – afirmou, com certa superioridade.


— Então passem para a frente – disse John.


— Esperem! – interrompeu Peter. — E se essa voz que só vocês escutam estiver mentindo e nos levando para uma armadilha? Porque deslealdade é bem a cara de sonserinos, né?


— Eu se fosse você calava a boca, lufo – ameaçou Malfoy, seco. — Você está jogando sob as regras de Salazar e ele não gostava nem um pouco de sangues-ruins.


— Malfoy! – gritou Rose. — Você não pode falar desse jeito. É uma afronta!


— Você está no desafio de Salazar, garota. O que você acha? Que vai ser uma coisa simples como encarar a si mesmo? Descobrir um enigma ou encaixar pedrinhas? Vamos lutar por nossas vidas e saiba que se alguém tiver que morrer primeiro será o sangue-ruim, porque é assim que Salazar pensava. Não me venha com essa de ser uma afronta. Fique caladinha e cuide da sua segurança porque depois, certamente, serão os grifinórios a morrer – completou, deixando os amigos em estado de choque.


— Você não está falando sério – disse Peter, fracassando em soar desdenhoso.


— Então prove o contrário e lidere – sugeriu Khai, com ironia na voz. — Mas depois não diga que não avisamos.


Todos ficaram em silêncio, desconcertados pelo momento.


— Isso não vai nos levar a lugar nenhum – disse Alvo. — Vamos seguir os sonserinos porque tem lógica Salazar privilegiar os alunos de sua Casa, não é? Rose? Tiago?


— Sim – respondeu o corvinal.


— Então pronto. Vocês vão à frente e a gente segue. Se for uma armadilha, logo saberemos. Se não, chegaremos ao fim disso e Malfoy...


— O que?


— Não usaremos mais essa palavra ofensiva e da próxima vez a gente faz você engolir ela contra a sua vontade, porque somos 5 contra 3 – ameaçou Alvo incerto de onde veio tanta coragem e o sonserino se surpreendeu, ao mesmo tempo ofendido.


— Quem você acha...


— Ele tem meu total apoio – disse Rose.


— E o meu – responderam Peter, Tiago e John.


— Que perda de tempo são vocês, discutindo por uma expressão qualquer – desdenhou a sonserina. — Malfoy, concentre-se no que importa. Khai pode ir à frente e todo mundo fica calado, com as varinhas na mão – ordenou e organizou a comitiva.


Seguindo as orientações sussurradas aqui e ali, Khai liderou com agilidade e em silêncio todos os oito. Abandonou o acompanhamento da parede de pedras e se aprofundou no labirinto. Quando alguém questionava alguma parada brusca ou retorno, Deymon e Elizabeth tratavam de afirmar que era dessa forma mesmo e mandavam os outros seguirem sem reclamar, mas no íntimo só torciam para o amigo não estar lhes guiando a uma armadilha de cobras. De repente, Macbeer parou.


— Chegamos.


— Chegamos onde? – perguntou a grifinória.


— Ao objetivo do labirinto, é óbvio – respondeu Lizzie.


— Temos que esperar. Alguma coisa vai acontecer – Khai indicou.


— Por que só você está dando as instruções? – John questionou, desconfiado.


— Porque sim, ora. Sua irmã me mandou ir à frente – respondeu o sonserino.


— Shhh! – pediu o corvinal. — Tem alguma coisa se aproximando.


De fato, alguma coisa parecia se mover ao redor deles, mas não se atreviam a iluminar o local. Ao fundo, uma luz veio dançando pelo labirinto, indicando todo o caminho que percorreram. A respiração de todos acelerou e apertaram a varinha institivamente, apontando para o que se aproximava. Embora os sonserinos tivessem a certeza de que uma cobra estava sussurrando a indicação para Khai, nada os havia preparado para o que viria a seguir. A luz assumiu uma forma de serpente e iluminou o local em que se encontravam: um círculo de pedras completamente rodeado por serpentes negras.


As crianças seguraram os gritos de terror e outros estavam mudos pelo choque. Malfoy e Elizabeth olharam assustados para Khai, que balançou a cabeça negativamente e abriu as mãos em defesa indicando que todas as cobras apenas sibilavam, mas não emitiam nada compreensível.


— Não ataquem – insistiu Malfoy. — Elas estão testando nosso limite.


A cobra de luz sibilou e as outras começaram a se aproximar ainda mais, reduzindo pouco a pouco o círculo em que se encontravam. Quando todos os estudantes ficaram colados uns aos outros, elas pararam o movimento. Apesar de nervosos e com medo, ninguém emitiu um som ou usou a varinha, embora Rose tenha abaixado um pouco a mão de Peter, sentindo que o colega estava nervoso demais. De repente, as serpentes negras abriram caminho e a imagem mágica deslizou até as crianças, que não tinham para onde correr. Todos encararam os sonserinos que assumiram a frente e mantinham uma postura superior, sem medo da análise da magia de Salazar. Em segundos, ela deu um golpe com o seu corpo por sobre o mar de cobras, fazendo com que todas desaparecessem. As crianças sentiram um breve alívio, que foi suprimido pelo desespero ao notar o chão também se desfazer sob seus pés.


A queda foi breve, em uma superfície mole e áspera, como caules retorcidos, Algumas crianças caíram sobre uma área de frágil folhagem e se esticaram para sair. Chamavam uns aos outros no escuro, sussurrando, tentando ver se estavam todos bem. John tentou tatear a parede e parecia que o espaço era aberto, quando seu pé tocou algo viscoso.


— Tem água aqui, mas parece lamacenta – disse, mexendo um pouco o pé.


— Isso é ridículo, temos que enxergar alguma coisa – reclamou Rose.


— Se fosse... – começou Khai, mas foi interrompido pelo corvinal.


Lumus! – e diante do olhar estarrecido de todos continuou. — O quê? Achei que um pouco de ousadia soaria bem para Salazar.


— Você poderia ter matado a gente, seu idiota – vociferou Malfoy.


— Mas ninguém morreu e eu achei apropriado iluminar agora. Parece que estamos em um pântano subterrâneo – observou Tiago.


Os outros também iluminaram o local. Agora podiam identificar os longos caules verdes cobertos de musgo que amorteceram a queda deles, anormalmente inchados por água. Pelo menos foi o que pareceu ao Elizabeth esmagar e sair um líquido transparente. O lago era negro e lodoso, sem nenhuma ondulação aparente e tinha um cheiro forte e estranho. Além disso, a temperatura parecia cair a cada minuto. Malfoy e Richads encontraram totens e atearam fogo para esquentar o local, iniciando uma reação em cadeia que iluminou todo o ambiente. As folhas que amorteceram as quedas de Rose e Alvo na verdade eram uma série de lâminas pálidas que se dissolviam ao toque da mão, de acordo com a observação de Peter. Ao se aproximar para verificar, Khai perdeu toda a cor do seu rosto, junto com Rose, Tiago, Alvo e Deymon.


— Isso não é folha. É pele de cobra! – alardeou Rose.


— Isso tudo é o corpo e é enorme! Onde está a cabeça? – perguntou Alvo.


— As cabeças – respondeu John, falseando a voz.


— O quê? – questionaram os amigos.


— São três – disse a sonserina ao lado do irmão e apontou para a figura que surgia no meio do pântano.


A enorme serpente negra deslizava sob a superfície com suas três cabeças captando todas as vibrações através de suas línguas bifurcadas. Sua pele escamosa brilhava lustrosa e seus olhos amarelos estavam vivos e captando todo o movimento da margem. Ao seu redor o lago negro ondulava de forma esquisita e eles notaram, com assombro, que todas as cobras que viram no andar superior nadavam ao redor da maior.


— Que tipo de cobra é essa? – John perguntou.


Rose, Tiago e Deymon tentaram buscar na memória alguma citação para a espécie que viam, mas não conseguiam se lembrar. Já Khai parecia preso a uma das histórias de terror do seu avô, quando uma vez perguntou se existia alguma cobra pior do que a Anaconda gigante brasileira ou o Basilisco e ouviu a resposta que agora temia repetir:


— É uma Dreikronen, a rainha perdida das serpentes.


— Nós vamos morrer – afirmou Peter, recuando junto com os outros e erguendo a varinha.


— Cala a boca, Peter! – ralhou Rose, também com muito medo.


Elizabeth e Deymon encararam Khai, que tentava captar o sibilar das serpentes.


Sinto o gosto de um sangue-ruim e meio sangue... – informou a cabeça da direita. — Como ousaram chegar até aqui?


Matar... Matar todos... – exigiu a da esquerda.


Só os merecedores prosseguem – sibilou a central. — É a ordem do mestre.


Khai arregalou os olhos e encarou com desespero os colegas sonserinos, balançando negativamente a sua cabeça. Malfoy e Lizzie trocaram um olhar cúmplice.


— Varinhas à mão! Teremos que lutar por nossas vidas – informou Deymon, para desespero dos outros.


— Pensem em todos os feitiços para machucar ou não teremos nenhuma chance! – gritou Tiago, nervoso.


Rose e o corvinal começaram a repassar em voz alta, como informação para todos, tudo o que se lembravam naquele momento. A garota sentiu a varinha escorregar em sua mão diante da força e tremor com o qual a segurava, suando nervosa por todos os poros. Estava profundamente arrependida de ter apoiado aquela história, porque era óbvio que não teria um final feliz. A sorte tinha-os abandonado e não possuíam conhecimento para matar aquela coisa. Tiago estava concentrado e analisando todos os detalhes da situação, antevendo rotas de fuga e esconderijos. Precisavam desesperadamente de ajuda, mas de onde ela viria? Ninguém sabia onde estavam ou como chegar ali.


John e Elizabeth deram as mãos e permaneceram juntos, concentrados na criatura que se aproximava a cada segundo. O mesmo pensamento povoava a mente dos jovens sobre a ironia da situação, descobrindo que eram bruxos para morrer menos de um ano depois. Pelo menos, estariam um ao lado do outro até o final, lutando por suas vidas como fizeram desde o momento que nasceram.


Peter tinha lágrimas escorrendo pelo rosto, mas limpava-as com frequência, porque todos ali estavam fazendo o máximo para segurar a onda. Não conseguia evitar, sentia-se o mais trouxa entre todos e se o que Malfoy disse fosse realmente verdade, a única certeza era sua morte iminente.


Khai começou a tremer e traduzir para Malfoy baixinho tudo o que a cobra dizia. Sua voz embargava com o medo e Deymon tocou seu ombro para que parasse. Não precisava de detalhes para saber que o fim se aproximava. Fariam sua análise e ele passaria ou não, pelo menos teria uma chance e Khai certamente seria poupado. Era um ofidioglota, por isso só já seria merecedor. Não que se importasse com todos os outros, mas sabia que Elizabeth jamais deixaria seu irmão perecer e sentia uma vontade enorme de defendê-la sem saber como reagir a isso. Arriscaria sua vida por ela? Pelos outros? Pelo Potter e a Weasley? Sempre foi ensinado a pensar primeiro em si, então porque agora estava com esse conflito que fazia a sua garganta se fechar?


Alvo tinha um turbilhão de coisas passando por sua mente. Sentia um arrependimento enorme de se meter em uma aventura tão perigosa. Sempre tinha achado o máximo, mas a morte iminente não era divertida. Sentia o medo pulsar por todo o seu corpo e podia notar como todos se preparavam para o inevitável. Queria tanto seus pais com ele naquele momento para protegê-lo. Pensou em como seus pais se sentiriam com o seu desaparecimento sem retorno e que, no fim, seriam eles os responsáveis pelo fechamento da escola. Tentou afastar esses pensamentos, pois precisava se concentrar. Não queria acreditar que Hogwarts não enviaria ajuda em um momento desses. Se isso era um jogo e tinha escolhido eles como peças, não faria sentido. Todos se mostraram merecedores e por mera inexperiência da idade agora seriam mortos? Não queria acreditar nisso. Queria ter esperança até o último momento.


A criatura chegou até a margem e se ergueu diante das crianças, analisando-as e sibilando com suas línguas bifurcadas esverdeadas. Era enorme, maior do que o Salgueiro Lutador no terreno da escola e seu corpo era largo o suficiente para caber um Hagrid dentro, o que fazia de todos ali presas muito fáceis.


Matar... Matar... Devorar... – sibilou faminta a cabeça da esquerda.


Vamos começar pelo sangue ruim? – questionou a da direita.


Silêncio! O ofidioglota nos observa – informou a cabeça central ameaçando mordiscadas nas outras e voltando a encarar Khai. — Você é merecedor, pode chamar o barco e seguir. Você... E os sangues puros, mas a terceira da Casa de Salazar não deveria estar lá... Vou pensar sobre ela, no fim.


— Malfoy, nós passamos – murmurou Macbeer.


— Ela? – quis saber o loiro.


O amigo abaixou o olhar.


— Ainda não – Khai ergueu o olhar e voltou a balbuciar ao ouvido do colega. — Temos que sair agora. Talvez de longe a gente possa dar um jeito...


Deymon estava confuso. Seu instinto de sobrevivência ordenava que saísse e deixasse cada um lutar por si, mas havia um laço invisível que os uniu desde que o poço inundou na primeira provação. Não sabia o que tinha adiante, mas compreendeu que apenas eles dois não teriam chance com o dono da voz. Não morrer agora, poderia significar morrer depois. Não soube de onde veio a bravura ou talvez não fosse nem isso. Soube imediatamente que o grifinório estava certo: antes de um ato de coragem vem o segundo de estupidez.


— Vamos acabar com isso todos juntos – respondeu, encarando o Potter, que ascentiu.


— A...


Antes que Alvo pudesse dar o comando para que todos lançassem os feitiços e se espalhassem pelo terreno, um vulto surgiu e pegou a serpente desatenta, lançando-a ao chão. A Esfinge havia surgido para salvar a todos. A cena protagonizada por ambas as criaturas foi de muita selvageria, com garras, mordidas e reviravoltas e as crianças corriam para sair da linha de luta.


— O que estão esperando? Um enigma de como sair? – questionou irônica a Esfinge enquanto se atracava novamente com a serpente, que enrolava seu corpo escamoso na tentativa de imobilizá-la.


— Nós temos que ajudá-la – exigiu Tiago, lançando um feitiço no corpo da serpente, motivando os outros a fazer o mesmo e distraindo-a a ponto de largar sua presa.


— Como saímos daqui? – questionou Elizabeh.


— Pelo barco – informou Khai.


— Que barco? – perguntou Tiago.


— Temos que chamá-lo – disse o sonserino e assumiu uma expressão desolada ao encarar Malfoy.


— Faça o que tem que fazer – respondeu o loiro. — Depois nós damos um jeito. Escondemos até onde deu.


Khai se aproximou da borda e sibilou, em língua de cobra:


Tragam o barco.


— O que você disse? – perguntou John, surpreso.


— Você é um ofidioglota como o tio Harry! – exclamou Rose. — Por isso conseguiu sair do labirinto. Todos vocês são?


— Apenas o Khai – respondeu Lizzie, diante do olhar questionador do irmão ao lado da garota. — Não queríamos que ninguém mais soubesse e gostaríamos que ficasse assim.


Do centro do lago, surgiu um pequeno barco prateado com imagens de serpentes esmeraldas encravadas em alto relevo. Na proa, uma enorme serpente negra esculpida encarava com superioridade a todos. As cobras que antes nadavam ao redor da Dreikronen traziam a embarcação até a margem.


— Subam, não temos tempo – informou Khai. — Se a Dreikonen vencer a Esfinge, estaremos perdidos. Duvido que minha habilidade vá reter seu ataque.


— Mas não podemos deixá-la – insistiu Tiago. — Ela está arriscando sua vida para nos ajudar.


— Você ficou surdo? – perguntou Malfoy já dentro do barco. — Ela mesma disse para darmos o fora daqui. Tenho certeza de que ela pode lidar com aquela cobra de três cabeças melhor do que todos nós juntos.


— Malfoy está certo. Ela fez uma escolha, Tiago, para nos dar tempo. Vamos garantir que ela não esteja se arriscando em vão – afirmou Lizzie, subindo com a ajuda do irmão.


— Além disso, tenho certeza de que Hogwarts a enviou em nossa ajuda – disse Alvo. — A escola não vai deixá-la perder e, tirando tudo isso, ela é “A” Esfinge, não é?


Todos embarcaram e Tiago foi o último, ainda relutante em deixar a Esfinge em sua luta particular. As criaturas estavam bastante machucadas e ainda se atacando.


Para a saída – ordenou Khai e as cobras começaram a mover o barco adiante.


A serpente, temendo a fuga de todos, lançou-se violentamente às águas, mas foi detida pela ação da Esfinge, que a apanhara pela cauda e lançara-a em direção aos caules retorcidos, sobrevoando-a ameaçadoramente. As crianças encararam, com angústia, a luta travada por longos minutos em terra, enquanto o barco seguia para o destino que ninguém sabia onde ficava. As mordidas, os lamentos das criaturas de dor entre os ataques e a destruição de tudo ao redor era alarmente e todos tiveram a certeza de que, não fosse pela Esfinge, estariam mortos.


— Ela não vai morrer, Tiago – afirmou Rose para o triste garoto. — Ela vai vencer, porque ela pode voar para se esquivar dos ataques.


— Eu sei, acredito nisso também – respondeu o corvinal, com os olhos marejados e segurando a mão da grifinória, que corou imediatamente. — Ela se arriscou por nós, isso quer dizer que ela pensou no que eu disse. Ela quer ser livre e por isso não vai perder.


— Vejam! A porta está flutuando na água – apontou Peter, para o horizonte adiante. — A saída!


As crianças vibraram e renovaram a esperança. Contudo, o grito agudo os alertou para a outra margem, onde a Dreikronen mergulhava nas águas lodosas em direção aos estudantes com um terrível olhar assassino.


— Não! Esfinge! – gritou Tiago.


Mais rápido! – exigiu Khai e o barco pegou mais velocidade, mas não era o sufuciente.


Com uma habilidade fora do comum, a serpente de três cabeças se aproximou o bastante para sibilar que as outras cobras saíssem do caminho e o barco ficou à deriva.


— Vamos morrer! – exclamou Peter.


— Varinhas! – comandou John e uma revoada de feitiços diferentes foi em direção à serpente, que desviada com uma habilidade fantástica, mesmo ferida.


— Vamos mesmo morrer dessa vez – repetiu o lufo.


— Cala a boca! – gritaram Rose e Lizzie.


A serpente saltou sobre as águas com o objetivo de destruir o barco, contudo, no último momento, foi fisgada pela Esfinge e mais uma vez lançada para a margem.


— Andem logo com isso, crias de humanos.


A criatura tinha o rosto e corpo marcados por mordidas que sangravam em um tom dourado.


— Espere, Esfinge! Venha conosco! – pediu Tiago.


— Eu farei o meu caminho, escolhido de Corvinal.


— Obrigado! – gritou Jonathan, enquanto a Esfinge se lançava para conter outra investida na água da Dreikronen.


Serpentes, apresentem-se – exigiu Khai em língua de cobra e todas reapareceram. — Para a saída a toda velocidade.


O barco imprimiu um novo ânimo e a porta ficou a poucos metros. De repente, todas as cobras desapareceram e o barco continuou descontrolado e veloz em direção à porta fechada.


— Vamos bater. Segurem-se – gritou Alvo.


A batida, contudo, nunca veio e todos foram catapultados através da porta que se abriu no último instante, rumo a mais um destino inesperado.

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Comentários (3)

  • Mimi Potter

    HAHAHAHAHAHA! Depois dessa treta com o site saindo do ar acabei antecipando minhas folgas de carnaval. Mas eu entro bastante na FeB mesmo. Qualquer problema manda e-mail pra gente hehe

    2014-02-27
  • Sheila Costa

    Mimi! Foi você quem andou mexendo no título da fic, hein? rsrsVou tentar mudar de novo.Você está sempre antenada para o que acontece aqui, hein? Quase 24h de moderação! Rs.Fico feliz pelo comentário. Hoje em dia está tão difícil saber quem continua a ler, o pessoal sumiu mesmo. Deve ser o trabalho consumindo todo mundo.E... capítulo que é bom sempre para no suspense! kkkkkkkkkkkkkO próximo capítulo é essencial. Explica muitas coisas deeeesde o comecinho da fic até aqui então eu vou pedir um tiquinho de paciência porque vou ter que reler a fic para podar as arestas que deixei no caminho. Claro que eu sei o que vai ter, mas preciso dar um crtl+c ctrl+v em algumas partes para sair igual.Vai ser épico! o/E todos vão querer me matar...rsObrigada por continuar por aqui Mimi!E quando tiver um dindin sobrando eu contribuo (no momento estou com R$100 para passar o carnaval em Salvador e colocar combustível #carnafail) 

    2014-02-26
  • Mimi Potter

    Capítulo gigantesco e você me para bem nessa hora. E agora??? Não dá pra esperar mais pra saber o que vai acontecer...cacete

    2014-02-26
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