Capítulo 2



O vidro de geléia que ela segurava escorregou, espatifando-se nos ladrilhos do chão. Seu conteúdo se espalhou, misturando-se aos cacos de vidro.
__ Onde tem um pano? – Assustada Hermione procurava catar os vidros maiores.
__ Que diabo! Você é muito estabanada! Afinal o que está fazendo em minha casa?
Os dedos compridos e firmes do homem seguravam o braço da moça com força puxando-a para levantá-la. Hermione tentava se soltar, sacudindo com violência. Seus olhos castanhos flamejavam.
__ Não sou estabanada, o senhor é que entrou de repente e me assustou.
__ Dá pra ver mesmo.
__ Então veja também que o chão está sujo e que preciso de um pano para limpa-lo.
Ele deu um suspiro impaciente e se dirigiu ao armário da pia, de onde tirou uns trapos. Colocou-os em cima da mesa.
__ Tome. Veja se limpa tudo agora.
Hermione procurava se controlar e não respondeu. O chão estava um nojo; cacos de vidro misturavam-se à massa pegajosa que havia sobrado da maravilhosa geléia caseira de sua mãe.
__ Ainda não me disse o que estava fazendo em minha casa.
As feições duras do homem pareciam ainda mais rígidas, com os vincos do canto da boca mais marcados que antes. Continuava vestindo as mesmas roupas velhas da véspera. Apesar dos cabelos parecerem recém lavados e desarrumados.
__ Bati e chamei, mas ninguém respondeu...
__ E então resolveu entrar assim mesmo? Que bela educação!
__ Não... Quer dizer sim. Ora, não foi bem assim!
__ Não invente desculpas.
__ Escute: eu não vim aqui para ser insultada. – Hermione estava vermelha de raiva pela grosseria daquele homem.
__ Se não insistisse em invadir minha propriedade, talvez não fosse insultada. É a segunda vez que pego você por aqui.
__ Mas...
__ Não me venha com explicações complicadas. Basta dizer que você invadiu minha casa, hoje, e não interessa o motivo. Ontem estava na propriedade e hoje tem a petulância de entrar na casa!
__ Mas eu já disse que...
__ Que chamou e ninguém atendeu, já sei. Quando isso acontece, o normal é ir embora e voltar outro dia, não?
Hermione recolheu mais ou menos os restos do desastre despejou tudo numa lata eu estava num canto da cozinha e observou o chão. Ainda estava melado, mas, se Harry quisesse vê-lo limpo, ele que fizesse a limpeza.
__ Já estou de saída. E não se preocupe: não pretendo voltar mais. Nunca mais entendeu? – Foi à mesa e retirou as tampas das tigelas, embrulhando-as no pano de pratos para levá-las de volta. Arrumou as vasilhas sobre o tampa da mesa, batendo-as com força e disse:
__ Vou deixar isto aqui. Se fizer a gentileza de devolver a louça, minha mãe ficará agradecida. – Hermione procurava ser o mais formal possível. Quem sabe o homem conseguisse assimilar com ela algumas boas maneiras. O que mais desejava, naquele momento, era se livrar dele para sempre, e o mais rápido possível.
__ Mas o que é isso? - Ele estava surpreso e olhava para o conteúdo das tigelas.
__ O que acha? Comida. Torta de galinha.
__ Mas porque trouxe isso?
__ Minha mãe quis ser gentil, embora o Sr. Não o mereça.
__ Sua mãe?
__ A Sra. Granger, que toma conta do armazém da cidade.
__ Ah! Sei. Lembro-me dela. Mas por que me mandar comida? Fiquem sabendo que não preciso de esmolas de ninguém.
__ Ora! Vá dizer isso a ela o senhor mesmo, quando for devolver as tigelas. – E virou-se para sair.
Harry continuava muito pálido, mas parecia ter sido desarmado. Deu a impressão até de estar desprotegido e dócil. Hermione notou que sua palidez se acentuava e que pequenas gotas de suor pontilhavam a testa bronzeada. Ele passou uma das mãos pelo rosto, enquanto com a outra procurava se apoiar no espaldar da cadeira, esforçando-se para ficar em pé.
__ Harry... Está sentindo alguma coisa?
__ Não é nada... Logo passará.
É, parece que sua mãe tinha razão, afinal de contas. Dava a impressão que ele estava tendo uma vertigem e, talvez, não estivesse mesmo se alimentando direito ou fosse um homem doente. Hermione esqueceu os desaforos e a raiva ao sentir que ele precisava de ajuda.
__ Não quer um pedaço de torta? Eu esquento...
__ Para dizer a verdade, nem sei como se liga o fogão. Desde que cheguei, não consegui fazê-lo funcionar. Tenho usado a lareira do quarto para esquentar água e fazer café.
Ele falava pausadamente, com alguma dificuldade, e parecia cada vez mais fraco. Inclinava o corpo e se apoiava sobre a mão que segurava a cadeira.
__ Mas então o que tem comido todo esse tempo?
__ Sanduíches, frutas. O pão acabou hoje de manhã.
__ Que loucura! O que está tentado fazer? Suicidar-se?
__ Srta. Granger... Meus hábitos alimentares não são da sua conta.
Nem mesmo nessa situação de inferioridade, quando era evidente que precisava de ajuda, ele perdia sua imponência. Hermione viu que ele cambaleava como quem está prestes a desmaiar. Correu até ele, segurando-o pelo braço e puxando-o até a cadeira.
__ Sente-se. Está fraco. Vou preparar a comida.
E dirigiu-se decidida até o fogão, procurando os botões para ligá-lo. Por fim, encontrou a chave geral do gás e ligou-a, conseguindo fazê-lo funcionar. Era um modelo velho, certamente deixado pela senhora Bird, a última moradora, mas não era tão difícil assim de descobrir como se acendia. Harry, com certeza, não tinha nenhuma prática com fogões.
Vasculhou rapidamente os armários e as gavetas até achar uma velha frigideira, um prato e alguns talheres. Colocou a torta para esquentar: Harry já estava se recuperando e acompanhando com o olhar todos os movimentos da moça. Sem graça, Hermione se distraiu e queimou o dedo.
__ Ai... Meu dedo!
__ Que aconteceu? Deixe-me ver.
Hermione estendeu a mão, que ele segurou com delicadeza, observando o machucado. Era um homem bonito, sem dúvida, e a proximidade dele a deixava alterada. Havia algum mistério a seu respeito. Seu aspecto descuidado e sua insistência para que ninguém entrasse na propriedade mostravam bem isso. Hermione sentiu certo medo em continuar a sós com ele. Afinal, não sabia nada do seu respeito.
__ Foi só uma pequena queimadura, logo vai passar.
Precisava encerrar a visita. Foi até o fogão, retirou o pedaço de torta e colocou-o no prato, diante de Harry.
__ Obrigado. – Ele começou a comer, devagar, saboreando a comida. __ Humm!... Está ótimo.
__ Minha mãe vai adorar saber que o senhor gostou. – Hermione falava com sarcasmo.
__ Escute menina, dispenso suas ironias.
__ Não me chame de menina; não sou criança.
__ Para mim, é. Parece uma colegial, uma colegial insolente.
__ Também não sou colegial. Tenho dezoito anos.
Ele a olhou detidamente, observando as formas do corpo dela com arrogância. Procurava diminuí-la.
__ Pois seu corpo é mais de colegial do que de mulher feita, sinto muito.
__ E o senhor é o indivíduo mais mal-arrumado que já vi. – Hermione estava furiosa. Talvez ela não fosse uma figura exuberante, mas certamente tinha as curvas no lugar certo e em boa proporção. Não ia deixar que aquele homem a ofendesse assim. _ Seus cabelos parecem uma juba.
__ É verdade. Precisam ser cortados. Por que não os acerta para mim? – Harry estava se divertindo, observando os olhos estatelados de Hermione. Ela espantou-se com tanta petulância.
__ Cortar seus cabelos?
__ Por que não? Você mesma disse que estão compridos demais.
__ Ora não seja ridículo! Não sou barbeiro.
Hermione estava a ponto de explodir. Nunca poderia imaginar que acabaria se metendo em tamanha enrascada com aquele estranho. Procurou recuperar a calma, falando pausadamente.
__ Senhor: vim aqui para devolver seu dinheiro. O senhor criou tanta confusão que já ia esquecendo. Tome, aqui está. Não precisei usá-lo, afinal.
__ Como assim?
__ Meu pai deu um jeito, sem gastar nada. Eu só vim por isso, para trazer seu dinheiro de volta e deixar a comida, como política de boa vizinhança. Mas isso não inclui cortar seus cabelos, entendeu?
__ Por falar em comida... –Harry já havia devorado toda a torta de galinha e virava-se, guloso, para repetir. Continuou falando, enquanto comia: __ sua mãe cozinha muito bem. Você também?
__ Não. Não tenho tanta prática. Por quê? Está pensando que poderia me contratar para sua cozinheira?
__ Até que não seria má idéia.
__ Escute aqui... Bem, eu vou embora. Já fiquei tempo demais aqui. Está ficando muito tarde e meus pais devem estar preocupados.
__ E meus cabelos?
__ Ora, não me amole!
__ Vamos, espere. Vou levá-la para casa. –Harry levantou-se. Estava recomposto e com melhor aparência depois de ter se alimentado.
__ Não é preciso. Moro aqui perto e posso ir sozinha.
__ Eu a levo de carro.
__ Posso muito bem ir a pé.
__ Mesmo assim, levo você. É perigoso voltar sozinha pela estrada. Pode haver algum marginal...
__ Em Stanford?
__ Em qualquer lugar. Eles não escolhem onde atacar.
__ Está bem. O senhor conseguiu me amedrontar.
__ Então vamos. – ele segurava a porta aberta para que ela passasse. Em seguida, foi até o carro.
__ Não vai trancar a porta?
__ Não há nada lá dentro que possa ser roubado.
__ Por que o senhor não tem quase nenhum móvel em casa?
__ Como sabe? Andou espiando a casa toda? Eu devia saber, todas as mulheres são iguais. São curiosas e indiscretas. Era o que me faltava.
__ Só dei uma olhadinha porque...
__ Por que gosta de xeretar a vida alheia, não é?
__ Não era isso.
__ Claro que sim. Sua intrometida!
__ Por favor, senhor... Escute...
Ele parou o carro com um solavanco, em frente ao portão da casa de Hermione. Havia perdido completamente o bom humor.
__ É aqui que você mora? Então desça! – E abriu a porta, passando o braço pela frente da moça.
__ Escute... Eu... Eu...
__ Boa noite, srta. Granger. Agradeça à sua mãe por mim.
__ Está bem, mas eu só queria dizer que...
__ Não é necessário explicar nada. – O homem fechou a porta do carro e arrancou, saindo a toda.
Que homem imprevisível, pensou Hermione. Uma hora era gentil e educado e, de repente, virava um estanho frio, distante e agressivo. É verdade que ela não tinha o direito de ter vasculhado a casa dele daquela forma. Mas, por outro lado, se ele tivesse dado qualquer sinal de vida, ela não teria agido assim.
__ Como você demorou, querida. Foi até a casa de Gina? – perguntou a mãe, levantando os olhos do tricô.
Bem que gostaria de usar a amiga como desculpa, para não ter que explicar muita coisa. Mas não ia mentir mais uma vez.
__ Não é que ele não estava se sentindo muito bem.
__ Meu Deus! Ele está doente?
__ Não. Acho que apenas fraqueza, por falta de comer.
__ E comeu o que eu mandei?
__ Sim. Foi por isso que me atrasei. Fiquei até que ele acabasse. Ele não sabia nem acender o fogão.
__ Fez muito bem em ajudá-lo. Não gosto de ver pessoas passando necessidade.
Passar necessidade não era bem o problema de Harry, pelo que Hermione podia ver. Mas era evidente que, por algum motivo, ele não estava acostumado a cuidar de si mesmo. Ficava completamente perdido naquela cozinha. Nem acender o fogão ele sabia. Pelo visto, estava habituado a ser servido, o que indicava a presença de alguma mulher em sua vida. E então, por que agora estava sozinho? Quem sabe não acabava de sair de algum casamento malsucedido? Isso explicaria sua implicância com ela: estaria cansado de mulheres intrometendo-se em sua vida.
__ Bem, pelo menos ele está de estômago cheio, agora. Pediu que eu lhe agradecesse e elogiou muito a comida.
A Sra. Granger sorriu, satisfeita. Não era sempre que recebia elogios pela comida, apesar de gostar muito de recebê-los. Sua família estava tão acostumada a seus quitutes que só lembravam de dizer alguma coisa quando, por acaso, algo não saía bem.
__ Acho que ele precisa arrumar uma empregada. – disse a mãe, distraída voltando ao tricô.
__ Para quê? Não há nada a arrumar, naquela casa. Acho que ele pensa que, morando sozinho, não precisa de muita coisa. – Hermione disse isso e saiu ligeiro da sala. Não estava disposta a continuar o assunto Harry.


Infelizmente, as demais pessoas pareciam muito interessadas em saber mais sobre ele.
__ Como é, encontrou seu namorado ontem? – foi a primeira coisa que Selma perguntou, no dia seguinte.
__ Não é meu namorado. – Hermione estava disposta a terminar com a mentira.
__ Mas você disse que era.
__ É apenas um amigo, só isso.
__ Está bem, se você não quer falar dele, não fale.
__ Eu não disse que não queria falar, só que não tenho nada a contar sobre ele.
__ Ah!... Entendi. Vocês brigaram, não é?
__ Não se preocupe, se estiver mesmo interessado ele volta. – Selma adorava dar conselhos e não perdia uma oportunidade. Mas Hermione se perguntava como ela podia se sentir capaz de aconselhar, se seu caso com o rapaz do fim de semana acabava sempre na segunda-feira.
Esperava que Harry não voltasse, de forma nenhuma. Aliás, esperava não ver a cara dele nunca mais.
Naquela tarde não demorou a chegar em casa. A bicicleta já estava funcionando e isso facilitava mais as coisas. Não havia ninguém em casa, quando entrou. Era dia de a loja fechar mais cedo e seus pais já deviam ter chegado àquela hora. Achou-os no quintal. O pai estava todo sujo de graxa, deitado embaixo da caminhonete de entregas e a mãe olhava com ansiedade, enquanto ele fazia o conserto.
__ O que aconteceu? –Hermione perguntou à mãe. Sabia que o ai não gostava de perguntas quando estava trabalhando, e ter que consertar a caminhonete o deixava sempre de mau humor.
__ Quebrou hoje à tarde, quando ele fazia uma entrega. Precisou pedir ao Sr. Jeffs que o ajudasse a empurrá-la até aqui.
__ Coitado. Faz muito tempo que ele está trabalhando aí?
__ Mais de duas horas. Seu jantar está no forno, Hermione. Seu pai e eu jantaremos mais tarde.
__ Billy, onde está?
__ Foi terminar de fazer as entregas, com a bicicleta. Havia muitas encomendas por entregar e ele está ajudando desde que chegou da escola.
__ Olá, querida! – O pai percebeu que Hermione tinha chegado. – Bárbara, passe-me à chave de fenda, essa que está ao lado do seu pé.
__ Vou jantar, mãe.
__ Eu também estou com uma fome louca, mas vou ter que esperar mais um pouco.
__ A chave de fenda, Bárbara!
__ Está bem, Peter, tome!
Como sempre a refeição estava deliciosa e Hermione comeu com vontade. Já estava lavando seu prato, quando a mãe entrou.
__ Consertou, mãe?
__ Seu pai já está terminando, e Billy acaba de chegar. Acho que podemos jantar agora.
__ E esta caixa de mantimentos? Esqueceram de entregar? – Hermione se referia a uma caixa que estava num dos cantos da cozinha.
__ Essa? Ah... Essa é do Harry. Billy achou que você não se importaria de entregar. É logo aqui perto...
__ Mas eu me importo sim. Não quero mais ir lá, mamãe. Não gostei muito dele.
__ Não seja bobinha; ele é tão educado! Veja as flores, aí no vaso, que ele me trouxe hoje, para agradecer à torta. Além do mias, não leva nem cinco minutos. E Billy ainda precisa fazer a lição, depois do jantar.
__ Está bem, está bem. – disse Hermione, sem entusiasmo. __Vou trocar de roupa.
No caminho da casa do Pomar, Hermione deu uma olhada nos mantimentos. Havia muitas latas e comidas prontas. Bem, pelo menos ele parecia disposto a se alimentar agora. Num pequeno embrulho, a mãe colocou uma tigelinha com cozido, o mesmo que eles tinham jantado. Ela não tinha jeito. Não ficava feliz enquanto não empurrava comida a todo mundo.
Harry atendeu logo que ela bateu à porta.
__ Ora, vejam só, a srta. Granger por aqui de novo!
__ Vim trazer suas compras.
__ Eu já tinha desistido de recebê-las hoje. – Ele sorria, segurando uma maçã meio comida.
__ É que meu pai teve problemas com a perua de entregas.
Harry não fez qualquer movimento para pegar a caixa, mas segurou a porta da cozinha para que ela entrasse. Hermione levou as compras até a mesa da cozinha e percebeu que ele fechava a porta.
__ Não precisa fechar, já estou de saída.
__ Por que não fica um pouco?
__ Não quero ser acusada de intrometida outra vez.
__ Ora, não guarde rancor. Vai enrugar seu rostinho.
__ Não é rancor. Só acho que o senhor prefere ficar sozinho.
__ Pois está enganada.
Ele jogou fora a maça e, olhando dentro da caixa, retirou a pequena tigela de cozido.
__ E isto? Não comprei nenhum prato quente. O que vou fazer com ele, se não sei acender o fogão?
Hermione pegou pacientemente, a tigela das mãos de Harry e encaminhou-se para o fogão.
__ Posso sugerir algumas coisas que o Sr. Pode fazer com isto, mas acho que não vai gostar. É melhor que coma, assim que estiver quente.
__ Imaginei que a resposta seria esta – respondeu o homem, rindo.
__ Não posso acreditar que o Sr. Não consiga acender um fogão. Parece uma pessoa tão... Eficiente.
__ E sou mesmo, para a maioria das coisas. Mas para cozinhar, não.
__ Olhando para a sua camisa, parece que passar também não.
__ Tem razão. Uso como sai da máquina de lavar.
__ Mas elas devem ser passadas depois, nunca lhe explicaram? É uma pena, parece uma camisa tão fina!
__ Acha mesmo?
Sempre que a conversa ficava um pouco mais pessoal, ele desviava o assunto. Era evidente que não queria ninguém interferindo em sua vida ou fazendo perguntas e insinuações de caráter particular.
__ Será que ainda não está quente? – perguntou levantando a tampa da panelinha onde Hermione tinha colocado o cozido para esquentar.
__ Não, ainda não está. O que o Senhor Fica fazendo o dia inteiro aqui, sozinho?
__ Umas coisinhas aqui, outras ali...
__Nossa, mas quanto segredo!
__ E por que você faz tantas perguntas?
Ela suspirou, desistindo do assunto. Parecia muito mais jovem e indefesa com aquela camiseta azul, sobre uma leve sainha de algodão que ressaltava as curvas de seu corpo. Seus cabelos castanhos e sedosos, espalhados pelos ombros, e o rosto completamente sem maquilagem lhe davam um ar juvenil.
Harry não deixou de perceber isso.
__ Meu Deus, devo estar louco ou desesperado.
__ Por quê?
__ Por perder meu tempo dessa maneira, conversando com uma garotinha.
Era demais. Hermione cerrou os punhos para conter sua raiva e virou-se para sair o mais rápido possível.
__ O senhor não é só malcriado. Sabe como ofender as pessoas.
__ Ora Hermione. Não quis ofendê-la. Quero só que entenda que tenho trinta e seis anos. Sabe o que isto significa?
__ Que é um velho. – A moça não percebia o quanto estava sendo infantil.
__ Acho que mereci essa resposta. Mas ter trinta e seis anos não quer necessariamente dizer que eu seja um velho. Quer dizer que você é jovem demais.
__ Jovem demais para quê?
__ Para... Para isto. – E envolveu-a nos braços, encostando os lábios nos dela, num prolongado e envolvente beijo.
Foi tudo tão inesperado que Hermione nem reagiu, paralisada com a surpresa. Já havia sido beijada antes, mas nunca com a habilidade e o calor que esse homem demonstrava ter. Suas mãos seguravam-lhe possessivamente os quadris, apertando-a contra seu corpo e beijando-a com mais e mais ardor. Mas ela não conseguia corresponder a esse ardor. Sua inexperiência era evidente.
Harry percebeu isso, afastando-se bruscamente dela.
__ Eu não lhe disse que estou louco? Acabei de prová-lo, perdendo a cabeça. Não me leve a mal, perdoe.
__ Perdoá-lo por quê?
__ Ora, Hermione, está claro. Sou um sujeito sem caráter. Sem nenhum caráter. – falava de costas para ela, passando desesperado a mão pela cabeça, os dedos entre as mechas do cabelo revolto.
__ Acha que é sem caráter por ter me beijado?
__ Por ter beijado a criança que você ainda é. Estou mesmo precisando voltar para a cidade, para a civilização. Por favor, Hermione, vá embora.
__ Mas, Harry...
__ Não discuta, menina. Vá embora.
Hermione saiu sem ter entendido direito o que estava acontecendo. Primeiro discutiram, com de costume; e, de repente, sem mais nem menos, Harry a tinha beijado com um ardor que a impedia de ir embora. O beijo despertou todos os instintos de seu corpo. Os músculos rígidos dele, pressionando-a, davam vazão a um desejo novo, e Hermione ainda estremecia com a lembrança.
Mas era evidente que ele ocultava algo ou que estava se escondendo de alguém. Qualquer que fosse o caso, ele não era positivamente o homem para ela. No entanto, Hermione se sentia atraída desde o primeiro momento que o vira, apesar da raiva. Seu jeito ríspido e sua amargura ocultavam uma sensualidade à flor da pele, como ela havia percebido depois do beijo. Também era óbvio que não se deixava levar facilmente por esta sensualidade.
Tinha muita vontade de saber que tipo de vida teria levado aquele homem antes de vir par Stanford. Em que trabalhava, como vivia. De qualquer maneira, era evidente que sua vida tinha sido muito diferente da que levava agora.
__ Você parece agitada, o que houve? – perguntou a mãe, quando entrou em casa.
__ Nada. Foi a caminhada. Só isso.
Billy levantou os olhos do caderno, onde fazia seus deveres.
__ Não será um caso típico de paixonite aguda?
__ Um caso de quê? ... Claro que não! – Hermione ficou inteiramente corada, agora.
__ Ora, aposto que é. Onde esteve esse tempo todo? Na casa do Harry? – continuou, brincando o irmão.
__ Não é da sua conta.
__ Ora! Não precisa focar brava.
__ Cale a boca! - Ela estava irritada e confusa. A lembrança de Harry não saía da sua cabeça, com seus lábios firmes e sua língua morna vasculhando tentadores os cantos de sua boca. A lembrança era íntima demais para ser compartilhada com qualquer pessoa, muito menos com a peste de seu irmãozinho.
__ Hermione, não seja grosseira! – A mãe lhe chamou a atenção.
__ Desculpe, mamãe, mas ele fica me provocando.
__ É coisa de criança, não ligue.
Crianças são criança e homens são homens. Naquele momento Harry era um homem desesperado à procura de uma mulher. Sua impaciência diante de sua pouca idade lhe deu a certeza de que não era ela que ele beijara, mas a única mulher disponível naquele momento. Afinal Hermione era jovem, mas tinha um corpo apresentável. Se fosse casado, como ela desconfiava, certamente estava acostumado a um tipo de relação física íntima, da qual agora sentia falta.
__ Ora... Eu só queria saber se você e o Harry...
Billy insistia na provocação.
__ Billy, pegue seus livros e vá terminar sua lição lá em cima. – interrompeu a mãe.
__ Mas... Mãe, o que foi que eu fiz?
__ Não discuta. Você não vai sair do quarto enquanto não tiver terminado a lição.
O menino recolheu os cadernos e saiu da sala, mostrando a língua para a irmã, sem que a mãe pudesse ver. Hermione, geralmente, aceitava as brincadeiras do irmão e devolvia as gozações. Mas desta vez não conseguiu, por se tratar de Harry. O assunto a deixava confusa demais para admitir zombarias.
__ Aconteceu algo errado? – perguntou a mãe, solícita.
__ Ah? Não...não, mãe, nada de errado. Só demorei porque... Porque eu o ajudei a esquentar o jantar. Ele não sabe nada de cozinha.
__ Percebi isso pelas coisas que comprou no armazém. Só levou lataria. Seu pai nunca se satisfaria com isso.
Nem Harry, pensou Hermione. Era evidente que ele estava acostumado a ter tudo do bom e do melhor. Gostaria de saber qual o mistério que cercava aquele homem.

O dia na biblioteca foi de muito trabalho. Era dia de pagamento, de compras na cidade, e muitas pessoas aproveitavam para passar na biblioteca e retirar livros. Hermione estava na recepção, conferindo as obras e assinando os cartões de empréstimo. Pessoas numa longa fila aguardavam sua vez. Por isso ficou aliviada quando, finalmente, bateu a hora livre para o café. Pegou suas coisas e foi para a sala dos funcionários. Para seu desagrado, Selma estava lá com outra garota.
__ Olá! Como é, ele apareceu, ontem?
Por que será que ela se interessava tanto pela vida sentimental dos outros? Já não tinha assunto suficiente com seus próprios namorados? E, para desânimo de Hermione, parecia que Joan, a outra garota, demonstrava o mesmo interesse. As duas a olhavam com curiosidade, à espera da resposta.
__ Não. Ele não apareceu.
__ Então é melhor você procurar outro.
Seria ótimo se as coisas fossem tão simples. Não era fácil tirar Harry da cabeça. Ele havia dito que precisava voltar a civilização. Hermione não queria vê-lo partir, apesar de ter discutido tanto com ele. Estava fascinada por sua figura.
Depois do café, voltou para o salão principal, onde ainda havia muita gente e confusão. O Sr. Leaven lhe pediu que fosse arrumar as estantes de livros científicos. Não queria destacá-la para o setor de romances, pois sabia que, ali, Hermione demoraria o dobro do tempo. Com os livros de medicina mão haveria esse perigo.
Hermione começou a classificar os grossos volumes, pegando-os um a um e lendo os dizeres na lombada, até que um dos maiores, um imenso livro de capa dura marrom, escorregou e caiu no seu pé. Soltou um impropério e recebeu um olhar de reprovação do Sr. Leaven.
__ O que foi que você disse para irritar tanto o chefinho?
Selma sorria, atrás de uma estante.
__ Eu disse: maldito Potter.
__ Quem é esse cara?
__ O desgraçado que escreveu esse livro. Ele acabou de amassar o meu pé.
__ Esqueça o dedão. Ele está aqui.
__ Quem, o Potter?
__ Não, sua boba. Seu namorado.
__Você quer dizer Harry?
__ Sim. Ele está ali, na mesa da recepção. Ele deu o nome e eu me lembrei de quem era ele.
E era ele mesmo. Parado ali, com ar autoritário e superior, ao lado da mesa de recepção estava Harry.


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N/A: Desculpem a demora, o próximo vem bem mais rápido!

Comentem muuuuito ;D

BjO

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