Reflexo da Verdade
Harry sentiu o joelho de Hermione tocar sua perna por baixo da mesa e, em vez de se afastar, ele o deixou ali. Era um de seus pequenos prazeres desvirtuados – o esbarrão causal do joelho, a mão dela roçando a dele quando ela pegava o pão, o hálito dela em sua orelha quando ela suspirava.
Ele sabia que Hermione tinha acabado de tomar banho, embora o cabelo estivesse seco, porque ela cheirava a seu shampoo favorito. Ele percebeu também que a pele dela estava mais dourada do que estava no inverno. Ele sabia que as unhas dela estavam pintadas de rosa-claro e que ela estava sem relógio. E ele se odiou por perceber essas coisas, porque eram coisas que um amigo não deveria reparar.
*
–HARRY POTTER! Por tudo que é mais sagrado nesse mundo! – exclamou Ronald Weasley, finalmente saindo de sua tristeza absoluta. – Resolveu aparecer!
O ruivo atravessou o aposento com dois passos largos e abraçou Harry pelos ombros.
–Oi, Rony.
–E então? É verdade o que dizem?
–Sobre Voldemort?
–É...Quer dizer, acabou?
Harry sorriu como a muito não se permitia sorrir.
–É verdade, sim.
–Oh, não acredito.
A voz de Gina Weasley varou a sala.
*
Gina acordara naquele dia bem e, relativamente, de bom humor. É claro que se acorda de bom humor quando um buquê de tulipas negras (raríssimas, a propósito) aparece no seu escritório. Além do mais, o “admirador secreto” era um homem extremamente sexy, rico e bem educado.
Ele não era nada secreto. Pelo menos não para Gina.
A voz de Harry Potter no andar inferior da casa chamou sua atenção.
*
Harry girou o corpo para olhá-la; estava parada no alto da escada, os braços brancos e nus repousando sobre o corrimão. Ainda era linda e jovem como na última vez que a vira. Os cabelos ruivos e lisos emolduravam seu rosto cheio de pequenas sardas, e um sorriso maroto escapava de seus lábios finos e vermelhos – o sorriso típico de Gina. Era uma mulher que mexia com os hormônios de Harry Potter. Sua beleza era exótica, quase irresistível.
–Aliás, não acredito nas duas coisas: que esse pesadelo finalmente acabou e que Harry Potter está aqui.
–Pode acreditar, querida.
Ela desceu as escadas rapidamente e jogou-se nos braços do recém-chegado. Um cheiro forte de perfume Dolce & Gabbana invadiu o nariz de Harry.
–Então, o que lhe trás aqui?
–As boas notícias.
–Então acabou mesmo?
Harry fez que sim com a cabeça.
–Ainda bem. Estava acabando comigo.
Os irmãos Weasley trocaram olhares, mas Harry não viu.
–Sente-se. Você já foi a Hogwarts? – perguntou Rony.
–Já. Foi a primeira coisa que fiz.
–Viu nossa Julia? – questionou Gina
–Sim. – os olhos de Harry brilharam selvagens. – A Julia me contou uma coisa, Rony. Que você a levou a Hogsmead.
–Ah, é. – o ruivo respondeu, parecendo desconcertado. – Verdade.
–Não me lembro de ter permitido. – Harry mantinha o mesmo tom de voz, mas para Rony seria melhor que o amigo estivesse gritando. – Faço questão que Julia fique dentro dos muros de Hogwarts, ainda mais nesse tempo de caos que vivemos.
As orelhas de Rony ficaram vermelhas e ele abaixou a cabeça; em contraposto de Gina, que já tomara ar.
–Não é de Você-Sabe-Quem que você tem medo! – disparou ela.
–Isso não é problema seu, Ginerva. – respondeu Harry, frio.
–Você acha que está fazendo bem pra menina trancando-a dentro de um castelo e a escondendo do mundo? E pior! Sendo criada por Severo Snape!
–Ela está viva, não está?
–No sentido literal, sim, mas ela não vive!
–Gina...– guinchou Rony em alerta.
–Você não vai conseguir escondê-la pra sempre! – a ruiva disse, em tom baixo, ignorando os apelos do irmão. – Você sabe que não.
–Mas o farei até quando puder.
–Harry... – ela tentou argumentar.
–Chega, Gina. – o tom dele foi baixo, mas a fez calar instantaneamente. – Chega.
Ele se levantou e pegou suas coisas.
–Estou de partida para a França. Não demorarei tanto dessa vez. Foi bom ver vocês.
–Tome cuidado, meu amigo. – disse Rony.
–Tomarei. Vigilância constante!
Um xingamento escapou da boca de Gina assim que a porta se fechou e Harry desapareceu de vista.
–Odeio no que ele se transformou!
Rony deixou-se cair no sofá, esfregando as têmporas com as pontas dos dedos;
–Sabe? Eu não o culpo. Se essa guerra mexe com nossas cabeças, imagine com a dele.
Gina lançou um olhar frio ao irmão.
–Você bem sabe que a culpa não é só da guerra.
Rony resmungou.
–Rony, nós temos que tirar a Julia de lá!
–O que?! – os olhos dele se arregalaram. – Você está louca?
Gina bufou.
–Qual é o problema?
–Tirá-la de lá e depois enfrentar a cólera de Harry Potter? – ele soltou uma risada amargurada. – Acho que não, obrigado. Ainda tenho marcas da última vez que eu irritei o Harry.
–Deixe de ser covarde! – Gina se aproximou do irmão. – Você ama aquela menina?
–Amo! Amo como se fosse minha! Você sabe que sim.
–Então qual é o problema? Seu medo vai impedir?
–Eu não tenho medo! – disse Rony com raiva.
–Ronald, você é um BUNDÃO!
Ela bufou mais uma vez e subiu as escadas com passos fortes. Sentou-se em sua cama, o sangue fervendo, o cérebro trabalhando em alta velocidade. Uma idéia surgiu em sua mente, assim como um sorriso surgiu em seus lábios. Pegou o telefone e discou um número do Ministério.
–Alô? – disse, quando uma voz feminina atendeu. – Olha, eu não sei se você quer conversa comigo, mas eu preciso te contar uma coisa. Parece que o seu Potter vai passar algum tempo na França...
*
Julia se lembrava constantemente da sua última conversa com o tio, que dissera que ela deveria explorar o subsolo de Hogwarts, pois o que havia acima do solo era apenas uma pequena fração do todo. Túneis, poços, porões, escadarias – tudo isso estava escavado abaixo da terra.
Sendo assim, ela teve o gostinho de explorar todo o subsolo, sala por sala. Até achar magnífico espelho, da altura do teto, com uma moldura de talha dourada, aprumado sobre dois pés de garra. Na parte de cima, havia entalhado as seguintes palavras:
Oãça rocu esme ojesed osamo tso rueso ortso moãn.
Quando Julia se olhou no espelho, surpreendeu-se. Ao seu lado esquerdo estava seu tio Harry, segurando seu ombro. Do outro lado, uma mulher extremamente bonita, e estranhamente parecida com Julia, sorria pra ela, mexendo em seus cabelos. Atrás, como plano de fundo, estavam Rony e Gina, sorrindo e acenando pra ela.
Julia olhou pra trás, assustada. Não havia ninguém. Nem seu tio, nem a mulher bonita, nem Rony e nem Gina.
Com um certo medo misturado com adrenalina, Julia encarou o espelho novamente, com uma certa desconfiança. Eles ainda estavam lá. Harry parecia até rir da sobrinha.
–Titio?
Ela virou pra trás o mais rápido que pôde, querendo saber se Harry a tinha enganado. Mas não o viu. Sentado em uma das mesas junto à parede estava ninguém menos que Severo Snape. Inexplicavelmente ele não se refletia no seu espelho.
–Vejo que encontrou essa sala.
Sem ligar pra ele, Julia sentou no chão, sentindo-se bem ao olhar pra imagem refletida no espelho.
–Então - disse Snape, escorregando da cadeira até o chão para se sentar ao lado de Julia. –, você, como outros bruxos centenas vezes antes de você, descobriu os prazeres do Espelho de Ojesed.
–O que ele faz?
–Ele mostra-nos nada mais nem menos do que o desejo mais íntimo, mais desesperado de nossos corações.
Julia percebeu que o diretor, estranhamente, evitava olhar no espelho.
–Porém, o espelho não nos dá nem o conhecimento nem a verdade. Já houve homens que definharam diante dele, fascinados pelo que viram, ou enlouqueceram sem saber se o que o espelho mostrava era real ou sequer possível.
Julia olhou para o espelho novamente, inconsciente de que aquilo era uma reprodução de sua história, e que ela estava clara em cada marca que tava ali.
–Eu ainda me lembro quem foi o último homem a olhar nesse espelho. – continuou Snape, alisando os cabelos de Julia. Ela o fitou, curiosa.
–Quem?
–O seu tio, Harry.
–O que ele via no espelho, senhor?
–Não tenho certeza. – disse o homem, os olhos negros brilhando. – Só posso supor.
–O que o senhor vê?
–O homem mais feliz do mundo poderia usar o Espelho de Ojesed como um espelho normal, ou seja, ele olharia e se veria exatamente como é.
–Você se vê do jeito que é? – perguntou ela, impressionada.
Snape, pela primeira vez, olhou no espelho e encarou a verdade. Quem estava sentada ao seu lado não era mais Julia, e sim uma ruiva baixinha, com olhos verdes brilhantes, sardas pintando todo o seu rosto. Ela lhe sorria, aquele sorriso que só ela tinha, o sorriso que ele presenciou durante todo o tempo em que se conheceram, o sorriso que ela sorria pra ele. O sorriso de Lílian Evans. Suas mãos estavam dadas com a dele, balançando de leve.
O homem fechou os olhos com força, para controlar as lágrimas e para forçar-se a voltar pra realidade.
Novamente era a pequena que estava ao seu lado, o fitando com uma certa pena.
–Eu vejo a você. – ele respondeu. – E eu te vejo feliz.
Julia deu uma risadinha.
–Claro que não é verdade! – exclamou. – Me diz, professor! Por favor, por favor, por favor!
Ele sorriu:
–Eu me vejo segurando um par de meias. – disse Snape. – Não quero que você procure esse espelho, Julia. Não faz bem viver sonhando e se esquecer da vida real.
–Tudo bem, se você me prometer que não o irá procurar, também.
Snape piscou os olhos, visivelmente desnorteado. Aquela pequena era bem filha de quem era.
–Eu não voltarei aqui, July. Vá para o seu quarto se arrumar. Vamos jantar com uns convidados meus, hoje. Mas você tem que se comportar. Fale somente quando falarem com você, seja discreta e educada, sorria e nunca diga “Sei lá” quando lhe perguntarem algo.
Quinze minutos mais tarde, Julia estava entrando no Salão Principal. Os últimos raios de sol entravam através do teto, iluminando os quadros falantes e os convidados. Apenas três deles eram mulheres.
–Ah, Julia! Que bom que pôde vir. – disse Snape. – Sra Hannah, acho que não conhece nossa Julia...a sobrinha de Harry Potter, a senhora sabe.
Julia cumprimentou-a com toda educação e depois foi apresentada aos outros convidados. Todos estudiosos e bastante desinteressantes. Então Snape chegou ao último convidado.
–Srta Granger, essa é a nossa Julia. Julia, venha cumprimentar a Srta Granger.
–Olá, Julia. – disse a voz meiga da Srta Granger.
A mulher era ágil e graciosa, era alta, a pele branca e longos cabelos castanhos, que lhe caiam sobre as costas. Seus traços eram meigos e fortes, e transpiravam uma inteligência crua. Ela era linda e Julia lhe achou estranhamente familiar.
*
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