A benfeitora e o sucessor



Mary acordou com um sobressalto e se levantou rapidamente, olhando assustada em volta. A porta da cabana fora arrombada e uma marcha de pés calçando botas pesadas invadiu todo o lugar.
Mesmo ainda sonolenta, ela reconheceu o uniforme de aurors que as pessoas que haviam entrado estavam usando, os mesmos que usavam os bruxos que a salvaram quando fora seqüestrada por Jheremy Sawbrook.
- Está tudo bem? – perguntou o que parecia ser o líder deles.
- Qual o problema com vocês?!
Mary se assustou ainda mais com o rosnado de Doumajyd vindo do seu lado. Se levantando, e ainda parecendo doente, ele perguntou irritado:
- Como vão invadindo assim?!
- Vo-vocês não estavam perdidos? – perguntou o líder, pensando bem no que iria dizer, já que o dragão não parecia estar de bom humor.
Doumajyd olhou em volta confuso, e então percebeu Mary ao seu lado, enterrada embaixo das cobertas junto com ele. Ao mesmo tempo em que o dragão se lembrava do que acontecera, o cérebro de Mary começara a raciocinar e ela também se dera conta da situação que os dois estavam: sozinhos, em uma cabana isolada, durante uma noite inteira.
- Nã-não é o que vocês estão pensando! – ela pulou de dentro das cobertas, o empurrando no processo.
- Ei, Mary! – protestou o dragão – Isso é jeito de se tratar o seu ‘restagador’?
- Rest... Resgatador! – ela o corrigiu – Quando vai aprender a falar direito?!
- São só palavras, idiota! – ele riu – Não tem o que se aprender! Leia livros! Livros!
- Inacreditável. – Mary o encarou incrédula – Mal recuperou a memória e já começou a falar besteira!
- Eu não estou falando besteira!
- É claro que está!
- Será que eles estão bem, chefe? – perguntou baixinho um dos bruxos ao superior, enquanto eles assistiam a discussão, sendo completamente ignorados pelos resgatados.


***


- Vicky! Eles foram encontrados! – MacGilleain corria com Nissenson em direção onde a garota estava.
Desde que a tempestade de neve parara, Vicky ficara de plantão fora do hotel, esperando que as equipes de busca voltassem com alguma notícia. Ela também havia tentado sair para procurar sozinha, mas fora impedida pelos dragões até que desistisse da idéia e aceitasse o fato de que, se perdendo também, não iria ajudar em nada.
- Que bom! – ela desabou de joelhos na neve, finalmente podendo chorar aliviada.
- Ei, não chore. – Nissenson a amparou.
Dentro do hotel, espiando para essa cena que se desenrolava lá fora, May tapava parcialmente o rosto com as mãos, como se rezasse, e murmurava pedaços de frases:
- Realmente... me desculpe... eu... não queria...
- Não adianta chorar agora. – uma voz fria veio de trás dela.
Assustada, a garota se virou e se deparou com Ryan Hainault.
- Nós não vamos a perdoar. – continuou ele, do mesmo modo frio – Desde que não mude de coração, ninguém irá a perdoar.


***


- BEM VINDA!
Mary quase caiu para trás com a recepção que teve ao chegar em casa. Seus pais praticamente pularam em seu pescoço, e seu irmão viera logo em seguida ajudar no ‘bolinho’.
Quando Doumajyd e ela voltaram ao hotel com a equipe de busca, foram recebidos pelos jornalistas que, desde a noite de tempestade, haviam se esquecido das suas reportagens sobre a inauguração e passaram dar total exclusividade ao desaparecimento deles. Em meio à confusão de perguntas, que ela não conseguia responder, Mary pôde descobrir que ficaram dois dias desaparecidos, embora a sua noção do tempo que havia passado fosse bem diferente.
Entre isso, os abraços aliviados de Vicky, as perguntas dos outros dragões e a sua preocupação de voltar para o trabalho, Mary praticamente não conseguira falar com Doumajyd. E logo descobriu que ele já havia partido sem falar com ela, o que era bem típico da parte dele.
Mas agora, novamente em casa, depois da folga de final de semana forçadamente alongada, ela podia se sentir aliviada por não carregar mais o desânimo dos dias passados.
- Me desculpe por deixar vocês preocupados. – pediu ela, depois de se livrar do sufocamento em família.
- Que bom que está bem, Mary! – seu pai quase chorava.
- Preparei uma comida especial para comemorarmos! – anunciou a mãe feliz e seu irmão tratou de mostrar a mesa farta com um gesto amplo de braços.
- Comemorar?! – Mary perguntou surpresa, e logo outra pergunta lhe veio à mente diante do que via – De onde veio toda essa comida?!
- As pessoas da vila mandaram para felicitá-la pelo casamento!
- ...Casamento? – ela perguntou confusa.
- Nós já sabemos, Mary! – disse seu irmão, claramente não contendo o seu entusiasmo pela novidade.
Então correu até um armário e pegou de cima dele um jornal que Mary reconheceu imediatamente, pela cor diferenciada e pelas fotos que se mexiam, como sendo um exemplar de O Profeta Diário, provavelmente algum mandado pela família de Vicky.
Já imaginando o que encontraria, ela arrancou o jornal das mãos do irmão e leu a manchete:


Contagem regressiva para o anuncio do noivado do Dragão Doumajyd.


Depois de dois dias de apreensão com desaparecimento do herdeiro do nome mais poderoso na sociedade mágica e do seu emocionante resgate, estamos na expectativa de um aguardado anuncio de casamento.
Ao ser interrogado por nossos jornalistas sobre a relação que havia entre ele e a sangue-ruim (Mary Ann Weed, 18 anos, formanda de Hogwarts), Doumajyd declarou: “Ela é a garota que eu coloquei acima de todas as outras”. Mas a resposta para a pergunta que todos querem saber, sobre uma eventual união ou não de pessoas tão opostas, econômica e socialmente, ficou sem ser respondida. “Não tenho tempo agora!”, foi tudo o que Doumajyd nos disse antes de partir do Resort MacGilleain.



Mary não conseguiu terminar de ler o restante da reportagem, que fala sobre as informações que os reportes apuraram sobre a relação deles (e mais os extras nas páginas 6 e 7, sobre o que pessoas ilustres e estudiosos pensavam a respeito da provável união entre um herdeiro famoso no mundo inteiro com uma sangue-ruim desconhecida). Mas ela encarou por um tempo a grande foto de um Doumajyd sorridente, que fora tirada no hall do hotel, quando ela o perdera em meio ao tumulto. E então depois encarou uma pequena fotografia dela, tirada de longe, enquanto ela era abraçada por Vicky, com uma pequena legenda embaixo onde dizia ‘a sague-ruim’.
- Eles poderiam ao menos pôr o meu nome antes do sangue-ruim. – ela resmungou – Isso é o que eles imaginam! Doumajyd na-
- Vamos voltar para Londres! – sua mãe informou, cortando que ela estava dizendo.
- ...O quê? – Mary esquece totalmente a frase que já tinha pronta em mente para a sua defesa contra as especulações de um casamento.
- Um amigo meu abriu uma empresa e pediu minha ajuda para administrá-la. – anunciou seu pai orgulhoso.
- Ah, mais isso é maravilho, pai! Mas sobre essa história de casame-
- Então vamos comer antes que esfrie! – falou sua mãe empurrando seu irmão e seu pai para a mesa.
Suspirando, e pensando que seria melhor esperar que o entusiasmo com a idéia passasse, Mary dobrou o jornal para guardá-lo. Mas então outra coisa lhe chamou a atenção. Ainda na primeira página, porém apenas com o mínimo destaque e apenas uma frase, estava a foto de alguém que ela reconhecera:
- Ah, o senhor do penhasco!
Ela pegou o jornal novamente e leu a frase ao lado: “Adolf Monagham lança projeto que pode revolucionar a comunicação mágica. Pág 11.”.
- Que bom que ele não perdeu as esperanças. – ela comentou, procurando pela página indicada.


***


- Uma parceria? – perguntou a senhora Doumajyd, tirando os olhos da página 11 do Profeta Diário e os mantendo fixos no senhor sentado na sua frente.
- Uma parceria. – acentiu Adolf Monagham, sorrindo – Como a senhora pôde ler, o projeto foi muito bem aceito, e recebi várias propostas.
- Uma parceria com o senhor neste momento é o ideal para os nossos negócios, mas... – a bruxa se ajeitou melhor na sua cadeira, deixando bem claro que aquele ponto a incomodava – Porque justamente conosco? O senhor mesmo admite que recebeu várias propostas. E, certamente, eu sei que há muitas pessoas dispostas a investir todos os seus galeões nesse projeto para poder assumir o nosso lugar no ramo de esferas.
- Porque... – o bruxo pegou o jornal das mãos da bruxa e o fechou, devolvendo-lhe novamente indicando a primeira página – Se essa notícia for verdadeira, estou disposto a entregar todos os direitos da minha nova invenção para a família Doumajyd.
A senhora Doumajyd o encarou incrédula, ficando ainda mais confusa com aquela resposta. Percebendo a situação dela, o senhor Monagham resolveu explicar melhor:
- Eu confio no julgamento do senhor Christopher.
- O senhor conhece o meu filho?
- Não. – ele respondeu com um imenso sorriso.
- Mas ele conhece a Mary Ann Weed! – disse Christinne, entrando no escritório da mãe sem ser anunciada.
- Ora, ora, se não é a responsável pelo meu projeto! – o bruxo ficou de pé para cumprimentá-la.
- O que significa isso, Christinne? – perguntou a senhora Doumajyd, também se levantando, mas definitivamente não para um cumprimento.
- Parece que a Mary é a benfeitora do senhor Monagham, mãe. – respondeu ela com um tom de triunfo, escondido atrás do sorriso gentil – Ele veio até o Ministério pedir ajuda com o seu projeto, foi onde o encontrei e fiquei sabendo sobre uma certa sangue-ruim que o incentivara a continuar.
O bruxo confirmou o que ela dizia com um sorriso:
- A senhorita Weed é uma moça admirável. Eu poderia ter desistido de tudo e abandonado a vida sem ter feito alguma coisa útil. Mas, graças a ela, ganhei uma nova chance e estou aqui. E, se o senhor Christopher, mesmo estando no topo da ostentação, foi capaz de perceber o quanto ela é preciosa, ele certamente tem o meu voto de confiança para ser o maior bruxo dessa sociedade!
Enquanto ele falava, Christinne se aproximou da mãe, no outro lado da mesa. E, quando ele terminou, ela sugeriu:
- Quando vai deixar de ser teimosa como o seu filho e aceitá-los, mãe?


***


- Por que me chamou aqui tão cedo, velha?! – Doumajyd entrou no escritório da mãe reclamando – Eu tenho muita coisa para fazer e não-
- Cala boca, Christopher. – ordenou a senhora Doumajyd, o cortando no mesmo instante.
Ela estava de costas para ele, em pé e de braços cruzados em frente à janela, aparentemente olhando para a paisagem lá fora.
Depois que o senhor Adolf Monagham e a filha foram embora no dia anterior, a senhora Doumajyd permanecera toda a noite trancada em seu escritório. Somente deu algum sinal de vida na manhã seguinte, quando chamou por Nana e a ordenou que trouxesse o filho imediatamente.
Indignado e disposto a mostrar para a mãe como não seguiria mais ordens dela, o dragão respirou fundo para começar a discutir, mas ela foi mais rápida:
- Vou me aposentar.
Diante dessa frase, Doumajyd perdeu toda a sua concentração no que tinha planejado dizer:
- ...O quê?
- Esse escritório, os nossos negócios, as esferas, o nome da nossa família... deixo tudo nas suas mãos.
O dragão apenas a escutava falando, não sabendo dizer se estava entendendo direito tudo o que ouvia ou se aquilo era mesmo realidade.
- Você não é mais o meu herdeiro, Christopher Doumajyd. – ela saiu da janela e seguiu até a escrivaninha, para ficar de frente para ele – Agora, você é oficialmente o meu sucessor.
Ele não respondeu. Permaneceu estático, avaliando a expressão da bruxa, até ter certeza de que ela estava falando sério.
- Então, – ele finalmente falou – eu tenho uma condição.
- E qual é?
- Richardson vai ser o meu secretário! Não sou um mau administrador a ponto de deixar alguém tão eficiente desempregado! – e então ele saiu decidido, pensando em tudo o mais que faria dali por diante.
Sendo deixada para trás, a senhora Doumajyd sorriu satisfeita. A seriedade com que o filho falara dissipava todas as sombras de dúvidas que ainda pairavam sobre a sua decisão de melhor escolha.


***


- CHRIS! – Christinne invadiu o quarto do irmão, praticamente pulando em cima dele – Que bom, Chris! Eu fiquei sabendo!
Doumajyd, correspondeu ao abraço e ao entusiasmo da irmã por alguns segundos, mas logo se livrou deles e disse sério, voltando a sua tarefa enfiar suas coisas de qualquer jeito em uma mala:
- Preciso que você me ajude, Christy.
- O que você quiser senhor Doumajyd. Sou uma funcionária do Ministério ao seu pleno dispor.
- Eu preciso ir para Nova York.
- O quê?! Mas eu pensei que... O que vai fazer lá?
- Dessa vez, vou falar com o senhor Vanderbilt como um administrador. – com um gesto de varinha ele fez as últimas coisas entrarem na mala – A fusão de nossas famílias pode não ter dado certo, mas uma fusão de nossos negócios pode ser benéfica para os dois lados.
- ...Tem razão. – ela concordou, maravilhada somente em perceber como o irmão pensara de um modo prático e objetivo.
- A Mary acha que a crise Doumajyd aconteceu por que essa fusão não deu certo, e se culpa por isso.
- Você acha que, se consertar as coisas desse modo, ela se sentirá melhor?
- Sim. – ele fechou a sua mala e disse mais para si do que para a irmã – Eu preciso acabar com todos os argumentos dela... – então ele pegou a mala falando – Quero voltar para a formatura , então tenho que ir o quanto antes. Por isso – ele pegou um pergaminho de dentro do casaco – Conto com você, Christy!
Ela apanhou o pergaminho e leu, com o sorriso aumentando a cada linha.
- Certo! – ela concordou prontamente – Faço qualquer coisa por vocês dois!
- Obrigado, Christy.
Com isso, ela não pôde se agüentar e o abraçou novamente:
- Ah, você está tão sério, Chris! Está cada vez mais parecido com o nosso bisavô!
- Eu sei que eu sou um máximo! – ele concordou cheio de si.
- E modesto como sempre. – ela o largou, ajeitando o seu casaco – Não se preocupe que tudo estará preparado para a sua volta.


***


- Mary, preste mais atenção no que está fazendo! – pediu a mãe de Mary alarmada, ao ver que a filha guardava, distraidamente, os potes com algas em conserva junto com as suas roupas.
- Anh? – ela percebeu o que fazia e começou a desfazer – Ah, sim. Desculpa, mãe.
A senhora Weed simplesmente deu um suspiro cansado e voltou a sua atenção para a mudança. Ela sabia o que deixava a filha tão perdida em seus pensamentos, mas também sabia que não poderia fazer nada para ajudá-la.
Mary ficara sabendo que Doumajyd havia ido para Nova York através de Hainault. Ele também contara que agora era o dragão quem comandava todos os negócios da família, coisa que parecia um tanto irreal para ela aceitar sem comprovar com seus próprios olhos. E esse era o fato principal que a incomodava tanto: ela não viu.
Desde que voltara para a vila, não tivera mais notícias do dragão. Em parte sabia que ele deveria ter um motivo muito grande para isso e que logo aprontaria alguma coisa, surgindo do nada com alguma novidade. Porém, ela já tinha enfrentado uma ida dele para Nova York antes e, a falta de contato, só fazia aumentar o seu medo de que tudo se repetisse.
Ela achava que, com o trabalho de encaixotar as coisas para a mudança, pudesse parar de se preocupar com isso. Mas realmente parecia ser impossível não pensar no assunto.
- Vai precisar dele amanhã, não vai?
Ao ouvir a pergunta da mãe, Mary percebeu que estava guardando o seu uniforme de Hogwarts, e então mais um dos seus problemas surgiu: sua cerimônia de formatura seria no dia seguinte, e Doumajyd estava em Nova York. Não que a formatura na escola da qual ela tanto queria se livrar fosse o máximo em sua vida, mas... não deixava de ser a sua formatura, depois de sete anos de muito esforço, e era algo importante.
- Mary! – seu pai entrou com uma grande caixa branca presa com um laço vermelho e a colocou em cima da mesa, para que todos pudessem ver – É do Doumajyd! Ele mandou para você!
Ela correu até a mesa, sendo seguida por sua mãe e o seu irmão.
- Pra mim?
- O que é? – Charles tentou desfazer o laço, mas foi impedido por um tapa da sua mãe, que dizia com todos as palavras que não cabia a ele fazer aquilo.
Mary desfez o laço e abriu a caixa, se deparando com uma grande massa disforme de seda vermelha. Sem perder tempo, sua mãe retirou o conteúdo da caixa, deslumbrada, e o queixo de Mary caiu. Era o vestido de festa mais pomposo que ela já vira na vida.
- Que vestido lindo! – os olhos de sua mãe brilhavam enquanto analisava o tecido com cuidado.
- Lindo? – perguntou Charles incerto – Isso está mais para exagerado.
Mary concordou plenamente com o irmão:
- De jeito nenhum combina comigo.
Sem dar ouvidos para o que a filha dissera, a senhora Weed puxou Mary para a frente de um pequeno espelho quebrado e colocou o vestido sobre dela.
- Você vai ficar linda, Mary! É como um sonho, não? Você dançando na sua formatura de Hogwarts com o Doumajyd!
Mary viu o seu sorriso amarelo no reflexo do espelho, não muito certa de que seria como a mãe imaginava.

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.