Café Paris
–Harry Potter! – Snape exclamou em tom alto e avançou para apertar-lhe a mão.
De seu esconderijo, Julia observava os olhos do Diretor, e de fato, por um segundo, eles foram até a mesa onde o vinho estivera.
–Snape, cheguei tarde demais, não quis atrapalhar o seu jantar. Perdoe-me os trajes, acabei de chegar. – disse Harry – Olá, Minerva, é bom vê-la e em tão boa saúde. Sim, Snape, o vinho se foi. É uma pena. Ele caiu, a culpa foi minha. Ah, olá Neville. Li seu último artigo sobre Herbologia, estava realmente muito bom...
Julia conseguiu ver o rosto de Snape. Este estava impassível. Harry já dominava o ambiente embora tivesse tido o cuidado de ser cortês com Snape no território do próprio Snape, era óbvio quem estava no poder.
Os professores saudaram o visitante e espalharam-se pela sala, indo sentar-se em volta da mesa. Julia conhecia muito bem todos eles; durante toda sua vida, ela convivera com eles; eles a ensinavam, a castigavam, a consolavam, davam-lhe presentinhos, proibiam-na de chegar perto da Floresta Proibida. Eram toda a sua família.
Mas ela tinha a sensação vaga de que aquele não era seu mundo inteiro, que em algum lugar de sua vida, havia uma ligação com o mundo de Harry Potter.
Por mais sombrio que ele fosse.
A conversa dos professores com seu tio era bastante chata; quase toda sobre política e nada sobre Voldemort. Julia estava quase cochilando quando todos silenciaram e Snape falou:
–Tenho certeza que todos já deram as boas-vindas ao Potter. As visitas dele são raras, porém preciosas e hoje ele tem algo importante pra nos dizer. Como sabemos, estamos numa época de tensão política; Potter tem que estar amanhã mesmo em White Hall. Por tanto, não perderemos mais tempo. Potter?
Um sorrisinho se formou nos lábios do homem.
–Obrigado, Snape.
Snape sentou-se sozinho ao lado do armário onde Julia estava acocorada. Ela o ouviu murmurar enquanto se acomodava na poltrona:
–Esse demônio! Ele sabia do vinho, tenho certeza!
–Para começar, - continuou Harry - Gostaria de dizer que a época de tensão política acabou hoje.
*
Julia despertou com um susto quando alguém a sacudiu pelo ombro. Tinha pegado no sono naquele armário apertado.
–Quieta! – ordenou o tio. A porta do armário estava aberta e ele estava agachado na frente da luz. – Foram todos embora, mas ainda há gente rondando por aí. Vá para o seu quarto agora e trate de não contar a ninguém sobre o que você ouviu hoje.
–A guerra acabou?
–Sim. Acredito que sim.
–Voldemort se foi? Foi você quem o matou? Como o fez? – ela continuou, esforçando-se para ficar de pé, depois de tanto tempo apertada.
–Não lhe interessa.
–Interessa, sim. – retrucou a menina. – Se queria que eu fosse uma espiã no armário, devia me contar sobre o que eu estou espionando. Aliás, você nunca me conta nada. Sempre sei da sua vida por outros.
–Isso é realmente lamentável. – disse ele, irônico.
–Posso ver o corpo de Voldemort?
Harry soltou uma risada curta.
–Não seja mórbida. Vigiou o Snape?
–Sim, e ele procurou o vinho antes de tudo.
–Ótimo. Por enquanto, eu o derrotei...
–Nós o derrotamos!
–Tá, agora faça o que eu mando e vá para a cama.
–Pra onde o senhor vai?
–De volta para o Norte. Parto amanhã.
–Posso ir junto?
Ele olhou-a como se fosse a primeira vez que realmente a visse. Julia enrubesceu, mas o encarou com firmeza.
–Seu lugar é aqui. – disse o tio finalmente.
–Mas por quê? Por que meu lugar é aqui? Por que não posso ir para o Norte com o senhor?
–Você não vai, garota. Tire isso da sua cabeça. Estamos vivendo numa época perigosa demais.
–Você disse que a guerra tinha acabado!
–Matei o chefe, não o batalhão. Aqui você está segura.
–Você é minha única família. – ela sussurrou. – Não poderia estar mais segura do que ao seu lado.
–Hogwarts é segura, Julia. Acredite em mim.
–É, mas o diretor daqui acabou de tentar te matar!
Harry baixou os olhos, incapaz de encarar o brilho obstinado nos olhos castanhos da sobrinha. A menina nunca tinha visto o tio sem palavras, envergonhado.
–Vá para a cama.
–Mas...
–Não discuta mais, se não vou ficar muito zangado.
Julia apertou os lábios e fez careta. Quando ela chegou na porta, ele disse:
–Venha se despedir de mim amanhã. – ele calou-se por um momento, e ela esperou – Por favor.
*
Rony entrou em casa fazendo o mínimo de barulho possível. Gina já deveria ter chegado do trabalho e ele não estava com humor pra ouvi-la tagarelar. Aliás, ele nunca estava com paciência pra isso e a ouvia por educação. Mas hoje... hoje era um dia especial, e o Weasley só tinha vontade de afundar a cabeça num buraco e não sair dali nunca mais.
Ele não sabia ao certo se o que doía mais era seu par de “chifres”, sua burrice, ou ser rejeitado. Porém, tinha plena consciência de que dilacerava seu coração.
Riu amargurado. A vingança é um prato que se come cru, não é mesmo?
FLASHBACK.
–O que? – perguntou Gina atônita, rodeando o irmão e arregalando os olhos.
–O que o que, Ginevra? – Rony questionou, sem tirar os olhos da mala cheia de roupas à sua frente. – Quantas vezes você vai me perguntar?
–Quantas forem necessárias pra você me responder!
–Jesus, às vezes você parece uma criança.
Gina riu alto.
–Geralmente eu não sou assim, mas hoje nossos papéis trocaram. – ela deu um soco no braço do irmão, pulando em torno dele. – Me leva junto, Roniquinho!
–Não. – a resposta dele foi simples. – Você pode parar com isso? Tá me assustando!
Ela caiu na gargalhada mais uma vez.
–Você, definitivamente, não está bem. – ele comentou, arregalando os olhos.
–Rony, o que, pelo amor de Mérlin, você vai fazer na FRANÇA?
–Interessa?
Mas Gina estava preparada para essa pergunta.
–Claro que interessa! Eu me preocupo com você, irmão! – ela fingiu falso pesar. – Anda, desembucha logo!
–Querer ficar longe de você uma semana é pecado agora? – exclamou ele, farto da tagarelice de sua irmã.
–Nada! Eu sei que tem mulher na parada, conheço esse olhar Weasley! Eu tenho o mesmo! – riu – Anda, me diz que é a biscate que você tá pegando agora.
Rony suspirou e ergueu os olhos pro teto, num gesto de quem busca paciência. Realmente aquele não era um bom dia – não que ele tivesse tido bons dias na última semana, mas aquele definitivamente era o pior.
–Gina, me deixe em paz.
–Nossa, que mau humor do cão! Nem parece o meu irmão.
–Pois é. – resmungou.
Pronto. A mala estava pronta, suas coisas estavam organizadas...já estava tudo pronto. Menos ele.
Gina, finalmente, fez uma cara séria.
–O que há, Rony? Você não parece alguém que acaba de tirar férias e vai passar uma semana na França.
–Não há nada. – ele segurou a cabeça ruiva da irmã e deu-lhe um beijo na testa. – Estou indo. Deseje-me sorte.
–Sorte? – ela perguntou, confusa. – Por que sorte?
Mas a porta já havia se fechado e Rony, sumido.
Os países da Europa não ficavam muito longe uns dos outros, mas ainda assim Rony optou não aparatar e ir pelo modo trouxa até a França. Depois de algumas poucas horas – agonizantes horas – ele estava de pé no aeroporto de Paris.
Não esperava que ninguém fosse pegá-lo, mas, por instinto, olhou para os lados, a procura de um mero fantasma. Suspirou.
Olhou o enorme relógio que se localizava no meio do saguão e viu que ainda tinha tempo para chegar no Café Paris sem pressa. Caminhou lentamente pelas ruas da romântica Paris, se entristecendo e ao mesmo tempo se enchendo de esperança ao ver casais abraçados, se protegendo do frio da capital londrina.
Chegou ao estabelecimento em alguns minutos, e consultou o relógio novamente. Estava quase na hora...
Sentou numa mesa perto da rua, pra que pudesse observar o movimento...observá-la chegar.
Mas passaram-se dez minutos...trinta minutos... uma hora.
Rony já se mexia na cadeira, pouco à vontade. Sentia um grande nó na garganta, e controlou o ímpeto de pedir a conta ao garçom. Talvez se esperasse mais uns minutinhos...
O resto da sua vida dependia daquele momento, da inspiração daquela cidade, da beleza de vê-la cruzando a rua...ah, finalmente ela estava ali.
Ela ainda não tinha o visto, pois olhava para o tráfego da rua movimentada. Estava usando um casaco e puxava a gola até a altura da boca, pra se proteger do frio. A ponta de seu nariz estava vermelha, e ela deixava escapar um vaporzinho dos lábios. Enfim os carros pararam.
Rony arfou com a imagem dela cruzando a rua com passos largos, os cabelos louros balançando no compasso do vento, a boca aberta, os olhos turvos, a cabeça baixa.
Ele ergueu-se para vê-la entrar no Café Paris. Pela primeira vez, Luna Lovegood ergueu os olhos azuis e o avistou. Sua boca se fechou imediatamente, sua expressão se fechou na mesma hora. Ela venceu a distância entre os dois com passos largos. Ficou ali de pé, na frente dele, com as mãos nos bolsos.
–E então? Estou aqui.
Rony respirou o ar com força.
–Sente-se, por favor.
Luna hesitou por um instante, mas sentou.
–Seja rápido, Weasley...preciso trabalhar.
Rony piscou os olhos rapidamente. Aquela frase o atingira como um tornado, e uma onda de desânimo o percorreu. O modo que ela havia sido fria, a exigência, ela ter o chamado pelo nome da família, e não pelo nome de batismo...
“Não desista agora.” , pensou. “Você veio até aqui, fale tudo que você quer falar.”
–Se você quiser, podemos nos encontrar depois. – disse, tentando manter a voz calma. – Quando você tiver mais tempo.
Luna fez um gesto impaciente com a mão.
–Não. Fale de uma vez.
Rony se movimentou rapidamente pra capturar as mãos dela, que repousavam sobre a mesa.
–Luna, você não respondeu minhas cartas...
A loira se desviou nas mãos dele, ficando fora de alcance. De repente, olhou-o como se ele fosse um bicho.
–O que você está fazendo aqui, Weasley? – ela balançou a cabeça negativamente, como se não acreditasse. – Você veio até aqui atrás de mim?
Rony abriu a boca pra responder, mas uma risada de Luna o interrompeu.
–Achei que nós já tivéssemos conversado isso, Weasley! Aliás, VOCÊ conversou e decidiu nossa “relação” sozinho, pra depois me dizer!
–Luna, eu sei o que eu fiz, mas estou aqui pra tentar concertar...
–Concertar? Não acha que é um pouco tarde pra isso?
Rony abriu a boca, sem conseguir acreditar no que ouvia. Teve que raciocinar para voltar rapidamente à conversa.
–Eu estou aqui, não estou? – ele disse, a voz embargada de desespero. –Você não pode me chutar assim! Sem ao menos me dar uma chance...
Luna cravou os enormes olhos nele. E Rony não viu a ternura que eles sempre emanavam. Dessa vez ele sentiu-se quase tímido ao encará-los.
–Quem é você pra me dar uma lição de moral sobre não dar chance às pessoas? – a voz dela saiu ao mesmo tempo calma e ferida – Você teve mais de uma chance, Ronald. O que você fez comigo não se faz nem com um cachorro de rua.
–Luna, por favor...
–Não me procure mais, Ronald. – Luna disse, com a voz fria como gelo. – Eu estou casada.
Ele arregalou os olhos, mas a mulher continuou impassível. Rony escondeu os olhos com as mãos. Sentiu as lágrimas arderem seu rosto, mesmo no frio de Londres. Ficou uns cinco minutos assim. Viu-se soluçar, tamanho o seu desespero. Uma onda de mal estar percorreu todo o seu ser, e ele se ouviu dizer:
–Eu te amo, Luna.
Ergueu os olhos vermelhos para olhar a reação da mulher, porém ela já não estava ali. Rony sentiu-se mais leve ao confessar o seu amor, mesmo Luna tendo fugido. Com o resto de dignidade que ainda tinha, levantou-se e saiu, certo de que tinha feito tudo que estivera ao seu alcance.
*
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