O menino que não cresceu
Capítulo Um
O Menino que não cresceu
O Sr. e a Sra. Brandedursley, da rua dos Alfabetos, 4, se orgulhavam por serem o que a de maior no mundo. Alto Brandedursley e sua esposa, Pontalta, mediam respectivamente 1,87 e uns milímetros. Uma altura perfeitamente normal e nada inesperada para região. E o que, volta e meia, gabavam-se por ai.
Mas eis que um belo dia a vergonha bateu lhes a porta. Era uma manhã perfeita como todas as outras quando aconteceu.
Já não me recordo os detalhes, pois há muito, o último a presenciar esses fatos, desapareceu deste mundo, e eu, sendo a única pessoa nesta terra que ainda se lembra, ouvi a um longo tempo este relato, por isso, peço perdão desde já.
Alto saiu para o trabalho animado, seu filho Dedão estava com quase 20 centímetros acima da média da sua idade, um obvio motivo de orgulho. E de inveja, para os outros moradores da rua dos Alfabetos. Ele beijou a criança enorme e truculenta, beijou a esposa, e saiu.
Não havia qualquer nuvem no céu e o gramado estava verde e perfeitamente uniforme. Não haveria nada demais se um gato – realmente suspeito, na opinião de Alto – não estivesse parado em cima do muro ao lado de um cajado muito branco.
Afinal o que um gato branco estaria fazendo com um cajado de mesma cor? Uma evidente afronta aos bons costumes do bairro. Talvez até da cidade, e do país. Quem sabe até do mundo! Aquilo enfureceu Alto de tal maneira que ele teve de ir falar com o gato.
- Ei você! – disse. O rosto já enrubescendo – O que pensa que está fazendo com esse cajado?
- Sou maneta.
- Ah.
Alto que faltara muitas aulas na escola não sabia o que significava a palavra maneta, por isso meneou a cabeça confiante, deu as costas pro gato, pegou o carro, e foi pro trabalho. O que o gato ia dizer se soubesse que ele não conhecia o significado de maneta?, pensava.
Provavelmente que ele não era tão normal quanto deveria ser.
Esquecendo esse breve interlúdio incomodo, tudo voltara a ficar nos eixos. Ou voltaria se outra estranheza, como muitas outras neste dia, não houvesse ocorrido.
Em meio ao engarrafamento uma coisa, que até o gato branco diria ser um grande absurdo, ocorria. Era fora da realidade. Era anormal. Corujas cruzavam de um lado ao outro carregando envelopes, uns maiores que os outros, em plena luz do dia. E piando o hino brasileiro sem parar.
As corujas, tudo bem, pensava Alto. Mas o hino brasileiro?
Que vacalhação!
Só faltava aparecer o Pelé falando do remedinho, o Ronaldinho da Nike e o Lula do Passa-Fome Zero. E não deu outra. Os três estavam no boteco da outra esquina, bebendo a redondinha, num bate-bola-jogo-rápido, comendo acarajé com torresmo, e lendo a Times.
O que aquelas pessoas nos unicórnios, vestidas de verde-oliva, e chapeis pontiagudos, comemorando sabe-se-lá-o-que, não estariam comentando. Que Inglaterra caía por terra.
E que vacalhação!
Mas a pior de todas as aberrações, viria com a noite.
Tudo estava calmo na rua dos Alfabetos na noite em que tudo começou. Havia boatos de sussurros no leste, um medo inominável, que passava pelo boca-a-boca de pessoas ainda mais inomináveis que a notícia. No entanto nada que preocupasse este lado do mundo, onde tudo era calmo.
Como disse: era.
Pois logo que todos adormeceram as estranhezas chegaram. E foi mais ou menos assim:
Um homem alto, de roupas escandalosas e nariz muitíssimo torto, cruzou a rua neste dia, aproveitando a desolação e o silêncio. Trazia na mão um bolo de papel da Diet – companhia de luz –, que viríamos a saber que não passavam de um grande molho de contas não pagas desde a segunda era deste mundo.
Simplesmente aconteceu.
As luzes foram se apagando, como que cuspidas dos postes, e até os animais fugiram pra não ir em cana.
O homem, disfarçado de funcionário da Diet, chamava-se Dobrardoí, o Alvo.
Ele parou de fronte a casa quadrada de número 4 massageando as costas. As lotações Knight estavam acabando com a sua coluna. Olhou para a casa, que como sabemos pertencia aos Brandedursley, e viu o seguinte aviso: DEVO. NEGO. PAGO QUANDO DEUS QUISER!
Um pouco abaixo, rabiscado com giz-de-cera – obra de Dedão –, estava a mensagem: E ELE HÁ DE NÃO QUERER, AMÉN. Por algum motivo, que até hoje não entendo, a foto do ACM perdurava ao lado.
Dobrardoí mirou o gato em cima do muro e disse:
- Achei que o estaria aqui caro, Ian!
O gato branco pulou do muro e quando pousou no chão já não era um felino, e sim um homem. Tão alto quanto o primeiro, só que de cabelos e trajes inteiramente brancos. O cajado preso na mão direita. Seu nome é: Ian Gandalf, senhor dos seres indeterminados (x).
Alisando o cajado, Ian se aproximou de Dobrardoí.
- Então – dizia, quando pigarreou. Sua voz saíra acidentalmente muito fina. – Então é verdade o que andam dizendo, Dobrardoí?
- Receio que sim, caro Ian.
- O menino Rettop... – suspirou. – Deus!
Dobrardoí continuava a se ocupar com suas costas velhas.
- E seus pais? O casal Rettop? – perguntou Ian Gandalf.
- Mortos – Dobrardoí respondeu sem rodeios. – Vaudemarte jamais permitiria... você sabe... que alguém como o pobre Arry vivesse. – silêncio – Não depois do que lhe aconteceu. Foi uma sorte o menino ter escapado.
- E onde está Arry?
- Agrid o está trazendo.
Nesse momento a rua se iluminou. A luz vinha de um vulto, alto no céu. E o que parecia uma bela moto maronbada a principio, se revelou uma bicicleta enferrujada. E o gigantesco hobbit Agrid montava nela, com um embrulho preso nos braços. Um embrulho tão pequeno que parecia ser apenas um pedaço de pão baguete.
- E o trouxe, professor Dobrardoí – disse Agrid desmontando da bicicleta voadora. – Olá professor Ian.
Ian Gandalf remexeu no pequeno embrulho e descobriu a face do pequeníssimo Arry Rettop.
- É verdade... – sussurrou.
- Ainda não entendo como é possível – inferiu Agrid. – Futrica e Papoproar Rettop eram pessoas grandes!
- Futrica era mestiça. Seu avô, Frodo, do condado, era um Hobbit. – explicou Dobrardoí, olhando Arry. – Pura genética. Gene recessivo, Mendel e etc.
- E pensar que os Rettop eram parte do Eixo. – comentou Agrid, enraivecido.
- Mas o filho os trouxe para o lado branco novamente – lembrou Ian Gandalf. – No último momento conseguiram se libertar do lado negro da força.
- Agora com Vaudemarte morto, o lado negro está dizimado, não é, professor? – perguntou Agrid a Dobrardoí.
- Não creio. A cota para o lado negro nos impede de dizima-lo, acredito que Vaudemarte retornara a qualquer momento dessa história. Está apenas fraco demais. Ainda não representa um número satisfatório nas universidades e instituições legais.
- Ah...
- E o que será de Arry Rettop? – disse Ian. – Ele será famoso! Já vejo as manchetes: Davi vence Golias. O Menino que não cresceu triunfa!!! O Orgulho dos Hobbits!!!
Dobrardoí olhou infeliz para criança.
- Ele ficará com os tios. São a única família que ele tem.
- Cuma? – indagou Gandalf, retornando a realidade.
- Foi o que você ouviu.
- Mas, Dobrardoí – replicou o mago branco. E com orgulho! – e os observei o dia todo. São o pior tipo de gente grande que eu já vi, não creio que seja adequado...
- Eu sou a autoridade aqui. Eu decido o que é certo. – bradou Dobrardoí.
- Hei! Como assim? – quis saber Ian Gandalf. – Meu personagem foi criado meio século antes do seu. Que absurdo.
- O novo substitui o velho, meu querido.
- Mas...
- Porra, cala a boca! É assim que o Autor quer.
- Certo. Desculpa.
- Tudo bem.
Agrid olhava-os sem nada entender.
Os dois homens, e o gigantesco hobbit, deixaram o minúsculo Arry na soleira da número 4. Um disquete IBM pendia ao lado do garoto.
- Boa sorte, Arry Rettop – disse Dobrardoí.
As três figuras anormais ao cenário desapareceram, então. E a criança adormeceu. Sonhava com o novo filme do Homem-Aranha, enquanto uma pequena multidão em um reino muito distante dali brindava:
“A Arry Rettop, o menino que não cresceu”
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