Um conhecido



O sol nascia. Belo, um sol alaranjado. Sempre gostara de ver o nascer do sol, desde pequeno. O grande astro chamado Sol, que, ao chegar, traz a esperança e a luz para a realização dos pequenos milagres diários. E, quando se vai, deixa o mundo na escuridão. Mas ele, mesmo criança, sempre soube que o sol viria novamente, e acabaria com as trevas, assim como os super-heróis dos desenhos trouxas. O bem sempre triunfa. Ele pensou. Mas depois que o sol se fosse, as sombras voltariam novamente. Sim, seria sempre desse modo. O único meio de silenciar a escuridão seria se acostumar com ela, se adaptar. Seria assim com os inimigos? Talvez fosse só um pensamento tolo. E se fosse uma metáfora? Não, por enquanto não pensaria nisso. Devia fazer o que tinha de ser feito.

Ele caminhava lentamente, aproveitando a visão maravilhosa do sol, no auge de sua beleza. Que lindos eram os delicados movimentos em que ele se erguia límpido no céu. Devia olhar o quanto pudesse. Devia ver a imensidão de beleza do planeta. Devia sentir a natureza antes de cair na eterna sombra, tão eterna que, ele nunca mais veria o brilho do sol invadir seu corpo.

Mas ele devia se apressar. Não podia perder tempo. Não poderiam haver falhas. O plano era esse, e ele devia cumprir, mesmo que o medo o consumisse por inteiro. Sentiu uma significativa admiração por aquele garoto. Como podia ser tão corajoso? Não temia a morte. Não temia nada. Seu único medo era o próprio medo. Remo contara a conversa que tivera com o garoto à beira do lago, em que ele revelava seu maior temor. Resposta sensata. Sim, era. O menino era especial. Somente ele mesmo não sabia. Pena que nunca pôde dizer isso a ele. Sua máscara não deixou que dissesse. A máscara. Nunca contara ao garoto nada sobre sua própria vida. Nunca contara ao garoto suas dificuldades. Ele sentiria falta? Talvez não. Talvez ele já o culpasse. Mas ele era bom. Era um garoto excepcional.

O sol já nascera. Já estava lá no alto, em seu devido lugar. Rei dos céus. Em breve estaria ao lado do sol. Será? Talvez fosse ficar preso a terra, devido a tanta coisa que deixaria para trás. Culpa minha. Ele sabia. Deixaria sua tarefa para um indefeso. Quantas vezes você já não fez isso? Não importava. Seus seguidores concordavam. Mas eles nem sequer sabem do plano. Severo. Severo sabia. Este não o trairia. Era fiel.

A caminhada começava a fazer efeito. Algumas gotas de suor escorriam do rosto cansado. Era estranho. Ele queria aproveitar tudo, todos os sentimentos. Resta tão pouco tempo. Queria sentir dor. Queria lembrar como era a dor. Ele caminhou até um dos roseirais. Lentamente se inclinou e espetou o dedo indicador em um espinho. Não sentia. Puxou a varinha das vestes já sujas da viagem. Murmurou:

- Férula.

O pequeno sangramento estancou e o ferimento se fechou. Não entendia. Não sentia a dor. Sentiria então o contrário da dor? O prazer? Não. A dor não tem oposto. A dor é a essência que prova que a vida é vida. Lembrara-se disso. Assim como o ódio. Diziam que o amor era o oposto do ódio. Mas ele sabia que não. O amor era... Amor. Nem ele mesmo sabia o que era o amor. E por que estava pensando nisso? Não. Ele estava desistindo. Isso nunca poderia acontecer. Era o plano. Ele tinha que terminar. Ele devia. Não havia outra maneira. A não ser que... Pare.

Recomeçou a andar. Precisava eliminar esses pensamentos. Não sentia. Ele não se considerava nem mesmo humano. Finalmente. Culpa. Agora havia conseguido, afinal. Sentia a culpa. Sentia que desmaiaria a qualquer momento. Sentiu calor. Sua mão ficou quente. Sentiu que alguém a apertava. Alguém trazia sua alma, mente e corpo de volta a vida. Quem era? Quem estaria fazendo isso? Ele estava condenado. Não havia meios. Não. Ele precisava impedir. Ele sentiu sua boca pronunciar palavras. Ela tinha feito sozinha. Como? O que ele havia falado? Não sabia. De novo. O que estava acontecendo?

Abriu os olhos.

Sua boca se mexia novamente.

- Avada Kedavra!

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