Prológo




- Srta. McGonagall, será que pode me ajudar a escrever uma carta para o Papai Noel ?

A professora do jardim-de-infância, uma senhora alta, de cabelos grisalhos presos em forma de coque, interrompeu o que estava escrevendo no diário de classe.

Erguendo os olhos, fitou Jamie Granger por alguns instantes. Seu coração se inundou de ternura, como sempre acontecia quando olhava para aquela criança adorável, por quem tinha particular afeição.

Jamie era um belo garotinho, de cabelos negros e faces coradas. Mas seus olhos castanhos traziam, com frequencia, uma expressão de incrível seriedade, quase melancolica, que em nada combinava com seus cinco anos de vida.

Normalmente, os meninos dessa idade eram alegres e brincalhões. Jamie, porém, era uma exceção à regra.

Havia também uma outra particularidade que causava profunda emoção na Srta. McGonagall: Jamie nunca se separava de seu ursinho de pelúcia, nem mesmo para fazer as lições ou para brincar no pátio, durante o recreio.

Em geral, a Srta. McGonagall costumava pedir aos alunos que dexassem seus brinquedos em casa. Mas, com Jamie não tinha coragem de fazer tal exigência... e por um motivo muito forte: durante uma reunião de pais e mestres, a tia do garotinho Hermione Granger lhe confidenciara um segredo> dissera-lhe que desde a morte da mãe de Jamie, ocorrida um ano atrás, ele passara a levar seu ursinho onde quer que fosse. Parecia se agarara a ele como um náufrago a uma tábua de salvação.

Talvez depositasse no brinquedo o afeto que já não podia entregar à mãe. Assim pensava a Srta. McGonagall, ao decidir que não obrigaria o pequeno Jamie a separar-se de seu ursinho. O problema seria conseguir a concordância de outros alunos.

Entretanto, as coisas tinham corrido demaneira mais tranquila do que ela imaginara. Certo dia, quando uma garotinha perguntara por que Jamie podia trazer seu brinquedo, e ela não, ela respondera com franqueza e simplicidade:

- Acho que Jamie anda muito triste, desde que a mamãe dele foi para o céu... então, nós bem que poderíamos deixar que ele brincasse o quanto quisesse com seu ursinho, não concorda, querida?

Muito séria, a garotinha fizera um gesto de assentimento. Durante o recreio, a Srta. McGonagall a vira comentando o fato com os coleguinhas de classe. E, assim, o problema fora resolvido.

Agora, o ursinho de Jamie, que aliás se chamava Melvin, era uma presença obrigatória, na classe. Tinha uma carteira só para ele. E as crianças o cumprimentavam ao chegar.

- Srta. McGonagall...- a voz de Jamie soou, carregada de ansiedade.- Não ouviu o que eu disse?

Interrompendo as divagações,a professora sorriu, enquanto respondia amavelmente:

- Claro que sim, querido. Bem, eu o ajudarei a escrever uma carta para Papai Noel. Espere apenas um momento, sim?

Abrindo a primeira gaveta de sua mesa, a Srta. McGonagall pegou um bloco de cartas, com belos desenhos de renas e pinheiros de Nata no alto de cada página.

Do pátio, vinha o som das vozes alegres das outras crianças, que desfrutavam a hora do recreio.

- Aqui está...- disse a professora, pegando a caneta.

Ao ver o bloco, o garotinho assumiu uma expressão que era a um só tempo de surpresa e contentamento... Coisa rara de acontecer.

Comovida, a Srta. McGonagall sugeriu, num tom suave.

- Pode começar a ditar sua cartinha, querido.

Jamie fechou os olhos, enquanto se aconchegou na professora, apoiando a cabeça em seu ombro. Mais uma vez, o coração sensível da Srta. McGonagall encheu-se de ternura. E ela aguardou, pacientemente, que Jamie começasse a falar.

Entretanto, vários minutos se passara... E o garotinho continuava em silêncio.

Talvez fosse ajudá-lo a começar, pensou a Srta. McGonagall. Poderia sugerir a Jamie que pedisse jogos de armar, ou mesmo uma bicicleta, a Papai Noel.

Mas essas sugestões, que certamente seriam aceitas por qualquer outro aluno, não pareciam adequadas a Jamie Granger. Afinal, seu pequeno mundo havia desmoronado, após a perda da mãe. E o que se poderia dizer a uma criança nessa situação?

Mesmo assim, a professora arriscou um palpite... pois já não suportava aquele silêncio prolongado. Dali a pouco os alunos voltariam do recreio. E ela precisaria dar continuidade à aula.
Docemente, sugeriu a Jamie:

- Que tal começar pedindo um video game? Você tem se saído bem nesse tipo de jogo, aqui na escola.- Tardiamente a Srta. McGonagall lembrou-se de que os Granger talvez não tivessem computador, em casa.

Sabia que Hermione Granger, a tia que assumira a guarda de Jamie, lutava arduamente para se sustentar e dar ao sobrinho o máximo de conforto material e emocional.

Trabalhando como secretária numa repartição pública estadual, Hermione recebia um salário modesto, que talvez não lhe permitisse a compra de um computador.

- Não quero video games, Srta. McGonagall - disse Jamie, brindo os olhos e nterrompendo-lhe os pensamentos.- Já brinco bastante, aqui, na escola.

-Certo, querido- ela assentiu, com um sorriso.- Então, de que tipo de brinquedo você gostaria?

-Nada de brinquedos- ele afirmou, com aquele misto de seriedade e melancolia que lhe era caracteristico.- Não quero nem mesmo um cachorrinho, como Bobby pediu... Nem um pônei, como Mendy pediu...

Jamie se referia a dois coleguinhas que se sentavam perto dele e que já tinham ditado à professora suas cartinhas para Papai Noel.

- Então, o que você vai pedir, querido?

- Um papai.

A princípio, a Srta. McGonagall nada conseguiu dizer. Por fim murmurou:

- Oh, meu bem! Acho que...

E não conseguiu concluir a frase.

Novamente, Jamie se aconchegava nela e fechava os olhos com uma expressão concentrada no rostinho angelical.
Apertando com força o ursinho contra o peito, ele começou a ditar a carta:

“Querido Papai Noel... como vai o senhor? Está tudo bem, aí, no Polo Norte? Como vão as renas e os duendes?”

Sem outra alternativa, a Srta. McGonagall escreveu o que o garotinho dizia.

- Pronto, querido... E o que mais?

“ eu me comportei muito bem, neste ano. Ajudei minha tia Hermione... E o senhor sabe o quanto ela precisa de ajuda. Agora vou lhe pedir um presente de Natal: quero um PAPAI. Preciso mesmo de um papai.”

Lutando para controlar a forte emoção que a dominava, a Srta. McGonagall terminou de escrever e indagou:

- Você gostaria de explicar ao bom velhinho por que precisa tanto de um papai, meu anjo?

Abrindo os olhos, o garotinho fitou-a com simpatia, ao responder:

- Acho que ele sabe porquê. Agora, será que posso ver a carta?

- Mas é claro, querido.- Delicadamente, a professora entregou-lhe o bloco.

Ele observou o manuscrito com gravidade e depois o devolveu, enquanto pedia:

- A senhorita pode escrever: Com amor, Jamie...?

- Sem dúvida, meu bem.

- Pode também colocar um PS?

A Srta. McGonagall sorriu, enquanto retrucava:

- Mas ainda nem terminamos de escrever a cartinha, querido. Não acha que é um pouco cedo para pensar num PS?

Intimamente, ela procurava raciocinar rápido. Precisava achar um modo de convencer Jamie a pedir um brinquedo comum. Algo como um trenzinho, ou um jogo de armar. Ou ainda uma daqueles cachorrinhos que funcionavam a pilha, que vinham causando verdadeira sensação entre as crianças.

Sem saber ao certo como fazer sua sugestão, a Srta. McGonagall comentou:

- O PS só vem no final, quando a pessoa já assinou e se lembra de algo importânte.

- Mas eu já terminei a carta, professora- Jamer argumentou, com incrível convicção.- Até pedi para a srta. escrever: com amor, Jamie.

- Isso é verdade- a Srta. McGonagall cedeu.- Mas, se você quiser, podemos escrever outra carta...

-Não precisa – o garotinho respondeu, com um meneio de cabeça.

E antes que a professora encontrasse um novo argumento, disse:

- Todos os dias, antes de sair para trabalhar, mamãe me deixava um bilhete. Daí, minha babá ou minha titia, liam para mim.

- É mesmo, querido?

Ignorando o comentário, Jamie continuou:

- No final do bilhete, mamãe sempre colocava um PS. E essa era a parte mais importante.

- Como assim, meu bem?

- Ela escrevia PS: não se esqueça de que combinamos de ir ao cinema, quando eu voltar...Ou então: PS: vou levar um sorvete bem gostoso, para tomarmos na sobremesa.–O garotinho fez uma pausa. Longe de suspeitar a profunda emoção que causava, acrescentou:- Mas o PS mais bonito era quando ela escrevia: Não se esqueça de que amo você.

A Srta. McGonagall quis dizer algo, mas não conseguiu. E o menino finalizou:

- Como vê, professora, o PS é a parte mais importante.

Com um gesto de assentimento, a Srta. McGonagall desistiu de argumentar. Depois de escrever PS, logo abaixo do nome de Jamie, perguntou:

- Bem, e agora? O que você quer dizer a Papai Noel?

- Vou fazer uma pergunta.- Jamie ficou pensativo por alguns instantes. Por fim ditou:

“É verdade que o Polo Norte fica bem pertinho do céu? Todo mundo diz que minha mamãe virou anjo, que mora no céu, que toma conta de mim e de tia Hermione. Mas eu gostaria de ter certeza... O senhor poderia cuidar disso, para mim? Vamos combinar uma coisa: se for verdade, o senhor me mandará um sinal.. Um Natal com muita neve. Está certo? Muito obrigado, Papai Noel.”

Depois de escrever, a Srta. McGonagall desviou o rosto em direção à janela, para que Jamie não visse as lágrimas que lhe inundavam os olhos.
Lá fora, as crianças continuavam a brincar. Dentro de dois minutos, soaria a sirene indicando o final do recreio.

Um céu cinzento, carregado de nuvens cor de chumbo, que dominava a paisagem.

“Como vou explicar a esta criança que seu pedido é impossível?” A Srta. McGonagall se perguntou, com o coração oprimido pela angustia.

A professora não pensava somente no primeiro pedido que Jamie havia feito, na carta... Mas também no segundo. O problema era que ambos pareciam impossíveis de serem realizados.
Decididamente, Jamie não ganharia mesmo um Natal com muita neve., já que nunca nevava em Tucson, no Estado do Arizona. Apenas no alto dos picos de Santa Catalina, ao norte da cidade, poderia talvez ocorrer um acúmulo de neve. Mas isso era tudo.

- A Srta tem um envelope?- A voz de Jamie interompeu-lhe os pensamentos.

Passando disfarçadamente as costas da mão pelos olhos, para enxugar as lágrimas que ali se formavam, a professora respondeu num tom suave:

- Claro, meu bem. Vamos cuidar disso agora mesmo.- Dobrando a carta, guardou-a num envelope. Em seguida endreço:- Para Papai Noel... No Polo Norte. Está bem assim, querido?

- Está. Obrigado, Srta. McGonagall.

- Quer que eu coloque esta carta no correio para você?- A professora ofereceu, num tom gentil.

- Não- o menino respondeu.- Tia Hermione cuidará disso.

A Srta. McGonagall engliu em seco. Podia imaginar o sofrimento de Hermione Granger, ao ler a cartinha de Jamie... Mas o que poderia fazer, para poupá-la? Nada. Essa era a verdade. Ao entregar o enelope para Jamie, a Srta. McGonagall se deu conta do quando sua mão parecia grande, perto da pequenina mão do garoto... E, também, do quando sua mão estava envelhecida, com as veias salientes, os dedos um tanto tremulos.

Num impulso, ela abraçou Jamie, apertando-o contra o peito. Daria tudo o que tinha para reduzir, ao menos um pouco, o sofrimento pelo qual o menino havia passado... E continuava passando.
De sua parte, só podia continar tratando-o com todo o carinho e compreensão.

- Se soubesse o quanto gosto de você, Jamie querido...- ela murmurou, comovida.

- Também gosto muito da senhorita- o menino respondeu docemnte.

E então a Srta. McGonagall sentiu que seu coração se aliviava.. Pois, junto com o cuidado que Jamie lhe despertava, havia um sentimento maior: a certeza de que Jamie venceria seus próprios obstáculos, de que a vida falava mais forte, a despeito das grandes tragédias.

Mais que isso: a Srta. McGonagall sentia, claramente, que ela nunca perdera a fé nas belas coisas desse mundo... E que, de algum modo, Jamie a ajudara a lembrar-se disso, ao ditar aquela cartinha singela para o bom Velhinho.

A sirene, indicando o final do recreio, soou.

Jamie, desvencilhou-se dos braços da Srta. McGonagall e foi sentar-se, levando seu amigo inseparável: o ursinho Melvin.

A professora retomou a aula. Mas a sensação que tinha experimentado, pouco antes, com relação a Jamie não a abandonara.

Um tanto surpresa, a Srta. McGonagall, descobriu que, mesmo sendo uma mulher madura, a caminho da velhice, ela continuava a acreditar no lado belo de todas as coisas: na magia, na possibilidade de um doce milagre... Um milagre de Natal.

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