A menina a quem Voldemort teme
Capítulo I
A menina a quem Voldemort temeu
Brighid mantinha os olhos fitados para o chão, as pernas mal se mexiam na cadeira.Ás vezes, lançava olhares furtivos à janela na esperança de que sua mãe não tivesse recebido o recado.Mas sua mãe recebeu.O som do carro estacionando nos gramados verdes da impecável escola de Sheltenham avisou a Brighid que suas esperanças de escapar desta vez falharam.
Minutos depois, a porta da diretoria abriu e por ela entrou a diretora junto com Eva Mellin, sua mãe.Na aparência e atitude, mãe e filha eram completamente diferentes.Eva, mulher alta de cabelos sedosos e pretos, olhos tão negros quanto a sua frieza.A pele branca como a neve.Mas Brighid era o oposto, estatura média e cabelos castanhos com olhos incrivelmente verdes, ela nunca encontrara ninguém com o mesmo tom que os seus.A pele de bronze, quem conhecera Amyr Mellin diriam que Brighid herdara em todos os sentidos os traços do pai.
As duas se encararam na diretoria.Era evidente para Brighid que as diferenças afastavam sua mãe, uma fortaleza cada vez mais intransponível.
-Sra.Mellin, eu sinto muito que sua filha tenha presenciado este acidente com seu amigo de classe.-explicou a diretora.-Realmente não encontro uma explicação para João pular de uma janela como fez.
-O menino pulou da janela?-perguntou Eva assustada levando as mãos à boca.
-Foi o que os outros alunos disseram.Na verdade, quem poderia explicar melhor seria sua filha, mas ela se recusa a falar.O outro garotinho, Tommy, está em estado de choque.
-Brighid, diga o que aconteceu a diretora!
-Eu não quero falar sobre isso.
-Não está em condições de exigir nada, mocinha.Conte a diretora!
Mesmo ignorando os rostos de sua mãe e da diretora.Brighid percebeu o quanto Eva Mellin odiou saber do acidente.As duas sabiam que João pulou porque Brighid ordenou.Esses fatos peculiares assombravam a vida de Brighid desde de pequena.Ela nunca fez por mal, com intenção, as coisas tomavam a realidade sem que ela soubesse a razão.
João era desses grandalhões que gostava de bater em crianças menores e roubar-lhes o dinheiro do lanche.Oprimia quem não podia se defender e naquele dia ele escolheu sua vítima.Tommy, um menino que mancava pois nascera com sua perna esquerda coxa.João recuou o garotinho numa sala vazia perto do refeitório, no primeiro andar, o ameaçava bater até a morte senão entregasse o dinheiro.Tommy implorava que o deixassem em paz, porque não tinha dinheiro e pedia socorro.
-Ninguém vai te ouvir, alejado!Agora, me entregue o que tem ou te jogo pela janela!
-Socorro!Me deixa em paz!Socorro!
Alguém ouviu o pedido de Tommy e viera ao seu auxílio, Brighid.
-É melhor fingir que não viu nada e sair daqui, Brighid ou vai pagar no lugar dele.
Mas Brighid não foi embora, aproximou-se dos dois e seus olhos verdes mudaram tornando-se cinzas.Ela desejou que ele pulasse da janela e João a obedeceu.
-Eu só pedi que ele deixasse o Tommy em paz.E ele pulou da janela.
-João é um dos nossos garotos perturbados.Tem a ficha escolar repleta de agressões a outros alunos e detenções.Infelizmente, talvez o menino tomasse essa atitude cedo ou tarde.
-Qual o seu estado?
-Bem, Sra.Mellin, ele permanece estável no hospital.Quebrou pernas e braços, mas nenhum traumatismo na cabeça.Talvez Brighid queira descansar em casa, se a senhora quiser nós temos uma equipe de psicólogos na escola.
-Agradeço, mas não será necessário.
No caminho de volta para casa, Eva e Brighid se quer trocavam uma palavra.Uma dirigia o conversível enquanto a outra observava as casas e parques pela janela.
-A culpa é minha.-disse Eva.
-Do que a senhora está falando?
-Sobre você, sobre o acidente.Os seus estudos deveriam ser em casa desde o começo.Acabei acreditando na possibilidade de minha filha ter uma vida normal, me iludi.
Normal.Aquela frase cortou o coração de Brighid como uma navalha afiada.Normal, por mais que tentasse jamais seria igual aos outros, igual a sua mãe.
-Mãe, foi um acidente!Eu tinha que fazer alguma coisa.
-É sempre a mesma desculpa, Brighid Mellin.Não consegue por uma única vez ficar quieta!
-Eu não quis de verdade que o João pulasse da janela.Ele humilhava o Tommy que não sabe se defender.Papai me ensinou...
-Seu pai fugiu!Nos deixou Brighid!E não me venha com essa conversa porque só tinha cinco anos quando Amyr saiu e nunca mais retornou.
-Eu me lembro de tudo, mesmo que aos cinco anos.
-Infelizmente, eu acredito em você.
O carro estacionou na garagem da casa dos Mellin.Eva herdara de seus avós que foram os primeiros a morar no bairro.Espaçosa e com três quartos, o interior cheio de móveis antigos.O preferido de Brighid, um quadro de um velho vestido de alquimista que ela adorava porque o homem possuía um gentil olhar.Um olhar que lhe dava conforto quando se sentia sozinha, e viver naquela casa com Eva Mellin era estar na solidão para Brighid.
Entrou no seu quarto, largando-se na cama e desatando a chorar.Desde que seu pai saiu para dar uma volta e nunca retornou, coisas estranhas cercavam Brighid.Sua mãe contratara os melhores detetives da cidade de Sheltenham para desvendar o paradeiro de Amyr, porém, nada encontraram e isso foi há dez anos.Uma vez, Eva quis reabrir o caso, mas uma testemunha lhe disse ter visto um homem parecido com Amyr ao lado de uma outra mulher.Eva não pronuncia o nome Amyr desde aquele dia.
Para Brighid passava de boatos, histórias infundáveis.Ele jamais faria isso, o seu pai que contava histórias antes dela dormir, que levava para brincar no parque do fim da rua.E também, na noite que Amyr não voltou, Brighid sonhou com ele.Uma imensa cobra o perseguia num terreno baldio e a poucos metros da casa dos Mellin.
-Ela nunca será sua!-gritou Amyr.
A cobra mordera duas vezes na perna de Amyr.Um líquido verde saiu de suas presas, Amyr cambaleou e caiu no chão.Uma nova mordida no pescoço e Amyr não enxergava mais.
-Sinto muito, Brighid.Sinto muito, minha pequena.
E parou de respirar.
Brighid sabia que seu pai nunca mais retornaria, mas não porque fugira com outra mulher, mas sim porque o mataram.Levaram-no para um lugar que Brighid não podia trazê-lo de volta.Agora, sozinha em seu quarto, desejou o pai novamente.Ele a entenderia, diria o motivo que as coisas estranhas aconteciam com ela.Ficou ali, o rosto no travesseiro desejando o que roubaram dela até adormecer.
Já era noite quando Brighid acordou.Não ouviu os costumeiros barulhos de talheres sendo postos na mesa e o cheiro do jantar.Desceu as escadas silenciosamente, mas as luzes da casa não foram acesas.A luz da lua refletia nas janelas, e avistou vultos na sala de visitas.
-Mamãe.
Os vultos cessaram.Pé ante pé, ela foi para a biblioteca; ela daria a volta e veria quem estava na sala de visitas.Agachada atrás da porta viu uns homens encapuzados e uma cobra, a mesma de seus sonhos com o pai.
-O que faremos, Milorde?-disse um deles retirando a máscara, a cabeleira loira, olhos azuis.
-É obvio que ela mentia, Lucio.-respondeu a voz de uma mulher.
-A menina está nessa casa, ela existe.-disse a voz fria de um vulto encapuzado rondando de um lado a outro.
-Talvez, milorde, fosse necessário manter a mulher viva.Pode ser útil.
-É ridículo, Bella.Ela já nos serviu o bastante.Dolohov dará conta do que aquela trouxa merece, mas por precaução, faremos uma rápida busca nos quartos antes que um membro da Ordem chegue e nos vejam.
Trouxa?Ordem?O que significavam aquelas palavras?A mulher a quem se referiam era sua mãe?
Brighid tremeu imaginando que, pela maneira como conversavam sobre a tal mulher, ela estivesse morta.Que sua mãe estivesse morta.O que tanto procuravam?Seria um tesouro ou uma jóia?Seria ela?
-Não é nada educado ouvir uma conversa alheia sabia?-disse o homem da voz fria atrás de Brighid.
De repente, os quatro vultos cercaram-na impedindo que escapasse.Porém, suas pernas enrijeceram e o coração afundara em seu estômago.Aqueles olhares sem piedade a assustava.Somente um não retirara a máscara e este falava educadamente com ela, só que Brighid compreendia poucas frases.O medo a impedia de raciocinar.
-Há tempos que te procuro, Brighid Mellin.-continuou o homem.-És uma menina especial, talvez nem faça idéia do quanto.
-Quem e-é v-você?
-Acaso não mencionei?Que indelicadeza a minha!Eu me chamo Voldemort, o Lorde das Trevas.
-É melhor ir embora s-senão eu machuco.E-eu sei machucar a-as pessoas!
Risadas ecoaram no aposento irritando Brighid.E o silêncio e ausência de sua mãe a perturbava.
-Está claro que não contaram a ela!-debochou a mulher.-Nós também, querida, sabemos machucar.
-A nossa menina, talvez, entenda melhor após eu revelar minha atual identidade...
A última máscara caiu, Brighid engoliu um grito seco ao ver um homem com feições de cobra.Ele sorria percebendo o pânico transparecendo no rosto da garota.
-Sabemos das suas habilidades, e nossa presença Brighid deve-se a isso.Do que você sabe fazer.
Ele se aproximava...um objeto de madeira nas suas brancas mãos...uma varinha.Brighid vira figuras de varinhas nos livros que seu pai contava antes dela dormir.
Brighid o encarou, morreria encarando aqueles olhos frios sem resquícios de bondade.E o homem chamado Voldemort recuou.Gemendo.Gritando.Vidros se espatifaram no chão, o balaústre comprado na China há vinte anos despencado, e poeira.Muita poeira.
-TIREM ELA DAQUI!TIREM-NA DAQUI!-gritava Voldemort esperneando-se no chão, a varinha eliminando feitiços em todas as direções.
-O que está acontecendo, milorde?Nos diga, por favor!-implorava a mulher, a única que se permitiu ficar perto dele que contorcia, enquanto os outros se afastaram.
-Tirem...ela...de...tirem...de perto...de mim.
E o Lorde invencível perdeu os sentidos sob os olhares aterrorizantes dos seus ajudantes.A pele outrora branca, agora vermelha e seu corpo encharcado de suor.
Brighid aproveitara a situação e correra no meio da poeira.Subira a escada as pressas.Entrou no quarto, trancara a porta na chave, e escondera-se no armário das bonecas.Pensava em sua mãe e na possibilidade de jamais vê-la, no seu pai e o que faria, e naquelas pessoas que sabiam de seu segredo.Quem seriam?
Voldemort, o Lorde das Trevas.Brighid desejou que ele sofresse e assim aconteceu igual a João.Por isso estavam ali, por causa dela e do que sabia fazer.Naquele armário cheio de bonecas e ursos de pelúcia, Brighid chorou silenciosamente desejando acordar de um pesadelo.Que sua vida fosse um sonho ruim prestes a ser uma lembrança quando ela acordasse.
Comentários (0)
Não há comentários. Seja o primeiro!