Capítulo II
— Tive a impressão de você ter dito que Hermione significava "linda" — comentou Harry, cruzando os braços e recostando-se com displicência contra a parede da taverna. O vento soprava forte, fazendo com que as dobras de seu pesado manto de lã batessem contra suas pernas. Olhando para cima, ele observou que as nuvens estavam mais pesadas, mais escuras. O dia nascera ensolarado e quente, porém a tempestade não tardaria a chegar.
— Exatamente — respondeu Ronald Weasley, colocando a caneca vazia no parapeito da janela aberta. — É uma jovem interessante, mas não se pode dizer que seja uma mulher linda. Talvez tenha sido um belo bebê.
Harry sorriu.
— Depois de um filho como Daman? Acho difícil. — Ele analisou a figura esbelta e imponente da Srta. Granger, que entrava no banco. — Apesar de ter a pele um pouco mais clara, não se pode dizer que essa dama é irmã de um brutamontes.
— E os cabelos dela brilham como os raios de sol da manhã — comentou Ron.
— Não, são de um castanho mais suave.— corrigiu Harry — Embora as outras qualidades da jovem me pareçam bem mais formidáveis. Não consigo nem imaginar um sujeito como Sir Draco enfrentando essa fortaleza de mulher. Ele deve ser um cordeirinho!
Ron riu.
— O que você está querendo dizer é que não consegue imaginar uma mulher com tanta personalidade permitindo que um tolo como Sir Draco tente enfrentá-la. Seria uma ousadia!
— É verdade. Ela não é uma beldade, mas suas feições não são nem um pouco desagradáveis. E o corpo tem curvas perfeitas, longilíneas, que se realçam com a altura. Acho que a Srta. Granger merecia um pretendente mais interessante do que um lorde tão delicado quanto Sir Draco.
— Duvido que ele se preocupe com a beleza da jovem — declarou Ron. — A Srta. Granger é rica e possui muitos bens, e é isso que realmente importa para aquele canalha. Você não acreditou nem por um instante na história absurda que aquele homem lhe contou, não é? Não acredito que ele o tenha convencido.
Harry balançou a cabeça.
— De forma alguma. Não acreditei em uma única palavra. Quando pus os olhos nele, percebi que se tratava de um grande mentiroso. E um covarde sem tamanho.
— E ainda assim está determinado a capturar a Srta. Granger e mantê-la prisioneira em York até que Sir Draco vá buscá-la?
— Sim.
Ron cuspiu no chão e emitiu um som que demonstrava seu descontentamento.
— Que tolice! Você está arriscando a sua vida, e a minha, apenas para se vingar de Sir Daman. E qual o motivo? Nada do que você lhe fizer trará de volta o que a sua irmã perdeu, ou devolverá a alegria que ele lhe tirou.
— Pode ser que não — concordou Harry, sem desviar os olhos da carruagem da Srta. Granger, mais especificamente do cocheiro e do ajudante, que já mostravam sinais de cansaço de tanto esperar — mas posso fazer com que sinta na pele todo o sofrimento por que Elizabeth passou. E ele também saberá o que é ter a irmã sob o poder de outro homem. Não se preocupe, Ron, eu não tenho a menor intenção de causar qualquer mal à Srta. Granger, e você sabe muito bem disso. O coração e o corpo dessa mulher permanecerão intocados e puros… Pelo menos até que Sir Draco venha buscá-la. Depois disso, acho que Daman pode começar a se inquietar.
Ron deu outra risada.
— Você? Entregar uma mulher a um cavalheiro que possa machucá-la ou lhe tirar a virtude? Jamais! Nem mesmo uma mulher determinada e forte o suficiente para acertar a cabeça desmiolada de Sir Draco. Por favor, camarada, conte-me uma história melhor.
Harry Potter riu para seu criado e amigo, mas não disse nada. Ron o conhecia bem demais. Só a idéia de entregar a Srta. Hermione para um homem como Sir Draco o incomodava. Entretanto, fazia questão de levar a cabo o acordo que fizera com o sujeito. A chance de se vingar de Daman Granger era muito atraente para fazê-lo mudar de idéia.
Havia poucas pessoas que ele realmente amava na vida, mas entre as mais queridas estavam seus pais, irmãos e irmãs. Ele se considerava um homem de muita sorte, apesar de ter nascido de uma família simples.
Seus pais o haviam reconhecido de braços abertos, bem como os avós, tios, tias e primos. Na realidade, Harry se considerava amado por ambas as partes da família e fora criado pelo padrasto como um filho legítimo.
Sim, ele era um homem de sorte. De muita sorte, ainda mais depois de todos os anos de andanças e arruaça. Várias vezes a família o impedira de ser preso, enforcado, ou pior. Várias vezes eles tinham lhe pedido para sossegar, para se estabelecer na pequena propriedade que ganhara de presente. E por várias vezes Harry os desapontara com seu comportamento, mas todos continuavam de braços abertos, sempre dispostos a ajudar e a lhe oferecer carinho.
Harry sabia que não era digno de uma família como a sua, e que eles não mereciam tanto sofrimento e preocupação. Havia apenas uma maneira de Harry demonstrar sua dignidade: por meio da lealdade e do amor que sentia por eles.
E foi essa devoção à família que o levara a buscar vingança contra Daman Granger. Sir Daman, um homem bonito e famoso por suas conquistas, deixara a irmã mais nova de Harry, Elizabeth, perdidamente apaixonada, a ponto de ela deixar de lado todo o bom senso.
A pobre moça acreditara que o cavalheiro se casaria com ela.
Harry, na qualidade de exímio conquistador, sabia como era fácil fazer com que uma moça ingênua acreditasse em algumas palavras doces. Em sua inocência, amor e confiança, Elizabeth se entregara a Daman, e Daman, o maldito cavalheiro, a abandonara logo em seguida, mesmo sabendo que ela concebera um filho. Nem mesmo o medo do poderoso padrasto de Harry, o lorde Randall, o tinha levado a assumir qualquer tipo de compromisso com a jovem.
Elizabeth, por sua vez, apesar de todo o ocorrido, implorara ao pai que não ordenasse a prisão de seu amado. Envergonhado, lorde Randall concordara em deixar o assunto de lado para preservar a honra da família. A gravidez de sua filha fora bem escondida, mas nem teria sido necessário. O sofrimento pelo abandono de seu desleal amante fora suficiente para que a jovem caísse de cama, perdendo o bebê poucos meses depois da concepção.
Cinco meses haviam se passado, e Elizabeth continuava inconsolável. Durante os dias que Harry tinha estado com a irmã na propriedade do padrasto, ela não fizera outra coisa além de chorar. Diante do desespero da jovem, ele jurara a si mesmo que se vingaria de Daman Granger de qualquer maneira. Sendo assim, a proposta de Sir Draco fora uma verdadeira dádiva. A oportunidade perfeita para aquele homem pagar, e caro, por ter feito sua querida Elizabeth sofrer tanto.
— Sim, você jamais permitirá que Sir Draco leve a Srta. Granger — declarou Ron. — Ainda mais depois que ela se apaixonar e implorar para que você não a abandone.
— Eu abandonei muitas outras, apesar da insistência delas — respondeu Harry, sem contestar o fato de que a Srta. Granger, bem como sua criada, Luna, se apaixonariam por ele. As mulheres, independentemente da idade e condição social, sempre se apaixonavam por ele, e isso acontecia desde seus quinze anos. Sim, sabia que era um homem bonito, porém não compreendia o fascínio que exercia sobre o sexo oposto, mesmo quando não tinha a intenção de conquistar.
Não havia como evitar, portanto, Harry aprendera a lidar com a situação. Ao selar o acordo com Sir Draco, ele já sabia que a Srta. Granger se apaixonaria, o que de certo complicaria seus planos. E como Ron dissera, ela agiria como as outras, implorando para não ser abandonada, principalmente se permanecesse prisioneira em York por alguns meses. Todavia, seu coração, apesar da intensa admiração por mulheres em geral, nunca se encantara por nenhuma em especial, a não ser pela mãe e irmãs.
Harry estava bem acostumado a dispensar fêmeas ardentes que cruzavam seu caminho. Seria uma grande falsidade dizer que evitara despedaçar mais do que alguns corações durante seus anos de andanças, porém ele tomava o máximo cuidado para não agir como Sir Daman Granger, deixando uma grávida ou desesperada, a ponto de a morte parecer melhor do que a vida. E a irmã do cavalheiro não era nenhuma exceção.
Não, a vingança deveria recair apenas sobre Sir Daman. Quanto à Srta. Granger, Harry a manteria a salvo e confortável durante sua estada na fortaleza de Sir Draco em York. Depois cuidaria para que ele a tratasse bem, não obrigando-a a se casar contra a vontade, nem mantendo-a longe da família. No que dizia respeito a si mesmo, Harry repeliria as declarações de amor da moça com toda a educação e faria o possível para não incitar tais sentimentos desde o início.
Por sorte, a Srta. Granger não dificultaria a tarefa. Se tivesse sentido qualquer tipo de atração pela jovem, Harry enfrentaria sérios problemas para não seduzi-la. Nunca se apaixonara por nenhuma, mas as mulheres eram seu ponto fraco. Aquela jovem, entretanto, tinha o olhar de uma mulher determinada, e não fazia exatamente seu tipo. Podia-se dizer que era esbelta. E apesar da evidência de curvas deliciosas por baixo do manto de lã, ela era bem magra. A não ser que os trajes da jovem possuíssem algum tipo de poder mágico que escondesse o que havia por baixo, Harry não conseguia detectar nenhum sinal da abundância de curvas que tanto o encantava no sexo oposto.
Não, a Srta. Granger alta e magra, uma mulher graciosa e saudável, capaz de desconcertar muitos homens. Harry , todavia, não estava entre eles.
— Ela sairá logo do banco.
— Sim, dentro de alguns minutos — concordou Ron. — A Srta. Granger costuma ser bastante pontual.
Era verdade. Os dois a observavam havia alguns dias, apenas três, colhendo informações com aqueles dispostos a ganhar algumas moedas de ouro, porém tinham descoberto muitas coisas a respeito da vida dela. Entretanto, nada de muito excitante. Aos vinte anos, quase tendo passado da idade de se casar, Hermione morava com os tios em um dos imponentes palácios construídos à beira da praia. Todas as manhãs, ela assistia à missa com os tios e tias, e todas as tardes ia até o centro de Londres para cuidar dos inúmeros negócios da família Granger, sempre reservando um dia da semana, quinta-feira, para conversar com o banqueiro, o sr. Fairchild. Todas as noites Hermione voltava para a residência da família, e os pesados portões se fechavam logo atrás, trancando todos até a manhã seguinte.
Nesse período nenhum visitante, pretendente, vizinho ou conhecido entrara na propriedade. Em três dias, nada de interessante acontecera na vida dela. Na verdade, tudo era tão rotineiro que Harry não conseguia imaginar como uma mulher jovem, mesmo tão séria quanto a Srta. Granger, conseguia suportar um cotidiano tão monótono. Além disso, não era nem um pouco sensato para uma jovem de tantas posses ter um horário tão regular. Seria extremamente fácil seqüestrá-la. O fato de ninguém ainda ter tentado o surpreendia, pois certamente a família pagaria um bom resgate. E é claro, havia o irmão, Sir Daman, para dissuadir a maioria dos criminosos de ousarem tal façanha. O pensamento trouxe um sorriso aos lábios dele.
— Chegou a hora — anunciou Harry , olhando para o céu cada vez mais escuro.
Ron assentiu e começou a desamarrar o manto que vestia.
— Vou ficar esperando na esquina, pronto para trocar de roupa com o cocheiro.
— E eu vou buscá-lo, junto com o criado — respondeu Harry , andando. — Não bata com muita força dessa vez, Ronald. Não quero nenhum dos dois machucados. Não tenha pressa. Tempo é o que não nos falta. Tudo dará certo. Confie em mim.
A risada baixa de Ron cortou o ar cada vez mais frio, e ele seguiu seu mestre para fora da taverna.
— Rápido, Luna — apressou Hermione, insistentemente, saindo do edifício onde o sr. Fairchild mantinha seu banco. Um empregado segurou a porta aberta para as duas, fazendo uma mesura assim que elas passaram. — Quero voltar para casa bem depressa.
Levantando as saias, ela correu pela rua até a carruagem, com Luna logo atrás. Sua ansiedade era tanta que Hermione nem olhou para o criado que lhe abriu a porta, John, e baixou a cabeça.
Apesar da breve troca de olhares, Hermione soube que havia algo de errado. Porém, já entrara na carruagem quando seu corpo respondeu à informação recebida por seu cérebro: John não era tão alto, nem tão musculoso.
— Luna — chamou ela, virando-se para descer. Mas sua criada foi empurrada para dentro da carruagem e caiu no assento. Desesperada, Luna agarrou-se a Hermione, piorando ainda mais a situação.
Tudo tinha acontecido tão depressa que, no momento em que Hermione se endireitou, ajudando Luna a fazer o mesmo, já era tarde demais. O impostor que capturara John entrou com facilidade na carruagem e fechou a porta em seguida.
— O que…
O homem sentado no assento em frente tirou um longo e brilhante punhal das dobras do manto de John, que usava sobre suas próprias roupas, e o apontou para as duas jovens.
— Fique quieta, senhorita — ordenou ele, com a voz calma, porém desafiadora. — Não tenham medo. Se você e sua criada cumprirem minhas ordens, nada lhes acontecerá. Agora, se começarem a me causar problemas, serei obrigado a tomar medidas mais drásticas.
Naquele instante, Luna emitiu um som esquisito e desmaiou no colo de Hermione.
— Nós não temos dinheiro — explicou ela, puxando Luna para cima, evitando que a criada caísse no chão da carruagem. — Eu não trouxe nada do banco.
O inimigo simplesmente sorriu, de uma maneira tão encantadora que Hermione sentiu-se mais confusa ainda.
— Não quero o seu dinheiro, Srta. Hermione — respondeu ele.— Quero apenas que me obedeça ficando quieta. Dentro de poucos instantes alcançaremos os portões da cidade, então você poderá voltar a falar. Assim que estivermos fora de Londres, eu lhe explicarei tudo.
— Nos portões da cidade, você já estará preso — disse Hermione, por entre os dentes. — O que você fez com John e Willem? Sei que não é Willem que está conduzindo a carruagem. Ele nunca…
O estranho levantou a mão.
— Os dois estão bem. Um golpe na cabeça foi tudo que eles sofreram. Já cuidei para que os dois sejam encontrados e levados de volta para Metolius. Não tema por eles, mas sim por si mesma e por sua criada. A idéia de machucar mulheres não me agrada, porém saiba que o farei, se necessário. Nós atravessaremos os portões da cidade, com ou sem a sua ajuda, embora eu sugira que coopere conosco. Preste muita atenção no que vou lhe falar, Srta. Hermione, pois é sério. Eu já matei muitos homens na vida, e dois guardas londrinos não farão a menor diferença. Todavia, imagino que você prefira não testemunhar um derramamento de sangue. — A lâmina afiada do punhal reluziu. — Agora fique quieta. Depois você poderá falar o quanto quiser.
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