dia 30/11/918 - O refúgio
Nem tudo pode ser tão ruim quanto parece. Aliás é sim. A primeira mordida de uma maçã é sempre a melhor, e isso é o que dizem. Caso você nunca tenha provado uma torta de maçã, na primeira vez que você morde-la você irá apreciar o sabor loucamente. Da segunda nem tanto, da terceira menos ainda. Na quadragésima quarta, caso você não tenha explodido de tanto comer, a torta não será mais tão saborosa quanto fora a primeira mordida. Mas se por exemplo uma pessoa ficar chutando sua canela, a primeira vez que ela chutar poderá parecer um incidente, a segunda vez poderá ser uma coincidência e certeza ela será pior, a terceira vez você pode até fingir que foi outra coincidência mas com certeza já estará com vontade de enfiar a mão na cara da pessoa e doerá mais. A quadragésima quarta vez que alguém te der um chute na canela, caso sua canela não esteja adormecida a ponto de não sentir mais nada, será muito pior do que a primeira. Aonde eu pretento chegar com essa reflexão nem eu sei, mas eu sei que uma coisa ruim pode ficar pior a cada dia e uma coisa boa também. Ou seja, o negócio é sempre ter uma coisa nova para provar e não deixar as coisas piorarem, se você não quer ficar louco pensando.
A morte trágica de meus pais no primeiro dia me deu uma dor profunda, que como o chute na canela, a cada dia, doía mais quando eu pensava na falta que me faziam, mas como a primeira mordida da torta, ao mesmo tempo, me fazia estar cada dia menos atormentada e mais presa ao mundo real.
A vida com a sociedade das garotas que vivia pro outro lado do lago não era ruim. Aliás era bem mais agitada do que quando eu morava simplesmente com meus pais e não conhecia gente nova. Aprendíamos muito: defesa, culinária, artes e é claro magia. O castelo era gigante e depois de muito, descobri que tinha separado uma ala para mulheres e uma para homens, mas não havia meios possíveis de conhecermos os meninos, porém as garotas sempre se entusiasmavam a imaginá-los. Asneira no meu pensamento, mas tudo bem. Aliás garotas era o que não faltava por alí, conheci muitas, que inclusive me olhavam feio por minha proximidade com a rainha e por minha superioridade em tudo o que fazia. Dentre as garotas que conheci, estavam Alypsi e Helga. Alypsi era muda, o que significa que não falava ( ou muito me engano ou acabo de colocar um comentário completamente irrelevante em meu diário ) Helga ao contrário dela, falava pelos cotovelos, não literalmente, uma vez que não existem mucosas em tal articulação, mas ela falava tanto e nós ríamos de tal forma que eu as vezes pensava que o som feito por ela proliferava como se Helga toda falasse com seus braços, pernas e seu cabelo estranhamente movimentativo. Alypsi era uma garota tímida, claro por ser muda, mas mesmo que não fosse seria, com cabelos longos e cacheados como as demais. Helga viera da terra dos vikings, era minha companheira de dormitório, era um pouco cheia, pois apreciava uma das coisas que melhor se fazia naquele lado do lago: comida. Era ruiva e tinha os olhos muito mais verdes do que os meus porém não tão claros. Prendia seus cabelos com um longo véu branco e deixava a mostra um pedaço de madeixas ruivas bem cuidadas que iam até a cintura. Tinha o dobro de minha idade, mas conversando parecíamos como duas garotas de cinco anos. A Rainha gostava de nossa amizade embora todos falassem que sorrisos demais poderiam ser contagiantes e isso por algum motivo por lá era mau. Destaco mais Helga aqui porque ontem Alypsi foi embora, ela deixará saudades sem dúvidas, mas será bom para ela rever sua família. Ela me disse muito sobre sua terra natal, não propria e literalmente uma vez que não falava, mas de modo subjetivo aprendi muito sobre o Egito com ela.
Helga me diverte demais e não me faz pensar em nada mal durante a noite, nem na morte de meus pais. Hoje me dei conta de que ela é meu refúgio e minha melhor amiga.
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