Rondas



 


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Uma última chance

Capítulo 6 - Rondas


 


Setembro passava com uma lentidão exagerada, mas a cada dia os indícios da mudança de estação se faziam presentes. O outono chegava timidamente, mas glorioso. Meus dias se tornaram cheios demais, porém, de certo modo, vazios demais, se me permite o antagonismo. As tarefas eram muitas, as aulas tornavam-se cada vez mais desgastantes, mas tudo que nos era ensinado naquele início de ano letivo, era necessário e pragmático.


Eu ainda tentava freqüentar o clube de poções, que, para a minha surpresa, tinha aumentado seu contingente de participantes, para a alegria de Slughorn, que via aquilo como algo de extrema importância. Porém, logo notei a ausência de Snape, o que me chocou um pouco. O clube era para nós dois, pelo menos até o quinto ano, uma divertida disputa, e fora lá que nossa amizade se consolidara. Para ele, se mostrou algo essencial, pois era quando podíamos estar juntos sem a presente reprovação e comentários de nossos amigos de Casa. Até o sexto ano ele estivera ali com a muda esperança de que pudéssemos ser amigos como antes, mas nunca voltei atrás. Então a ausência de agora só me apontava um caminho: ele desistira. Parecia que tinha seu próprio grupo, ainda era solitário, mas não parecia o sociopata de antes, não que suas maneiras tivessem mudado, mas só que, de vez em quando, era visto acompanhado, sempre aos sussurros e com exímia discrição, de alguns trogloditas sonserinos.


Os sonserinos. Parecia que de certo modo o Potter tinha razão em relação à eles, pois os estudantes mais velhos tinham montado uma postura diferente, já não eram mais vistos zombando dos alunos, em público, é claro; mas aconteciam fatos isolados, a maioria ainda era insolente o suficiente para humilhar os nascidos-trouxas sem se importar, e a conversa com a MacGonnagal, me abriu os olhos para isso. Pequenos grupos de outras Casas tinham tomado a mesma postura hostil, o que era estranho, mas ao todo, essas pessoas, mesmo separadas por questões de conveniência aparentavam mais um núcleo fechado.


As notícias de casa não eram boas, Petúnia ainda estava ressentida com mamãe por pensar que ela tinha tomado meu partido, e como papai dizia em suas cartas preocupadas, minha irmã só tinha um assunto: o futuro com Valter Dursley. As cartas de mamãe eram doces e viviam tentando me animar, ela alegava estar melhorando e me fazia perguntas sobre a escola e as novidades do meu mundo, já que eu havia cancelado a assinatura do Profeta Diário de casa. Meus pais não entenderam o motivo, mas pela alegria de Petúnia, que se incomodava demais ao ter que conviver com o "entra-e-sai desses bichos insolentes" eles aceitaram. É claro que a razão para tal fato foi eu querer privá-los das notícias horrendas sobre desaparecimentos, assassinatos - inclusive de trouxas -, e toda a onda de terror que estava tomando conta do mundo bruxo.


De certa forma, a rotina de estudos me era essencial, pois tornava mais fácil a convivência com os problemas. Manter a mente ocupada estava me recompondo pouco a pouco, e essa, era uma tarefa que eu me dedicava com empenho. A "certinha-monitora-Evans" estava em ação. E lá estava eu, quase todas as tardes na biblioteca, às vezes acompanhada de Remo, ou de Mary MacDonnald e Alice Longbotton, ou pelo resto de nossos amigos, isto é, quando um trabalho imenso de Feitiços, Transfiguração ou DCAT assustava a todos; era possível encontrar até os Marotos quando a situação era desesperadora; pobre Remo, praticamente sempre corrigindo os trabalhos dos garotos. Às vezes reclamava com eles por explorarem tanto o Aluado. Bem, mas também posso dizer que eles estavam visivelmente mais empenhados, mais até do que o normal deles, pois, principalmente James e Sirius, alegavam a todo o momento o desejo de serem aurores, e pareciam ter finalmente se conscientizado do trabalho que aquilo exigia. De fato, a biblioteca se encontrava mais freqüentada por setimanistas, tudo bem, admito que a maioria fosse corvinais. Existia um em especial, que me fazia companhia em pesquisas e de tempos em tempos dividia a mesa comigo, para o ciúme evidente de James- espero que ele não chegue a ler esse livro, pois Carl Robinson foi o motivo de algumas discussões. Mas devo confessar que era uma agradável companhia.


No entanto, mesmo com todas as distrações e obrigações que a vida de estudante nos proporcionava, à noite, em minha cama, era impossível não pensar no futuro, no que estava mudando, conflitar-me intimamente, procurar dentro de mim algo que eu sabia que estava faltando. Aquele vazio tomava conta de minha mente quando esta estava desocupada, sendo assim, dormir tornou-se uma tarefa um pouco mais complicada. A maioria de meus sonhos não eram nada apreciáveis, mas alguns começavam a me dar o que pensar. Havia um que estava se tornando freqüente. Era real demais para ser ignorado.


Eu me via só e assustada, numa rua escura, e com a neblina cobrindo minha linha de visão, porém, alguns ruídos me alarmavam; pouco depois, uma figura encapuzada aparecia andando, praticamente, deslizando pelo chão; ela estendia a mão para mim e fazia sinal para que eu me aproximasse. "Você é capaz de coisas grandes, é só escolher o lado certo.” Eu me encolhia e tentava esquivar-me da criatura, mas ela se aproximava lentamente até que eu pudesse encarar aqueles penetrantes olhos vermelhos, parecendo ler meus pensamentos, ou tentando fazê-lo, “Não existe bem ou mal, só fracos e fortes.”, dizia com uma doçura bem medida, e depois começava a se afastar com sutileza, “Estarei esperando sua decisão” dizia a voz arrastada e sibilante, que no sonho me provocava arrepios. Em seguida sumia e eu acordava ofegante e temerosa.


A primeira vez que tive esse pesadelo, foi depois de uma ronda noturna. A sala comunal estava quase vazia, não deviam ter mais que dez pessoas devido ao horário, mas quando eu estava quase para cruzar o buraco do retrato para cumprir minha tarefa de monitora-chefe, alguém me embargou.


- Nem vem Potter, essa conversa de novo, não! - exclamei irritada.


- Eu só queria, pela última vez, tentar fazer você entender que pode precisar de companhia. - dizia ele com a voz cansada de tentar me convencer daquela idéia estúpida, mas o olhar cheio de expectativas - Você sabe que pode ser perigoso. - concluiu ele sério.


- Estamos em Hogwarts, ninguém vai me atacar, e eu sei muito bem me defender sozinha! Porque você não desfaz esse teatrinho, hein? Essa história de perigo não engana ninguém.


Ele ergueu as sobrancelhas e assumiu uma postura inquisitória: - O que você quer dizer com teatrinho?


- Er... você sabe muito bem, não se faça de desentendido, esses seus joguinhos nunca me enganaram - eu estava nervosa, a cada palavra, sentia minha face assumir um tom mais forte de vermelho. Ele continuava sustentando o olhar, e como sempre, estava perto demais - Ora, por que motivo ao não ser o óbvio e costumeiro, você iria continuar insistindo nessa idéia?


- Qual seria o óbvio para você? Porque para mim o motivo era simples, não deixar você sozinha quando sabemos que coisas estranhas rondam esse castelo. - alegou simplesmente.


- Potter, não adianta insistir e nem querer dar uma de herói, eu sei muito bem o que passa nessa sua mente pervertida. Não confio em ter você por perto nessas... circunstâncias, e sei que você está me entendendo! - exclamei furiosa.


- Evans, peraí... - começou ele lutando para segurar o riso- acho que não entendi direito, você imaginou isso tudo sozinha? - perguntou ele com aquele sorriso zombeteiro e a irritante expressão cínica no rosto - Você cogitou a possibilidade de eu te agarrar num corredor escuro? Será que já estou vagando pelos seus pensamentos? Admite, acertei não é? Você me imaginou te beijando!


Os marotos, que jogavam, juntamente com Mary e outros amigos nossos, snap explosivo, ergueram os olhos quando perceberam a nossa discussão. Com a última frase impetuosa de James, alguns temeram minha reação e outros seguravam o riso. Era tão constrangedor. Eu estava desarmada, a raiva era tanta, que me vi sem resposta. Ele tinha o dom para falar justamente aquilo que eu não queria ouvir. Numa fração de segundos fiz menção de empunhar a varinha, minha vontade era de azará-lo. Ele percebeu isso e então entendi o quão ridículo aquela reação devia parecer, era como confirmar o que ele estava dizendo. Respirei fundo.


- Às vezes é preciso cogitar as mais ridículas idéias, Potter. Quando se trata de você eu espero o pior. - e saí sem dar a ele tempo para réplica. Eu sabia que a resposta não fora boa o suficiente, mas foi o que consegui usar para manter a compostura.


Ainda estava bufando de raiva quando passava pelos corredores do quarto andar, mas Hogwarts à noite, era demasiadamente calma e silenciosa. Tentei focar no que deveria fazer. Os resultados em curto prazo foram estressantes, alunos se agarrando. Isso era tão irritante, me sentia como uma tia velha que gostava de acabar com a alegria dos outros ao mandar os alunos sumirem dali.


Quando estava quase para terminar, percorrendo o sétimo andar, ouvi algumas vozes baixas discutindo. Como estava escuro - só um castiçal iluminava a parte do corredor que eu estava- procurei me esconder e apurar os ouvidos. Aquilo era estranho demais, visto que a Sala Precisa estava a poucos metros dali.


- Não seja covarde, todos já concordamos, eles só vão escolher o local. - disse uma voz levemente alterada.


Escorei-me ao canto da parede para poder bisbilhotar. Eles estavam no fim do corredor adjacente ao que eu me escondia. Eram quatro, mas suas capas escuras tiravam qualquer chance de identificação. Um instinto repentino me mandava permanecer oculta.


-Mas pode ser perigoso, podem notar nossa ausência!


- Claro que não! – começou o mais corpulento deles, a voz arrastada e muito baixa, quase ininteligível – Me disseram que tudo já foi arquitetado, o Malfoy será incutido da tarefa de nos levar até o local, parece que estão contentes em aceitar-nos.


- Seja racional Severo, nós sairemos de Hogsmeade, eles vão aparatar conosco, eu já expliquei, não vai levar uma hora! - disse um deles, o mais alto.


- Ele está com medo de fazer a marca! – zombou o outro – Medo de se comprometer, Sev? Porque isso vai nos abrir as portas para fazer parte de tudo e de vez.


- Não estou com medo, seus estúpidos, só acho que podemos nos denunciar - disse um pouco exasperado - como agora, vocês não acham arriscado demais falar disso aqui?


- Ele tem razão, como sempre o brilhante Snape, mas ainda acho que quer amarelar! Lembre-se que agora todos estamos nessa e não vamos decepcionar o...


- Shhh, cala a boca seu idiota!


- É claro, mas vamos sair logo daqui. - disse Severo vacilante, e depois pude ouvir seus passos afastando.


Aquilo tudo fora muito confuso, e Snape estando envolvido não ajudava em nada meu processo de entendimento. Eles estavam para fazer algo importante, que ninguém devia saber. Uma marca? Severo estava com medo de ser marcado, mas aquilo não fazia sentido. As evidências, a ansiedade e o medo nas vozes, o fato de estarem quase em frente da Sala Precisa àquela hora, o modo como eles falaram... "fazer parte disso tudo de vez”. As palavras da MacGonnagal ecoaram em minha mente, "temo que algumas ameaças estão mais perto que se imagina".


Andei até o Salão Comunal sem consciência de estar fazendo realmente isso, pois os pensamentos permaneciam confusos, eram dúvidas e constatações, mas eu não podia acreditar no que estava pensando, era impossível, eu não devia ter ouvido aquilo. Talvez James tivesse razão, a situação era mais séria do que eu pensava. Será que aqueles garotos estavam prestes a se juntar ao lado das Trevas? Essa era uma constatação que fazia sentido, em relação à sinistra conversa que eu tinha escutado e às pequenas evidências e fatos estranhos que todo dia ocorriam. Era como se fosse uma das últimas peças de um quebra-cabeça: existiam aspirantes a Comensais em Hogwarts, e Severo era um deles.


Crescia em mim um enorme sentimento de revolta contra aquilo tudo. Como aquelas pessoas podiam se juntar a Voldemort tão facilmente?


Devia haver um jeito de combatê-los, de acabar com aquelas idéias malucas, aquele preconceito insano, aquela violência toda. Algo me fazia entender que havia gente que sabia demais. O discurso de Dumbledore no primeiro dia, por exemplo, conter mensagens ocultas que os professores pareciam entender. Minerva talvez tivesse se preocupado em lançar algumas informações também, que na ocasião, James pareceu entender.


James. Ele sabia de algo, estava escondendo algo, suas mudanças repentinas mostravam isso. Às vezes ficava sério e contemplativo, e sempre parecia estar esperando notícias a qualquer hora do dia. Era comum, corujas aparecerem no Salão Comunal endereçadas a ele.


Será que eu estava exagerando? Talvez estivesse ficando obcecada pelo Potter, não de maneira apaixonada, claro, óbvio que não, nunca. Minha única certeza quando sentei em minha cama era que precisava urgentemente dormir, estava ficando paranóica demais, ou será que não?


Ao cair no sono, o sonho fora inevitável, e me encontrei novamente rodeada daquela espessa neblina na escuridão da rua.


xxx


O sonho se repetia, não importava se no pré-sono – aquela hora que se costuma ficar devaneando e revivendo o que passou – eu estivesse pensando nos fatos alarmantes que ocorriam no “mundo lá fora” ou não; não importava se eu tivesse tentado estudar até tarde no Salão Comunal para forçar a mente, e assim ser mais fácil alcançar o cansaço, para enfim, poder cair na cama e dormir tranqüila pela estafa do dia. Ele se repetia, às vezes, assumindo uma aparência mais nevoenta e longínqua, outras, mais real e sólida; às vezes se repetindo a cada noite, outras demorando a voltar. Por conta disso, eu já temia que não fosse parar de tê-los, e comecei a tentar de maneira sôfrega, bloquear a mente, o que já começava a dar pequenos resultados. Pensei que afinal, fosse minha consciência hiper-ativa dando as caras, e me tranqüilizei com isso.


As rondas foram ficando mais fáceis de serem realizadas, não houve mais incidentes ou conversas sinistras – pelo menos não em meus turnos durante aquele período. Era até, algo agradável de se fazer, pela serenidade que o castelo emanava. Naquele silêncio, eu me deixava vagar pelos corredores inconscientemente, libertando cada receio ou dúvida que tinham me afligido; deixando os pensamentos fluírem para um curso que tinha volta, pois eles sempre me confrontavam, pela frequência com que apareciam e a insistência de minha mente em mantê-los; eram dúvidas que me forçavam ser tiradas e decisões a serem tomadas. Algo que eu não podia fugir.


Bem, acho que no fim sempre fui obsessiva, impetuosa e bastante teimosa, pois não havia nada que me irritasse mais do que não entender algo que julgasse importante, ou me sentir excluída daquilo que sabia estar ao meu alcance fazer parte, ou ajudar a desvendar.


Por vezes, no meio daquele monólogo silencioso e confuso, sentia que tinha alguém ali me seguindo, e era estranho olhar para trás e encontrar somente o corredor vazio e a luz fantasmagórica dos castiçais. Em alguns momentos podia jurar ter ouvido uma respiração baixa. No entanto não conseguia me livrar da sensação de que não estava sozinha, de que tinha alguém por mim, e por mais surreal que fosse, eu gostava daquilo, era como se estivesse segura. Se alguém me perguntasse, não saberia explicar, parecia loucura, até mesmo no mundo da magia, que a presença invisível - ou mesmo irreal - de algo, me parecesse amistosa.


Acho que naquele tempo eu me sentia mais perceptiva ou sensitiva, o que era diferente e de certo modo, anormal. Mary e Alice reclamavam que eu andava menos falante e entusiasta; e Remo, que já estava começando a ficar abatido e pálido, pela proximidade da lua cheia, comentava que era comum me ver pensativa; também podia sentir o estranho olhar apreensivo de James, de tempos em tempos. Aquilo me preocupou, será que eu estava tão diferente ao ponto de alarmar as pessoas? Afinal, não era para tanto, era só um sonho, não era?Mas e Snape? Aquela cena não saía de minha cabeça, e eu já tinha certeza do seu significado, só precisava de uma informação adicional para que aquele confuso quebra-cabeça por fim se encaixasse. E sabia de alguém que podia me ajudar com aquilo, além do que, através daquela dúvida, eu podia tentar fazer outras descobertas e confirmar minhas suspeitas, talvez insanas e sem fundamento, sobre ele. Ele escondia muita coisa - pelo menos eu suspeitava disso - e se eu o jogasse contra parede poderia obter respostas. É claro que James era esperto o bastante para fugir de mim, porém, eu seria teimosa o bastante para forçá-lo a contar, e se não desse certo, sempre haveria uma chance, afinal, se tratava de James Potter, que vivia me rondando.


Certa vez estava saindo da biblioteca com Carl ao meu encalço, e tinha pensado ao longo do dia numa oportunidade de falar com James. O falatório de Carl me parecia longe enquanto eu arquitetava a maneira certa de fazer o que tinha planejado. Já estávamos perto do Salão Principal quando os vi cruzar o Saguão de Entrada. Parei abruptamente esperando pela aproximação deles, no que meu companheiro fez o mesmo com a expressão confusa, evidentemente tentando entender minha conduta.


Sirius carregava as duas vassouras enquanto James tinha nas mãos um quadro de estratégias, ele meneava a cabeça e gesticulava muito enquanto, me parecia, falava rápido demais, acompanhado pelo amigo. Ambos estavam encharcados, pois chovia torrencialmente fora do castelo. Bem, pode-se dizer que aquela visão poderia impressionar qualquer garota, isto é, que não se chamasse Lílian Evans. O cabelo de Sirius, que na época era na altura do ombro, estava cobrindo em mechas as laterais de seu rosto, e ao repuxá-lo para trás teatralmente, várias garotas que o miravam com esperança, agora suspiravam, e tenho completa certeza de que ele medira a conseqüência daquele gesto e o fizera na medida certa, com sutileza. Acho que James tentava inutilmente imitá-lo, o que era ridículo. Este por sua vez estava mais relaxado e ria do jeito do amigo enquanto conversavam. Tinham aquele brilho nos olhos, de qualquer homem apaixonado por esportes.


- ...então acho que se tentássemos formar um meio de confundir o goleiro, afinal nossos artilheiros são incríveis, poderíamos...


- James - interveio Sirius e meneou a cabeça em minha direção, a expressão especulativa, mas maliciosa. James, que estivera tentando sem sucesso limpar nas vestes seus óculos embaçados enquanto narrava uma estratégia, virou o rosto um pouco desconfiado, notando enfim minha presença; os cabelos pingando nas vestes de quadribol, o sorriso que se formava, tão reluzente quanto o distintivo de Capitão do Time, preso ao seu peito.


- Er... eu me pergunto se existe um motivo para você embargar a entrada Lily - disse Sirius num tom levemente interessado enquanto James encarava Carl, que estava ao meu lado – Quadribol dá fome, sabia?


- Hum, você pode ir jantar - expliquei ao meu companheiro de estudos - não pretendo abusar mais ainda de sua paciência - e peguei meus livros que ele gentilmente carregava. O garoto relutou por um instante, desconfiado dos marotos, mas meu sorriso encorajador o fez adentrar no barulhento Salão Principal.


- O que há de tão importante para você dispensar seu capacho?- perguntou James com ar de deboche. Sirius riu da minha expressão indignada.


- Ele não é meu capacho, Potter, é só alguém gentil, coisa que você nunca conseguirá ser! -respondi fechando a cara.


- Hum, conseguiu uma dica Pontas, ela gosta de caras gentis. Eu bem que avisei para você mudar de tática. - comentou Sirius, no que James o encarou e eu revirei os olhos.


- Humf, gentileza... ele baba nela, isso sim! – respondeu James aborrecido.


- Nada do que você já não tenha feito, Pontas. – replicou o amigo como se estivesse explicando algo muito fácil.


- Quando resolverem parar de falar de mim como se eu não estivesse presente, posso dizer a que vim. - falei exasperada e já bem corada pela típica inconveniência deles. Os dois me encararam. James parecia envergonhado, e algo em sua expressão me remetia uma muda desculpa. - Olhem, eu não estou aqui para os conflitos habituais, é só que preciso falar com você - e me virei especificamente para James - a sós.


Ele abriu o mais irritante dos sorrisos e passou a mão nos cabelos ensopados - aquele gesto ridículo de tão costumeiro e exibicionista. Sirius levantou as mãos como que se rendendo e passou por mim, mas não sem antes lançar um sorriso, ao mesmo tempo cínico e encorajador, ao amigo.


O jeito com que James estava se portando me dava nos nervos. Ele exibia um meio sorriso vitorioso, as mãos nos bolsos, completamente à vontade. Sua boca comprimia-se levemente, dando a impressão de que queria falar algo, mas estava feliz demais para se decidir a fazer isso.


- O que foi, Potter? - perguntei visivelmente contrariada.


- Só estou apreciando o momento, ou você quer torná-lo melhor ainda e repetir seu pedido?


- Não seja idiota, o que eu tenho para discutir é sério, talvez um lugar reservado...


- Hum... privacidade, definitivamente gosto disso - comentou malicioso - Bem, me siga, então, conheço essa escola melhor que ninguém, e digamos que, tenho meus meios para saber se um lugar está vazio.


Deixei-me ser conduzida, ignorando aquele seu comentário enigmático, tentar entender as artimanhas dos marotos era algo impossível, e quando enfim paramos de andar, estávamos na torre de Astronomia. Fechei a porta e antes de tomar coragem para encará-lo mentalizei um “Abafiatto” e ergui a varinha em direção a ela.


- Sou todo ouvidos! - disse ele encostando-se ao parapeito de uma janela alta e obliquamente triangular. Sua maneira relaxada provocava em mim o efeito contrário. Aquilo estava ficando constrangedor, pois eu não conseguia achar as palavras certas e James, como sempre, parecia apreciar minha luta mental. O rubor já tinha se manifestado quando consegui encontrar a voz.


- Bem, na verdade não tenho muita certeza se você pode ajudar, mas tenho suspeitas de que você é a pessoa certa para isso. Algo me diz que você sabe mais do que tenta aparentar. - minha voz era um pouco baixa e vacilante, o que incitou sua curiosidade, sinal que se fez presente através da comum ruga se formando em sua testa - Também não sei se posso estar sendo inconveniente, mas apesar disso preciso de uma resposta. Acho que isso tudo se trata de algo que não podemos fugir, e portanto, quero fazer parte, isto é, se realmente existir e...


- Evans, calma, eu não estou conseguindo te acompanhar. - disse ele, preocupado, devido ao meu inesperado e nervoso falatório.


- Ok - respirei fundo e tentei clarear a voz - numa das noites que fiz a ronda, aquela em que discutimos, pois você insistia em me acompanhar, aconteceu algo esquisito, ou melhor, presenciei uma conversa estranha, e por conta disso acho que existem pontos da história que você possa se interessar e me explicar.


Consegui recuperar a firmeza na voz ao mesmo tempo em que ele ficou mais sério, porém, algo em seu rosto, em seus olhos, me convidava a prosseguir. O ambiente se tornava mais ameno, e senti que podia lhe contar. À medida que as palavras fluíam, ele ficava mais atento e preocupado. Por fim, quando James voltou a me encarar, deixando de contemplar a paisagem crepuscular, seu rosto era impassível e o olhar tinha um brilho incomum, talvez de raiva. Sua postura era mais altiva, deixando-lhe com a aparência madura. Sentia-me estranha diante de sua aparente firmeza, e ali compreendi de vez que ele não era mais o mesmo - pelo menos não em tempo integral. Tentei espantar aqueles pensamentos.


- Eu devia ter adivinhado, e você devia ter me escutado! Avisei que era perigoso, mas não, você sempre pensa o pior de mim, já chegou a me comparar ao Snape, um Comensal da Morte! - disse com a voz indignada e o olhar derrotado.


- Você me deu motivos suficientes para isso! - respondi na defensiva, mais por força do hábito, pois me sentia desarmada diante de sua conduta.


- Olha, você pode me chama do que quiser, arrogante, exibido, trasgo... e terá certa razão, mas nunca mais me compare a eles, ouviu? Eu sou o contrário a um seguidor das Artes das Trevas! -respondeu um pouco alterado.


Ficamos em silêncio por uns instantes, algo me dizia para ficar quieta, esperar ele se acalmar, e isso era incomum. Eu nunca me calava para ele! Por fim, James suspirou profundamente e encolheu os ombros, enquanto eu tentava aparentar paciência.


- Fiz a coisa certa - disse ele sem me olhar diretamente, pensativo, mais para si mesmo que para mim - mas não entendo, devia ter visto...


- O quê? - perguntei confusa, e isso o alertou, levantou o olhar, me mirando, e se recompôs.


- Não quero imaginar o que teria acontecido se eles tivessem notado sua presença. Você ouviu algo confidencial, e eles tinham consciência disso, de que era perigoso comentar essas coisas por ai. - disse ele sem emoção.


- Mas então sobre o que era aquilo tudo, que marca é essa que eles estavam falando?


- Você fez bem em me contar, mas não devia se meter nessas coisas. - disse autoritariamente - É perigoso.


- Por que não? Pelo visto você já está metido nessa. - respondi com firmeza, sustentando seu olhar. Isso durou alguns segundos até que ele amarrou a cara para mim.


- Tudo bem! - disse enfim admitindo a derrota – Eles falavam da marca negra, uma espécie de tatuagem que os seguidores de Voldemort têm, serve para convocá-los e reuní-los ao tal Lorde, ele toca na própria e todos os Comensais sentem, é simples. Ao fazer a marca, você está se aliando oficialmente a ele, então, pelo visto, os caras que você ouviu estavam decidindo se juntar a ele, mas sem levantar suspeitas. Bem, acho que você já ouviu alguém falar de uma imagem, algo como uma caveira, que na verdade é a marca, se materializar no céu quando eles matam alguém ou querem chamar atenção para si mesmos. Aconteceu muito esse verão.


Eu ouvia de forma contemplativa, absorvendo e refletindo sobre suas palavras. Fazia sentido. Lembrava de ter lido uma notícia no Profeta Diário - que já tinha desistido de tentar esconder os fatos às pessoas - sobre aparições de imagens sinistras no céu.


Eles já não se importavam mais em se esconder, queriam os holofotes em sua direção.


- Como você sabe de tudo isso? - perguntei lenta e instintivamente.


- Tenho meus meios, mas, desculpe isso já não te diz respeito. - respondeu ele na defensiva, e em seguida compartilhamos um silêncio constrangedor.


- Então é verdade, não é? - perguntei calmamente, a voz intencionalmente lânguida - Existe um grupo clandestino que os combate. - avancei lentamente em sua direção, poucos passos - Só assim você obteria informações como esta. - estava jogando sujo e ele notou isso, mas estava impressionado demais com minhas conclusões perspicazes para reparar aonde eu queria chegar, ou pelo menos assim eu pensava; abriu e fechou a boca várias vezes, e no fim, riu estupefato.


- Você é impressionante! Concluiu tudo sozinha? - perguntou com a sobrancelha direita arqueada, fingindo estar entrando no meu jogo. Diminui ainda mais a distância entre nós e me esforcei para manter o tom de voz sedutor. Eu estava indo longe demais.


- Isso é um sim? - perguntei receosa, tocando levemente seu ombro, sem repeli-lo ao perceber que naquela altura estava envolvida demais. James passou uma das mãos em minha face, acariciando-a lentamente, sem deixar de sustentar meu olhar; se inclinou para frente roçando os lábios entre minha bochecha esquerda e a orelha, provocando arrepios em minha nuca, a outra mão ainda pousada no lado direito do meu rosto. Eu já havia esquecido o que tinha perguntado quando sua voz me acordou da inconsciência, era mais um murmuro baixo e rouco.


- Desculpe, não foi dessa vez que conseguiu sua resposta! - e se afastou devagar para me olhar, quebrando o contato físico. Tinha um sorriso convencido. - Mas pode tentar de novo quando quiser, só precisa ser um pouco mais convincente e prometo que me deixarei seduzir. - e riu tristemente da minha cara espantada e indignada.


Ele se afastou indo a direção à porta, e se arriscou a me lançar um último olhar. Seu sorriso tinha dissolvido e os olhos tinham uma espécie de desapontamento, ou talvez arrependimento, que me fizeram afundar de vergonha por dentro. Ele notou isso também e saiu da sala, me deixando ali sozinha e desolada, incapaz de sair.


Naquele intervalo de tempo, meus sentimentos mudaram tão rapidamente que me senti tonta; num momento estava espumando de raiva, e no outro, completamente envergonhada. Encolhi-me numa cadeira, me sentindo horrível. Ele sabia o que eu tentara fazer desde o princípio, e se deixou levar aparentemente, para saber até aonde eu iria chegar, só que no fim eu, inexplicavelmente, já nem me lembrava do por que estava ali. Eu que tinha me deixado levar e não ele, e isso era completamente frustrante e irracional da minha parte.


Para começar, eu nunca tinha tentado seduzir ninguém até aquele momento, e plantada na cadeira, percebi que o tinha feito com tão óbvia inexperiência que qualquer um teria notado. Era como um daqueles filmes trouxas charlatões que Petúnia assistia. No entanto, o pior era lembrar daquele olhar dele, triste, desapontado. O que foi que pensei que conseguiria? Onde eu estava com a cabeça? A idéia tinha passado tão rapidamente pela minha cabeça que não hesitei ao tentar executá-la, o que fora estúpido e claramente não fazia o meu feitio, mas estava tão obcecada com a idéia de fazer parte de um grupo contra Voldemort, que não medi as conseqüências, me deixei ser conduzida pela euforia de confirmar minhas expectativas.


Passei a contemplar a janela meio sem perceber que fazia realmente aquilo. Já tinha escurecido há tempos, mas uma luz prateada iluminava os jardins da escola e inundava a torre de Astronomia, banhando meu rosto. Levantei da cadeira e cheguei mais perto, me encostando à janela - no lugar exato em que James estivera, ao que me parecia horas atrás - e lá estava ela, a lua cheia, atraente e sedutora, tudo o que eu havia desastrosamente tentado aparentar àquela noite.


Por um momento lembrei de Remo, meu amigo devia estar lá fora, lutando contra sua forma selvagem, sofrendo. Com esse pensamento lembrei de súbito que não tinha preparado sua Poção de Acônito, que tornava suas transformações menos dolorosas. Como fui egoísta! Estava tão centrada em mim mesma que não lembrei dele, de como era importante para ele, mesmo na forma de lobisomem, se portar com menos selvageria possível, se proteger de si mesmo. Bem, aquilo fez com que eu conseguisse me martirizar ainda mais.


Derrotada, resolvi que me esconder ali por muito tempo não resolveria nada, e como já era aparentemente mais tarde do que eu previra, pois o castelo estava deserto - o que foi, a certo modo um alívio, pois não teria coragem de olhar para ninguém - resolvi rumar para o Salão Comunal, porém quando percebi que tinha fome, meu estômago começou a doer mais que minha consciência pesada, e fui forçada a mudar o percurso e ir em direção à cozinha. Comi o mais rapidamente que pude tudo o que os elfos, com extraordinária benevolência, puseram em minha frente, não merecia aquele tratamento, ainda mais porque havia tirado alguns deles da cama. Parecia que tinha ultrapassado todos os limites da auto-piedade quando saí da cozinha, e ao me aproximar do Saguão de Entrada, notei duas figuras pouco identificáveis se arrastando e discutindo na escuridão.


Passei sorrateiramente pelo corredor a ao chegar mais perto da enorme porta de carvalho, que estava entreaberta, ouvi um alto e consternado uivo vindo dos jardins. As duas pessoas paralisaram diante daquele som e pude os reconhecer.


- Me solta Rabicho, tenho que voltar lá! - sua voz era fraca e suplicante.


- Você tá’ maluco, nem consegue se agüentar de pé, Pontas! O Almofadinhas disse para eu te levar à enfermaria senão podia acontecer algo pior! Você está muito machucado!


- Eu sei o que ele disse...droga, foi minha culpa!


- O que está acontecendo?! Meu Deus, Potter, você está bem? O que houve?! - perguntei espantada ao me aproximar e deparar com aquela cena. James tinha um grande corte no rosto e por conta disso salpicava sangue em suas vestes, aparentemente colocadas de qualquer jeito. Cambaleava amparado por Pedro e através de sua camisa quase totalmente aberta, viam-se ferimentos profundos. Não sabia como ele estava consciente. Pedro também tinha alguns cortes, mas estava incomparavelmente melhor que o amigo.


- Por favor Lily, agora não... - balbuciou James e em seguida se dirigiu a Pettigrew - Você trouxe a capa?


- Não deu... desculpe Pontas - respondeu ele, seu rosto largo se contorcendo de culpa.


- Então vamos logo, anda, senão o Filch... ai, cuidado Rabicho, por favor!


- Ok - respondeu Rabicho ao amigo e depois se dirigiu a mim - Evans, vai ficar aí olhando ou vem nos ajudar?


Não precisei de outro convite.





 

XXX

N/A: Olá leitores, ou melhor, ainda tem algum por aí? Eu sei, demorei muito a atualizar, mas tenho uma explicação, certo? Bem, nesse meio tempo que estive sem aparecer por aqui aconteceram varias pequenas fatalidades que me impediram de escrever; meu pc pifou duas vezes, acabei adoecendo, fiquei sem net, enfim...Mas quando consegui escrever de verdade tudo fluiu naturalmente! Ah, quase ia me esquecendo, temos um novo beta, que efetuou um minucioso trabalho nesse cap, valeu Rick!

Bem, mas e aí?Gostaram do cap??Tentei ao máximo ser precisa quanto às descrições e seguir uma linha de acontecimentos lógica, porém me pergunto sempre se estou desempenhando meu trabalho direito. O que vcs acham, a Lily que descrevo está fiel ao livro, sua caracterização está sendo aceitável? Será que estou fazendo-a ficar muito diferente e a trama tender a cair no comum? E a guerra, será que está sendo bem abordada? OMG! Toda a vez que escrevo um cap essas dúvidas pairam em minha cabeça, fico insegura, mas penso que pode estar dando certo, então, por favor, me falem o que estão achando, ok?

Então, muito obrigada a vcs que acompanharam ate aqui e não perderam as esperanças em relação a fic, e meu agradecimento especial à quem comentou,Miss Granger, Dark Angel, ao povo da famy, Lannah, Luh, Ayla, Vick, valeu meninas! Bem, bjao e ate a próxima, que dessa vez, prometo que não vai ser tão demorada!

Bjs e taé o próximo cap!

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