Capitulo XIX



A prisão em Newgate não estava sendo uma experiência tão monstruosa como Harry ima­ginara. Havia alguns conhecidos, e ele passou os dois primeiros dias sabendo como cada um estava, embora lhe fossem permitidas apenas algumas horas na área comum para os prisionei­ros. O resto do tempo passava em uma pequena cela, pois era considerado muito perigoso para ficar junto com outros homens. Sendo assim, Harry ficava praticamente o dia todo sentado ou andando de um lado para o outro no cubículo escuro, na com­panhia de seus pensamentos e arrependimentos.

Na verdade, não estava bem sozinho. Durante a primeira hora de confinamento, ele enfiou a mão no bolso e, para sua total surpresa, notou que a pedra brilhante tinha companhia. A rainha de xadrez, que não tinha estado em seu poder até então, encontrava-se em seu bolso.

— Como você apareceu aqui? — perguntou ele, olhando para a peça com a ajuda da pedra brilhante. A rainha respondeu com um brilho em seus olhos dourados. — Não foi uma atitude sábia, milady. Se os guardas a descobrirem, bem como à pedra, eles a levarão, e não terei como salvá-la. Mas torçamos para que isso não aconteça, pois admito que estou bastante feliz por tê-la outra vez comigo.

Os olhos dela mudaram do dourado para o azul, e Harry sorriu.

— Também precisamos torcer para que Daman volte o mais depressa possível para Londres, assim posso devolvê-la a ele e então ao mestre Culain. Você não vê a hora de estar com seu senhor, não?

O azul se intensificou, o que indicava estado de alegria, ca­racterística que Harry já percebera havia algum tempo.

— Sim, sei muito bem como você se sente. Também sinto muito a falta da srta. Hermione. — Ele passou o dedo na cabeça da rainha. — Você acha que ela está bem? E a salvo? Que besteira dela tentar vir ao meu socorro! Mas Hermione é assim, uma mulher muito corajosa, porém tola.

Os olhos azuis voltaram para o dourado.

— Acha que estou sendo duro demais? — perguntou ele, estendendo as pernas no estrado sujo que lhe servia de cama. — Não foi a minha intenção, mas você deve admitir que Hermione e eu fomos tolos em acreditar que um dia pudéssemos ficar juntos. Mesmo assim foi um belo sonho, não? Se for o último da minha vida, ficarei bastante contente.

Cansado, Harry recostou a cabeça na parede, tentando en­contrar uma posição um pouco mais confortável. Não se atrevia a deitar-se, temendo que os ratos e outros animais daquela prisão imunda passeassem sobre seu corpo durante a noite. Não que fosse conseguir descansar caso tentasse pegar no sono. O barulho na prisão era infernal. Homens, mulheres, crianças gritando, resmungando, chorando, apertados em celas fétidas e minúsculas. Guardas raspando seus bastões nas grades, tro­cando de turno ou bebendo pelas escadarias.

Além disso, o pensamento de que seria executado não lhe saía da cabeça, por mais que tentasse esquecer o assunto. Havia poucas chances de sair dali, de ser resgatado por Hermione. A família dela com certeza estaria furiosa com o rapto e, portanto, pressionaria todas as autoridades possíveis para que pagasse com a vida por aquele crime. Sim, Harry sabia que merecia a punição, principalmente por todos os delitos que cometera, mas não podia negar que temia o laço da forca ou o machado do carrasco. Ele torcia, porém, para que seu comportamento fosse mais digno no momento de sua morte, para não causar mais nenhum tipo de constrangimento para sua família, e também para Hermione.

— Preciso me certificar de que você volte para as mãos do seu senhor antes de a minha hora chegar — repetiu ele para a rainha, que parecia observá-lo com atenção através de seus olhos reluzentes — Ele não gostaria de saber que consegui recu­perá-la de Caswallan apenas para perdê-la em um lugar tão repugnante quanto Newgate. Mas não precisa ter medo, milady. Vou pensar em uma maneira de tirá-la daqui, se tiver tempo suficiente. Se Deus me ajudar, eu terei.

Os olhos dourados brilharam mais uma vez. Harry bocejou e enfiou-a em seu bolso, procurando mantê-la a salvo.

— Eu teria o maior prazer em ficar a noite inteira na sua companhia — disse ele, dessa vez dirigindo-se à pedra da luz — Porém receio que os guardas vejam o seu brilho e a levem embora. Não precisa ter medo. Quando eu encontrar uma ma­neira de tirar a rainha daqui, você também irá embora.

A pedra parou de brilhar naquele exato momento, e Harry alisou a fria superfície por alguns segundos antes de colocá-la no bolso ao lado da rainha.

Ele bocejou outra vez. Então fechou os olhos e concentrou seus pensamentos em Hermione para manter o desespero afasta­do. Como todo mundo, não gostava de estar preso.

Aquela era sua mais longa temporada na prisão, mas antes sempre hou­vera a companhia de Ron. A lembrança do amigo lhe trouxe uma série de novas preocupações à mente. Estaria bem sozinho? Fazia tantos anos que os dois viviam juntos em uma vida de falcatruas. Um completava o outro, porém havia oca­siões, com certa freqüência, em que a educação e criação de Harry serviam para serenar situações em que o comportamen­to de Ron não lhe permitia agir da melhor maneira. Em todos os negócios deles, Harry era o responsável, comandando as ações, investindo o dinheiro e… Ele abriu os olhos e se levantou. Ron não sabia nem como pegar seu dinheiro, pois não sabia ler nem escrever. O que seria daquele homem?

Harry ficou com os olhos abertos, fitando a escuridão du­rante um longo tempo, tomado pelo medo incontrolável de que Ron ficasse perdido sem sua ajuda, até que conseguiu raciocinar com mais clareza e admitir que seu companheiro era uma pessoa extremamente capaz. Era melhor ladrão e muito mais malandro do que ele. Na verdade, a situação era bem diferente. Harry precisava de Ron, e não Ron de Harry. Se Ron quisesse tomar posse de seu dinheiro, ele simplesmente entraria no banco e o roubaria. E depois, pensou Harry, fechando os olhos outra vez, ele se estabeleceria em al­guma parte distante da Inglaterra e construiria uma bela casa. Sim, Ron tinha extremo bom gosto e saberia fazer uma bela mansão para viver com a esposa. Então os dois viveriam na mais perfeita paz, criando pequenos moleques, todos pareci­dos com o pai. Talvez um até se chamasse Harry. A idéia o fez sorrir. Ele virou a cabeça para o lado, procurando uma posição mais confortável e adormeceu alguns minutos mais tarde.

Harry se enganara ao achar que não conseguiria dormir. Ele dormiu profundamente. Até sonhou. E foi um sonho bas­tante agradável.

Hermione e ele estavam casados, vivendo em uma bela proprie­dade localizada no topo de uma montanha com vista para o mar. Tinham muitos filhos, meninos e meninas, lindos, com cabelos castanhos. Todos corriam de um lado para o outro, brin­cando sem parar. De repente, a rainha de xadrez surgiu, e todo o resto desapareceu. Estava bela e majestosa… e lhe fez uma mesura, chamando-o pelo nome que Hermione lhe dissera. Lorde Eneinoig. Ela apontou para o mar, porém não havia mais água, mas sim uma multidão de pessoas.

Seus filhos com Hermione, os filhos deles e, Harry quase não acreditava no que via, uma série de seus descendentes. A visão lhe proporcionou um grande orgulho.

Ao nascer do sol, Harry despertou, notando que estava dei­tado. Olhou para o teto por alguns instantes, tentando com­preender o sonho.

— O que foi isso? Um sonho de Abraão? Devo estar ficando louco.

— É mesmo? — disse uma outra voz. — O que é isso? Abraão? — Harry abriu os olhos e viu que era observado por alguém.

O rosto tinha olhos azuis extremamente brilhantes e uma longa barba. E sorria.

Ele esfregou os olhos e sentou-se.

— Quem é você?

O homem se endireitou e continuou a olhá-lo com um sorriso nos lábios. Era alto e magro, com feições delicadas, e vestia um elegante manto púrpura.

— Sou Albus Granger— disse ele. — E você é Harry Potter, e não Abraão.

— Albus Granger — repetiu Harru, imaginando se havia algo de errado com sua mente. Com certeza não escutara direito. — Hermione está bem? A salvo? Onde ela está, em Londres?

— Ainda não — respondeu Albus, sempre sorrindo. — Entretanto, eu vim buscá-lo a pedido dela. Você deve voltar comigo para Metolius.

— Não, eu serei enforcado — contou Harry. — Ou executado de qualquer outra maneira. Eu a seqüestrei. Todavia, fico con­tente por tê-lo encontrado, pois tenho algo que pertence ao seu irmão, tio de Hermione. — Ele enfiou a mão no bolso e tirou a rainha, estendendo-a para o homem. — Está em perfeito estado. Cuidamos muito bem dessa preciosidade.

— Muito bem — disse Albus, satisfeito. — Cullain ficará muito contente quando você lhe devolver a rainha. Mas você precisa entregá-la pessoalmente para que ele possa lhe agradecer. Agora vamos, Potter, pois deixei minha so­brinha, a srta. Helen, me esperando na sala de guarda. Só Deus sabe os problemas que ela pode causar se ficar muito tempo sozinha. — Ele virou-se e saiu da cela, fazendo um sinal para os dois guardas que o aguardavam do lado de fora.

Tentando compreender o que acontecia, Harry balançou a cabeça, depois se levantou e seguiu Albus.

— Milorde, temo que o senhor não tenha compreendido di­reito. — Ele colocou a mão no braço de Albus para fazer com que parasse e o escutasse. — Eu seqüestrei Hermione, sua sobri­nha. Eu a levei contra sua vontade e a mantive prisioneira. É um crime passível de pena de morte.

— Sim, é verdade — concordou o homem, afagando-lhe a mão — Mas sei que Mione ficará muito brava comigo se eu permitir que algo tão cruel lhe aconteça. E não se preocupe, porque o que aconteceu entre vocês dois era para ter acontecido. Nós sabíamos de tudo desde o princípio. E agora que finalmente o encontrei, pretendo levá-lo a Metolius. Eu juro, minhas irmãs não vêem a hora de conhecê-lo. Não imagina como foi difícil convencê-las a não vir buscá-lo sozinhas. Tínhamos, porém, que esperar pela carta de Hermione — disse ele, em tom mais confi­dencial. — Precisamos tomar muito cuidado para que ela pense que foi tudo idéia dela. Mione não gosta de saber que descobrimos as coisas antes de acontecerem. Tenho certeza que você concorda, conhecendo-a tão bem.

— Ah… sim — balbuciou Harry, ainda confuso. — Com certeza.

— Muito bem. Agora vamos subir para tentar tirá-lo daqui. Imagino que Helen já tenha cuidado de tudo sozinha. — Ao pisar no primeiro degrau da escada, ele olhou para trás. — Ela é muito parecida com Hermione. Tem um bom coração, mas gosta de resolver tudo sozinha.

— Obrigado pelo aviso, senhor — disse Harry, rindo.

Os dois seguiram até o salão de guarda, onde, ao avistar a srta. Helen, Harry teve a certeza de que, se havia alguém que pudesse convencer o diretor de Newgate a libertar um prisio­neiro, essa pessoa era aquela mulher.

Loira, com olhos verdes brilhantes e toda vestida de preto, Helen era o tipo de mulher difícil de não se olhar. O tipo de mulher estonteante, e tinha plena consciência dessa qualidade. O tipo de mulher que exalava sensualidade com grande convic­ção. Os olhos verdes eram cativantes, mal escondendo a pro­messa de prazer. Harry, menos suscetível ao poder que algu­mas mulheres exerciam sobre os homens, conseguiu se libertar daquele olhar hipnotizante. Os outros homens no salão, com exceção de Albus, não tiveram a mesma sorte. Ro­deavam-na como um bando de idiotas, boquiabertos, prontos a fazer tudo que lhes fosse ordenado.

Ignorando-os, a srta. Helen puxou sua elegante capa preta, fechando-a sobre o peito, e caminhou para frente, movendo-se como se estivesse flutuando, e não andando.

— Aqui está você, mestre Potter. Eu estava pensando que não viria mais. Sargento — chamou ela, dirigindo-se a um dos homens, que a atendeu prontamente. — Meu tio assinará a documentação necessária. Depressa, por favor.

Tudo foi feito com tamanha facilidade que Harry, tendo vi­vido uma série de escapadas em sua vida, não conseguia acreditar que, momentos depois, encontrava-se dentro da mesma carruagem de onde seqüestrara Hermione, conduzida por John e Willem, os dois criados que ele e Ron tinham deixado amarrados.

Sua incredulidade aumentou quando chegaram em Metolius e ele se viu parado à entrada da suntuosa propriedade, rodeado pela família de Hermione, duas tias e mais um tio, todos o abra­çando como se fosse um filho voltando para casa depois de muito tempo. Não houve uma única palavra de reprimenda sobre o que ele fizera com Hermione e sua criada, apenas boas-vindas e alegria.

Ainda atordoado, Harry foi levado por uma grande escada­ria até um amplo quarto, onde havia uma banheira cheia de água ao lado da lareira. Criados o aguardavam para atendê-lo. Foi banhado, depois vestido com uma túnica de seda. Após a refeição, um verdadeiro banquete, Harry foi guiado até uma grande cama de dossel, onde se deitou e adormeceu assim que fechou os olhos.

Já era noite quando Harry despertou, sentindo-se um novo homem depois de ter comido e descansado. Sabia que estava em Metolius, com a família de Hermione. O motivo de estar ali ainda era um mistério, porém fazia muito tempo que ele apren­dera a não questionar a sorte.

Suas roupas tinham sido lavadas e secas, mas o criado que o esperara acordar implorou-lhe para que aceitasse as novas vestimentas que sir Albus trouxera. Harry concordou, ima­ginando que não fossem servir. Para sua surpresa, a calça e a túnica de veludo lhe caíram como uma luva, quase como se tivessem sido confeccionadas para ele.

O criado lhe confidenciou que assim que a srta. Hermione par­tira, sir Albus mandara preparar um guarda-roupa comple­to. Fazia vários dias que as roupas estavam ali. Harry olhou para o jovem com descrença, mas ele lhe garantiu que era a mais pura verdade.

— Sir Albus deseja lhe falar, sir Potter — disse o cria­do, assim que Harry terminou de calçar as botas, tão confor­táveis quanto seu antigo par.

— Um momento, sim? — pediu Harry, penteando os cabelos com os dedos e enfiando a mão no bolso da túnica antes de seguir o criado para fora do aposento. — Antes eu gostaria de falar com sir Culain, por favor. Preciso lhe devolver algo, e é urgente.

Culain, bem como as tias de Hermione, estavam sentados na elegante sala de estar, pela qual ele passara ao entrar em Metolius. Todos se levantaram para cumprimentá-lo. Culain esta­va sentado diante de uma mesa de xadrez, e as duas mulheres perto da fogueira, olhando para uma pequena caixa de madeira.

— Finalmente você veio! — exclamou uma delas, com ex­pressão de alegria. — Esperávamos que você acordasse para jantar conosco.

— Não será um grande prazer sentarmos todos juntos? — perguntou a outra, sorrindo. — Ele não é lindo, Mim? Nossa Hermione escolheu muito bem.

— Muito, muito bonito — respondeu ela. — Não será uma honra ter a companhia de um homem tão bonito quando sair­mos para passear? Todas as mulheres nos invejarão!
As duas caíram na risada e o abraçaram, uma de cada lado.

— Deixem-no em paz, meninas — pediu Culain, tomando a mão de Harry entre as suas. — Ele acabou de chegar. Precisa descansar e recuperar suas forças antes da chegada de Hermione. — Ele olhou esperançoso para Harry. — Por acaso você gosta de jogar xadrez?

— Gosto — respondeu ele — E será uma grande honra dis­putar uma partida com o senhor. Agora devo ir falar com sir Albus, mas antes queria lhe devolver isto. — Ele tirou a rainha de xadrez do bolso, segurando-a na palma da mão. — Não vou negar que sentirei sua falta, Boadicea. Saiba que estou muito contente por tê-la trazido de volta para casa. Agora você está a salvo.

Ele entregou a rainha ao outro homem, que a pegou com as mãos trêmulas.

— Ah, meu Deus! — exclamou Culain com os olhos cheios de lágrimas. — Achei que nunca mais fosse vê-la. Que bom que você a trouxe de volta para mim, Harry Potter. Muito ob­rigado. — Os olhos azuis da rainha brilhavam. — Obrigado. — Culain virou-se e saiu da sala, conversando com a peça, sem ao menos se despedir das irmãs e de Harry.

— Não é maravilhoso — disse Mim, enxugando os olhos. — Não é?

— É uma grande alegria saber que Culain recuperou seu mais estimado bem — concordou Wynne. — Ele sentiu muito a falta da rainha.

— Acho que também tenho algo que lhes pertence, minhas senhoras — contou Harry, revelando a pedra da luz. — Tam­bém sinto muito por ter de me separar desta pedra, pois essa dócil criatura me deu enorme prazer durante minhas viagens com Hermione, iluminando nossas noites escuras.

— Ah, Mim, não temos muita sorte por ter Harry conosco? Ele tem um coração tão bom! Não, meu querido, a pedra fica com você. Ela tornou-se sua, e não mostrará sua luz a mais ninguém.

— É verdade, Harry — concordou Mim. — Fique com a pedra, caso contrário ela sofrerá por você, o que será uma gran­de tristeza. Você quer ficar com ela, não quer?

— Muito — respondeu ele de imediato. — Eu lhes agradeço do fundo do meu coração.

— Mas que homem maravilhoso — suspirou Mim. — Ele será tão bom para Hermione. É exatamente do que ela precisa.

— É mesmo. É perfeito. Nós não poderíamos ter escolhido melhor. E nem tão bonito!

Harry guardou a pedra no bolso, deliciando-se com a adulação das duas senhoras.

— Albus o aguarda, Wynne. É melhor que ele vá logo. — Mim ficou na ponta dos pés para beijar-lhe o rosto. — Vá de­pressa, meu querido — disse ela, como se estivesse falando com seu sobrinho predileto. — Nós nos encontramos no jantar.

— Sim. — Wynne também o beijou. — Teremos tanto que conversar! Corra para se encontrar com Albus. Aposto que ele está muito ansioso para falar com você.

Aquelas eram as mulheres mais adoráveis que Harry já conhecera. Ele beijou a mão de ambas e pediu licença para se retirar antes de virar-se para o criado que o aguardava à porta.

O homem o levou por um longo corredor, depois por outro, e finalmente desceram uma escadaria até chegar ao porão. O criado se inclinou, puxou um anel de ferro e abriu a porta. Uma nuvem de fumaça vermelha, cheirando a pólvora, inundou o ar.

— Sir Albus o aguarda lá embaixo — anunciou o criado, balançando a mão na frente do rosto.

A fumaça se dispersou o suficiente para Harry enxergar os pequenos degraus que seguiam até o aposento subterrâneo.

— Muito bem. — Respirando fundo, ele começou sua descida. A escada parecia ter sido feita para uma criança, de tão peque nos que eram os degraus. Harry foi obrigado a pisar de lad para não cair e rolar até o final.

— Milorde? — chamou ele, tentando enxergar através d fumaça cada vez mais densa e pungente. — Sir Albus?

— É você, sir Potter? — Harry começou a tossir.

— Sim!

— Um momento, milorde. Essa fumaça sumirá dentro de um instante.

Houve um brilho familiar de minúsculas estrelas púrpura, e a fumaça vermelha se dispersou imediatamente, desapare­cendo de uma vez. Harry se viu no centro de uma câmara estranha e cavernosa, iluminada por milhares de pedras bri­lhantes como a que tinha em seu bolso. Albus, pa­recendo um mago com suas roupas roxas, estava atrás de uma mesa de madeira cheia de pequenos vidros, frascos e potes co­loridos. Ganchos de madeira na parede atrás dele sustentavam inúmeros sacos de couro, cheios de pó e outras substâncias se­cas, imaginou Harry.

— O senhor deseja falar comigo, sir Albus? — perguntou ele, fazendo uma ligeira mesura.

— Sim. Sente-se aqui. Há uma mesa e algumas cadeiras ali — falou Albus, seguindo para um canto escuro e distante do aposento. Entretanto, à medida que eles se aproximavam, pe­dras da luz colocadas em conchas se iluminavam, enquanto as que ficavam para trás se apagavam. Harry parou para olhar para trás.

— Você se incomoda, sir Potter? Elas ficarão contentes em acender de novo se você assim desejar.

— Não, de jeito nenhum — garantiu Harry, pegando sua pedra da luz e colocando-a em cima da mesa. Ela se iluminou de imediato, unindo-se às irmãs. — Estou acostumado com as pedras. Veja só, essa é minha. É um tipo de amuleto.

— Que ótimo. — Albus pegou dois copos e uma garrafa de vinho. — Mim e Wynne adoram as pedras e as mimam até não poder mais.

— Agora eu compreendo. Eu me sinto muito apegado à minha.

— Aposto que Hermione teve certa dificuldade em ficar à von­tade com a pedra durante a viagem, não? — Ele indicou uma cadeira. — Sente-se, por favor. É um vinho espetacular. Hermione nos trouxe da Itália da última vez que esteve lá. Várias garra­fas. Eu não sou entendido no assunto, mas Hermione tem uma natureza tão prática e capaz… Não sei o que seria de nós sem a nossa querida sobrinha. — Ele fechou a garrafa e olhou para Harry, ainda em pé. — Ela torna nossa vida possível, se é que você compreende.

— Sim, compreendo perfeitamente. — O coração de Harry disparou. — Não precisa dizer mais nada, sir Albus.

— Ah, preciso, sim. Eu nem comecei… Por favor, Harry, sente-se para eu poder fazer o mesmo. Meus joelhos já não são tão fortes quanto antes.

Harry obedeceu ao tio de Hermione e esperou que ele se sen­tasse para dar um gole em seu vinho. Era de uma boa safra, mas não conseguiu desfrutar a bebida devido ao nervosismo que o consumia. Preferia estar em Newgate, aguardando a mor­te, e não ali, na casa dela. O que seria de sua vida quando fosse expulso de Metolius, da vida de Hermione para todo o sempre? Imaginou que talvez pudesse procurar Ron e voltarem à antiga vida, mas não. Era tarde demais. Ron não preci­saria de seu antigo mestre como sombra em sua nova vida com Luna.

— Você ama Hermione? — perguntou Albus, de repente.

— Sim. — Harry respondeu seu hesitar. — Demais. Pelo menos acredito que seja amor. Se não, é algum tipo de doença enlouquecedora que parece ter me roubado toda a razão. Um tormento sem tamanho.

— Nunca escutei uma melhor descrição para o amor. Mas como isso aconteceu? Helen me disse que você é o tipo de homem que tem as mais adoráveis mulheres a sua disposição.

— Ela disse? — Desde o primeiro encontro com Helen, Harry nutrira simpatia pela jovem, percebendo que eram pessoas bastante parecidas. — Na verdade, não sei como me apaixonei por Hermione. Entretanto, aconteceu e não há como mudar esse sentimento. Saiba que tentei ao máximo tirá-la da minha ca­beça, pois sei que não podemos ficar juntos, de acordo com a lei. E eu não lhe pediria para ficar comigo de outra maneira.

— Você não pode me dar uma explicação melhor? — pediu Albus.

Harry deu um longo gole em seu vinho e colocou o copo a sua frente. Então limpou a boca e respirou profundamente, fi­cando pensativo por alguns instantes.

— Hermione tem uma característica que me encanta. Ela não é fútil ou convencida como as outras mulheres. É uma pedra preciosa em meio a tantas jóias comuns. Como a Pedra da Gra­ça, creio eu.

Harry sorriu, sentindo-se tolo. Albus o encorajou a con­tinuar, com o olhar.

— Até hoje, a minha vida foi muito simples, milorde. É pro­vável que eu seja o homem mais desprezível sobre a face da terra. Mas as mulheres se encantam comigo graças aos meus traços e simpatia. Eu sempre tive todas que desejei, sem pre­cisar fazer o menor esforço. E elas sabiam que eu era um ho­mem do qual podiam se aproveitar e depois ir embora. Mulher alguma quis ficar comigo para sempre. Sendo bastardo e ladrão, ninguém me recomendaria como marido, apesar da nobreza de meus pais. Sempre fui procurado como amante, e como tal fui considerado valioso. Um objeto de desejo. Só que com Hermione não foi assim. — Ele soltou uma risada amarga. — Ela não encontrou uma característica em mim que a agradasse, por mais que eu tenha tentado mostrar. Na verdade, ela me desprezou de início, e admito que foi merecido, pois a raptei. Sim, ela me odiou.

— E com o tempo esse ódio foi passando? — pressionou Albus, enchendo o copo de Harry.

— De certa forma. Eu já tinha me apaixonado. O rosto anguloso, os olhos expressivos… Eu conseguia ler todos os seus pensamentos só de olhar para ela. Fiz questão de lhe contar que não era um homem digno, e mesmo assim Hermione se im­portava comigo. Ela se apaixonou por mim — disse ele, mara­vilhado com o simples pensamento. — Foi quando descobri que não conseguia ficar longe dela.

Harry desviou o olhar, franzindo a testa.

— E era o que eu deveria ter feito. Meu único consolo é não a ter desonrado. Eu lhe imploro que acredite em mim, sir Albus. O homem que se casar com Hermione terá uma mulher intacta. — As palavras eram extremamente dolorosas de pro­ferir, pois Harry não conseguia suportar a idéia de imaginá-la com outro.

— Disso eu tenho plena certeza — disse Albus. — Diga-me, Harry, você fala gaulês?

— Não, mas gostaria. Hermione fala tão bem. Eu acho muito… — sensual, ele quase disse, mas se conteve, terminando a frase com "lírico".

— Acredita nos antigos costumes? — perguntou Albus.

— Em magia?

— É uma forma de dizer o que consideramos natural, mas concordarei com a palavra.

Harry ficou pensativo por um instante.

— Sim. Acho que sim. Quando estávamos em Pentre Ifan, eu vi um elfo… ou alguma criatura do tipo. Ele tentou roubar a rainha de xadrez e me mordeu quando tentei pegá-la de volta. Ainda tenho a cicatriz. — Harry levantou a mão para mostrar o ferimento. — E ele me chamou por um nome esquisito.

— Eu sei. Lorde Eneinoig. Hermione lhe contou o que isso sig­nifica para nossa família?

— Não sei nem o que o nome significa para os outros — confessou Harry, desculpando-se.

— Você será obrigado a aprender cymreag, Harry. Esse é o seu destino, meu filho. Aceita mais um pouco de vinho? — ­Albus encheu o copo de Harry, depois recostou-se na cadeira e bebeu o seu. — Eneinoig significa promessa. Há uma lenda muito antiga na nossa família dizendo que um "lorde prometi­do" surgiria para guiar e dar poder às gerações futuras. E não seria um Granger. Ele seria nomeado pelas criaturas em que hoje acreditamos, entre elas as fadas de Pentre Ifan. Esse ho­mem seria chamado lorde Eneinoig, batizado por aqueles que o escolhessem.

Harry endireitou-se na cadeira.

— Milorde, temo que esteja equivocado. Não sou o homem de quem está falando.

Albus o fitou com simpatia.

— Sinto muito se você não gosta, mas você é o tal homem. Os Granger não questionam a determinação daqueles que têm maior sabedoria.

— Hermione lhe contou? — perguntou Harry. — Ela lhe es­creveu?

— Não, não escreveu. Eu soube do ocorrido de outra maneira, antes de você ter partido de Gales. As evidências de que você é o escolhido são fortes. Você pode não aceitar, porém, agindo assim, estará rejeitando muita coisa.

Harry tentou não rir, mas não conseguiu.

— Eu sou um bandido, um ladrão. Essa escolha só pode ter sido um erro.

— Foi o que você pensou quando descobriu que Hermione o amava?

— Sim, com certeza.

— Então, meu filho, acho que você se enganou, tanto em relação ao amor de Hermione à escolha do lorde prometido. Diga-me, você gostou de Glain Tarran?

— Eu nunca vi.

— Como assim? Hermione não o levou até lá?

— Ela disse que nem sempre aparecia.

— Você deveria ter visto! — protestou Albus, indignado. — Agora é a sua propriedade, o trono de seu poder. Você é o chefe da família, sendo digno de todos os poderes. E um direito seu ver a propriedade que lhe pertence. Bem como todo o resto.

Harry olhou para o velho, imaginando se sofreria de alguma doença mental, pensando em como toda aquela história abor­receria Hermione.

— Sir Albus, não se exalte. Eu farei tudo que me pedir, mas peço-lhe que mantenha a calma.

— Meu caro, você deseja ter Hermione como esposa?

— E tudo que eu mais desejo na vida — confessou ele. — Sei, contudo, que é um sonho impossível.

— Não é, meu lorde Eneinoig. Tudo que você tem a fazer é aceitar o seu destino. E simples como parece. Charme e habi­lidades não lhe faltam. São essas as qualidades mais importan­tes em um líder. Não se preocupe, Hermione cuidará de todo o resto.

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Uhh, esse é o penultimo capítulo o/
curiosos???

BeijinhusS

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