A Herança
Jullie estava pasma. O que estaria seu pai fazendo ali, em Hogwarts? Não se permitia visitas durante o ano letivo, então, ela logo pensou que boa coisa não era. Aliás, nada vindo de seu pai era boa coisa, em seu julgamento.
- A que devo a honra, pai? – A garota falou com tom de ironia.
- Pensei que ficaria feliz em me ver, Juju...
- Ai... – Jullie revirou os olhos – Dá pra parar com essa mania de “Juju”? Por favor...
- Querida... – Thomas ignorou o comentário da filha e se ajoelhou em sua frente – Vim dizer pra você que sua mãe e eu teremos que fazer uma viagem, talvez não voltemos até o natal, então, você terá que ficar por aqui.
A garota arregalou os olhos. Que viagem era essa que levaria quase três meses?
- Mas... Vocês vão para onde?
- Vamos visitar uns amigos... Nada de muito incomum, mas talvez tenhamos que sair do Reino Unido. – Thomas se levantou, ainda mirando Jullie com um sorriso enigmático.
- Mas que amigos são esses? Nunca passaram tanto tempo...
- O que você precisa saber, Juju, já sabe... Não me faça maiores perguntas – O homem a cortou friamente.
- E foi só por isso que você veio? – Jullie o encarou, curiosa.
- Claro que não. Paul me disse que você tem dado muito trabalho.
A menina olhou para seu tio, que estava encostado em um canto da parede, olhando pai e filha conversarem. “Trabalho... Ele é muito cínico” pensava, enquanto mirava o homem.
- Eu não sou cínico, Jullie... – Paul disse, enquanto ajeitava o nó da gravata – Eu só sou sincero. Seu pai tem que saber como anda sua educação.
- Está vendo isso! – Jullie levantou-se num pulo e apontou para Paul, de queixo caído – Ele vive lendo minha mente! Ele é um intrometido!
- Juju, deixa eu te explicar uma coisa, querida... – Thomas andou alguns passos em direção a filha – Você é especial...
- Lá vem essa história...
- É especial como ninguém... – O pai continuou – Como nenhum dos seus coleguinhas. Você tem uma missão! Onde está o seu diário? Ele é seu guia!
Jullie sentiu como se tivesse voando após ter almoçado. Sentia como se fosse vomitar, um enjôo, uma tontura. “O diário!” Ela olhou para Paul, com medo que ele ouvisse seus pensamentos. Tentou não pensar que dera certa vez o diário nas mãos de Tiago, e Paul descobriu, fazendo com que ela brigasse com o garoto. Não conseguiu. A cena voltou em sua mente.
Estava determinada a jogar tudo para o alto. Fugiria de casa, se preciso, pediria para a família Potter a acolher, sairia de Hogwarts... Mas queria ser livre. Desde que nascera, Jullie era infeliz. Seu destino foi traçado ainda na barriga de sua mãe. Era ela. A profecia de dez anos atrás se cumpriu no momento em que Thomas e Pietra Watson tiveram sua primeira e única filha. Mas Jullie se negava aquele destino. Depois que fez amigos de verdade, viu como era simples viver, só precisava ser feliz. Naquele momento, lembrou-se de Claire, como era doce, mesmo com todas as complicações que já aconteceram para a pobre menina. Mas... Tiago. Ele era o maior motivo para querer ser uma pessoa melhor.
Naquele dia, após a tapa que ganhara de Paul, Jullie entendeu que era a gota d’água. Tiago a acompanhou até as Masmorras e ela soube que era confiável. Aquele beijo inesperado, aquelas declarações. Tiago não se importava com quem ela era, gostava de verdade de Jullie. Era agora ou nunca. Tudo o que falasse, não seria nem de perto tudo o que realmente passava em sua vida. Por isso, decidiu entregar o diário a ele, na esperança que ele lesse suas últimas anotações. Mas cometeu um engano horrível. Esquecera de um pequeno detalhe: Paul.
Era incrível, mas Paul lia todos os seus pensamentos. Naquela noite, ele a cercou no Salão Comunal da Sonserina, com um sorriso de deboche no rosto. Disse que um aluno se envenenar numa aula de poção era extremamente compreensivo, ainda mais quando no diário de classe desse aluno tem anotações como “acha que sabe tudo” e “pensa que domina todas as poções, ervas e plantas, ignorando os conselhos sobre segurança na aula.” Jullie engoliu seco. E continuou dizendo que se o diário Watson fosse descoberto por alguém, essa pessoa só teria um destino, muito doloroso, como os que já tiveram esse desprazer... E ainda mais, se Jullie quisesse confirmar que aquela era realmente sua missão, que fosse até o banheiro desativado feminino, onde o fantasma da Murta estava, e se encaminhasse até o local da antiga câmara Secreta. Como abri-la? Você saberá. E soube. Jullie era ofidioglota. Nada era acaso, a Sonserina, o diário, a ofidioglossia... Tiago tinha que se afastar de qualquer jeito. Não só ele, como todos aqueles que ela amava. Ela preferia morrer a colocar em risco a vida de Tiago, Alvo, Claire, Rosa, Alice e de quem mais fosse seu amigo de verdade.
- Eu não quero ser especial, pai... Eu só quero ser eu mesma! Ter amigos, ser feliz! – Jullie deixou lágrimas rolarem pelo seu rosto.
- Mas querida... Você nasceu para brilhar! Por que se contentar com tão pouco, quando dentro em breve seu nome será o mais famoso, o que todos irão tremer só de ouvir!
- EU NÃO QUERO! – Jullie deu um berro, jogando no chão os pergaminhos e penas que estava sobre a mesa de Paul – EU SÓ QUERO SER A GAROTA DE 11 ANOS QUE EU SOU!
- Ela quer... Tom... – Paul calmamente falou, apontando sua varinha para os pertences caídos e os recolocando no lugar – Dizer que prefere ser uma medíocre, ter amigos derrotados, como Potters e Weasleys... E longbottom... E ignorar a família, o sangue, a herança.
- Não fale mal dos meus amigos, Paul Wright! – Jullie estava transtornada, encarou Paul com fúria – Você nem nascendo de novo será metade digno como eles são!
- Jullie Anne, você está me aborrecendo! – Thomas disse, impaciente.
- Pai, entende! Eu não quero! Eu não sou assim! Eu não nasci para isso! Por que não convidam a Jessica para fazer esse teatro ridículo? É a cara dela!
- Você não entende mesmo, não é? Você é a herdeira, Jullie. Você. Não tem querer, é seu destino.
Jullie ficou muda. Recebeu aquelas palavras como um soco no estômago, como se todo seu ar tivesse ido embora. Só restava no vazio de sua mente aquelas palavras ressoando: “você é a herdeira...” Viu seu pai virar-se e ir saindo por uma passagem secreta na sala de Paul. Por que ele teria ido ali? Jullie tentava imaginar o motivo de tal visita. Não era só para isso que ele estivera ali. Quis, por um momento, ter o mesmo dom de Paul em legilimência, mas não tinha. Ela o odiava por isso, sempre investigava sua mente, como se fosse um livro aberto a consultas.
- Ah, mais uma coisa... – Thomas voltou a mirar a filha, voltando da passagem para a sala de Paul – Se Claire a procurar, evite-a. Ou... Ela ficará órfã para sempre. Triste, não?
Jullie empalideceu. Estava atônita demais para dizer qualquer coisa. Só viu seu pai dar um sorriso irônico e voltar a fazer seu caminho para fora da sala do Diretor da Sonserina.
***
Uma mulher loira andava apressadamente pela rua, com algumas sacolas nas mãos. Usava óculos escuros para proteger os olhos dos raios solares do fim da tarde. Dentro de uma escureceria, e ela se apressava para não andar por aquelas ruas no escuro. Pelo caminho, via pais e filhos passeando de mãos dadas, casais se beijando em outro ponto, madames e seus cachorrinhos engraçados... Olhou para frente, avistando a bela Torre Eiffel. Estava na Cidade-Luz, Paris. Para que a pressa? Ela havia nascido ali! Levantou os óculos, admirando o monumento, como se fosse a primeira vez. Suspirou. Lembrou-se de quando era uma criança. Amava andar por entre os trouxas Franceses. Seu hábitos, culturas, obras de arte... Tudo era tão inspirador. Lembrou-se de seu pai, da primeira vez que visitara o Museu do Louvre. Ali, sua paixão pelos trouxas nascera, vendo aquelas telas pintadas a mão, sem nenhuma magia, senão, o dom de cada artista.
- Madame... – Um taxista chamou – Taxi?
- Non, merci... – Diana sorriu amigavelmente - J'ai une voiture – Tenho um carro, ela disse.
O simpático francês sorriu e entrou em seu taxi, saindo do Campo de Marte. Diana olhou a hora. Já estava tarde. Ainda assim, sentou-se num banco, observando as águas do Rio Siena, onde alguns turistas tiravam fotos. Não percebeu quando um cidadão sentou-se ao seu lado, comendo pipocas, com uma câmera pendurada no pescoço, parecendo um turista de primeira viagem. Após algum tempo, a bela mulher olhou para o lado, vendo aquele homem. Sorriu para ele, ele correspondeu. Ela voltou seu olhar para o Siena, mas ele não.
- Sra Vasseur? Acho que deve me acompanhar. É questão de vida ou morte.
Diana gelou. Olhou para aquele homem, mas não o reconheceu. Contudo, sem pensar duas vezes, conferiu se sua varinha estava no bolso do blazer Armani e seguiu o homem sem fazer nenhuma pergunta.
***
- Mas eu não a encontro! Preciso falar com a Diana, é muito importante! – Draco falava desesperado ao telefone.
- Calma! Calma! – O chefe da editora Noblesse da Inglaterra, Willian Hale, tampou o fone de falar e dirigiu-se a sua secretária – Esses caras... Gamam na Di e ficam loucos atrás dela... Tem um histérico aqui na linha...
- Nossa... – A secretária revirou os olhos – Diana está com tudo e não está prosa... E esse, quem é?
- Diz que não a encontrou no apartamento dela, que ela não atende o aparelho móvel e diz que todas as vezes que a liga,ela fala e dá um bipe.
- Secretária eletrônica? Ele não sabe o que é isso? – Elizabeth Hurley abafou um risinho
- Beth, esse é o mais louco dos que já quiseram o endereço da Di para mandar flores... Juro... Espera, vou saber mais dele... – Willian destampou o fone e falou – Como disse mesmo que se chama?
- Malfoy! – Draco gritou do outro lado da linha – Draco Malfoy!
- E o que você é da Diana Vasseur?
- Er... – Ele não sabia exatamente o que dizer – Estou escrevendo uma biografia sobre sua vida... Tinha uma entrevista com ela, mas ela não aparece!
- Essa é nova, Beth... – Willian riu baixinho, segurando o fone – Um escritor querendo fazer uma biografia com a Di... Eu mereço... Estão cada dia mais criativos!
Beth deu uma gargalhada alta, enquanto arrumava alguns memorandos. Já era final de expediente no escritório da Noblesse, editora famosa trouxa, a qual tinha os direitos autorais de Diana Vasseur, sobre seus livros direcionados aos trouxas, que não eram poucos. Diana era a menina dos olhos de Willian Hale. Ele vinha investindo muito nela, em todos os sentidos, e ela não o decepcionava. Suas vendas eram incríveis. Mas O que Hale queria mesmo era ser o marido de Diana.
- Escute... er... Malfoy...? – Willian debochou
- Isso...
- Malfoy... Se ela não te atende, provavelmente isso de biografia é uma tremenda mentira! Diana é uma profissional exemplar, nunca deixa de cumprir com seus deveres...
- Oras, eu... – Draco começou, mas Hale o fechou.
- Tão competente que nem questionou o fato de ter que viajar para Paris às pressas hoje de manhã para uma entrevista...
Mas ouviu-se sinal de ocupado do outro lado.
- Diabos! Mal educado! – Willian bateu com o telefone na base.
- Que foi? – Beth o mirou, curiosa.
- Desligou na minha cara! Infeliz... Tomara que Diana dê um fora nele! Babaca...
No parque de St. James, Londres, Inglaterra, Draco Malfoy acabara de bater com o telefone na cara de Willian Hale, saindo em disparada para seu carro. Se tivesse sorte, no Aeroporto, teria a informação de qual vôo Diana pegou para Paris, mesmo que fosse preciso conjurar alguns feitiços discretamente.
***
Era exatamente 18:58h no relógio do Hospital St. Mungus. Edna Sullivan estava olhando os últimos prontuários antes de terminar seu plantão, quando Luna saíra da ala de psiquiatria, com um sorriso sereno no rosto. Edna a mirou.
- Já vai, Luna? Pena que não pudemos conversar...
- Ed... – Luna sussurrou – Preciso te contar... Eu não vou embora. Preciso ficar. Que horas o Adrian Wright vai chegar?
Edna não entendeu nada.
- às 19:00h... – Olhou para o relógio – Daqui a dois minutos. Por quê?
- Depois eu te explico... Mas não diga nada. Tim sabe que vou ficar com Jerry.
- Jerry? – A enfermeira sentiu uma pontada na nuca – Está louca? Se o ministro sabe...
- Ele não saberá, pode deixar... – Luna falou serenamente – Bom, tenho que ir, Tim está me esperando para fechar a Ala para a visita... Até mais, Ed...
- Até... – Edna seguiu Luna com os olhos, vendo o jeito engraçado da mulher andar, como se estivesse dançando.
Mal Edna viu Luna desaparecer no corredor de acesso à Ala de psiquiatria, um carro do Ministério da Magia parou na porta do St. Mungus, atraindo alguns poucos olhares curiosos, já que naquele horário era comum a recepção estar vazia. “Como é pontual, o cretino!” Edna pensou, ao ver dois seguranças saírem do carro. Adrian Wright saiu do carro, acompanhado de um segundo homem, que Edna não reconheceu, mas sabia que não era Draco Malfoy, quem sempre o acompanhava.
- Boa noite, Sr. minis... – Edna começou, mas Adrian levantou a mão, fazendo-a calar
- Jeremy Wright... Já está numa sala reservada?
- Sim, Sr, ele está...
- Vamos... – Adrian virou as costas para a enfermeira e pediu que seus seguranças e o homem o acompanhassem.
- Pois é... Poder não dá educação a ninguém... – Edna resmungou sozinha.
Adrian foi entrando pelos corredores do St. Mungus, até avistar o portão de entrada para a Ala de psiquiatria. Tim, ao vê-lo, abriu ligeiramente a entrada, deixando que ele e sua companhia passassem. Não se deu ao trabalho de dar sequer boa noite, apenas apontou para uma sala de porta branca, sem maçaneta, onde se lia “entrada apenas com autorização”. Com sua varinha, Tim conjurou o feitiço chave da porta. Ali, cada porta tinha uma senha que era sua chave. A cada pessoa que usava a sala, a senha mudava. Somente Tim tinha acesso a essa senha. A pessoa para sair da sala precisava que Tim a abrisse. Adrian acenou com a cabeça para seus seguranças, que permaneceram na porta de entrada, e fez um gesto para o outro homem entrar com ele. Após fechada a porta, Tim encerou com cara de raiva os dois homens parrudos que ficaram ali, para manter a segurança do Ministro.
Jeremy estava sentado num canto da sala. Embora a mesma tivesse uma mesa e três cadeiras, parecia que o chão estava mais confortável para ele. Sequer levantou o rosto quando ouviu passos ali. Adrian o olhou com desprezo. Depois, percorreu os olhos pela sala.
- Estamos sós? – Adrian perguntou para o outro homem.
- Fácil saber... – O homem ergueu sua varinha com rapidez - Homenum Revelio!
Nada aconteceu.
- Estamos sim...
- Perfeito... – Adrian voltou os olhos par a Jeremy – Agora, seu imbecil... Me diga. O que sabe sobre Claire Cavendish?
Jeremy apenas levantou os olhos, mas conseguia-se ver um sorriso dissimulado em seus lábios. Não disse nada. Estava abraçado com seus joelhos, sua camisa de meia manga deixava as cicatrizes dos seus braços a mostra. As mesmas que Adrian evitava olhar.
- Ande, seu incompetente! Diga! Foi você quem mandou Claire para Hogwarts? FALA! Tivemos tanto trabalho para livrar-nos daquela bastarda, ela era mais uma trouxa comum, e você... Foi você, não foi? DIZ! POR QUE FEZ ISSO?
Silêncio. Jeremy balançava o corpo para frente e para trás. Adrian se abaixou, pegando-o pelos ombros, com raiva. Sacudiu o rapaz com força.
- Responda por bem, Jeremy! Sabe que temos outros meios! Não podemos matá-lo dentro do St. Mungus, mas somos sua família... Podemos tirá-lo daqui...
- Se você está contente bata palmas! – Jeremy começou a cantar – Se você está contente bata palmas! Se você está contente...
- Adrian... Temos um problema. – O homem olhou para Adrian, preocupado.
- Que foi? A música te faz chorar? – Adrian largou Jeremy, com raiva, fazendo-o bater com as costas na parede acolchoada do recinto.
- Eu não sei como ele faz isso, mas...
- Mas o quê!?
- Eu não consigo pensar em outra coisa senão em cartar essa música! – Paul Wright estava vermelho de raiva ao dizer isso. – Ele não tem pensamentos, sei lá! Como ele faz isso?
- Ora! O legilimente aqui é você, Paul!
- Eu não sei! – Paul olhava Jeremy, que continuava cantando aquela música insuportável – Ele... Ele... Ele me bloqueia! Ele lê os MEUS pensamentos!
Ele atravessa a barreira da minha mente... Oclumência não funciona perto dele! Como ele faz isso! COMO?
Atrás daquelas paredes, num compartimento secreto no qual havia conjurado alguns feitiços de proteção para não ser encontrada, Luna tinha em mãos um pequeno aparelho, que gravava toda aquela conversa.
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