Capitulo III
O vidro se estilhaçou no chão, fazendo barulho.
Ela acordou assustada, sentou-se e olhou em volta.
- Senhor Potter? – ela chamou. As velas tinham se apagado, a pouca luz da lareira já se extinguira. Talvez por causa do vento. Ela não fazia idéia de quanto tempo havia dormido, mas tinha certeza que havia algo errado. – Senhor Potter?
Ela levantou, pisando lentamente os pés descalços no chão de madeira. Alguns passos e se assustou. Ele estava apoiado na mesa, parecia que havia tentado beber alguma água, mas sua tentativa fora frustrada.
- O que houve, senhor... – ela o viu desmoronar sobre a cadeira. A casa iluminada parcialmente pela lua, não a permitia ver com nitidez. Ela correu até ele e o olhou. Ele tremia violentamente e estava anormalmente pálido.
- Desculpe-me, eu a acordei, eu... – ele tentou continuar, mas não conseguiu.
- Por Deus, o que está sentindo? – ela perguntou, mas sem esperar resposta tocou o rosto dele e ficou chocada. Tomou um dos pulsos dele nas mãos e depois checou a respiração. – Hipotermia. Estavas tremendo aquela hora... Por que não falaste nada? Por que não me acordou?
- Não se preocupe, já vai passar... – ele sussurrou com dificuldade.
- Não. Não vai. Tende a piorar. – ela abaixou-se e passou um dos braços dele sobre seu ombro, levantou-o com dificuldade e o guiou até a cama. – Deite-se aí e fique quieto!
- Senhorita, não...
Ela se sentou ao lado dele e o encarou com firmeza.
- Se me disser mais uma vez pra não preocupar-me, vou-me embora e o largo aqui pra morrer sozinho. – ela falou, num tom autoritário.
- Não vá. – ele sussurrou, procurando a mão dela. – Fique.
- Não vou, se deixar-me cuidar de você e para com esses pedidos de desculpa que já estão me irritando.
- Mas...
- Prometa-me que vai parar.
- Prometo.
- E que vai deixar-me cuidar do senhor sem formalidades.
Ele hesitou, mas acabou cedendo. Estava morrendo de frio, e a tempestade lá fora fazia tanto barulho que era de ensurdecer.
- Prometo.
- Ótimo. – ela assentiu com um sorriso. – Hum... Como é mesmo o nome de sua irmã? – ela indagou, casualmente, com a intenção de verificar se ele ainda se mantinha plenamente consciente.
- O que?
- O nome de sua irmã... – ela repetiu, dirigindo as mãos para os botões da camisa molhada dele, que só estava contribuindo para a queda da temperatura corporal do rapaz.
- Anne. O que está fazendo?
- Não reclame. Era pra tê-la tirado assim que chegamos, evitaria toda essa confusão. – ela respondeu, desabotoando a camisa branca de linho que ele usava.
Harry se sentiu completamente desconfortável e detestavelmente aproveitador, mesmo sabendo que estava prestes a morrer se não deixasse que ela cuidasse de si. Devia respeitá-la, e não deixá-la arrancar sua roupa dessa forma.
Ela já desabotoara metade da camisa quando ele deteve as mãos dela. O choque térmico foi inevitável... A temperatura dele estava realmente baixa.
- Não...
- Hei... Está tudo bem, não se preocupe... – ela falou docemente, afastando as mãos dele.
Ela o ajudou a sentar para despir a camisa e depois o cobriu com a manta que cobria a cama.
- Estou com frio... – ele falou, assim que ela o cobriu.
- Eu sei, mas não há mais cobertas, as freiras não deixam muitas cobertas no quarto. Quando eu venho pra cá eu as trago, e as levo embora depois, porque são poucas que tenho. Não há como deixar aqui. Sinto muito. – ela explicou, calmamente, passando a mão pela testa gelada dele.
- Ajude-me... – ele sussurrou, entregue ao desespero. Nunca se sentira tão mal em toda a vida. Tremia incontrolavelmente, o frio que sentia o fazia parar de sentir seus membros... Parecia que iria morrer naquela agonia.
- Vou ajudá-lo... Não se preocupe, Harry, estou aqui. – ela falou, acariciando o rosto dele.
Ele não pôde evitar um pequeno sorriso.
- Me chamou de Harry...
- É esse o seu nome, não é? – ela indagou, suavemente, sorrindo.
Ele assentiu com a cabeça.
Ela se levantou e ele a perdeu de vista, passou alguns minutos mexendo em algumas coisas e acendeu o fogão. Quando voltou tinha uma tina de água nas mãos. Acendeu uma vela e colocou-a sobre o criado-mudo, ao lado da água.
- Agora vamos ver se conseguimos aumentar essa temperatura. – ela se abaixou e puxou a barra do vestido, o rasgou até a altura dos joelhos. Pegou uma tira do tecido e mergulhou na água quente, depois a colocou na testa dele.
- Estragou seu vestido...
- Eu nem gostava muito desse, mesmo... – ela respondeu sorrindo, enquanto passava o pano pelo rosto dele. – E esses vestidos que nos obrigam a usar têm tantas saias, uma por cima da outra, que essa não vai fazer diferença.
Ele tentou sorrir, mas a tentativa foi em vão.
Ela continuou o que estava fazendo, pensando... Sabia que ele estava numa situação deplorável. Ela era a única que poderia salvá-lo, e faria qualquer coisa para vê-lo bem. Mesmo não o conhecendo bem, ela se afeiçoou por ele de uma forma que nunca havia acontecido antes. Iria até o fim do mundo para salvá-lo aquela noite, sabia que havia conseguido um amigo.
Ele era seu único amigo.
Nunca tivera outras amizades, nunca se dera bem com as jovens de seu nível social, era sempre isolada, excluída e não ligava pra isso. Em casa presenciava brigas constantes dos pais. Estava feliz ali. Longe deles. Era bem melhor.
Mesmo sem perceber ela criara um bloqueio, talvez fosse trauma pela vivência conturbada em casa. Construíra uma fortaleza em volta de si, jurara a si mesma que jamais cairia na burrice dos pais... Que jamais se casaria. Não acreditava que o amor pudesse existir, afinal, nunca o tivera. Tinha idéias fixas, objetivos traçados, metas a alcançar. Tinha seu futuro planejado e seguiria aquilo, não seria mais uma daquelas mulheres tolas que caem na conversa de homens que só as querem por uma noite.
Nenhum homem faria com ela, o que seu pai fazia com sua mãe.
Em hipótese alguma ela seria fraca e idiota como a mãe que aceitava tudo de cabeça baixa.
Tivera um bom exemplo.
Ninguém jamais passaria por cima dela.
Porque ela sempre estaria à cima de todos.
- Não vou agüentar. – ele falou, depois de muito tempo, agarrando o pulso dela desesperado.
- É claro que vai! – ela respondeu, se soltando dele, voltando a molhar o pano na água que ela voltara a esquentar.
- Estou com muito frio... – ele sussurrou, agarrando-se a manta que o cobria. – Vou morrer...
- O que? – ela indagou, largando o pano na testa dele. - Não vai não. Não enquanto eu estiver aqui.
- Água... – ele sibilou.
Ela levantou e trouxe-lhe um copo com água. Sentou-se ao lado dele na cama e o ajudou a beber.
- A temperatura já aumentou, em breve voltará ao normal, vai passar logo, seja forte...
- Estou com frio. – ele repetiu, gaguejando.
Ela estava assustada. Nunca vira ninguém em tal estado.
A chuva não dava trégua com seus raios e trovões ensurdecedores.
- Vou morrer. – ele repetiu, fechando os olhos e se encolhendo o máximo possível.
- Não vai não. – ela falou, alto, se levantando. – Eu não vou deixar.
Ela o viu empalidecer quando suas mãos foram na direção dos botões que fechavam a parte de cima do vestido.
- Me desculpe por isso... – ela disse, enquanto se despia. - ...mas é o único jeito.
A moça soltou o vestido que caiu formando um monte em seus pés. Harry se deparou com um corpo escultural coberto apenas por espécie de camisola fina, curta, de seda branca. O coração dele acelerou inconscientemente... Se já estava num estado deplorável antes, agora já estava paralisado.
- Conheces aquela história de calor humano? – ela perguntou com um sorriso nervoso, tentando e acabar com toda a tensão da situação. – Então... Acho que vamos ver agora como funciona na pratica.
E sem cerimônia ela puxou a manta que o cobria e deitou-se ao lado dele.
Já não se sabia mais qual era a causa real da tremedeira absurda dele. Mas Harry estava tão distante que não teve tempo de pensar em mais nada, precisava de calor, estava congelando...
- Me abrace. – ela sibilou.
O choque foi mais do que perceptível.
O corpo dele pulou quando encontrou o dela.
- Vai ficar tudo bem... – ela sussurrou, envolvendo-o de todas as formas possíveis, tanto com os braços, quanto com as pernas.
Ele apenas tentou assentir com a cabeça, deixando-se levar por ela.
- Preciso manter-te consciente... Desculpe-me, mas não vou parar de falar. – ela disse, rindo, acomodando a cabeça dele de baixo de seu queixo, abraçando-o com força.
- Obrigado... – ela o ouviu sussurrar.
- Não me agradeça. Na verdade, eu que devo lhe agradecer, essa a coisa mais emocionante que eu já fiz em toda minha vida. – ela confessou, num tom descontraído. – Qual foi o momento mais emocionante da sua vida?
- Tinha uma arvore... – ele começou, com uma dificuldade absurda, sentindo o calor do corpo dela junto ao seu. - ...atrás da fazenda, era a mais alta de todas... Desde os sete anos, eu sempre tentei chegar ao topo dela, mas nunca conseguia... Então um dia, no meu aniversário de doze anos eu alcancei o lugar mais alto da arvore... Meu alvo há tanto tempo... Foi emocionante pra mim...
- Imagino que tenha sido... Eu nunca subi em uma arvore. Nunca me deixaram fazer essas coisas... – ela falou, com graça.
- Lhe ensino um dia, se quiser. – ele disse, com voz falha.
- Claro que quero.
- Mas acho que esse momento supera o da árvore.
- Preciso saber a emoção de subir numa arvore pra saber qual é mais emocionante... O que achas?
- Acho que não precisa.
Harry respirou fundo, ela abriu os olhos, o corpo dele colado no seu estava quente, a moça respirou aliviada. O rapaz dormia calmamente e o sol nascia lá fora, lentamente, e tudo estava calmo e em silêncio. Já não havia mais chuva, e o azul profundo do céu começava a ser substituído por tons levemente alaranjados.
Ela o fitou, o rosto dele pouco abaixo do seu, tão alvo e delicado, ainda que fossem traços fortes e bem marcados, mas ao mesmo tempo suaves, onde a beleza e determinação era notável.
Quando deu-se conta, seus dedos corriam lentamente o rosto do rapaz, ainda frio... Ela nunca conhecera alguém como ele... Em meio aos montes de pretendentes que tivera, nunca, nenhum poderia se comparar a Harry.
***
N/a: Espero que estejam gostando e pelo amor de Deus! COMENTEM!!!
Um imenso obrigada a Aninha e a Thaís Mariana: meninas, amo vocês!!!
A outra fic também foi atualizada, passem por lá, certo?
Beijos,
Paulinha.
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