O bem sempre vence?
Já fazia alguns dias que Josh havia chegado a três metros da casa de Gina e havia desistido de falar com ela. Desde então ele não entrara mais na Internet, Gina não conseguira mais entrar também, Draco a visitava sempre à noite e acabava dormindo por lá, e Lily passava as tardes sentada na entrada da casa, esperando que Josh aparecesse, afinal, mesmo que ela nunca tivesse dado seu endereço, ele estava na lista!
Lily estava inconformada. Não tinha a menor idéia que seu “grande novo amigo” estivera tão perto de sua casa, e ficava se perguntando porque ele não dera mais nenhuma notícia. Ela não tinha idéia da difícil decisão que Josh tomara, achando que o estava fazendo para o bem de todos, principalmente de Stephane.
_Sábado que vem... – Lily sussurrou para si mesma, sentada na porta de casa, com os braços ao redor dos joelhos dobrados. – Exatamente uma semana, e nada do Josh... Não acredito que ele mentiu para mim! – ela socou o joelho. – Ele prometeu que viria! – uma lágrima solitária escorreu por seu rosto. – E esse chato do Malfoy que não sai mais da minha casa, droga! – ela se virou em direção à porta e mostrou a língua, como se Draco pudesse ver e se ofender com isso. – Quer saber?! O Josh vai ouvir poucas e boas por ter mentido para mim! Não se faz isso com Lily Potter! Não mesmo!
Espumando de raiva, Lily entrou em casa e atravessou a sala feito um raio, não dando atenção à voz de sua mãe, que perguntara o que havia acontecido de errado. A menina entrou no quarto e bateu, violentamente, a porta. Foi até sua escrivaninha e retirou de uma das gavetas, pergaminho, pena e tinteiro. Rabiscou, com raiva, algumas palavras.
Na mesma velocidade que tinha subido, ela desceu. Atravessou a sala, mais uma vez ignorando a mãe, abraçada a Draco no sofá, saiu pela cozinha e entrou na garagem pela porta dos fundos.
_Edwiges? – chamou.
Acendeu a luz e viu a majestosa coruja branca de seu pai empoleirada bem no alto. Edwiges piou incomodada com a luz e com o grito da menina, que a acordara.
_Vem aqui, Edwiges. Preciso de um favor seu. – a menina estendeu o braço e a ave, depois de um pio cheio de importância, planou até ela. – Preciso que entregue essa carta para mim. – ela prendeu a carta na pata de Edwiges. – Não sei exatamente como você vai fazer para encontrá-lo, já que ele não é bruxo, mas o nome dele é Josh! Ele deve estar no shopping agora, numa loja de bonecas... Hum... – ela pensou. – Ele se parece com o meu pai! – ela sorriu. – Você se lembra dele, não é?
Edwiges piou, saudosa.
_Então! Tente ser discreta, o que eu acho que vai ser difícil, e tente encontrá-lo. É muito importante para mim dar uma bronca naquele mentiroso!
Emburrada, Lily levou Edwiges até perto da janelinha que sempre ficava aberta para que a coruja pudesse entrar e sair sem problemas. Ela não precisou pedir de novo. Eficiente, Edwiges atravessou a janela e ganhou altura, desaparecendo no horizonte como um ponto branco.
Harry estava debruçado sobre o balcão da loja, com cara de poucos, ou nenhum, amigo. Stephane já o vira suspirar várias vezes, e lhe doía o coração saber que não era por ela. Pior, lhe doía o coração saber que, sem saber, ele suspirava pela mãe de sua filha. Cansada de assistir cena tão deprimente, ela foi para os fundos da loja, e o deixou sozinho, disposta a não ficar se culpando por nada.
Harry estava inconformado consigo mesmo. Inconformado por ter se deixado convencer por Draco, inconformado por não ter cumprido a promessa que fizera à Lily, por estar apaixonado por uma mulher que ele mal conhecia, e que nunca poderia ter, e por estar fazendo Stephane sofrer. Ele a via rondando, de vez em quando, e sentia o quanto ela estava triste, mas não tinha coragem de conversar com ela, com medo de se denunciar.
Ele estava apático, imóvel, e a falta de movimento da loja só o deixava pior. Somente uma coisa muito extraordinária poderia tirá-lo daquele estado. E o que poderia ser mais extraordinário do que uma coruja branca entrar pela porta da frente de uma loja no shopping, em plena luz do dia?
_Caramba! – Harry se assustou.
Edwiges deu um pio de contentamento e pousou sobre o balcão. Ficou pulando de um lado para o outro, piando feito louca, enquanto Harry se encolhia contra a parede atrás do balcão, imaginado o que aquela coruja poderia querer ali.
_Mas que diabo? – ele reclamou. – Xô! Xô! – ele tentou, agitando o braço direito, tentando espantá-la.
O efeito foi contrário. Vendo Harry agitar o braço, Edwiges abriu suas asas e foi pousar no braço do dono. Com um pio de contentamento esticou a pata mostrando a carta para ele. Harry se assustou. Olhou para a pata da ave e viu seu nome no envelope. Surpreendeu-se mais ainda.
Depois que Harry, confuso, soltou a carta da pata de Edwiges, esta lhe deu uma bicadinha carinhosa na orelha, então voou para o balcão novamente, onde ficou observando-o atentamente, soltando piados alegres de vez em quando.
_Estranho... – Harry olhava para ela agora. – Tirando o susto que você me deu, eu diria que já vi essa cena... – ela piou. – Deve ter sido em algum filme. – curioso, ele abriu o envelope e começou a ler.
DANE-SE A PRUDÊNCIA! – a carta começava sem nenhuma saudação, nem nada. – NÃO TÔ NEM AÍ SE VOCÊ VAI ACHAR MUITO ESTRANHO ESTA CARTA ESTAR CHEGANDO POR CORUJA! SÓ ESTOU TE ESCREVENDO PARA TE AVISAR QUE ESTOU MUITO, MAS MUITO CHATEADA COM VOCÊ, JOSH! VOCÊ PROMETEU QUE VIRIA FALAR COM MINHA MÃE, MAS NÃO VEIO. AGORA, GRAÇAS A VOCÊ, ELA VAI SE CASAR EM UMA SEMANA! SÓ PARA VOCÊ SABER, MINHA MÃE VAI SE CASAR NA IGREJA DE STA EDWIGES, NO SÁBADO, ÁS 18 HORAS. POR QUE VOCÊ NÃO PASSA LÁ PARA DAR OS PARABÉNS A ELA?! MUITO OBRIGADA POR NADA, SEU MENTIROSO! TCHAU! L.P.
_Sta Edwiges? – Harry se perguntou, com estranheza, olhando, sem entender por que, para a ave em sua frente.
Edwiges piou, alegremente, diante da menção de seu nome.
_Edwiges? – mais um pio. – Seu nome é Edwiges? – ele perguntou para a coruja. Ela piou novamente. – Que maluquice! – ele riu de si mesmo. – Até parece que uma coruja entenderia o que eu falo.
Edwiges abriu as asas em protesto e piou novamente. Harry ficou olhando-a, sentindo-se num deja-vu muito curioso.
_Isso é loucura! – ele decidiu ignorar a coruja. – Eu tenho que falar com a Lily. – ele olhou, tristemente, para a carta. - Ela está com raiva de mim. – ele olhou para Edwiges. – Sabe o que seria bom? Que você fosse para outro lugar. Seria bem estranho se alguém entrasse aqui e te visse, sabia?
Surpreendendo Harry por parecer ter entendido o que ele falou, Edwiges deu uma bicada delicada no dedo dele e saiu voando.
_Eu hein! – ele exclamou, observando a coruja se afastar e assustar alguns compradores. – Hum... Stephane? – ele chamou. – Será que você poderia ficar aqui na frente um pouco? Eu tenho que fazer um telefonema.
_Tudo bem. – ela sorriu, carinhosa, embora desconfiada.
Harry, antes de começar a discar, deu uma última olhada em Stephane, para ver se ela estava prestando atenção nele, mas para sua sorte, uma senhora com quatro menininhas entrou na loja bem na hora.
_Que sorte! – ele sorriu.
Pegou o telefone e discou o número que já tinha até decorado. O aparelho chamou uma vez, duas, três.
_Alô? – alguém atendeu.
Harry ficou sem fala. Aquela com certeza não era a voz de Lily, então só podia ser de...
_Gina? – ele perguntou.
_É ela. Quem fala? – Gina perguntou, calmamente.
_É... Aqui é o... Josh. – ele falou, inseguro.
_Josh? – ela se assustou.
_Josh?! – Draco repetiu de onde estava, mal conseguindo acreditar. – Potter! – concluiu.
_Ãh! Oi! – Gina sorriu, perdida.
_Oi eu... Eu liguei para falar com a Lily... – Harry começou a explicar.
_ “E agora?” – Draco pensava. – “Eu tenho que fazer alguma coisa, mas o que?”
_Ah... Com a Lily? – Gina ficou desapontada.
_É. Eu acho que ela está um pouco triste comigo, não?
Draco olhava para todos os lados, tentando pensar em alguma coisa, mas nada lhe vinha à cabeça. Ele pensou em chamar Gina, mas isso daria muito na cara. Talvez colocar fogo em alguma coisa? Ela perceberia logo que foi por magia. Mas o quê? Então ele viu o fio que saía do telefone e se encaixava na parede.
_Hum...
_Como você conseguiu meu número? Foi ela quem deu?
_Ãh... Hum... – ele ficou perdido, com vergonha de dizer que o havia pego na lista. – Eu...
_Mobilicorpus.
_Ué? – Gina afastou o telefone da orelha. – Ficou mudo!
_Quem era, querida? – Draco veio, displicentemente, da cozinha.
_Hum... Foi... Foi engano. – ela sorriu, sentindse péssima por mentir.
_Hum... – ele fez apenas. – Eu acho que já vou indo... Está um pouco tarde, não é?
_Se você acha... – ela sorriu, aliviada.
_Nos vemos amanhã. – ele a beijou. – Tchau.
_Quem era mãe?! – Lily descia as escadas.
_Hum... Ninguém. – Gina respondeu, ansiosa por Draco ir embora de uma vez.
_Como ninguém? – Lily sorriu.
Draco já havia saído, sem dar atenção a Lily, mas não aparatou antes de fazer outro feitiço e conectar o cabo novamente, antes que Gina percebesse o que havia acontecido.
_Será que ele vai ligar de novo? – se perguntou. – Você está ficando abusado demais, Potter. E vai pagar por isso! - ele aparatou.
_Mas... Mas... Ele já não está morto?! – o homem perguntou, completamente confuso. Olhando para Draco como se o homem tivesse ficado maluco.
_Isso é o que todos pensam, idiota! Mas há poucos dias descobri que o maldito Potter está vivo! – Draco respondeu, impaciente.
_Puxa, vida! Esse cara é mesmo duro na queda, não?! – ele coçou a barba mal feita.
_Até demais para o meu gosto! – Draco falou com desdém.
_O senhor... Está prestes a se casar com a namorada dele, não é? É por isso que quer que eu faça o servicinho? Acha que se ela o encontrar...
_Não interessam os meus motivos! – Draco respondeu, com raiva. – Apenas faça! Todos já acham que Potter está morto. Ninguém vai sentir falta dele mesmo. A não ser uma pessoa, mas dela eu mesmo cuido!
_Para quando o senhor quer o serviço? – o homem estendeu a mão, esperando o pagamento.
_Para ontem! – Draco respondeu, jogando alguns galeões na mão dele. – Te dou o resto quando tiver certeza que o Potter já era!
_Desculpe perguntar, mas se nem Você-Sabe-Quem conseguiu matá-lo, senhor, por que acha que eu conseguiria?
_Porque se você não matar o Potter... – ele chegou muito perto do rosto do homem. - ...eu mato você! – ameaçou.
_O senhor não conseguiria! – o homem desafiou. – Todos os comensais sabem que o senhor não conseguiu matar Dumb...
_Eu era apenas um garoto! – ele gritou. – Mas agora sou um homem! Eu mudei muito, sr Smith! E lhe aconselho a não me desafiar!
_Porque não o mata o senhor mesmo? – ele perguntou. – Matar o Potter me parece arriscado demais, e o que o senhor está me oferecendo...
_Faça o serviço e eu te pago o dobro do que combinamos. Não vai ser difícil. Potter não sabe mais quem é. Não sabe mais usar magia. E eu não posso chegar perto dele porque o ministério saberia. Mas você é um aborto miserável! O ministério nem sabe que você existe! – falou com pouco caso. – O ministério da Magia não pode nem desconfiar que um bruxo está por trás da morte dele. Tem que ser um acidente. Um acidente trouxa! Por essa quantia, tenho certeza que você saberá como fazer, não?
_O dobro do que combinamos?
_Assim que eu tiver certeza que Potter está morto! – Draco afirmou.
_Não se preocupe, sr Malfoy. Harry Potter não passa de amanhã à tarde. No máximo!
_Perfeito! – com um sorriso maligno no rosto, sem dizer mais nada, Draco aparatou, deixando o homem para trás, contando os galeões em seu bolso, e fazendo a conta do quanto ganharia no final.
Se Harry se lembrasse que existia um mundo mágico, ele certamente perceberia que algo estava interferindo nas suas tentativas de se comunicar com Gina e Lily. Mas como ele não se lembrava de nada, ficou apenas pensando que era um completo azarado.
Ele não vira mais a coruja que viera lhe entregar o bilhete de Lily na tarde anterior, também não tentara ligar novamente, interpretando que o fato do telefone ter ficado mudo era um sinal para ele se afastar daquela família. Ainda assim, ele não conseguia parar de pensar numa forma de se desculpar com Lily. Sentia-se arrasado por tê-la decepcionado.
_Qual o problema dessa vez, amor? – Stephane, pela primeira vez em dias, dirigiu a palavra carinhosamente para ele, com um sorriso amável.
_Hum... Nada não...
_Como se eu não te conhecesse, Josh? – ela sorriu, tentando ao máximo se comportar como a antiga Stephane. – Me diz o que houve?
_Você não vai querer ouvir Stephane, então vamos deixar por isso mesmo, ok? – ele respondeu, tentando não ser grosseiro.
Stephane debruçou-se sobre o balcão. - Se eu não vou querer ouvir... Só pode ter a ver com aquela garotinha, não é?
Harry olhou para ela, surpreso. – Ela... Ela me mandou um bilhete ontem... Estava muito chateada porque eu... Porque eu não dei mais notícias...
_Hum... Bom... Por que você não... Por que você não vai falar com ela então? – ela falou, girando uma caneta sobre o balcão, mas sem coragem para encará-lo.
_O quê?! – Harry perguntou, mais surpreso ainda.
_Você tinha razão. – ela forçou um sorriso. – É só uma criança. E, com certeza, se apegou a você... – ela o olhou. – Vá falar com ela... Vocês ainda podem... Ser amigos, não? – o coração dela acelerou.
_Você tem certeza disso? – Harry estava com os olhos meio arregalados, sem entender direito o que estava acontecendo.
_Desde que você me prometa não chegar perto da mãe dela. – Stephane afirmou. – E não venha me pedir para não sentir ciúmes dessa mulher, porque a única coisa que tem me mantido calma é saber que ela vai se casar!
_Stephane... – ele começou, sem graça. – Nunca houve nada entre essa mulher e eu.
_E eu espero que continue assim, Josh! – ela enfatizou. – Eu te amo, e não suportaria te perder para uma desconhecida!
_Você não vai me perder... – ele falou, incerto. – Você mesma disse que ela vai se casar. – falou, casual. – E nós também vamos, não é? – sorriu, tentando passar confiança.
Stephane sorriu de volta, vendo que ainda havia uma chance. – Vamos sim! – respondeu. – E você não sabe o quanto eu estou ansiosa por isso, Josh! – ela colocou as mãos sobre o rosto dele e o beijou.
Harry retribuiu o beijo, notando que aquele contato não lhe causava mais sensação nenhuma. Pior ainda, foi a imagem de Gina que lhe veio à mente quando suas bocas se tocaram.
Quando seus lábios se separaram, movido pelo remorso, Harry sorriu e falou: - Marque a data do nosso casamento, Stephane.
_S-Sério?! – ela sentiu seu coração pular de alegria.
_Sério! – ele sorriu, aliviado por vê-la tão contente. – Esse noivado já está longo demais! Já passou da hora de nos casarmos!
_Oh Josh! – ela o abraçou, radiante de felicidade.
_Eu só preciso... Falar com a Lily. – ele explicou.
_Mas...
_Eu vou até a casa dela.
_O quê?!
_Eu consegui o endereço. – ele olhou para o relógio. – Mas não se preocupe. Há essa hora a mãe dela não está em casa, deve estar trabalhando.
_Hum...
_Confie em mim, Stephane. – ele pediu. – Eu só preciso desfazer o mal entendido com a Lily. – sorriu. – Eu não sei por que, mas a amizade dessa menina é muito importante para mim.
Stephane sentiu o coração apertado. Soltando-se dele, sem encará-lo, ela falou: - Você está certo. – tentou sorrir. – Vá falar com ela, mas se a mãe dela estiver em casa...
_Se o carro estiver na garagem eu dou meia volta! Prometo!
_Promete?
_Palavra! – ele levantou a mão direita.
Stephane sorriu para ele, embora apreensiva, e deu espaço para que ele passasse. Ela estava insegura diante da possibilidade de Gina vê-lo. Tinha medo de que Harry desse de cara com Draco, mas a culpa que sentia por tê-lo privado de sua verdadeira vida a impediu de ser mais egoísta ainda e proibi-lo de ver a própria filha. Se tivesse sorte, talvez Harry e Lily pudessem ser amigos sem nunca descobrirem seu grau de parentesco, e sem que Gina descobrisse que ele estava vivo.
Do lado de fora da loja, na praça de alimentação, com o rosto ligeiramente escondido atrás de um folheto promocional, a figura bizarra do sr Smith espionava o movimento na loja de bonecas.
_ “Quanto o Profeta Diário me pagaria por algumas fotos de Harry Potter vivo?!” – ele pensava. – “Será que tanto quanto o sr Malfoy me pagou para vê-lo morto?” – ele colocou a mão no bolso e sentiu o toque gelado dos galeões que havia ganhado. Já fazia algum tempo que ele não segurava um galeão. – “Aqueles ratos são espertos.” – pensou. – “Não acharia estranho se me pagassem com ouro de duende. E depois?! Pelo menos o dinheiro do sr Malfoy ainda não desapareceu.” – sorriu.
O homem ficou girando um galeão nos dedos, mas logo o deixou de lado para voltar a observar a loja, bem a tempo de ver Harry saindo dela.
_ “Onde vai com tanta pressa, sr Potter?” – ele se perguntou.
Enfiou a mão no outro bolso e tirou de lá um celular novinho em folha. Levantou-se, apressado, e começou a seguir Harry para ter certeza que ele sairia do shopping. Sua boca se contorceu num sorriso horrendo quando Harry atravessou as portas automáticas.
_ “Vai ser mais cedo do que eu imaginava!” – um pouco atrapalhado, ele discou um número em seu aparelho novo e esperou que fosse atendido, sem nunca perder Harry de vista.
_Pronto. – alguém atendeu.
_Ele está saindo do shopping pelo portão D. Tem cabelos pretos, altura mediana, está de calça jeans, um tênis preto e laranja, que combinação!, e um moletom azul escuro.
_Tem idéia de quantos homens podem estar vestidos desse jeito, meu amigo?! – o outro reclamou.
_Ahf! – o sr Smith bufou. – Vou pedir informação para ele. Fique atento ao portão D.
_Certo. – o homem desligou.
O sr Smith teve que tirar fôlego sabe-se lá Deus de onde para alcançar Harry no exato momento em que ele cruzava, a pé, o portão D do shopping. Ofegante, ele tocou o ombro de Harry que, educado, parou para atendê-lo. Naquele mesmo instante um carro preto passou em frente à saída do shopping e seu motorista deu uma boa olhada nas feições de Harry. Percebendo que seu trabalho havia terminado, o sr Smith agradeceu a atenção de Harry e voltou para dentro do estacionamento, fingindo ir até onde estava seu carro.
O acidente não poderia acontecer ali, naquela rua. Tinha que ser um lugar mais movimentado, onde o carro estivesse com mais velocidade, e onde ninguém discutisse o fato de ter sido um acidente.
Harry estava bastante acostumado a andar a pé. Tinha algum dinheiro guardado, mas tinha planos de comprar uma casa maior, por isso ainda não havia investido num meio de transporte próprio. Além disso, nunca ia para muito longe mesmo.
Harry estava aliviado por não estar saindo escondido, por ter contado a Stephane aonde ia. Ele caminhou, tranqüilamente até a esquina do shopping, um cruzamento muito movimentado, onde muitos clientes haviam sugerido que fosse construída uma passarela. Ele parou na calçada, disposto a esperar o farol fechar, mas é incrível como o farol parece ficar horas aberto quando estamos com pressa, ou ansiosos com alguma coisa.
Quando notou o movimento diminuir, e sentiu-se seguro para atravessar sem problemas, Harry voltou a andar. Se ele pudesse ver o sorriso do homem por trás do volante daquele carro preto estacionado na outra esquina, ele teria pensado duas vezes antes de continuar.
Faltavam apenas duas faixas para ele alcançar a outra calçada. Tão perdido estava em pensamentos que não notou o motor do carro que acelerava, tão pouco teve tempo de desviar, correr, ou qualquer coisa assim. Tudo que sentiu foi uma dor dilacerar seu quadril, a falta de gravidade quando foi jogado ao chão, e uma pontada horrível na cabeça devido ao choque.
O mundo ficou escuro, ele não tinha mais noção de seu próprio corpo. Não conseguia distinguir onde a dor começava e onde acabava. Ele começou a sentir um líquido quente e salgado escorrer por sua língua, respirar estava ficando difícil. Parecia que alguém estava abaixando o volume do mundo. Ele ainda conseguiu ouvir o cantar de pneus de um carro e algumas vozes alteradas e então o silêncio, a dor, o mundo sumindo diante de seus olhos.
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