Capítulo VIII



Hermione não imaginava que fosse possível, mas Harry Potter conseguira encontrar uma hospedaria pior do que a taverna de Bostwick.

Na realidade, duvidava que a construção para a qual olhava pudesse ser chamada de hospedaria. Parecia mais um galpão abandonado, um abrigo de animais. Não havia porta de entra­da, apenas uma grande abertura, e a escuridão no interior era tanta que não se podia precisar o que havia lá dentro.

O lugar era tão sinistro e com aparência de abandonado que não parecia ser possível alguém morar ali, pelo menos não uma pessoa normal. Mais parecia um esconderijo de bandidos e, a julgar por Harry e seu criado, não era de se duvidar.

— Veja se consegue encontrar Xander, Ron— ordenou Harry, desmontando de seu cavalo. — Ele e seus homens de­vem estar escondidos em algum lugar, caso contrário já teriam aparecido.

Ron já estava no chão, ajudando Luna a descer.

— Prefiro enfiar a mão em um ninho de cobras, mas vou obedecer-lhe, milorde.

Hermione notou que o criado tirou o punhal da cintura antes de se aproximar da entrada do galpão.

Ao sentir mãos quentes em sua cintura, ela olhou para baixo e encontrou Harry pronto para ajudá-la a descer de Nimrod. O belo rosto apresentava linhas de cansaço, e os olhos verdes indicavam preocupação.

— Não temos alternativa — disse ele, esperando que Hermione apoiasse as mãos em seu ombro — Mas saiba que eu realmente gostaria que houvesse.

— Na floresta? — sugeriu ela, já no chão. — Luna e eu não nos incomodamos. Acho que é até melhor. E mais seguro, pelo que pude perceber.

Harry balançou a cabeça.

— O chão está muito úmido por causa da chuva de ontem. Eu esperava estar mais longe antes do anoitecer, e não tardará a escurecer. Além disso, sua criada quase não consegue manter os olhos abertos. Eu lhe peço desculpas. — Ele sacou a espada da bainha, que estava pendurada na sela de Nimrod. — Acho que nossos anfitriões vieram nos receber.

Ele brandiu a pesada arma com graça, levantando-a no exato momento em que vários homens empunhando adagas aparece­ram de detrás das árvores. Eram cinco deles, observou Hermione, bem morenos e rudes. O líder era mais alto do que os outros, muito bonito e interessante, apesar de suas roupas estarem mais do que surradas. Ele sorria para Harry, e ergueu a mão para indicar a espada apontada em sua direção.

— É assim que cumprimenta os velhos amigos, Harry? — per­guntou ele com calma, como se também não estivesse apontan­do uma arma tão perigosa para seu companheiro.
Hermione atreveu-se a olhar para o rosto de seu seqüestrador. Estava implacável, como se fosse de pedra. Nos últimos dias, testemunhara várias expressões de Harry, mas aque­la em especial causou-lhe arrepios por todo o corpo. Ele podia ser um bandido arrogante, mas não era mentiroso. Dissera ser um exímio lutador e, vendo-o, poderoso e imponente, pronto para atacar se necessário, ela teve essa certeza.

— É assim que cumprimento inimigos, Xander — respondeu Harry. — Entre meus amigos há uma série de ladrões e men­tirosos, mas nenhum assassino.

Xander sorriu com sarcasmo, mostrando os dentes brancos que contrastavam com a pele morena.

— Pena que você seja tão exigente, Harry. É uma característica estranha para um bastardo, mas você sempre foi assim. Ron teria ficado comigo se fosse diferente. Imagino que tenha trazido o pequeno traidor. — Os olhos escuros se moveram para Hermione, que chegou mais perto de Harry. — E mais alguém. — Xander deu um passo para frente, mas a espada de Harry em seu pescoço o impediu de se aproximar.

— Essa mulher e sua criada estão sob os meus cuidados. Toque nelas e você será um homem morto, Xander. O mesmo vale para os seus homens.

Devagar, o moreno se afastou, sem tirar os olhos brilhantes de Hermione.

— E você fala de assassinos com tanto desdém. Ela é sua prostituta? Não é tão bonita quanto a última, mas o corpo é perfeito. — Xander a olhou como se a fosse devorar inteira, se tivesse a chance. Hermione começou a tremer. — Temos bastante ouro, se quiser levar um pouco — acrescentou ele. — Faz mais de um mês que não aparece nenhuma mulher para dormir aqui. Nós pagaremos bem pelas habilidades dela.

— Não — respondeu Harry, nervoso. — Queremos apenas abrigo para a noite. Nada mais. E não pense que irá me con­vencer.

— Está bem — concordou Xander. — Além de amparo, eu lhe darei ouro. Deixe-nos ficar com a mulher por uma hora, e você pode pedir o que quiser. Nós não a prejudicaremos. Um de cada vez, não é? — Ele olhou para seus homens, que assentiram murmurando.

Hermione descobriu, aterrorizada, que agora todos a olhavam. Ela foi para trás de Harry e colocou a mão na cintura dele, escondendo-se atrás do corpo forte.

— Ela não é prostituta — declarou o seqüestrador, calmo —E falei a sério. Se você encostar um só dedo nessa mulher, con­sidere-se um homem morto.

— Então nos dê a outra. — Ele apontou para Luna, parada ao lado da égua de Ron, pálida de tanto medo. — Ela será perfeita para nos satisfazer.

— Xander!

O grito veio de um de seus homens que, de repente, encon­trou a adaga de Ron em seu pescoço. O jovem apareceu atrás deles sem ser notado, o que Hermione atribuiu à experiência em lidar com homens daquele tipo.

— É um prazer reencontrá-lo, Noald — disse Ron, pressionando mais a lâmina contra o pescoço do bandido. — Você continua feio como sempre. Da última vez que nos encon­tramos, quebrei seu nariz. O que será dessa vez?

— Chame seu cachorrinho de estimação, Harry — falou Xander.— Nós não faremos nada contra as mulheres.

— Quero a sua palavra de honra — insistiu Harry. — E tudo que você possui de valor. E também quero escutar jura­mentos de seus homens. Não confio muito neles, mas você dará a palavra final. Caso contrário, sua fama de traidor se espa­lhará e você será banido até pelo pior dos bandidos.

— Ele é o pior deles — resmungou Ron, apertando ainda mais sua adaga.

— Xander!

— Está bem — concordou ele, baixando a espada ao perceber que Harry não sossegaria enquanto não escutasse um jura­mento. — Você terá a minha palavra de honra, e também a de meus homens. Falem alto! — ordenou ele e, obedecendo, todos concordaram.

Noald foi solto e empurrado para o chão, e Ron cami­nhou para o lado de Luna, que se deixou abraçar em busca de conforto.

Aos poucos, Harry foi baixando sua espada e relaxando.

— Passaremos a noite aqui e partiremos logo ao amanhecer — disse ele. — Não nos cause problemas, que você também os não terá. Se as mulheres não estivessem cansadas da viagem, pode ter certeza de que Ron e eu jamais teríamos parado aqui.

— Mas vieram — comentou Xander —E agora serão nossos convidados de honra. Todos vocês. — Ele olhou para Ron.— Até mesmo o traidor.

— Você tem comida? — perguntou Harry.

— Comida e bebida — respondeu Xander. — Acabamos de voltar da caça. Trouxemos apenas coelhos, mas há o suficiente para todos.

— Vocês serão bem pagos.

— Discutiremos esse assunto amanhã cedo — falou ele, in­dicando para que entrassem na casa. — Venham se aquecer um pouco. O fogo apagou, mas logo estará queimando outra vez. E o vinho já está na mesa.

Ele foi na frente, e seus homens o seguiram.

— Como você pode confiar nele? Esse sujeito nos matará en­quanto dormimos! — disse Hermione, puxando Harry pelo braço.

Ele sorriu, cansado.

— Não se preocupe, Hermione. Eu ficarei acordado para protegê-la. Não há o que temer.

— Você está tão cansado quanto Luna e Ron. Eu fica­rei acordada de guarda.

Harry pareceu chocado, depois deu uma sonora risada.

— Hermione, por favor, não é hora para brincadeiras.

— Estou falando a sério! — insistiu ela. — Dormi bastante durante a viagem, e não há nada mais justo do que eu ficar acordada, atenta a qualquer movimento em falso de… de Xan­der — terminou Hermione, sem saber como se referir ao homem.

— Não é a Xander que eu temo. — Harry embainhou a espada. — Existe uma certa honra entre bandidos, por mais difícil que seja de acreditar. Se ele não cumprir com sua palavra e nos atacar, todos nossos conhecidos o desprezarão. E uma atitude dessas é tão ruim quanto a morte entre pessoas da minha laia. Não, eu não me preocupo com Xander, ou com um de seus homens. O meu medo é que você ou a Srta. Luna tentem escapar.

— Você acha que seríamos tolas a ponto de fugir agora? Não temos nenhum tipo de proteção, muito menos como voltar a Londres. E o pior é que nem imagino onde estamos, muito me­nos como encontrar uma estrada decente para fugir. Não fan­tasie demais.

Segurando as rédeas de Nimrod, Harry o levou até um pe­queno estábulo.

— Não posso correr o risco de perder vocês — falou ele, olhan­do para seu criado abraçado a Luna. — Leve-a para dentro, Ron. Encontre o canto mais limpo da casa e procure dei­xá-la confortável. Eu tomo conta de Meretriz.

— Meretriz? — repetiu Hermione, vendo Luna desaparecer com Ron. — É esse o nome da égua dele?

Harry achou graça do espanto da jovem.

— Sim. Você não lhe daria o mesmo nome, vendo como ela se comporta? Qualquer pessoa que monte nela conseguirá fugir para bem longe.

— Harry Potter! Eu lhe dou minha palavra de honra. Luna e eu não tentaremos escapar durante a noite. Não digo que o mesmo não acontecerá quando estivermos mais seguras. Eu seria mentirosa se lhe dissesse o contrário. Entretanto, não faremos nada enquanto não chegar a hora. — Ela olhou para a pobre moradia. O sol começava a desaparecer, deixando-a ainda mais sinistra. — Nós dois sabemos que nada acontecerá esta noite. Tenho medo até de dormir neste lugar, imagine só andar sozinha pelas redondezas. E se a minha palavra não é suficiente, eu lhe peço que fique com isto.

Depois de certificar-se de que não havia ninguém olhando, Hermione enfiou a mão no bolso de seu manto e tirou a peça de xadrez.

— Tome — murmurou ela, colocando a rainha na palma da mão de Harry. — Eu lhe disse que meu tio me confiou essa peça que tanto estima para tentar recuperar a Pedra da Graça. Você sabe que não partirei sem ela.

Harry ficou olhando para a pequena figura entalhada.

— Hermione, não é necessário — disse ele, balançando a cabeça.

— É sim, pois minha palavra não é suficiente. — Não lhe agradava nem um pouco entregar a peça a outra pessoa, mas mesmo assim Hermione fechou a mão dele ao redor da rainha. — Amanhã cedo você me devolve. Eu lhe confiarei meu mais pre­cioso bem para ter a sua confiança.

Harry tentou lhe devolver a peça.

— Eu aceito a sua palavra, Hermione. Pegue-a de volta.

— Não. — Ela sentiu-se tola e, como conseqüência, suas faces enrubesceram. Se Harry lhe devolvesse a rainha, ela cairia em pratos, e não sabia explicar o porquê. — Só ao amanhecer, quan­do partirmos deste lugar.

Convencido, ele apertou a peça na mão e levou-a até o peito.

— Eu lhe juro que a manterei a salvo.

Sem coragem de encará-lo, Hermione ficou olhando para baixo.

— Então ficarei de guarda?

— Sim, você ficará de guarda — consentiu ele. — E se Xander ou qualquer um de seus homens se atreverem a olhar para você, acorde-me na mesma hora. Prometa-me.

— Eu lhe dou a minha palavra. — Por fim, Hermione levantou o rosto e deparou-se com um olhar perturbado. — Você não confia em mim?

— Confio sim, Mione — respondeu ele, enfiando a peça de xadrez em seu bolso — Mas Xander e seus homens são muito espertos. Eles prometeram que nos deixariam em paz, só que passarão a noite tentando cumprir a promessa e ainda assim fazer alguma travessura. Temo que você não saiba o que pediu quando se ofereceu para ficar de vigília. Porém, será como de­seja. Assunto encerrado.

A comida que Xander e seus homens providenciaram foi sim­ples, porém serviu para matar a fome de todos. Harry e Ron cortaram os dois coelhos assados que receberam, dando as melhores partes para Luna e Hermione. Apesar de o vinho estar amargo e velho, eles o beberam para matar a sede e aquecer o estômago.

A decrépita moradia tinha duas partes, uma sala principal com uma lareira no centro, e uma área que era separada por uma pesada cortina de veludo, certamente roubada de alguma vítima rica. Xander ofereceu-lhes essa área menor, e Harry aceitou-a de bom grado.

O pequeno quarto era bastante escuro, uma vez que a cortina praticamente impedia a entrada de qualquer iluminação, bem como do calor, mas era um pouco mais limpo do que o resto da casa. Com as capas estendidas, eles improvisaram camas para dormir. Luna e Ron adormeceram assim que fecharam os olhos, mas Harry, apesar da evidente exaustão, sentou-se ao lado de Hermione.

— Tem certeza de que quer fazer isso? — perguntou ele. — Pretendo lhe fazer companhia durante a vigília.

Hermione até teria aceitado a oferta se ele não parecesse tão cansado. Harry tinha o rosto pálido e os olhos vermelhos. Se não se deitasse, era bem capaz que dormisse sentado, mesmo antes de perceber.

— Não, você precisa descansar para que possamos partir ao amanhecer. Na verdade, estou pensando em mim, pois não vejo a hora de estar longe daqui.

— Sinto-me honrado — disse ele, rindo — Por você preferir a minha companhia à de Xander. Não é bem um elogio, mas aceitarei mesmo assim. Olhe, a pedra está brilhando. — Harry tocou-lhe a capa, que emanava uma luz suave, iluminando-lhes os rostos. — Posso vê-la?

— Se eu a tirar do bolso, Xander e seus homens poderão ficar curiosos com a claridade.

— Talvez, porém é melhor que tenhamos um pouco de luz. Xander nos deu privacidade com a esperança de que dormísse­mos, oferecendo-lhe a possibilidade de agir.

— Mas se ele entrar…

— Ele não entrará aqui — garantiu Harry. — Se vir o brilho atrás da cortina, Xander certamente ficará curioso. Entretanto, ele jamais demonstrará essa curiosidade diante de seus homens. E então, posso ver a pedra?

Hermione hesitou, desejando que a pedra parasse de brilhar.

— É um grande inconveniente — disse ela. — Como gostaria que meus tios não tivessem me confiado essa pedra!

Naquele momento, a pedra parou de brilhar, deixando-os novamente na escuridão.

— Oh! — exclamou ela, sentindo a mão de Harry procuran­do a pedra em sua capa.

— Que vergonha, senhorita. Você magoou os sentimentos da pobre pedra — brincou ele, movimentando suas mãos hábeis até encontrar o bolso da capa de Hermione. Os rostos deles estavam tão próximos que ela sentia a respiração quente contra seu rosto, tão perto que ela soube dizer quando os lábios de Harry se curvaram em um sorriso ao encontrar o que procurava.

Hermione soltou a respiração que estivera prendendo sem per­ceber, e se espantou ao observar que seu coração batia mais depressa do que o normal.

— Ela não acenderá — disse Hermione, com a voz ligeiramente trêmula. — Essa pedra é cheia de truques e só as minhas tias conhecem o comportamento desses objetos.

Harry a ignorou e começou a murmurar com a pedra, como se ela pudesse compreender suas palavras.

— Vamos lá, pequena criatura. Minha linda pequena criatura.

— Não se trata de uma criatura — falou Hermione. — É uma pedra irracional.

— Não preste atenção no que ela está dizendo, meu amor. Vamos lá. Mostre-nos sua linda luz.

Ao abrir a boca para repetir o que acabara de dizer, Hermione engoliu as palavras. A pedra estava brilhando! Não era uma luz forte, mas tímida, ainda fraca.
A mão de Harry se iluminou primeiro, a palma, onde a pedra se encontrava, e os longos dedos. Os lábios dele se mexiam com delicadeza, sussurrando palavras dóceis para o objeto, como se estivesse conversando com uma criança.

— Sim, minha linda. Minha linda criatura. Isso mesmo. É assim que eu gosto. Mostre-nos como você emana sua esplendorosa luz. Agora um pouco mais. Sim, um pouco mais forte.

Em resposta, a pedra brilhou com maior intensidade, aos poucos, como Harry tinha pedido, iluminando-lhe o rosto e de­pois o resto, até que toda a área encerrada pela cortina estivesse clara.

— Assim está ótimo, minha pequena criatura. Não brilhe mais, pois não queremos ser descobertos. Você é uma pedra muito bonita e inteligente. Aposto como não se importará em nos manter a salvo durante a noite, apesar do que a sua dona diz, não é?

A luz da pedra diminuiu um pouco, respondendo à pergunta de Harry.

— Muito bem! — exclamou Hermione, sentindo-se insultada até se lembrar de que era apenas de uma pedra.

— Não ligue, minha querida. Ela não sabe o que está falando — disse ele, fingindo acalmar a pedra.

— Pare com isso,Harry James Potter! — ordenou Hermione. — É apenas uma pedra.

A claridade diminuiu um pouco mais.

— Mione, por favor, fique quieta e deixe-me cuidar desse assunto.

Ofendida, ela cruzou os braços e sentou-se para observar Harry seduzir a pequena pedra até seu brilho voltar a reluzir.

— Pronto. — Ele olhou satisfeito para Hermione. — Ela só queria um pouco de carinho e atenção. Todas as criaturas pre­cisam disso.

— Já que você insiste em dizer que essa pedra é uma cria­tura, não tenho a menor dúvida de que se trata de uma mulher.

Harry riu e, com cuidado, colocou a pedra no meio do pe­queno aposento. Ela brilhava como uma vela suave, fornecendo luz suficiente para que os dois enxergassem um ao outro.

— O problema, Hermione Granger, é que a magia a rodeia, mas você insiste em não acreditar — afirmou Harry, sorrindo.

— Não é mágia — respondeu ela, apontando para a pedra. O seqüestrador não se perturbou, continuando a olhar e tra­tar o objeto como se fosse humano.

— Eu já lhe expliquei como a pedra produz luz. É uma com­binação de elementos naturais, da terra…

Harry balançou a cabeça para os lados e deu uma risadinha.

— Por que você insiste em dar uma explicação prática para tudo? É impossível. A idéia de magia a incomoda tanto? E de se espantar que seus parentes não tenham conseguido conven­cê-la depois de todos esses anos. Você vai me mostrar esse pó espetacular que seu tio lhe deu ou não?

— Não — respondeu ela. — Você está muito cansado. Quem sabe, amanhã cedo. O pó serve para apagar fogo e dissipar uma nuvem de fumaça de um ambiente fechado. E não é mágico.

— Como quiser, senhorita. Então depois você me explica co­mo funciona direito, por favor.

Os dois se distraíram com Ron que, dormindo pesa­damente, virou-se de lado e colocou o braço em volta de Luna. A criada suspirou de leve, mas não acordou.

— Vou conversar com ele logo ao amanhecer — disse Harry, antes que Hermione pudesse falar qualquer coisa. — Não se preo­cupe com o assunto. Ron se apaixona com a mesma fa­cilidade com que a chuva cai do céu. Você nunca conhecerá um homem mais romântico. Seu coração se despedaça a cada quin­ze dias.

— Você me surpreende, Harry— disse Hermione, com honestidade. — Ele não me parece uma pessoa sujeita a esse tipo de emoções. Ainda mais depois de o ter visto interagindo com Xander e seus homens. Imagino que Ron te­nha vivido algum tempo com eles.

Harry endireitou as costas, virando o rosto de um lado para o outro e mexendo os ombros, na tentativa de aliviar os mús­culos doloridos. Seu cansaço tornava-se mais evidente a cada momento que passava.

— Ron nasceu e foi criado em Londres e passou a maior parte nas ruas e becos da cidade. Nunca conheceu a mãe ou o pai. Quando o conheci, ele tinha apenas onze anos. Fiquei surpreso ao saber que um garoto daquela idade conseguira so­breviver por tanto tempo em circunstâncias tão precárias, mas depois descobri que isso só aconteceu porque ele era muito esperto e espirituoso para morrer, e também por ter sido adotado por um bando de ladrões.

— Xander e seus homens?

— Xander estava entre eles, mas era apenas um aprendiz. Não, o homem que manteve Ron vivo chamava-se Trigere. Japhet Trigere. Deus que me perdoe, mas se tratava de um bandido desalmado. Mil vezes pior do que Xander. Entretanto, ele logo percebeu o valor de Ron e lhe ensinou tudo que sabia, tratando-o como um verdadeiro filho. Escolheu até um nome francês, como Weasley, para batizá-lo.

Harry sorriu, depois deu uma gostosa risada.

— E desde então, Ron se acha o verdadeiro francês, e conhecedor de todos os assuntos gauleses, apesar de ser tão inglês quanto você e eu. Foi a sorte que nos colocou frente a frente, no dia em que ele tentou roubar minha carteira. Se eu não fosse tão esperto, Ron bem que teria conseguido. — Os olhos de Harry se encheram de lágrimas diante da lembrança. — Meus pais sempre se desesperaram com meus ta­lentos peculiares, mas eles me foram bastante úteis durante os anos. Em outras circunstâncias, eu poderia nem ter ficado com Ron.

— Como assim?

— O único motivo de Ron ter largado sua família de ladrões para ficar comigo foi por ter me reconhecido como um bandido superior. E naquela época, eu esvaziava várias carteiras para manter minha barriga cheia e minha… para ser mais delicado, minha cama aquecida.

— Estou surpresa com o fato de você precisar pagar por isso — comentou Hermione sem pensar duas vezes. Imediatamente seu rosto enrubesceu. — Desculpe pela minha grosseria. Não tenho nada a ver com esse assunto.

Harry riu, mas seu cansaço era tanto que Hermione sentiu pena.

— Não se preocupe, senhorita. Embora eu tenha conheci­mento dos meus dotes, já estou me aproximando dos trinta anos.— Ele respirou fundo. — Não vou negar que sempre fui aben­çoado com as mulheres, porém as mulheres cuja companhia eu busquei precisavam de dinheiro, como qualquer pessoa, e por isso eu pagava. Todavia, trata-se de um assunto inadequado para uma dama como você. Não se preocupe com a sua criada. Amanhã cedo vou conversar com Ron. Não é nossa in­tenção agir como sedutores enquanto as mantemos cativas,

Hermione franziu a testa e desviou o olhar, imaginando que um homem como aquele jamais a seduziria, nem mesmo que tivesse sido pago por Sir Draco para agir assim.

— Claro, poderíamos tentar seduzi-las — disse Harry, o que a fez voltar os olhos imediatamente para seu seqüestrador. — Seduzi-la, quero dizer. Não tenha a menor dúvida. E você es­taria muito desamparada para resistir.

Surpresa, Hermione arregalou os olhos. Não sabia o que pensar a respeito daquelas palavras. Será que Harry estava se divertindo com sua falta de atrativos? Um homem tão bonito, que podia ter todas as mulheres que desejasse com apenas um olhar, em hipótese alguma perderia seu tempo com alguém co­mo ela.

O silêncio de Hermione pareceu exasperá-lo. Ele ergueu a mão e apontou para o aposento imundo atrás da cortina.

— Xander e seus homens queriam me pagar em ouro para possuí-la por apenas uma noite. Você e não a sua criada.

— Eles têm medo de machucá-la — sussurrou ela.

— E você acha que esses homens se preocupam com o bem-estar de uma mulher? Eles são assassinos, Mione. Respeitam apenas aqueles que são mais hábeis e mais rápidos com uma arma. Não, Xander queria você. Você tem pouca experiência sobre o assunto, estando acostumada com homens tão fracos quanto Sir Draco. Era desejo que havia nos olhos de Xander. Desejo, minha cara. Por você.

Hermione piscou para afastar as lágrimas que surgiram de re­pente em seus olhos. Por que Harry se tornara tão cruel de uma hora para outra?

— Entendo o que você está querendo dizer — murmurou ela, com a voz trêmula. — Um homem, ou melhor, um assassino, que deve estar há semanas sem a companhia de uma mulher pode se interessar por alguém como eu.

Harry deitou a cabeça para trás e ficou olhando o teto, como se estivesse pedindo por paciência.

— Não foi isso o que eu quis dizer — explicou ele, algum tempo depois, encontrando os olhos de Hermione. — Se eu não estivesse tão cansado e se não tivesse prometido que a deixaria em paz, eu lhe mostraria o que estou querendo dizer, senhorita, para que não restasse nenhum tipo de dúvida.Tome — disse Harry, desembainhando sua espada e colocando-a entre ambos. — Espero que não precise usá-la, todavia é mais garantido deixá-la aqui. E me acorde imediatamente se alguém se atrever a atravessar a cortina.

Calada, Hermione assentiu e observou o seqüestrador murmu­rar algumas palavras antes de se deitar. Ele fechou os olhos, mas continuou resmungando algo sobre mulheres e tolices. Mo­mentos depois, Harry ficou em silêncio e logo adormeceu.

Se seu cansaço não fosse tão grande, Harry disse a si mesmo algum tempo depois, ele teria acordado no instante em que escutara Hermione falando seu nome. Certamente quando ela co­meçara a sacudi-lo. E definitivamente quando sentira o cheiro de fumaça.

Por fim, Harry despertou e deparou-se com Hermione quase em cima dele, empunhando a espada contra Noald, que não se mostrava nada calmo.

— Harry! — gritou ela furiosa, brandindo a espada para frente e para trás. — Ron!


De algum lugar atrás de si, Harry escutou a resposta de Ron, seguida por um grito histérico de Luna. Ele ficou imóvel onde estava, observando, estupefato, Hermione lutar contra Noald com a bravura de uma amazona. Se preciso fosse, ela decerto mataria o homem. Não havia sinal de lágrimas no rosto anguloso, muito menos de medo, apenas determinação.

As mãos de Ron puxaram Harry pelo colarinho, despertando-o do torpor.

— O que houve, meu amigo? Acho que você está ficando velho, surdo e cego! — berrou ele, sacudindo-o. — Levante-se!

A letargia que o mantinha enfeitiçado desapareceu na mes­ma hora, e Harry se levantou. O lugar estava todo enfumaçado, e ele logo compreendeu o que acontecia. Xander prometera não tocá-los. Fisicamente. Entretanto, encher a casa de fumaça e confusão e tentar roubá-los não fazia parte do combinado. E se não saíssem de lá o mais depressa possível, todos corriam o risco de morrer sufocados. Hermione já tossia e respirava com dificuldade, o que atrapalhava seus movimentos com a espada.

— Deixe-me lidar com este safado! — resmungou Harry, tirando a espada da mão de Hermione e encostando-a no pescoço de Noald. — Mione! Fique perto de Ron e ele… Mione?

Harry tentou enxergá-la em meio à fumaça e a viu passar pela cortina, na direção da sala.

— Hermione! Não faça isso!

Tarde demais. Harry escutou-a tossir e saiu correndo, em­purrando Noald para o lado.

Tentando enxergar em meio à fumaça cada vez mais densa, ele ouviu um grito feminino a sua esquerda.

— Xander, deixe-a em paz! Eu lhe juro que acabarei com a sua vida se você ousar encostar um só dedo nessa mulher!

Uma explosão clara de luzes brilhantes inundou o ambiente, produzindo faíscas púrpura. Momentos depois, a fumaça sumiu. Simplesmente desapareceu. Não foi levada pelo vento, nem saiu pelas janelas. Desapareceu. As faíscas caíram no chão, reluzindo como centenas de estrelas brancas e púrpura antes de se apagarem ao mesmo tempo. A parca claridade foi suficiente para que Harry visse Xander e seus homens ao lado de Hermione, com as adagas em mãos e os rostos cheios de pânico. A jovem olhava para seu seqüestrador, segurando a pequena bolsa de couro com a mão esquerda e com a direita estendida. Quase toda cor sumira do rosto dela.

— U-uma bruxa! — gaguejou Xander. — Você colocou uma bruxa dentro da minha casa!

— Ela não é bruxa — disse Harry, sabendo que ninguém acreditaria. Hermione parecia uma verdadeira feiticeira, toda im­ponente com a mão direita elevada, os cabelos castanhos soltos, caindo-lhe nas costas. Além disso, a fumaça desapare­cera como em um passe de mágica. E a despeito do que ela lhe contara sobre os tios, Harry ainda não se convencera da ine­xistência de magia naquela família.

— Deixem-nos em paz! — implorou Xander, encostando-se na parede com seus companheiros. — Saiam daqui! Harry, eu lhe imploro que parta. Pegue sua bruxa e siga seu caminho!

As cortinas se abriram e Ron e Luna caminharam para a sala, levando a pedra brilhante consigo. Ele colocou-a sobre a palma de sua mão, iluminando todo o ambiente.

— Era só o que me faltava — resmungou Xander, fazendo o sinal da cruz. — Isso é coisa do demônio.

— Sim — disse Harry, perdendo a paciência. — E esta é a minha espada, afiada e pronta para atacar quem for preciso. — Ele se aproximou de Xander e segurou a arma contra a gar­ganta do inimigo. — Diga-me, Xander, por que eu não devo mandar sua alma cigana para o inferno por você não ter cum­prido com sua palavra?

— Eu não faltei com minha palavra! Nós não lhes fizemos nenhum mal!

— Ah, não? Você quase nos matou com a fumaça, e mandou Noald roubar nossos pertences!

— Mas não encostamos um dedo em vocês — argumentou Xander, unindo as mãos. — Harry, eu lhe peço que pegue a bruxa e saia daqui, ou saímos nós. Eu lhe juro que não apare­ceremos mais até amanhã cedo, quando vocês estiverem bem longe.

— O que o leva a crer que eu seria tolo a ponto de acreditar duas vezes na sua palavra? Não, Xander, tenho uma idéia bem melhor, e você me obedecerá caso não queira que essa mulher se revele. Ela ainda não mostrou nem a metade dos poderes que possui, mas tenha certeza de que eu a autorizarei a proferir as mais horrendas maldições se você nos causar mais proble­mas. Ron — chamou ele, sem tirar os olhos do inimigo, que começara a tremer — Encontre uma corda. Eu lhe juro que teremos uma noite decente de descanso.

Meia hora depois eles se deitaram de novo, dessa vez ao redor do fogo.

Harry conseguira convencer Hermione a se deitar, mas ela se recusava a fechar os olhos.

— Você acha que eles não conseguirão se soltar? Xander é tão esperto…

Harry bocejou e se espreguiçou.

— Se eu os tivesse amarrado, essa possibilidade existiria. Entretanto, foi Ron que os prendeu. Eles não se soltarão até que nós o soltemos. Se é que vamos fazê-lo.

Do outro lado, onde dormia, Ron resmungou algo e se virou.

— Eles pensam que eu sou uma bruxa — disse Hermione. — Não falei que era assim?

— Pense que foi algo positivo, pelo menos essa noite — Enfiando a mão no bolso, Harry pegou a peça de xadrez e estendeu-a para Hermione. Ela inclinou-se para pegá-la, mas não entendeu nada.

— Você descansará melhor se a rainha estiver em seu poder. — falou ele, bocejando outra vez. — Tente dormir, Mione. Ama­nhã teremos um longo dia pela frente.

Ela ficou em silêncio e imóvel. Harry também, prestando atenção nos movimentos da jovem. Um longo tempo se passou antes que Hermione se deitasse e conseguisse adormecer. Só então ele pôde descansar sossegado.


____________________________________________________

O negocio do nome do Harry é o seguinte...

Naquela época, os filho de pais não casados, eles colocavam o nome do pai sabe...alguém entendeu???

kkkkk

Eu num sei explicar direito....Naquele tempo, eles eram muito preconceituosos com quem era filho de pais não casados...Então colocavam o nome do pai, como um modo de identificar quem era e quem não era "bastardo"...

Não gosto da palavra bastardo...é feia e maldosa!!!

BjoOsss e comentem muuuuito

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.