Capitulo 2



CAPÍTULO II


Harry afrouxou a gravata, enfiou as mãos nos bolsos do paletó e saiu da sala de exames do Hospital Memorial. Estava acostumado a ter mulheres caindo a seus pés, porém aquela fora a primeira vez que acontecera literalmente. E o que era pior: sentia-se culpado por isso.
Como pôde ter sido tão estúpido? Hermione lhe dissera que não queria jantar, que tivera um dia ruim e gostaria de ir para casa. Porém, jamais aceitava um "não" como resposta.
Não Harry Potter, o profundo conhecedor do sexo frágil. Não levara em conta a relutância dela, apenas para testar seu irresistível charme, como se Hermione representasse um desafio a ser enfrentado. Notou por várias vezes que ela parecia não estar se sentindo bem, mas preferiu ignorar esse pormenor. Pior ainda, tentou convencer-se de que um pouco de entretenimento era o que precisava para melhorar seu humor. Como pôde ser tão insensível?!
— Harry Potter, você é a última pessoa que eu esperava encontrar por aqui!
Ele se voltou e deparou com Meg O'Reilly caminhando em sua direção. Droga! O que mais poderia dar errado naquela noite? Não bastava ter sido responsável por fazer uma garota passar mal, e ainda vinha seu passado assombrá-lo!
Harry não via Meg havia cinco anos, desde quando a loirinha confessou que o amava e que pretendia se casar com ele assim que terminasse a faculdade de medicina. Isso aconteceu apenas um mês após a morte de Talia, a esposa de seu irmão gêmeo, Drew, e o sofrimento de Drew ainda estava muito recente em sua memória.
Como a maioria dos gêmeos, Harry sentiu como se fosse com ele próprio. Jurara a si mesmo que nunca passaria por aquele remorso pavoroso.
Naquela mesma noite, decidira levar Meg para casa e com educação e firmeza, explicou-lhe que não era o tipo de homem ideal para o casamento. Tentou convencê-la de que, embora não houvesse nenhuma possibilidade de um relacionamento duradouro entre ambos, poderiam continuar se encontrando de vez em quando. Porém, sua honestidade acabou por lhe causar um enorme galo na testa, por conta de um abajur que Meg lhe atirou na cabeça.
— Olá, Meg. — Como era seu costume, deslizou o olhar para a mão direita dela. Para seu alívio, avistou uma bela aliança de ouro no anular. — Como tem passado?
— Eu me formei — respondeu com um meio sorriso. — E vejo que você ainda continua examinando os dedos anulares das mulheres.
Harry acenou com a cabeça com uma expressão um pouco distante. Não conseguia deixar de pensar na frágil investigadora naquela sala de exames ao fundo do corredor. Parecia que estava lá dentro fazia horas.
— Você me faria um favor, Meg? Poderia verificar o estado de saúde de uma paciente? — E apontou para a última porta.
— Claro. É alguém da família?
— Não. É uma mulher que estava jantando comigo e desfaleceu.
Meg lançou-lhe um olhar contemplativo e dirigiu-se à porta que ele apontou.
— Vou ver o que posso fazer.
Harry aguardou até Meg, enfim, retornar.
— Ela está bem? — perguntou, aflito.
Seu sentimento de culpa aumentou quando encarou Meg. A expressão dela de nada serviu para aquietar sua ansiedade.
Se tivesse sido o culpado pelo agravamento do estado de saúde de Hermione por ter insistido em levá-la para o restaurante, jamais se perdoaria.
— Contanto que ela tente se acalmar... — Meg sorriu. — A garota será liberada assim que o médico que a está assistindo prescreva o remédio para náusea. Sua tarefa será vigiar se ela está se alimentando direito. Isso é importante para todo o mundo, porém, na condição da sra. Delgado, é imprescindível.
— Está bem. — Aceitaria qualquer coisa que o redimisse daquela terrível falta de sensibilidade.
A fisionomia de Meg tornou-se séria.
— Se ela não se alimentar direito, vai perder o bebê, Harry.
— O bebê...
— Sim, o bebê. — Nesse instante o bip de Meg soou. Depois de conferir a minúscula tela, despediu-se. — Tenho de ir. Harry, a sra. Delgado está muito nervosa e morrendo de medo de abortar. Tenho certeza de que ela e o bebê significam muito para você. Portanto, cuide bem dos dois e tudo dará certo.
— Eu? — Harry abriu e fechou a boca várias vezes numa tentativa de melhorar o desempenho de suas cordas vocais. — Não fiz... quero dizer, não sou...
— Relaxe. Será um ótimo pai. Desejo muita sorte para os três.
Surpreso, observou Meg desaparecer a um canto do corredor. Em seguida, olhou para a porta fechada a sua frente. Meg pensou que ele era o pai do bebê de Hermione. Aquela suposição era quase cômica.
Perambulou de um lado para o outro, balançando a cabeça, enquanto aguardava. Se aquela notícia se espalhasse, a maioria dos faladores da alta sociedade ficaria chocada. Harry Potter poderia ser visto jantando ou assistindo a eventos sociais com várias garotas diferentes, mas não fora visto com alguém com constância, durante os últimos seis meses. E além de ser cuidadoso e tomar suas próprias precauções quando estava com uma namorada, havia mais de um ano que não fazia sexo.


O medo dominava todas as células de Hermione. As lágrimas toldaram-lhe a visão ao se vestir. Um pensamento insistia em lhe ocorrer. Não podia perder aquela criança. Experimentara dois abortos durante seu desastroso casamento. Aquela era a última esperança de ter seu tão sonhado bebê.
Respirou fundo e se forçou a pensar positivo. Dentro de sete meses, teria uma linda criança nos braços para amar e proteger. Dessa vez não perderia seu nenê.
Enxugando as lágrimas, torceu para que Harry tivesse se cansado de esperar e deixado o hospital em busca de outros interesses naquela noite de sexta-feira.
Orgulhava-se de seu trabalho. Batalhara muito para conseguir aquela posição de investigadora especial. Quando estava no cumprimento do dever, nunca permitia que as pessoas a vissem de outra forma a não ser como uma policial exemplar.
Mas Harry testemunhara sua fraqueza, sua vulnerabilidade. Já seria humilhante o bastante encará-lo segunda-feira pela manhã, quando iniciaria o interrogatório da família Potter. Agora, então, seria terrível.
Após colocar na bolsa as embalagens do medicamento que o médico lhe dera para náusea, abriu a porta do quarto e saiu para o corredor. Quase caiu para trás. Lá estava Harry, o homem mais bonito que já vira em toda a vida.
Ele se virou e ergueu a cabeça. Aquele olhar cheio de ternura e compreensão a pegou de surpresa. Esperava uma fisionomia mal-humorada pelo transtorno que lhe causara. Seu ex-marido detestava que interrompessem seus planos. No entanto, Harry mostrava pura preocupação.
— Você está bem? — Ele deu dois passos à frente e a segurou pelos ombros.
Aquele toque lhe provocou uma sensação reconfortante.
Hermione assentiu; contudo, evitou encará-lo. Teve vontade de morrer, de tanta vergonha. Harry fora testemunha de um dos piores momentos pelos quais já passara.
— Há alguém que eu possa chamar? Um marido ou uma amiga?
Ainda sem coragem de encará-lo, ela fez que não.
— Ninguém.
Com o dedo indicador Harry tocou-a de leve no queixo, forçando-a a fitá-lo.
— Sinto muito, Hermione. Deveria ter escutado quando me disse que não queria jantar comigo. Acha que é capaz de perdoar um tolo insensível como eu?
Ela tentou esconder os olhos cheios d'água. O toque delicado, a entonação carregada de sinceridade e o olhar cheio de arrependimento de Harry a comoveram. Não recordava a última vez em que ouvira um homem lhe pedir desculpas pelo que quer que fosse, quanto mais perdão.
Durante os quatro anos em que estivera casada, Michael jamais fizera isso. Nem da primeira vez, quando Hermione descobriu que ele estava tendo um caso. Nem da última, quando lhe informou que se mudaria para viver ao lado da mulher com quem já dormia desde os primeiros seis meses de casados.
— Obrigada pela ajuda, sr. Potter. Mas não precisava ter me esperado. Tenho certeza de que tem coisas mais interessantes para fazer esta noite do que ficar aguardando alguém no corredor de um hospital.
— Sem problemas — afirmou, sorrindo. — Quando chegarmos em sua casa, pedirei alguma coisa para comermos.
Hermione balançou a cabeça.
— Obrigada, mas não precisa se incomodar. Pegarei um táxi e posso preparar algo quando chegar a meu apartamento.
— O doutor disse que você precisa se alimentar com regularidade e repousar mais. — Harry conduziu-a em direção à saída. — Não poderá fazer isso tendo de cozinhar para si mesma. Além do mais, já é tarde, e está cansada. Precisa colocar as pernas para cima e relaxar.
— Estou acostumada a me arranjar sozinha.
As lágrimas ameaçavam rolar de novo. Tinha de se livrar de Harry o quanto antes para não ter de passar pela humilhação de chorar na frente dele.
— É o mínimo que posso fazer. Sinto-me responsável pelo que aconteceu.
Quando, enfim, saíram para o frio ar noturno, Harry passou-lhe o braço ao redor dos ombros, comprimindo-a contra o peito largo como se quisesse protegê-la do vento gélido e dos primeiros flocos de neve que começavam a cair.
Antes que Hermione encontrasse voz para dizer que ele não tinha nenhuma obrigação em relação a ela, Harry já a instalara no assento de passageiro e contornava o Jaguar.
— Acha que poderia tomar uma sopa?
— Sim, mas você não tem...
— Hermione, eu tenho. Deveria tê-la escutado. Porém, não o fiz. Minha falta de sensibilidade colocou você e seu bebê em perigo. Por favor, permita-me reparar meu erro.
As desculpas sinceras e o remorso estampado naqueles olhos verdes, aliados a seus hormônios instáveis, tocaram algo bem fundo dentro dela. Algo que julgava estar morto para sempre. Harry a abraçou.
— Hermione querida, não chore... Vai dar tudo certo. Você e o nenê ficarão bem. O médico falou que só precisa de descanso e vou cuidar disso.
Levando as mãos ao rosto, Hermione começou a soluçar. Ótimo! Como se não bastasse o acesso de choro causado pelo descontrole hormonal da gravidez, agora também derramava lágrimas pela profunda humilhação de Harry ter testemunhado seu estado deplorável.
O calor agradável proveniente daquele corpo e o contato físico dos braços mantendo-a cativa quase a fizeram acreditar no que acabara de ouvir. Quase. Afinal, fora casada com um homem semelhante a Harry. Os homens dizem qualquer coisa para convencer uma mulher a fazer o que eles querem.
Todavia, estava muito esgotada emocionalmente para protestar. Tudo o que queria no momento era ir para casa e esquecer aquele dia terrível.
Um instante depois, mais controlada, deu-lhe o endereço do prédio onde morava.
— Por favor, me leve para casa.
Assentindo, Harry a libertou, girou a chave na ignição e pisou no acelerador.
— Não é muito longe daqui. Logo estaremos lá.


Harry deu uma olhada ao redor e estacionou o Jaguar atrás de um táxi, diante de um prédio de quatro andares em péssimo estado de conservação. Embora fosse um bairro de classe média, era evidente que o proprietário não se preocupava em manter o imóvel conservado.
— Obrigada pela carona, sr. Potter.
Harry franziu as sobrancelhas ao ouvir o uso formal de seu nome e ver a mão tremula que Hermione lhe estendeu. Então, ela estava tentando retroceder no tempo como se nada tivesse acontecido.
Bem, isso não era nada bom, decidiu, ignorando o gesto dela. Passara duas longas horas no hospital preocupado com seu estado de saúde, e, em sua opinião, aquilo os tornara mais íntimos.
Além do que, admitisse ou não, Hermione estava fragilíssima. Precisava de alguém para ajudá-la e apoiá-la. E, já que se sentia culpado por agravar seus problemas, via-se na obrigação de se certificar de que estaria bem antes de se despedir dela.
O fato de ter gostado de senti-la em seus braços não tinha nada a ver com essa decisão.
Harry desligou o motor. Saiu do carro, foi até o lado de Hermione, abriu a porta e a ajudou a descer. Prometera-lhe que tudo ficaria bem com ela e o bebê e tinha a intenção de cumprir a promessa.
— Sr. Potter...
— Harry — corrigiu-a sorrindo. —Acho que devemos dispensar as formalidades, Hermione. Agora, vou levá-la até seu apartamento.
O vento frio daquela noite de fevereiro açoitava a neve, e Harry tornou a passar o braço ao redor dos ombros num gesto protetor. Convenceu a si mesmo de que era apenas para não permitir que a ventania gélida a açoitasse. Porém, quando o lindo corpinho retesou-se contra o seu, não pôde deixar de imaginar como seria aquele contato sem todas as camadas incomodas de tecidos.
Assim que se aproximaram do edifício, uma senhora, carregando uma sacola, abriu a porta.
— Terá de achar outro lugar para passar a noite, Hermione — disse, através do lenço de lã que lhe cobria a boca e o nariz. — O aquecimento central não ficou pronto, e talvez ainda demore. O bombeiro hidráulico falou que vai depender de quando as peças chegarão.
Feito o aviso, a senhora apressou-se para pegar o táxi que a esperava.
— Ótimo! O fim perfeito para um dia perfeito!
— Sem problemas. Pode subir, pegar algumas roupas e ficar lá em casa. Tenho um quarto de hóspedes grande e confortável, e garanto que está aquecido.
Harry ficou surpreso consigo mesmo por ter feito aquele convite, mas, quanto mais pensava a respeito, mais lhe soava coerente.
O que mais poderia fazer? Afinal, tivera uma boa parcela de culpa naquilo tudo. Hermione estava investigando a tentativa de assassinato de seu irmão Daniel, o novo rei de Altaria. Fora incumbido de auxiliá-la no que fosse necessário. E, tendo Hermione a seu lado, poderia cumprir a promessa que lhe fizera de que tudo ficaria bem com ela e o bebê. E, caso melhorasse, poderiam revisar as perguntas que pretendia fazer durante o interrogatório da família Potter.
— Não, não posso ficar com você. — Dizendo isso, Elena voltou-se para encará-lo e, a julgar pela expressão daquele rosto bonito, o inferno congelaria antes que ela aceitasse sua oferta.
— Não seja tola, Hermione! Ambos sabemos que não pode ficar aqui.
— Eu vou... ficarei em um...
Harry balançou a cabeça ante a hesitação dela.
— Foi o que imaginei. Não tem a mínima idéia de onde ficar, não é?
— Irei para um hotel.
— Isso é um absurdo.
Ela lhe dirigiu um olhar indignado.
— É mesmo? E por quê?
— Porque precisa de alguém para cuidar de seu bem-estar.
Harry desejou ter usado um pouco mais de diplomacia e formulado a frase de maneira diferente.
Pôde notar, pelo súbito estreitamento dos ombros esbeltos e as faíscas de raiva nas íris castanhas de Hermione, que cometera um grande erro.
— Sr. Potter, nunca precisei de ninguém para tomar conta de mim. Sempre fui sozinha desde que me conheço por gente. Não vejo nenhuma razão para mudar isso agora.
— Hermione, não quer perder seu bebê por causa de uma convicção fútil, não é? Pense no que for melhor para a criança. Se isso significa pernoitar em minha casa, deixe o orgulho de lado e aceite minha oferta.
A expressão dela mudou de indignada para ansiosa e amedrontada.
Harrya tomou nos braços puxando-a para si.
— Perdão, querida. Não deveria ter falado desse modo.
Hermione meneou a cabeça.
— Sim, deveria, Harry. Você tem razão. Preciso pensar na segurança de meu filho. Porém, ainda acho melhor ir para...
Para onde iria, senão para um hotel? Não podia ir para a casa de um parente, pois não tinha nenhum. A última mãe adotiva, a única pessoa que se preocupou e se esforçou para ficar com ela depois que deixara o abrigo de menores, ficaria feliz em ajudá-la. Porém, Molly Weasley vivia na pequena cidade de Johnston, a uns trezentos quilometros ao sul do Estado.
Poderia se hospedar com um amigo, mas parecia que Michael tinha ganho a custódia dos poucos amigos que fizeram durante seu conturbado casamento.
Enquanto Harry continuava a enlaçá-la com ternura, sentiu que a resolução de recusar aquela oferta começava a se esvair. Não passavam de dois estranhos, contudo ele colocara seu lar à disposição dela.
Um calor que não sentia havia muito, muito tempo se apossou de sua alma. Tentou com todas as forças ignorar aquilo. Não queria pensar em Harry Potter de outra forma que não fosse um playboy egocêntrico como seu ex-marido. Era o único modo de manter uma relação profissional entre eles.
— Existe algum lugar para onde possa ir?
Hermione meneou a cabeça.
— Então, está resolvido. — Harry abriu um sorriso encantador. — Agora, vamos subir e apanhar algumas coisas para levar. Aqui está congelando!

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