Firmamento
A porta do quarto estava entreaberta quando Ginny acordou ouvindo alguns gritos vindo da sala de visitas. Seu marido, aparentemente, estava tentando conter algum convidado indesejado na casa. Ela andou levemente até o topo da escada e tentou distinguir algum significado daquelas palavras alteradas. Desceu uns três degraus e ficou um pouco escondida, queria ter certeza de que ninguém a visse, entretanto, queria ter uma visão geral da situação.
- Você não tem o direito de escondê-la de mim. – Gritava um homem de capa negra, Ginny tentava em vão olhar o rosto dele. – Anda, me diga onde a escondeu.
- Está em um lugar seguro. – Ben falava calmamente, tentando fazer com que o outro também se acalmasse. - Ela não quer vê-lo e... Isso, sim, é um direito dela.
- Onde a escondeu? – Avançou o outro. – Você não pode fazer isso. – O homem de capuz caiu de joelhos no chão de mármore. Ginny esticou o pescoço para ver seu rosto, mas a luminária tapava sua visão. – Nós temos um filho... Q-quero ter certeza que estão bem.
Ben lançou um sorriso sarcástico para o convidado que, agora, não parecia tão nervoso.
- Como assim “ter certeza”? – Ben retirou o sorriso do rosto e falou sério. – Você sabe por que a escondi?
- Do que está falando? – O convidado murmurou, levantando um pouco a cabeça.
- O que você acha que eu sou? Algum idiota? Ou teve, mesmo, a ingenuidade de pensar que eu agiria de outra forma? – Dessa vez, Ben alteou um pouco a voz. – Não finja que não sabe o que aconteceu.
- As situações eram outras e você sabe disso.
- Você a obrigou. – Ben o encarou firmemente. - Ela não queria e você a obrigou a partir.
- Mas nada justifica o que você fez. – O homem se levantara devagar. – Confiei a guarda de minha mulher grávida para você, e o que você fez? Traiu minha confiança.
- Não venha com essa conversa de novo. – Ginny pôde ver que seu marido ficara vermelho de repente. – Eu nunca traí sua confiança. Primeiro, porque você nunca confiou realmente em mim...
- Soube que você casou há dois anos. – O homem sorriu maliciosamente ao mudar de assunto tão drasticamente.
- O que quer dizer com isso? – Embora sua voz mantivesse firmeza, a cor no rosto de Ben saíra de um vermelho de raiva para um branco de pavor.
- Por que não me convidou para a cerimônia? Minha mulher estava presente, não é? Aposto que sim. - Bem recuou um passo. – Teria sido uma boa oportunidade de vê-la, ao menos de relance.
- Eu já disse que ela não quer vê-lo.
- Pois é... – Ao se aproximar um pouco mais de Bem, o homem deixou parte do rosto à mostra para Ginny. Ela pôde ver a palidez em seu rosto e os lábios tremerem um pouco, enquanto falava. – Você disse antes, também, que ela não queria partir. O que o faz ter tanta certeza de que ela não me quer por perto?
Ben murmurou alguma coisa e, depois, seguiu-se um silêncio estranho. Ginny esticou o ouvido para escutar atentamente, achando que as próximas palavras também seriam sussurros, porém se enganou. O convidado alteou a voz momentaneamente.
- Você... – respirou fundo. – Não seria capaz de fazer isso.
- Ela que...
- Faz idéia do que eu sou capaz de fazer.
- Infelizmente, - Ben falou com a cabeça baixa. - Isso é uma das poucas coisas que sei com certeza. – Ben olhou um pouco ao redor. – Sei que é capaz de matar pessoas.
- Como se você nunca tivesse feito isso antes. – O homem de capuz deu um sorriso irônico.
- “Isso” eu nunca fiz, e você sabe muito bem. – Ben gritou, Ginny percebeu que nunca tinha o visto com aquele ar de fúria antes. E, por um momento, não o reconheceu.
- Você apaga as pessoas. – O convidado deu um passo para frente e Ginny quase pôde ver seu rosto. – Esconde-as. Isso é o mesmo de matá-las para o mundo.
- Não diga que os meus métodos são iguais aos seus...
- Eu vou encontrá-la. E o meu filho também. E você não vai poder me impedir. - Nessa hora, Ginny viu o outro homem pegar algo no bolso traseiro de suas vestes e apontar para o seu esposo. Ela não pôde conter um súbito gritinho de pavor. Ambos levantaram a vista para as escadas. – Você disse que sua esposa estava dormindo.
- Eu devia ter imaginado que sua gritaria a fizesse acordar. – Ben ficou pálido de repente, e baixou a voz para um leve sussurro. – Vá embora! Depois conversamos.
- Acho que eu tenho a solução para você me dizer onde eles estão. – o homem, pelo tom de voz, parecia sorrir.
- A minha esposa não tem nada a ver com a história. – Um leve estalo se seguiu às palavras de Ben, depois, apenas silêncio. Ginny correu escada abaixo apavorada e nada viu. Não havia ninguém na sala.
- Perdão? – Ginny encarou o homem às lagrimas a sua frente.
- Eu rodei o mundo atrás de você. – Ele deu dois passos largos na direção de Ginny, o que a fez recuar um pouco. - Sinto muito fazê-la esperar tanto. – percebendo o receio no rosto da mulher, ele conteve a ansiedade de avançar mais alguns passos.
- O que você...? – Ela começou.
- O que é isso em sua mão? – O homem ficou sério um instante. Encarou a mão esquerda de Ginny com atenção.
- São pervincas. – Ginny falou mecanicamente, seu tom não era muito amigável.
- Refiro-me à aliança em seu dedo. Você se casou?
- Quem é você para me questionar sobre minha vida particular? – Ginny apertou um pouco o ramalhete em sua mão. Talvez quisesse descontar em alguém um pouco da raiva e da tristeza que a morte de seu marido lhe trouxera.
- Sou Harry Potter. – Ele levantou a vista para encarar a mulher enraivecida. – Não se lembra de mim?
Seis longas horas se passaram até que Ben Godley cruzou a porta de entrada da sala, apinhado de papéis na mão. Ginny fincara os pés em frente e, de braços cruzados, lançou um olhar fulminante para o marido.
- O escritório está um caos... Que cara é essa? Fiz algo errado? – Ele falou sorrindo meio torto. – Eu esqueci de lavar os pratos, mas faço isso rapidinho. È só me deixar guardar iss...
- Quem era aquele homem logo cedo? – Ginny continuava parada em frente à porta de entrada.
- Quem? – Ben fez uma cara de surpreso. – Refere-se ao carpinteiro? Não lembra que o contratamos para refazer as estantes da bibliot...
- Não se faça de tonto, Ben. Esse não é seu estilo. – Ginny apertou os olhos para encarar mais firmemente o marido. – Pensei que você tivesse prometido nunca mentir para mim.
Ben desviou a vista e encarou os papéis, que jogara sobre a mesinha de canto ao lado da porta. Sussurrou algumas palavras que Ginny não entendeu. Em seguida, tentou mudar de assunto mais uma vez, sem olhar para sua esposa nos olhos.
- As prateleiras da biblioteca... Como vai querer?
- Ben Godley! Não se atreva a mudar de assunto. – Ginny descruzou os braços prontamente.
- Por favor. – Ben olhou de esguelha para ela. – Não me peça para contar quem ele é.
- Por que não? – Ginny bateu o pé no chão com impaciência.
- Faz parte de um passado que eu quero esquecer. – ele virou as costas e encostou um dos braços na parede. – Pensei que já tivesse conseguido.
- Mas, ele ameaçou você... – Ginny mudou um pouco o tom. – Ameaçou a mim. Ele disse que você sumiu com a mulher e o filho dele, que os escondeu.
- Não posso... – A voz do homem soava melancólica. – Você não sabe a história completa.
- Então me diga... – Ginny segurou o marido pelos ombros. – Conte-me a história completa.
- Eu não posso. – Ben tremeu e se virou para encarar a mulher. Os olhos castanhos marejados e a face alva encharcada de lágrimas.
- Por que não pode?
- Fiz uma promessa há muito tempo. – Ele olhou para o chão.
- E você me fez uma promessa. – Ginny lançou essa última cartada para obter respostas. - Nunca mentir para mim.
- Não faça isso, por favor. – mas, ginny o encarava com ar de interrogatório. – Tecnicamente, eu não estou mentindo para você. Estou omitindo informações.
- O que é, basicamente, a mesma coisa.
- Não me faça ter que escolher entre promessas feitas. – Ben olhou mais uma vez para a esposa e Ginny percebeu algo diferente, uma sensação de compreensão e pena percorreu-lhe o corpo. – Se eu pudesse... Eu te contaria tudo.
- Tudo bem. – ela se aproximou devagar e abraçou o marido, que agora estava às lagrimas. – Não forçarei mais. Se você não pode me dizer, tudo bem.
- A questão não é confiar ou não em você. – Ben falou ao ouvido de Ginny enquanto a abraçava. – Pois, desde que te conheci, percebi que não há ninguém no mundo mais digna de confiança que você.
***
- O que faz aqui? – Helena Godley se aproximou de Ginny e do estranho, que se autodenominou Harry Potter. Trajava um vestido negro e um xale nos ombros, nas mãos trazia uma pequena caixa de prata com alguns diamantes cravejados nas laterais. – Pensei que, depois do que fez, nunca mais veria você.
- A senhora o conhece? – Ginny virou-se para olhar bem a expressão de raiva no rosto da sogra. – Ele disse que me rodou o mundo a minha procura, só que...
- Você não lembra dele, não é? – A senhora Godley se aproximou ainda mais da nora. – Eu sei.
- Ela é minha mulher. – Harry avançou decidido e agarrou o braço de Ginny. – Não têm de fazer o que fizeram.
- Ela é esposa de meu amado filho. – Helena puxou Ginny de volta e ficou frente a frente com Harry. - Você é que não tinha nenhum direito de procurá-la, não depois do que fez. E não faça essa cara. Eu sei que você sabe muito bem o que aconteceu.
- Alguém pode me explicar o que está acontecendo? – Ginny gritou às costas de sua sogra.
- Vamos entrar, tenho uma coisa para mostrar para você. – Helena deu veia volta e encaminhou-se para a capela. – Se diz não saber o que aconteceu, pode nos seguir também. – falou para Harry com um súbito virar de cabeça.
Os três entraram na capela vazia. A senhora Godley retirou um pequeno pedaço de madeira muito bem trabalhado e, com um pequeno aceno, fez surgir algumas correntes na porta agora trancada. Ginny olhou com surpresa para aquilo.
- O quê...? Como...?
- Na hora certa, querida. – E então, acenou novamente. Uma passagem surgiu na parede oposta a eles e dava para ver uma bacia num pedestal.
Helena continuou a caminhada até onde a parede se abrira. Ginny pôde ver algumas inscrições na borda da bacia de mármore e levantou a cabeça para perguntar alguma coisa a sua sogra, mas foi compelida a ficar em silêncio.
- Você está com o pingente que eu te dei, querida? No dia do seu casamento. – Harry fez uma cara feia e Ginny acenou afirmativamente para a senhora. Helena estendeu a mão e entregou a Ginny a caixinha de prata.
- O que é isso? – Ginny tentou abrir a caixa e não conseguiu.
- Use o pingente. – Helena apontou para o pescoço da nora. – Coloque-o nesse lugar.
Ginny retirou o pingente do pescoço e encaixou-o numa abertura na lateral da caixa de prata. Uma luz intensa a envolveu e a caixa em suas mãos abriu lentamente. Dentro dela havia um pequeno frasco de cristal contendo um líquido prateado. Harry murmurou alguma coisa e Helena pegou o frasco. Abriu-o e depositou o conteúdo na bacia. Alguns rodopios prateados se seguiram no fundo e algumas imagens indistintas surgiram. Ginny abaixou-se para ver melhor e foi envolta numa névoa branco-prateada.
Caiu num gramado verde e fofo. O sol estava nascendo no horizonte. Ginny ficou impressionada quando olhou ao redor. Como foi parar ai? O céu mudava aos poucos as tonalidades de violeta, vermelho e azul. Lembrou-se de Ben, imediatamente, de quando ele disse do pôr-do-sol. Embora o sol estivesse, dessa vez, nascendo. Podia simbolizar alguma outra coisa. Olhou mais uma vez ao redor e sentiu que aquele lugar era familiar. Uma casa torta ao longe a fez franzir a testa. Helena e Harry apareceram às suas costas e seguiram na direção da estranha casa.
Ao chegar à porta de entrada, ouviram duas pessoas discutindo abertamente. Quando aporta abriu violentamente, viram uma moça de cabelos vermelhos sair com raiva. Ginny sentiu uma pontada no estômago, era uma versão mais jovem dela. E estava enfurecida.
- Como eu posso estar...? – Ela olhou para Helena pedindo uma explicação. – Eu enlouqueci de vez.
- Estamos em suas memórias, minha querida. – Helena falou num tom gentil e amável.
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