Bom Demais Para Ser Verdade

Bom Demais Para Ser Verdade




*** Sarinhaaa *** : Demorei, mas postei! =D Que bom que vc tá gostando da fic, continue acompanhando e comentando viu? E desculpa pela demora, é que minha internet tava lenta pra caramba e não deu pra fica aqui sentada horas pra atualizar ;)




Capítulo II - Bom Demais Para Ser Verdade


Se sentia algum arrependimento por coagir Hermione, Harry não o demonstrava. Era como se apenas lhe houvesse sugerido colocar molho branco em vez de vinagrete na salada.

— Um ano — reiterou ele. — E tudo o que estou pe­dindo. Você nos ajuda a firmar nossas vendas domésticas e, no primeiro aniversário do bebê, compro a sua parte na empresa, se ainda estiver querendo vender.

— E o casamento?

Ele não respondeu de imediato. Frustrada, Hermione de­sejou poder interpretá-lo tão facilmente quanto ele pa­recia interpretá-la. Por que conseguiria agora, se durante os cinco anos em que conviveram como sócios nunca de­cifrou seus pensamentos?

— Não se pode manter o que nunca se teve — filosofou ele, por fim, em tom crítico.

— Fale claro, Potter. Vai me dar o divórcio?

— Você estará livre em um ano. Só quero que prometa que não irá para longe.

— Vou ter de permanecer em San Francisco?

—Quero meu filho, ou filha, por perto. É pedir demais?

Équase gritou Hermione, mas se conteve. De qualquer forma, ele devia ter adivinhado a resposta, a julgar pela amargura que brotou em seus olhos verdes.

—Desculpe-me — murmurou ela, pesarosa. — Não estou tentando dificultar as coisas, mas você me pegou desprevenida!

— Eu também fui pego desprevenido.

— Eu sei. Mas essas exigências...

— São mais que razoáveis.

— Eu não acho! — Hermione fechou os olhos, lutando para se recompor e para bloquear as lágrimas que vinham fácil ultimamente. — Harry, isto não devia ter acontecido.

— Mas aconteceu. Goste ou não da ideia, vai dar à luz um filho meu.

Agachando-se ao lado dela, Harry estendeu o braço sobre o ventre dilatado, mas então se deteve, a mão espalmada pairando poucos milímetros acima da criança. Foi só por um instante, mas ela viu sua máscara de indiferença cair, expondo um anseio agridoce de tocar o bebê, de sentir a vida que crescia lá dentro. Mas o controle voltou a congelar-lhe as feições.

Quando ele já recuava, ela impulsivamente agarrou-lhe as mãos e apertou-as com força contra sua barriga enorme. Sabia que o que ele mais queria era sentir a vida do filho pulsando. O calor de suas mãos grandes espalhava-se deliciosamente por todo seu ventre maduro.

—O bebê costuma se mexer bastante a esta hora do dia — confidenciou Hermione.

Mal ela acabou de falar, Harry sentiu vários chutes sob a palma da mão.

— É ele?! — exclamou, maravilhado.

— Já tentando sair. Pelo menos é o que parece.

Ele apertou os lábios e baixou os cílios sobre os olhos verdes que ameaçavam denunciar uma emoção. Passou a demonstrar apenas uma curiosidade moderada.

— Dói? — quis saber.

Se só a proximidade de Harry já a perturbava, o que aquele contato físico não ameaçava provocar!

— Não. Se bem que todo desconforto vale a pena. — Sorriu. — Vale muito a pena.

— Está... feliz com o bebê?

— Sempre quis ter, mas Rony... — Hermione percebeu que não era hora de criticar o falecido marido. — Sim, Harry, estou muito feliz com o bebê.

— Só não está feliz com o fato de eu ser o pai.

— Eu não disse isso!

— Nem precisava! Há minutos, disse que o que acon­teceu entre nós no ano-novo foi uma aberração!

Hermione baixou os olhos para o barrigão.

— A situação escapou ao controle.

Harry recuperava o sarcasmo:

— Com certeza, não houve planejamento.

— De qualquer forma, quero o bebê — reafirmou ela, pois isso fazia toda a diferença.

— Só não quer a mim. — Ele afastou as mãos e se levantou. — Devia ter me contado há meses. Não tinha o direito de esconder essa gravidez de mim.

Harry tinha razão, e Hermione reconhecia o fato.

— Desculpe-me. Acho que pressenti essa sua atitude quando descobrisse.

— E que outra atitude eu poderia tomar? — questionou ele.

— Qualquer uma mais sensata, que não envolvesse casamento.

Hermione jamais voltaria a confiar num homem, não de todo o coração, nem a ponto de assumir um compromisso sagrado como o matrimônio.

— Pois não vou mudar de idéia, nem minhas exigências — finalizou Harry. — Está de acordo com meus termos, ou não?

— Tenho alguma escolha?

— Não.

— Posso me recusar a me casar com você.

— Mas não vai fazer isso.

Hermione conseguiu encará-lo tão impessoalmente quanto ele.

—Vou, sim, Harry.

Ele respirou fundo.

—Receio que esteja cometendo um erro.

Ela odiava quando ele adotava aquela postura e ex­pressão felinas, como um tigre prestes a investir. Prin­cipalmente quando focalizava a ela, pois isso significava que ela era a presa e estava para sucumbir.

— Que erro?

— É só eu pegar esse telefone, ligar para seus pais e fim de jogo. — Harry não pôde conter o sorriso vitorioso. — Xeque-mate, queridinha.

Hermione o olhava boquiaberta, incrédula e furiosa.

— Você não faria isso...

— Quer apostar? A esta altura, eles já devem saber que você está grávida.

— Teria sido um pouco difícil esconder isso deles.

— Eles sabem quem é o pai?

— Não.

Ele alargou o sorriso. Ela recordou quão despudoradamente beijara aquela boca na tal noite inesquecível.

— Como acha que reagiriam ao saber que sou eu o pai da criança?

— Depois de se levantarem do chão, você diz? — re­trucou Hermione.

— É, depois.

— Eles ficariam muito zangados — preveniu ela, ten­tando intimidar. — Muito zangados.

— Até eu explicar que não sabia da sua gravidez.

Ela contraiu a boca.

— É, até você explicar.

— E quando eu dissesse que gostaria de me casar com você...

— Ficariam exultantes — completou ela.

— Foi o que pensei. — Harry concedeu-lhe alguns se­gundos de reflexão antes de aplicar o último golpe: — Pronta para reconhecer a derrota?

Hermione fumegava em silêncio. Harry conhecia muito bem seus pais, fervorosos adeptos da unidade familiar. Seis meses antes, haviam recebido com alegria a notícia de que seriam avós, mas encararam mal sua recusa em re­velar o nome do pai do bebê, bem como a idéia de des­posá-lo. Podia contar com seu amor e apoio, mas sabia que os magoara e decepcionara muito.

Estava derrotada, mas fez Harry esperar dois minutos inteiros antes de se manifestar:

— Casamento por um ano. Continuo colaborando com a SSI, mas você compra a minha parte ao final desse período. Combinado?

— Combinado. — Ele consultou o relógio de pulso. — Passo aqui amanhã às nove horas para irmos ao cartório. Vou falar com o juiz Larson. Se ele conseguir abreviar os trâmites, ao meio-dia estaremos casados.

— Tão rápido?

— Não temos muito tempo, concorda?

Hermione odiava o fato de Harry estar sempre certo. Mas já concordara em desposá-lo e não havia por que adiar o inevitável. Não se quisesse que o bebê tivesse o nome do pai.

— Acho que não vai dar para nos casarmos na igreja, então...

— Importa-se?

— Importo-me. Mas, dadas as circunstâncias... — Harry deu de ombros.

— Seus pais vão querer estar presentes, imagino. — Hermione sorriu, cansada.

— Creio que não conseguiríamos evitar.

— Ficamos assim, então.

Passaram alguns segundos em silêncio. Por fim, Hermione levantou-se, desajeitada devido à barriga grande, cons­trangida devido à presença do homem que logo seria seu marido.

—Vou acompanhá-lo.

Ele não recusou, e caminharam juntos pelo corredor até o saguão de entrada.

— Tome conta dela, Gem — instruiu Harry ao sistema de segurança. — E me avise se houver algum problema.

RECOMENDAÇÃO REGISTRADA, SENHOR POTTER. BOA TARDE.

Hermione olhou brava para o painel de controle do sistema.

— Espere só um minuto...

— Está para dar à luz a qualquer momento, Hermione — cortou Harry, num tom condescendente que a fez ferver de raiva. — Só estou prevenindo o sistema quanto a com­plicações de última hora. Gem vai tomar conta de tudo.

— Não gosto de ser espionada!

— Gem não está espionando. Está protegendo você. É sua função.

— Por ora — avisou Hermione.

— Até que eu diga o contrário — corrigiu ele.

— Até que eu descubra os códigos de anulação. — Cansada de discutir, Hermione perguntou o que estava que­rendo saber desde a chegada inesperada de Harry. — Por que voltou antes do planejado?

— Digamos que tive um pressentimento.

Ela ergueu o sobrolho.

— Um pressentimento, é? Você, Harry?

Ele não pareceu se perturbar com a insinuação.

—Ao contrário do que imagina, Hermione, não sou um computador.

Com isso, Harry transpôs a soleira e se foi.

Harry permanecia na varanda da casa de Hermione, de costas para a porta que ela acabara de bater. O simbolismo da cena não lhe passava despercebido, tampouco a ironia daquela situação. Mais uma vez via-se abandonado ao relento. Uma imagem assaltou-lhe a mente, a de um garotinho estóico.

Sozinho, o garoto via à frente uma vaga de estaciona­mento vazia. A suas costas, um feio prédio escolar projetava-se contra um lúgubre céu de inverno. Enquanto ele esperava, um floco de neve solitário desceu devagar diante de seus olhos, instável ao sabor de um vento gélido. Nem assim ele se moveu, alheio ao frio, à raridade da neve em San Francisco ou ao adiantado da hora. Recusava-se a liberar as emoções que lhe açoitavam a alma. Lágrimas seriam inúteis, mesmo que ainda tivesse a ca­pacidade de chorar. Mas já não podia. Elas haviam se congelado, muito tempo atrás.

Por isso, continuou esperando, como sempre esperara.

Reprimindo as lembranças, Harry baixou a cabeça, a exemplo de um touro enfurecido pronto a atacar. Endu­receu o queixo e cerrou os punhos. De novo, não. Desco­briria um jeito de entrar, de alcançar o calor pelo qual ansiava. Não importava quanto tempo levasse, ainda iria se regozijar no aconchego que era Hermione.

— Como se sente?

Hermione fez uma careta e se remexeu no desconfortável banco de madeira do lado de fora do gabinete do juiz. Não que fizesse diferença. Por mais que mudasse de po­sição ou massageasse os músculos contraídos à base da espinha, não encontrava alívio.

— Quer mesmo saber?

— Eu não teria perguntado, se não quisesse.

— Estou bem. Apenas toda inchada, dolorida e com mal-estar geral.

Harry não se divertiu, conforme ela esperara. Tampouco lançou mão de chavões inúteis. Em vez disso, estendeu o braço em torno dela e apertou o punho cerrado em suas costas junto à cintura.

— Melhorou?

Ela soltou a respiração quase gemendo de prazer.

— Onde aprendeu a fazer isso?

— Puro instinto.

Instinto?! Eis algo difícil para Hermione imaginar. Harry mostrara-se sempre tão metódico e disciplinado. Definitivamente, não parecia alguém que reagia a impulsos. No que se referia à impulsividade, ela era a especialista.

— Há um assunto que gostaria de discutir com você.

— Mais surpresas? — retrucou ele, irônico. — Não me diga que vamos ter gêmeos.

Vamos ter! Hermione apertou as mãos unidas no colo. Ele repetia a atitude. Destacava o laço que os unia, lembran­do que tinha tanto interesse quanto ela na pequena vida que se expandia sob seu coração. E essa atitude dele a abalava mais do que gostaria de admitir.

— Não, não vou ter gêmeos. Pelo menos o médico não comentou nada. É sobre meus pais...

— Eles virão para a cerimônia, não?

— Virão, mas... Quando lhes falei do casamento, eles ficaram com a impressão de que... bem, de que íamos nos casar por livre e espontânea vontade.

— Mas é por livre e espontânea vontade.

— Eu sei, por causa do bebê. — Hermione limpou a gar­ganta, constrangida. — Mas eles pensam que é porque... estamos apaixonados. — Olhou-o desolada. — Não tive coragem de dizer a verdade.

Harry absorveu o comentário sem preocupação aparente.

— Como receberam a notícia?

— Ficaram exultantes.

E quão surpresa não ficara Hermione ante a satisfação com que os pais aceitaram Harry. Pensando bem, a família sempre simpatizara com ele, bem mais do que com Rony, seu falecido marido, talvez por saberem o quanto este era deficiente em termos de honra e profundidade emo­cional. Harry podia ser de uma dignidade inabalável, mas não parecia capaz de sentimentos profundos. Sob tal as­pecto, os dois maridos se mostrariam muito parecidos.

— Eles não perguntaram por que esperamos tanto tempo?

— Perguntaram. — Hermione deu de ombros. — Eu disse que adiamos a decisão até você voltar da Europa, achando que devíamos esperar mais algum tempo após a morte de Rony para assumirmos um compromisso. E também para termos certeza de que nossos sentimentos um pelo outro não mudariam.

— E eles?

Hermione sentiu as faces queimarem.

— Eles disseram que, se estávamos certos de nossos sentimentos para dormirmos juntos, estávamos certos o bastante para nos casarmos.

— Sempre gostei dos seus pais! — festejou Harry, in­diferente à zanga dela. — E o bebê? Eles não pergunta­ram por que não me casei com você tão logo soube da gravidez?

Hermione temera que ele chegasse a tal questão.

—Eu disse que você só soube do bebê ao voltar da Europa.

Harry olhou-a admirado.

— Mulher corajosa.

— Era a verdade. Pelo menos isso era.

— O que leva a outro enigma. Por que não me contou antes sobre o bebê?

Hermione deu de ombros.

— Você ia voltar em três meses, lembra-se? Achei me­lhor dar-lhe a notícia pessoalmente.

— Mentira. É o que vem afirmando a si mesma todo esse tempo, mas não entrou em contato comigo por um motivo muito simples: estava com medo.

Hermione endureceu o queixo. Nem sob tortura reconhece­ria a verdade daquela observação acurada. Sem ousar encará-lo, concentrou-se na parede oposta.

— Eu queria dar a notícia pessoalmente, já disse. Não tenho culpa se decidiu estender a viagem para seis meses e, depois, para nove. Ora, Harry, em nossa última conversa, você já falava em completar um ano de estadia lá!

— Eu teria voltado antes, se você tivesse me contado. Bolas, eu teria pego o vôo seguinte se me pedisse: "volte para casa", ainda que não me contasse sobre o bebê.

Para casa?Hermione arrepiou-se à idéia.

— Bem, não foi necessário, concorda? Você antecipou seu retorno, de qualquer forma. — Novamente descon­fortável, mexeu-se no banco. Nada de alívio. — Não acre­ditei quando abri a porta e vi você de pé na minha frente.

— Eu também fiquei espantado — replicou Harry, seco.

— Nesse caso, disfarçou bem.

— Anos de prática.

Hermione olhou-o curiosa.

— Quer dizer que treinou esconder as emoções? Por quê?

— Foi uma escolha lógica, na época.

Hermione não se deixou enganar pelo tom indiferente. Aos poucos, aprendia a espiar atrás daquela máscara dele. Por mais intrigante que parecesse, era como se ele im­plorasse que ela descobrisse aquilo que ele tanto se em­penhava em esconder.

— Mas algum acontecimento deve ter imposto tal es­colha. O que foi?

— Descobri a inutilidade das emoções numa fria tarde de dezembro.

— Uma epifania, Harry? Você? — Superada a surpresa, Hermione concluiu: — Em conseqüência, decidiu seguir os passos do senhor Spock? Adotou a filosofia vulcaniana da lógica sem emoção?

Os olhos verdes dele eram puro gelo.

— Digamos que nunca me apresentaram um argu­mento convincente para que eu mudasse de idéia.

— Algo terrível deve ter acontecido para você tomar uma decisão tão radical. — Hermione franziu o cenho, preo­cupada. — O que foi? Alguém magoou você?

Harry não teve chance de responder, presumindo que qui­sesse. Os pais de Hermione chegaram, mais uma leva de irmãos, irmãs, cunhados, cunhadas, sobrinhos e sobrinhas.

— Meus parabéns! — exclamou a mãe, Jane, beijando-a no rosto. Abraçou Harry, que se levantara. — Não se preocupem com nada, vocês dois, temos tudo sob controle.' E não se levante, Hermione! Harry, não permita que ela se levante até a hora da cerimônia.

Hermione adorou ver Harry embasbacado. Precisava praticar mais a arte de esconder as emoções.

— Mas do que está falando, mãe? — indagou, conhecendo-a bem. — O que é que vocês têm sob controle?

— O casamento, é claro! — Jane bateu palmas. — Vamos lá, meninas. É preciso começar com o pé direito.

As irmãs de Hermione formaram um semicírculo em torno dela, cada uma com um presente. Ela não pôde evitar as lágrimas, embaraçada e feliz ao mesmo tempo. Em­baraçada por deixá-las pensar que aquele casamento ocorreria por mais do que conveniência, feliz porque elas se importavam e faziam questão de demonstrar.

— Primeiro, uma coisa velha — anunciou Jane, sentando-se a seu lado. Estenderam-lhe um pacotinho. — Vamos, abra.

Hermione rasgou o papel de embrulho, sorrindo para Harry, que recolhia o material descartado. Quase não acreditou ao abrir a caixinha.

— O camafeu da vovó! Oh, mãe, não pode estar se separando dele...

Com cuidado, abriu o fecho minúsculo e puxou a tam­pinha dupla. Dentro havia uma foto sua e uma de Harry. Ele espiava por sobre seu ombro.

Onde conseguiram essa foto? — Ele pensou bem e se lembrou. — Ah, foi numa festa de Natal, há dois anos.

— Deu um pouco de trabalho, mas somos uma família decidida. — Jane passou a mão na barriga de Hermione. — Assim que este pimpolho der o ar da graça, vamos acres­centar a fotinho dele. E ainda sobra espaço para mais uma. — Deu-lhes uma piscadela. — Como Hermione adora crianças, tenho certeza de que esse espaço logo estará preenchido. Depois, é por conta de vocês.

O rubor tomou as faces de Hermione, ao mesmo tempo que lhe estendiam outro presente.

— Uma coisa nova? — arriscou, tocando na fita cor-de-rosa. Puxou a tampa da caixa e paralisou-se. Era uma fronha branca com dois monogramas em rico bordado: um "H" entrelaçado num outro "H".

—Como não sabíamos o tamanho certo da roupa de cama, vamos encomendar o resto assim que nos disser— explicou Jane. — Gosta?

Hermione mordiscou o lábio, embaraçada. Como não pen­sara nisso? Seus pais imaginavam que Harry e ela, uma vez casados, passariam a viver como marido e mulher de verdade, partilhando uma casa euma cama. Esforçou-se por manter a mão firme ao sentir a textura do trabalho manual.

— É lindo! Obrigada.

— Nossa cama é king-size— informou Harry, para de­salento de Hermione.

Jane alegrou-se.

— Vou fazer a encomenda assim que chegarmos em casa!

— Agora, uma coisa emprestada — anunciou Jamie, irmã mais velha de Hermione. — Usei isto no meu casamento, deve se lembrar. — Estendeu-lhe uma grande caixa qua­drada. — Você achou tão lindo. Eu empresto.

Hermione removeu com cuidado as- camadas de papel de seda, até se revelar o chapéu de aba larga que Jamie usara no lugar do véu. Delicado e feminino, o acessório, enfeitado com uma larga fita e imenso laço de cetim, prendera seus cabelos castanho-escuros com perfeição. Sem dúvida, lhe cairia igualmente bem. Tinha o mesmo tom de branco do vestido que escolhera para a cerimónia, e o laço combinava com o debrum no corpete.

— Obrigada, Jamie. — Esforçava-se por manter um sorriso, emocionada com a consideração da família. Não esperara nada daquilo, quando deveria. — Prometo de­volvê-lo intacto.

Prestativo, Harry tirou o chapéu de dentro da caixa e ajeitou-o sobre seus cabelos, inclinando-o de modo que a aba larga se dobrasse levemente sobre um de seus olhos.

— Está linda — elogiou, sincero. — Ou melhor, perfeita.

— Ainda não — protestou a irmã mais nova de Hermione.— Ela ainda não abriu o meu presente.

Hermione ficou pensativa.

— Bem, já ganhei uma coisa velha, uma coisa nova e uma coisa emprestada. Está faltando...

— Uma coisa azul — completou Kendell, estendendo uma caixa estreita.

— Estou quase com medo de abrir — confessou Hermione, escaldada das brincadeiras da irmã.

Tratava-se de uma insinuante meia-liga preta enfei­tada com uma fita de cetim azul.

— Vamos ver se serve — atiçou Kendell, expondo a peça diante de todos.

— Cabe a mim, acho — prontificou-se Harry, pegando a meia-liga.

Antes que Hermione pudesse protestar, ele ergueu seus tornozelos e removeu seus sapatos. O desafio era evidente nas profundezas de seus olhos verdes, ora em brasa. Pousando-lhe ambos os pés na coxa musculosa, posicionou a meia-liga e começou a deslocá-la lentamente pernas acima.

De início, suas mãos apenas roçaram os. ossos finos dos tornozelos. Mas então ele começou a brincar com a pele sensível, ensaiando um ritmo primitivo que lhe aque­ceu o sangue e encheu-a de um desejo doce, forte. Ao mesmo tempo que queria cessar o contato, ansiava por atirar-se nos braços dele e reaprender os passos daquela dança específica. Esta opção era impossível, com a família toda observando-os. Por isso, submeteu-se à agonia, cen­tímetro por centímetro, conforme ele deslizava a meia-liga por suas pernas protegidas por meias finas. A altura dos joelhos, ele se deteve.

— Está bom aí — sussurrou Hermione, aflita.

— De jeito nenhum — contrariou Harry, determinado.

A família não ajudava em nada. Em vez de apoiar Hermione, incentivava Harry a fazer o pior. Após lançar-lhe um olhar zombeteiro, ele se concentrou na barra do ves­tido, sob a qual fez desaparecer a meia-liga. Por fim, alcançou o topo das meias, tateando o elástico apertado que as mantinha no lugar. Acabava de descobrir que as meias modernas dispensavam ligas. De qualquer forma, meias-ligas e gravidez não combinavam.

— Mas o que temos aqui? — indagou ele, confuso.

Hermione viu as irmãs suprimirem o riso.

— Estou usando meias sete-oitavos. O elástico forte dispensa ligas.

— Ah, que interessante. Vou querer ver isso depois...

— De jeito nenhum!

— Mas, querida, nunca vi esse tipo de meia antes. — Um brilho traquinas iluminou os olhos dele. — Você, nosso bebê e essas meias. Eis algo que eu daria uma fortuna para ver.

Trémula, Hermione desanimou:

— Creia-me, neste caso, a ignorância é uma bênção.De qualquer forma, não estou em condições de dar um show erótico.

Harry ficou sério, e ela podia jurar que ele recordava algo com saudade.

— A gravidez a deixa mais bela do que pode imaginar — afirmou, franco. — Pelo menos, na minha opinião. Neste momento, nada me daria mais prazer do que ver você nessas meias, com nosso bebê seguro dentro da sua barriga. Nada... exceto colocar a aliança em seu dedo.

— Oh, Harry — murmurou Hermione, emocionada às lágri­mas. Fitou-o enternecida.

— Lamento interromper, mas estão nos chamando — informou Kendell.

Harry já estava recomposto.

— Acho que vamos ter de deixar isto para outro dia.

Com evidente relutância, ele fez as mãos percorrerem o caminho inverso, das coxas para os joelhos, dos joelhos para os tornozelos. Após calçar-lhe novamente os sapatos, levantou-se e ajudou-a a se erguer do banco.

Hermione continuou se apoiando nele até sentir as pernas firmes. A incursão das mãos dele sob sua saia abalara-a ao ponto do enfraquecimento. Para completar, sentia cãi­bras devido ao longo tempo sentada no banco de madeira duro.

Harry fez a família toda de Hermione entrar primeiro no gabinete do juiz e então se mostrou hesitante, olhando para os dois lados no corredor.

— Harry? — chamou ela, curiosa.

— Já vou.

Ele se demorou mais um minuto, checando o corredor inúmeras vezes. O que estaria esperando? Ou melhor, quem? Conforme Rony comentara certa vez, os pais de Harry já eram falecidos e ele era filho único, ou seja, não tinha família. Teria convidado parentes distantes para assistir à cerimônia?

— Quem você está...?

A expressão gélida dele a fez desistir da pergunta. O inverno devastara toda a vida em seu rosto, atingindo-lhe a alma com a força de um vento ártico. O que teria cau­sado tamanha transformação? Minutos antes, ele se mos­trara todo alegria e ternura, provocando-a e seduzindo-a.

Mas então acontecera algo que lhe roubara as emoções e o obrigara a se fechar. Algo relacionado a alguém que deveria ter surgido naquele corredor, mas não surgira.

—Está pronta? — indagou ele.

As palavras mais pareceram cacos de gelo, brilhantes e duras, cheias de uma terrível frieza.

—Eu estou — garantiu Hermione. — Mas e você?

Ele a encarou então, e ela se assustou. Seus olhos estavam vazios. Horrivelmente vazios. As íris verdes eram aço, chamas desprovidas de calor e luz.

—Para que protelar? — Harry pegou-a pelo cotovelo.— Vamos. Está na hora do nosso casamento.

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