Capítulo IV
A estrada se tornara cada vez mais estreita e ingeme a medida em que se aproximava do topo da montanha.
Houve um momento em que Hermione chegou a ficar seriamente preocupada, ao ver a altura m que estavam. Um descuido... e as conseguências seriam fatais. Felizmente, Harry era um bom motorista... A despeito de sua frieza e indeferença.
- Nós nunca subimos uma montanha, não é mesmo, titia?- disse Jamie, impressionado.
- É verdade, querido - Hermione concordou, acariciando-lhe o rostinho corado.- E então? Está gostando da viagem?
- Sim. Não vejo a hora de conhecer nossa cabana.- O menino sorriu, entusiasmado.
- A cabana não é nossa, meu anjo...- Hermione explicou, delicadamente.- Ela pertence a mãe do Sr. Potter, lembra-se?
- Na verdade, minha mãe não é a proprietária da cabana- Harry intrveiro, sem desviar os olhos do caminho.
Hermione espantou-se:
- Quer dizer que ela pediu a cabana emprestada para alguém?
- Não.- Um meio sorriso estampou-se no rosto de Harry, enquanto ele respondia: - A cabana me pertence.
- Oh- Hermione assentiu, num sussuro.- Então foi a você que ela pediu...
- Errou novamente, senhorita- Harry retrucou, num tom irônico.- Mamãe não me pediu nada. Esse é bem o estilo dela, saba? Mamãe tem um coração maior que o mundo. E acha que todos, sem exceção, devem se contagiar com sua generosidade. Em outras palavras, ela costuma dispor de meus bens,como os de seus amigos, com a maior tranquilidade.
Hermione quis dizer algo, mas não conseguiu. Agora começava a compreender a evidente má vontade de Harry, com relação a ele e o pequeno Jamie. A verdade era que ele os considerava como intrusos... E tinha toda razão de sentir-se assim.
- No mês passado por exemplo...- Harry continuou.- Mamãe cedeu uma de minhas vacas leiteiras para o orfanato de uma cidade vizinha a Kananaskis... Tudo isso porque a vaca leiteira deles estava com problemas. E se você pensa que ela me consultou sobre o assunto, antes de agir... Está muito enganada.
Antes que Hermione fizesse algum comentário, Jamie exclamou:
- Veja, titia! Lá está a nossa cabana...- Voltando-se para Harry, pediu sua confirmação:- Acertei, Sr. Potter?
-Sim- ele respondeu, tomando uma alameda de cascalho que conduzia a um pequeno pátio cimentado.
No centro do pátio, erguia-se a cabana de madeira roliça que mais parecia uma pintura... Pendendo da encosta da montanha, cujo cume se perdia nas nuvens, a cabana parecia acolhedora, a depeito do aspecto extremamente rústico.
- Não se assuste com a aparência- Harry recomendou, sem olhar para Hermione.- Apesar de construida com madeiras roliças, a cabana possui um sistema de vedação bastante eficiente. Tomei essa providência alguns anos atrás, para torná-la mais confortável, durante o inverno.
-É linda, titia- disse Jamie, encantado. Pegando seu amigo inseparável, o ursinho Melvin, ergueu-se à altura da janela do lado de Hermione, enquanto perguntava:- O que você acha, amiguinho?
E com aquela voz um tanto fanhosa, que soava cômica, fez com que ursinho respondesse:
-Gostei muito... muito mesmo.- Voltando-se para Harry, o menino indagou:
- O senhor ouviu isso? Melvin adorou o lugar.
Harry fez um gesto de assentimento e estacionou em frente ao pátio. Abrindo a porta, anunciou:
- Vou ajudar vocês com a bagagem.
- Não é preciso se incomodar...- Hermione começou a dizer.
Mas Harry já não a ouvia. Abrindo a carroceria do caminhão, que era em formato de baú, começou a retirar a bagagem que ela trouxera. Em seguida levou tudo para a pequena varanda da cabana.
Hermione e Jamie o aguardavam, junto à porta. Jamie apertava o ursinho Melvin contra o peito, enquanto fazia comentários cheios de entusiasmo sobre o lugar.
Hermione sentiu que Harry a observava, enquanto apalpava bolsos das calças em busca das chaves. E essa constatação a fez enrubescer.
Para disfarçar o enorme embaraço que sentia, ela tentou gracejar:
- Não me diga que se esqueceu das chaves...
- Você... desejaria que isso acontessesse?- Harry perguntou, fitando-a como se quisesse adivinhar-lhe os mais secretos pensamentos.
- Imagine!- Hermione exclamou, forçando um sorriso.- Depois dessa longa viagem, seria uma lástima se as chaves...
- Estivessem em minha casa?- Harry complentou.- Bem, eu levaria apenas quarenta minutos, no máximo uma hora, para ir até lá e voltar.
- E eu não reclamaria nem um pouco por ter de esperá-lo neste lugar tão bonito- Hermione declarou.. mas, no fundo, sentia-se apreensiva.
Sempre amara a Mãe-Natureza. Mas, naquele momento, a idéia de passa dez dias com Jamie num local praticamente isolado.. era preocupante.
“Ou talvez essa impressão seja enganosa”, ela pensou, em seguida. “Estou exausta e desgastada, graças a uma viagem longa e às maneiras nada amigáveis de Harry. É possível que, depois de me instalar devidamente, acabe me sentindo de outra forma.”
Hermione decidiu apostar nessa última possibilidade.
Mas como se adivinhasse o que lhe passava pela mente, Harry indagou:
- Está assustada com o aspecto.. digamos... selvagem desta região?
- Nada disso- ela apressou-se a responder. Afinal, a última coisa que faria, no mundo seria demonstrar sua fragilidade a Harry .- O que faz pensar que eu poderia me sentir assim?
- Oh, nada- ele respondeu, com evidente ironia.- Apenas achei que uma pessoa que vivesse numa cidade grande, como Tucson, poderia estranhar um pouco este lugar. Enfim...- Harry interrompeu-se, pois havia acabado de encontra o chaveiro, no bolso direito da calças.- Vamos lá.- Escolhendo uma chave cor de bronze, girou-a na fechadura. Abrindo a porta, voltou-se para Hermione com uma expressão um tanto zombeteira:- Seja bem vinda à região mais alta e gélida de Kananaskis, senhorita.
- Obrigada- Hermione agradeceu, ríspidamente.- Você é muito gentil, Harry Potter.
Longe de perceber o clima tenso que se instalara entre os adultos, Jamie continuava fascinado. E queria ser o primeiro a entrar na cabana.
- Espere um momento, querido- Hermione recomentdou, num tom carinhoso.- Queria ir na frente...
- Deixe o garoto à vontade- Harry interveio, num tom irônico.- Afinal, não deve haver nenhum urso escondido ai dentro.
Hermione encarou-o com firmeza, enquanto mentalmente contava aé dez, numa frágil tentativa de não perder o controle.
- Acho que prefiro sua frieza e indiferença, ao seu questionável senso de humor - ela disse, por fim. Em seguida esclareceu:- Se pedi a Jamie que me deixasse ir na frente, era apenas porque queria acender a luz...- Dando um passo adiante, Hermione entrou na cabana e tateou a parede a seu lado.- A propósito, onde está o interruptor?
- Que interruptor?- Harry perguntou.
- Para!- Hermione protestou, irritada.- Você sabe muito bem a que estou me referindo.
- Seria ao... interruptor de luz?- Harry indagou, com ar inocente.
- Claro- ela respondeu, desgastada.- Será que você teria a bondade de me informar onde...
- Não há energia elétrica na cabana- ele inerrompeu.
Hermione piscou os olhos e meneou a cabeça, como se duvidasse do que tinha acabado de ouvir. Por fim balbuciou:
- Você disse que...
- Não há energia elétrica- Harry repetiu. E ante a expressão atônita de Hermione, acrescentou:- Pelo que estou percebendo, minha mãe esqueceu de lhe contarsobre esse... digamos pequeno detalhe.
Hermione tomou fôlego, enquanto tentava superar o choque causado por aquela revelação. Para ela, que sempre vivera em Tucson, a perspectica depassar dez dias numa cabana, sem eletricidade, não parecia muito diferente de mudar-se para o Saara, ou para o fundo do oceano... Em outras palavras, seria simplesmente impossível.
Ou não? Ela se perguntou, de súbito. Afinal, quantos milhares de anos haviam se passado, antes que Thomas Edson descobrisse a lâmpada elétrica? E nem por isso as pessoas deixaram de desfrutar a vida...
Hermione suspirou,desgastada. De nada adiantaria perder-se em cogitações, numa frágil tentativa de ignorar a gravidade da situação em que se encontrava.
Em primeiro lugar, seria preciso encarar, de frente, essa situação, lembrar-se de que estava prestes a ocupar uma cabana na montanha , com uma criança de cinco anos, no início de um inverno que prometia ser rigoroso... E essa cabana não tinha energia elétrica, o que já anulava de inicío, a possibilidade de ligar a teve portatil que trouxera na bagagem entre outras coisas.
Também era óbvio que não haveria microondas...e isso anulava a perspectia de fazer pipocas. Sem contar que, sem um chuveiro quente... E sem um abajur para ler, à noite, uma história para Jamie... E sem um CD Player ou walkman.
“Já basta”, Hermione se ordenou, em pensamento.
Para que perder tempo elaborando uma lista das desvantagens resultantes da falta de energia elátrica? O que ela precisava fazer, e rápido era um balanço da circunstância em que se encontrava... Antes de tomar uma séria decisão.
- Você pretende ficar parada aqui até o anoitecer?- a voz de Harry interrompu-lhe as divagações.
- Perdoe-me - Hermione se desculpou.- Eu... estava distraída.
- Distraída...?- ele repetiu, com ar de dúvida.- Ou chocada com a informação que acabo de lhe dar?- Sem esperar pela resposta, Harry comentou:- Essa é outra caracteristica de mamãe... Ela às vezes se esquece de detalhes fundamentais, sabe? Aposto que se ela houvesse avisado que a cabana não possui energia elétrica, você teria desistido de passar o Natal aqui...
Hermione fitou-o no fundo dos olhos, felizmente, o pequeno Jamie parecia entretido em observar a bela paisagem ao redor. Encostado a um pilar da varanda, comtemplava as nuvens que envolviam o cume das montanhas, com uma expressão angelical no rostinho corado.
“O que Penny faria nesta situação?”, Hermione se perguntou ansiosa.
Penny enfrentaria de cabeça erguida, com aquela determinação admiraval, que sempre a caracterizara. Essa era a resposta.
Hermione, porém, não se sentia tão valente... Entretanto, a situação dependia unicamente do que ela decidisse.
Mordendo o lábio inferior, numa clara demonstração de nervosismo, Hermione tentou reunir todas as forças de que dispunha. Em seguida, encarando Harry com a maior firmeza possível, indagou:
- Estou certa em supor que minha presença e a de Jamie, aqui, é para você um fator de aborrecimento?
- Sim- ele respondeu, sem hesitar. Com uma expressão indiferente, acrescentou:- Mas devo informá-la de que não se trata de nada pessoal.
- Não acredito nisso- Hermione afirmou.
- Pois deveria- ele rebateu.- Assim, evitaria de ficar magoada à toa.
- Você antipatizou comigo desde o primeiro momento- ela sentenciou, corajosamente.- Quanto a isso, pouco me importo. Afinal, a simpatia é algo espontâneo, sobre o qual não temos poder. Ela simplesmente acontece ou não.
- Até ai, nós concordamos. Mas...
- Espere um momento- Hermione o interrompeu.- Eu ainda não terminei.- Erguendo o rosto, com uma expressão altiva, prosseguiu:- O que me deixou francamente chocada foi o modo frio, quase rude, com que você tratou meu sobrinho. Não consigo imaginar como conseguiu se manter imune aos encantos de Jamie.
- Não me mantive.-Foi a resposta lacônica de Harry- Ele é de fato um garoto admirável...
- Então, por que não lhe deu um mínimo de atenção?
- Eu dei.
-Nada disso.- E Hermione o acusou:- Você se recusou a abrir o coração para Jamie.
O rosto de Harry se contraiu de modo significativo,quase assustador. E sua voz soou num tom velado, ao dizer:
- Quanto a esse fato, não aceito nenhum tipo de questionamento. Fui claro?
- Não- ela o desafiou.
- Bem, pouco me importa que você entenda.- E Harry sentenciou:- Assunto encerrado.
- O que exatamente, eu deveria entender, Sr. Potter?- Hermione insistiu.
- Esqueça- ele resmungou, desviando o rosto. – Já estou farto desse joguinho de palavras. Agora, decida: você vai ficar, ou não?
Hermione hesitou. Não queria tomar nenhuma resolução precipitada. A idéia de permanecer ali, sozinha, com Jamie, começava a lhe parecer uma grande insesatez... Aliás, isso já acontecera antes.
Mas quando ela decidira passar o Natal nas montanhas, em uma cabana rústica, esperava contar com os confortos básicos da vida moderna, tais como... energia elétrica. Essas duas palavras resumiam tantas comodidades!
Agora, porém, tudo mudava de figura. Em contrapartida, a perspectiva de desitir e voltar para o Arizona no primeiro avião... Não lhe parecia nada araente.
O que fazer?, ela se perguntou, aflita.
Então lembrou-se de algo que Penny costumava dizer:
“Se as circunstâncias lhe derem somente duas alternativas, tente descobrir uma terceira... Afinal, entre o sim e o não existem mil possibilidades.”
“Oh, Penny...”,Hermione pensou com uma pontada de dor. “Se você estivese aqui, certamente me ajudaria a escolher a melhor opção.”
- Bem o que você decide?- Harry questinou-a, impaciente.
- Quero conhecer a cabana, antes de dar minha última palavra- Hermione respondeu, com uma segurança tão grande que chegou a surprendê-la.
- Boa idéia- ele aprovou, com um gesto afirmativo de cabeça.
“Boa idéia”, Hermione repetiu, em pensamento, com uma sensação de alívio... Que não durou muito tempo. Pois ela sabia que logo teria de escolher entre ir ou ficar. E, dessa vez, não haveria uma terceira saida...
A cabana tinha uma grande sala, com um antigo e bem conservado aquecedor de cobre, no centro. Um corredor à esquerda conduzia a dois quartos e ao banheiro. Outro corredor, à direita, levava à cozinha, que era o maior cômodo da cabana.
Apesar de toda a insegurança que sentia, Hermione não pôde deixar de se emocionar, ao entrar na cozinha.
- Parece que retrocedemos alguns séculos, no tempo- ela comentou, mais para si do que para Harry.
- Por que diz isso?- ele perguntou, enquanto abria uma janela.
- Ora, olhe só para esse fogão a lenha... E esse velho fogão esmaltado, que valeria uma fortuna, em qualquer antiquário de Tucson... E esses lampiões a gás...
- Bem, essas coisas não são objetos dedecoração e sim utensílios básicos, muito necessários ao dia a dia na cabana.- E Harry explicou:- O fogão esmaltado funciona perfeitamente. O fogão a lenha, também. Mas você deve tomar cuidado para manter o fogo bem aceso e para que a fumaça não volte pela chaminé. Quanto à iluminação...- interrompendo-se, Harry pegou ums dos lampiões que estavam pendurado e colocou-o sobre uma mesa redonda, a um canto.- Você sabe manipulá-lo?
- Sinceramente, não - Hermione respondeu.- Lembro-me de ter usado um desses num acampamento, há muito tempo, quando eu era adolescente.
- Nesse caso, não deve fazer tanto tempo assim- Harry comentou, num tom mais ameno.- Afinal você deve ter, no máximo vinte e um anos... Certo?
- Errou por três, Sr. Potter – Hermione respondeu, relaxando um pouco.- Fiz vinte e quatro em Setembro.
- Pois não parece.
- Se isso é um elogio, agradeço.
Dando de ombros, ele opinou:
- Não sei porque as mulheres ficam felizes quando alguém jura que elas possuem uma idade menor do que a real... Quanto a mim, ficaria furioso se me tomassem por mais jovem do que sou. Seria como desconsiderar os anos que vivi, até hoje.
Hermione sorriu, depois de refletir sobre aquelas palavras.
- Sabe que você tem razão, Harry!- disse, por fim.- Mas, apesar de tudo, fico feliz por você me achar mais jovem do que sou.
- Na verdade, você parece uma menina...
- Mas já tenho cargos de mulher.- E ela corrigiu-se em seguida:- Ou melhor: de mãe. Afinal, sou responsável por Jamie. Esta é a prioridade de minha vida.
Harry assentiu com um gesto de cabeça, enquanto girava a parte superior do lampião, para separá-la do pequeno botijão de gás onde estava encaixada.
- Agora deixe-me mostrar como isto funciona... antes que nossa conversa se torne muito pessoal.
- Qual seria o problema, se isso acontecesse?- Hermione o questinou.
- Preste atenção e verá que não é muito complicado...- disse Harry, ignorando a pergunta.
- Titia!- A voz de Jamie soou, lá fora.- Sr. Potter!
- Sim?- Hermione aproximou-se da janela e sorriu para o sobrinho.- Estamos aqui, meu bem. Por que não entra, para conhecer a cabana?
- Já vou.
Em poucos instantes, o garotinho surgia, na cozinha, com as faces afogueadas.
-Que lugar lindo!- exclamou, olhando de Hermione para Harry.- Agora, só falta cair muita neve.
- Vamos ver o que acontece, querido- disse Hermione.
- Posso continuar lhe mostrando o lampião?- Harry perguntou, rabugento.
- Sim, claro- Hermione respondeu.- Eu e Jamie gostariamos muito de saber como isso funciona.- Pegando o sobrinho nos braços, acomodou-se sobre uma cadeira.- Pronto.. Pode explicar, por favor.
E Harry prosseguiu. Cerca de dez minutos depois, Hermione já era capaz de acender o lampião sozinha. Mas havia várias outras coisas a aprender, tais como: acionar e desligar a bomba de água, fechar as janelas no final do dia, usar o fogão a lenha e o fogão esmaltado que funcionava a gás...
Porém, a mais difícil foi aprender a lidar com o aquecedor de bronze, que ficava no centro da sala. Se bem manipulado ele seria capaz de gerar calor suficiente para toda a cabana. Caso contrário, poderia causar sérios problemas.
A tarde chegava ao fim, quando Harry finalmente terminou de dar as instruções necessárias a Hermione.
- Bem, isso é tudo- ele concluiu, depois de certificar-se de que o aquecedor estava devidamente aceso.- E então? O que me diz?
Hermione ergueu as sombrancelhas, com ar de dúvida.
Compreendia, perfeitamente, o significado daquela pergunta. Chegara o momento de responder se preferia partir... Ou ficar. Só restavam essas duas opções. E ela precisava escolher.
- Você fica.. Ou vai?- Harry indagou.
Hermione olhou para o sobrinho.
- O que você acha, querido? Vamos pasar os próximos dez dias nesta cabana, mesmo sem energia elétrica...
- Vamos ficar.- Jamie afirmou, sem esperar que ela concluisse a pergunta.
- Mesmo com toda essa ventania?- Hermione olhou através da janela da sala, antes de fechá-la.
- Esse vento pode trazer neve- Harry comentou.- Aliás, se continuar soprando do norte, teremos neve na certa.
- Está vendo só, titia?- Jamie sorria, deliciado.- Nós precisamos ficar.
- Mesmo sem luz, querido?- Hermione insistiu.
- Temos o lampião- o menino argumentou, com a simplicidade típica das crianças.
- Claro- Hermione assentiu, com um suspiro, pensando que o voto de Jamie já estava dado: ele decidira ficar. Agora, restava o dela...
- Sabe porque quero ver muita neve, neste Natal, sr. Potter?- disse Jamie.- É que eu pedi a Papai Noel...
- Oh, você já nos contou sobre isso durante o trajeto do aeroporto até aqui, meu bem- Hermione interveio. E acrescentou, em pensamento:”Além do mais, Harry Potter não gosta de conversas pessoais...”
- Bem, preciso ir para casa- Harry anunciou. Em seguida, fixando em Hermione os olhos verdes, indagou:- Tem mesmo certeza de que quer ficar aqui, na cabana?
- Acho que sim- ela respondeu, sentindo-se de súbito muito frágil.
- Oh, você acha- ele comentou, irônico.-E considera isso como resposta?
Hermione baixou os olhos. Precisava pensar rápido. Por fim, decidiu:
- Ficarei, sim. Não vim de Tucson até aqui para voltar no mesmo dia. Não mesmo.
- Quem está falando?- Harry questionou-a.- Você.. Ou seu orgulho?
- Eu- Hermione afirmou, com uma expressão altiva.- Pode ficar tranquilo, Harry Potter.
- Você está ciente de que só voltarei para buscá-los no dia seguinte ao ano Novo... Certo?
- Exato. Até lá, não é preciso se preocupar.
- Não me preocuparei, senhorita- ele respondeu, assumindo de novo aquela expressão zombeteira, que tanto a irritava.- Mesmo porque, tenho o que fazer, lá na fazenda.
Ele fez um gesto de assentimento. Em seguida, saiu a passos largos, enquanto murmurava uma despedida.
- Só mais uma pergunta- disse Hermione, saindo na varanda.
Harry, que andava em direção ao caminhão estacionado a curta distância voltou-se:
- Sim? O que quer saber?
- Onde fica o telefone mais próximo?
- Não há.
- Como assim? Não existe um telefone público, ou um posto nas redondezas?
- O telefone mais próximos fica em minha fazenda.- E Harry bateu com dois dedos na aba do chapéu de cowboy, em sinal de cumprimento.- Mas alguma pergunta, Srta.?
- Sim.- Com um gesto nervoso, Hermione afastou os cabelos castanhos, cor de mel, que fustigaram-lhe o rosto, devido ao vento que aumentava de intensidade.- O que farei, se acontecer uma emergência?
- Que tipo de emergência?- Harry indagou, num tom indiferente.
- Ora.. Se eu me machucar, por exemplo. Ou se Jamie adoecer, ou...
- É melhor não pensar nisso- Harry a interrompeu.- Se você decidiu passar os próximos dez dias na cabana, tente relaxar e desfrutar ao máximo sua estada, em vez de cogitar sobre bobagens.
- Não estou falando de bobagens, e sim de fatalidades- Hermione se defendeu, aborrecida.
- Vou lhe dizer uma coisa...- Harry voltou sobre os próprios passos.- Passei muitas temporadas aqui, sobretudo quando era menino. E nunca me aconteceu nada de ruim. Portanto, acho que você deveria esquecer esses receios sem fundamento e admirar a beleza desse local... A menos que prefira voltar para a segurança do seu lar, em Tucson.- Essas últimas palavras raziam um inequivoco toque de ironia.
Hermione, porém, preferiu ignorá-lo.
- Ainda está em tempo- Harry insistia.- Se você quiser, posso levar sua bagagem de volta ao caminhão, apagar o fogo do aquecedor e...
- Esqueça, cowboy- Hermione apartou.- Eu não vou sair saqui.
- Então, pare de pensar tolices e goze devidamente suas férias.
- Obrigada pelo conselho- ela resmungou.
- Por nada, senhorita.- Harry voltou a se afastar.
Jamie, os observava a conversa dos adultos junto à porta da cabana, elevou a voz para chamar:
- Sr. Potter!
Harry não se voltou. Mas quando Jamie chamou-o pela segunda vez, virou-se e perguntou:
- O que foi, garoto?
- Feliz Natal.
Harry estava a cerca de dois metros de distância. Mas Hermione teve a nítida impressão de que suas feições se suavisaram... E que seus olhso assumiram uma expressão ao mesmo tempo comovida e melancólica.
Mesmo assim, ele não retribuiu a gentileza de Jamie. Apenas agradeceu, com um gesto de cabeça e continuou a se afastar.Emocionada, Hermione abaixou-se e abraçou o sobrinho com força.
- Querido, você é tão pequeno... E, no entanto, possui uma generosidade e coração que muitos adultos ainda não alcançaram.
Ignorando as palavras de Hermione , Jamie comentou:
- Eu nem precisava ter desejado Feliz Natal ao Sr. Potter...
- Nisso você tem razão, querido. Acho que ele não merecia.
Jamie, porém, parecia não ouvi-la. Estava pensativo e, após alguns instantes, disse:
- Acho que ele vai voltar antes do Natal.
- Você está enganado, meu anjo- Hermione afirmou, num tom delicado, mas firme.- Harry só virá no dia seguinte ao Ano Novo, para nos levar até o aeroporto.
Com um gesto negativo de cabeça, jamie insistiu
- Ele vem, sim...
- E se isso não acontecer? - Hermione indagou, cautelosa.- Você.. ficará muito triste?
Em vez de responder, o pequeno Jamie apenas replicou:
- Ele vem, titia,
Hermione sentiu os olho marejados de lágrimas. Aperando fortemente o sobrinho contra o peito, murmurou-lhe ao ouvido.
- Meu anjinho adorável... Tome cuidado para não se machucaer, sim? Não se esqueça nunca que nós dois, apenas nós dois, formamos uma família. Nós e mais ninguém.
Momentos seguintes, Hermione sentiu a mãozinha do sobrinho afagando-lhe os cabelos... Como se ela fosse uma criança e precisasse, desesperadamente, de consolo. E talvez, ao menos naquele instante, isso fosse verdade.
- Você só tem a mim- Hermione disse, baixinho.- E eu só tenho você, querido. Não se esqueça nunca disso... Promete?
- Prometo, titia- a voz de Jamie soava tranquila. E, mais uma vez, Hermione sentiu-se indefinitivamente fragil, diante do sobrinho.
“Às vezes um guerreiro precisa de descanso”, Penny costumava dizer. “Precisa chorar um pouquinho, no colo de um ser amado, para depois continuar a luta... Mais renovado e cheio de esperanças.”
- Está tudo bem, querido.- Hermione ergueu-se e pegou o sobrinho no colo.- Aposto que passaremos um lindo Natal aqui na cabana.
- Só falta a neve...- disse Jamie, enlaçando-a pelo pescoço e beijando-a em ambas as faces.
- É verdade, meu amor.- E Hermione desejou, ardentemente, que o vento lá fora continuasse a soprar, desde o norte... E que trouxesse um dos presentes pedidos por Jamie, em sua cartinha para Papai Noel: neve, muita neve.
Quanto ao outro presente... Bem, esse nem mesmo um milagre poderia tornar realidade.então, que Papai Noel atendesse ao menos a um desejo de Jamie... Seria possível?
Hermione esperava, sinceramente, que sim.
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Tai o capítulo 4...
Espero que gostem e desculpem a demora!!!
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