Prólogo
Julia atravessou o Salão Principal, já bastante escuro, tomando cuidado para manter-se junto à parede e fazer silêncio. As quatro mesas grandes ao longo do Salão já estavam arrumadas e os bancos compridos estavam afastados, esperado os professores. No alto, ao longo das paredes, os retratos a observavam com olhos de censura.
Ela não viu ninguém, então subiu junto da mesa principal. Lá, os talheres eram de ouro, não de prata, e os 14 lugares não eram num banco de carvalho, mas sim em cadeiras de mogno com almofadas de veludo. Julia parou junto à cadeira do Diretor e deu um peteleco de leve na taça maior; o som percorreu todo o Salão.
Colocou a palma da mão sobre o cristal que vibrava rapidamente. No outro extremo, uma porta estava entreaberta. Quase agachada, escondida pela mesa, Julia venceu rapidamente a distância e entrou na Sala Privativa, onde tornou a ficar de pé e olhou em volta. Ela havia passado a maior parte da vida em Hogwarts, mas nunca tinha entrado ali; só os professores e seus convidados podiam entrar ali.
Era uma sala ampla, com uma mesa oval de madeira vermelha encerada e sobre ela várias garrafas e taças de cristal.
–Eles se tratam bem, hein?
E foi sentar-se numa das poltronas de couro verde, tão funda que ela ficou quase deitada, mas endireitou-se e encolheu as pernas. Depois pôs-se a examinar os retratos nas paredes: mais professores, com certeza; barbados e melancólicos, de dentro de suas molduras, eles lançavam olhares de solene desaprovação.
–O que eles fazem aqui? – a garota perguntou, ou começou a perguntar, pois, antes de terminar a frase, ela ouviu vozes do lado de fora da porta.
Como um raio, Julia pulou da poltrona e foi se esconder atrás dela. Não era o melhor esconderijo: ela havia escolhido logo a poltrona que ficava no meio da sala, e se não ficasse quietinha...
A porta se abriu, e a iluminação da sala mudou. Julia pôde ver a capa preta que cobria as pernas de um dos recém-chegados: Severo Snape. A voz dele perguntou:
–Harry Potter já chegou?
–Não, Diretor. – respondeu um criado pessoal de Snape.
–Imagino que ele vá chegar com fome. Leve-o direto para o Salão, está bem?
–Está bem, Diretor.
–E já preparou o vinho?
–Sim, como o senhor mandou.
–Ótimo. Agora vá, por favor.
O criado fez uma mesura de leve e virou-se para sair. De seu precário esconderijo, Julia observou Snape. Ela estava adorando aquele friozinho na barriga...
Harry Potter, o visitante mencionado pelo Diretor, era tio dela, um homem a quem ela muito admirava...e temia. Diziam que ele estava envolvido em altas políticas, explorações secretas, guerras distantes, e ela nunca sabia quando ele ia aparecer. Ele era muito bravo; se a apanhasse ali, seria severamente castigada.
Porém o que ela viu em seguida mudou completamente as coisas.
Snape tirou do bolso um frasco de vidro e colocou-o em cima da mesa. Tirou a rolha de uma garrafa que continha um vinho quase dourado e deixou cair lá dentro um jorro fino de liquido; depois pegou o frasco e jogou-o no fogo da lareira. Então tirou um lápis do bolso e mexeu o vinho até a poção se dissolver por completo.
O Diretor olhou em volta com os olhos cerrados e severos, antes de sair pela porta onde tinha entrado.
Essa porta abria-se para o movimentado corredor entre a Biblioteca e os quartos dos professores. A essa hora do dia, esse corredor estava cheio. Sabendo disso, Julia tinha planejado sair com mais alguns minutos antes de Minerva McGonagall chegar.
Se ela não tivesse visto Snape colocar aquela poção no vinho, poderia até ter desafiado a cólera da professora ou tentado passar despercebida no corredor movimentado. Mas estava confusa, e isso fez com que hesitasse.
Então ouviu passos pesados sobre o tablado: era Minerva indo verificar se a Sala Privativa estava pronta. Julia correu para o armário de carvalho, abriu-o e escondeu-se lá dentro, puxando a porta bem no momento em que a professora de Transfiguração entrou. Ela ajeitou algumas coisas e, para o alívio de Julia, saiu. Ela temia muito Minerva, que duas vezes lhe dera uma sova.
O que predominava na cabeça da menina era aflição, não por si própria – de tantas aventuras, já estava acostumada. Dessa vez, estava aflita por causa de Harry Potter, e do que aquilo tudo queria dizer. Ele não costumava visitar Hogwarts, isso significava que ele não estava ali apenas para beber, fumar e comer com velhos amigos.
Além disso, havia o boato que Comensais da Morte tinham invadido a França e estavam avançando ruma a Londres, conquistando todo o Norte. E seu tio estivera no estremo Norte da última vez em que o vira.
" Será que vai haver guerra? ", pensou.
“ Você acha que Harry Potter estaria de pernas cruzadas aqui se a guerra fosse estourar semana que vem? ”, respondeu uma vozinha irônica na sua cabeça.
O criado de Snape entrou para acender a lamparina. Mal tinha acendido, quando a maçaneta da porta girou.
–Harry Potter!
Um arrepio de surpresa gelou as costas de Julia. Ela não conseguia vê-lo e tentou dominar a vontade de mudar de posição para avistá-lo.
–Boa noite, Wren. – disse Harry Potter, naquela voz áspera que Julia sempre escutara com uma mistura de prazer e apreensão. – Cheguei atrasado para o jantar. Vou esperar aqui.
–Devo avisar ao Diretor que o senhor chegou?
–Não seria mau. Pode me trazer um café?
–Muito bem, senhor.
Wren saiu apressado. O tio de Julia foi até a lareira e estendeu os braços por cima da cabeça, espreguiçando-se e bocejando como um leão. Estava usando roupas de viagem. Como sempre acontecia quando tornava a vê-lo, Julia se lembrou de quanto ele a assustava. Agora estava fora de questão sair sem ser percebida: ela teria que esperar e torcer.
Houve uma batida na porta, e o criado entrou, trazendo um bule de café numa bandeja de prata.
–Obrigado. – disse Harry Potter. – Aquilo sobre a mesa é vinho?
–Sim, o Diretor mandou prepará-lo especialmente para o senhor.
–Ótimo. Deixe a garrafa aqui do meu lado.
Wren obedeceu e saiu. Julia observou o tio servir-se de café e bebê-lo de uma vez.
Então Harry Potter virou as costas para o fogo. Ela o viu de corpo inteiro, e maravilhou-se com o contraste que ele fazia com o criado gorducho, os professores curvados e lânguidos: Harry Potter era um homem alto, de ombros largos, fisionomia soturna e feroz, olhos verdes que pareciam cintilar com o humor selvagem. Tinha o rosto de uma pessoa a quem se obedecia ou combatia – nunca poderia ser tratado como inferior ou digno de compaixão. Todos os seus movimentos eram largos e possuíam um equilíbrio perfeito, como os de um animal selvagem; dentro de um aposento como aquele, ele parecia uma fera presa numa jaula pequena demais.
No momento, sua expressão era de uma felicidade contida. Ele lançou um olhar enigmático ao armário onde Julia estava, antes de voltar-lhe as costas e encaminhar-se para a mesa. Julia de repente sentiu o estomago dar um nó, pois Harry Potter havia tirado a tampa da garrafa de vinho e estava enchendo uma taça.
–Não!
O grito saiu antes que ela pudesse contê-lo. Harry Potter virou-se imediatamente.
–Quem está aí?
Ela não conseguiu controlar-se: saltou para fora do armário e correu para arrancar a taça das mãos dele. O vinho voou, molhando a borda da mesa e do tapete, a taça caiu e despedaçou-se. Ele agarrou o pulso da menina, torcendo-o com força.
–Julia! O que diabos está fazendo aqui?
–Me solte e eu lhe conto.
–Primeiro eu vou lhe quebrar o braço. Como ousa entrar aqui?
–Acabei de salvar a sua vida!
Por um segundo os dois ficaram imóveis, ela a se contorcer de dor e fazendo careta para reprimir os gemidos, ele inclinado sobre ela, de testa franzida, como um trovão anunciando tempestade.
–Que foi que disse? – ele perguntou, em voz mais baixa.
–O vinho está envenenado. – ela resmungou, quase sem abrir a boca. – Vi Snape colocar uma poção dentro dele.
Harry Potter soltou-a e ela caiu sobre o chão. O tio baixou os olhos com uma raiva controlada, e ela não ousou encará-lo nos olhos.
–Sei que não devia ter entrado aqui, só queria ver como era. Ia sair antes que alguém aparecesse, mas Snape chegou e eu fiquei encurralada. Mas eu vi quando ele pôs a poção no vinho...se eu não tivesse...
–Como era essa poção?
–Eu não sei! – gaguejou.
–Pense!
Bateram na porta.
–Deve ser o Wren. – disse Harry Potter. – Volte pro armário. Se eu ouvir o menor barulho, vou fazer você ter vontade de morrer.
Ela correu pra se esconder, e mal fechara a porta do armário quando Harry falou:
–Pode entrar!
Julia acalmou-se um pouquinho e permitiu-se sentir a dor no ombro e no pulso. Ela teria chorado de dor se fosse outro tipo de menina; mas só o que fez foi cerrar os dentes e movimentar de leve o braço até senti-lo mais leve.
Então ouviu o ruído de vidro quebrando e o borbulhar de um líquido que se derramava.
–Maldição! Wren, veja só o que você fez!
Julia conseguia ser mal e mal. O tio dera um jeito de derrubar a garrafa de vinho, culpando o criado.
–Sinto muito senhor. A mesa estava mais perto do que eu pensava...
–Arrume essa sujeira. Vá depressa.
Wren saiu apressado. Harry Potter se aproximou do armário e disse, num cochicho:
–Já que está ai, faça alguma coisa de útil: vigie o Snape.
–Sim, titio.
–Se fizer um barulho sequer, não vou te ajudar.
Ele se afastou mais olhou diretamente para o armário e Julia sentiu a força daquele olhar quase como se ele tivesse uma forma física, como se fosse uma flecha ou uma lança. Então o olhar dele se desviou para a maçaneta que girava. Ela não conseguiu ver a porta, mas escutou uma respiração profunda.
–Estou de volta, Snape. – disse Harry friamente – Por favor, chame os professores. Tenho coisas interessantes pra mostrar.
*
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