A lealdade de Nana



- Realmente eu sinto muito por hoje de manhã, Nan-... senhora! Sinto muito mesmo! – Mary corria atrás da velha elfa para tentar falar com ela – Mas agora pode me escutar por um segundo, por favor?
Assim que voltara para a mansão, ficou bem visível que a volta da senhora Doumajyd para casa não era só algo inesperado como imediato. Os elfos, que sempre se mantinham o mais invisíveis possível, agora corriam de um lado para o outro seguindo as ordens de Nana, para deixar tudo impecável para a mestra. Com isso, Mary tinha que se explicar com a elfa enquanto ela andava e ainda conseguir o milagre de fazer a criatura concordar em não contar sobre permanência dela na mansão.
- Por favor, senhora! – suplicou Mary tentando acompanhar os passos rápidos da elfa.
- Diga depois, sangue-ruim! Não vê que temos muito trabalho para fazer? E por que não está trabalhando? Onde está o seu uniforme?
- É exatamente sobre isso que eu-
- NANA!
Mary congelou no mesmo instante. Elas estavam passando pela sala principal, ao lado do hall de entrada da mansão, quando ouviram as grandes portas principais sendo abertas, e o chamado da senhora Doumajyd ecoou por todos os corredores.
Sem perder tempo, Mary pulou atrás da primeira cortina que encontrou e se encolheu contra a parede. E, quando a bruxa entrou majestosamente na sala sendo seguida pelo seu secretário, ela tentou respirar o mais minimamente possível.
- Nana! – exclamou a bruxa assim que viu a elfa.
- Seja bem vinda, mestra. – a elfa se curvou em uma reverência – Espero que tenha feito uma boa viagem de volta.
- Cheguei muito bem... E então? – a senhora Doumajyd olhou em volta, como se procurasse alguma coisa fora do lugar, e Mary se encolheu mais ainda – Aconteceu algo durante a minha ausência?
- Não aconteceu nada, mestra. Os preparativos para o jantar já foram iniciados e-
- Não esconda nada de mim, Nana. – sibilou a bruxa.
- Esconder? – repetiu a elfa, como se não tivesse escutado direito a palavra devido à idade.
- Sabe do que estou falando, Nana. A sangue-ruim Weed! Ela veio para essa mansão?
- A sangue-ruim?... Sim, sim, ela veio.
Mary sentiu um buraco negro abrindo por debaixo de seus pés. Era o seu fim. Nana iria contar tudo para a senhora Doumajyd e dessa vez nem mesmo Christy poderia ajudá-la.
A senhora Doumajyd respirou fundo diante da resposta, estreitando os olhos, e perguntou:
- Você sabe por que eu pedi que voltasse para cá, não sabe?
- Sim, mestra. Voltei pra cuidar do bem-estar do mestre Christopher.
- E isso incluía você cuidar para que ele não se encontrasse novamente com essa escória!
- ... Por que está falando assim com a Nana? – perguntou a elfa, como se fosse algo muito confuso para ela entender – Porque eles não deveriam se encontrar? Se eles são jovens e se gostam, não é natural? Se a mestra perguntasse, Nana diria que separá-los é algo feio e deselegante.
A senhora Doumajyd encarou a criatura surpresa e Richardson riu disfarçadamente atrás dela.
- Pois fique bem claro que essa Weed está proibida de pisar nessa propriedade! – e a bruxa saiu para a direção de onde Mary estava escondida.
Não havia como evitar, a senhora Doumajyd perceberia que havia mais alguém ali.
- Não preciso chegar a esse ponto, mestra. – disse Nana desaparatando e aparatando na frente da bruxa, evitando que ela percebesse Mary escondida.
- Está ousando me contestar, Nana? – e então ela elevou seu tom de voz – Com que acha que está falando?!
- E com quem acha que está falando?! – retrucou a elfa usando um tom mais alto e mais firme que o da bruxa.
Diante da resposta, a senhora Doumajyd paralisou e, para a surpresa de Mary, não ousou dizer mais nada. Nana, por sua vez, endireitou seus ossos tortos pela velhice e assumiu uma pose venerável, deixando bem claro que ela não tinha medo algum da bruxa, e disse:
- Nana está aqui nessa casa desde que ela foi construída e serve aos Doumajyd desde quando eles ainda não eram uma família nobre! Nana cuidou dessa casa para o seu avô e a defendi com todas as minhas forças nos tempos escuros! Mestre Kheterin sabe o que disseram seus antepassados, não sabe? ‘Tudo o que acontecer na mansão é responsabilidade da Nana! O que a Nana diz é lei aqui dentro, E NINGUÉM DEVE RESPONDER À NANA!’
Conforme a elfa falava, a senhora Doumajyd se encolhia, demonstrando que sabia muito bem de tudo aquilo, e que as palavras de seus antepassados eram tão poderosas como um encantamento.
Nesse momento, Mary, pela primeira vez, percebeu que a lealdade de Nana era algo muito além do que a relação de um elfo-doméstico pelo seu mestre. Nana era leal ao nome Doumajyd.


***


- A senhora me defendeu... – murmurou Mary, ainda chocada demais com o que presenciara.
Depois que a Senhora Doumajyd foi furiosa para o seu escritório, mas não indo contra à elfa, Nana a arrastara consigo para a ala mais afastada da mansão.
Mary nunca havia ido lá, onde somente os elfos ficavam. Era uma construção muito antiga e muita pequena se comparada com o resto da mansão. Porém, em tudo, se parecia muito como uma casa de pedra do começo do século passado, muito limpa e aconchegante. Havia uma lareira acesa crepitando, de onde Nana tirou uma chaleira escura com água quente e começou a preparar um chá, ao mesmo tempo em que indicava para Mary um lugar na mesa de madeira pesada e antiga.
- Eu... – ela tentou continuar – Eu não sabia que me ajudaria... Muito obrigada!
A elfa colocou uma xícara de chá na frente de Mary e pegou uma para si, se sentando logo em seguida no lugar a frente, dizendo:
- Não precisa agradecer, sangue-ruim.
- Eu... – Mary tentou começar um assunto qualquer, já que não sabia o que dizer para a elfa diante de tudo o que acontecera – eu não sabia que havia um lugar assim aqui na mansão.
- Aah... essa foi a primeira casa dos Doumajyd.
Mary percebeu o tom de orgulho na voz da elfa, que continuou falando:
- Quando o mestre Doumajyd, o bisavô do mestre Christopher morreu, deixou essa parte da mansão para a Nana.
- Ele fez? Mas... Sabe, geralmente elfos-domésticos são... como eu posso dizer... submissos.
- Nana é uma elfa livre. – afirmou ela – Sempre foi!
- Como assim? – Mary entendeu menos ainda.
A elfa suspirou olhando para a sua xícara de chá:
- Nana era muito jovem naquela época, nos tempos escuros. Nana era uma elfa livre, mas não tinha família e vivia sozinha. Então Nana conheceu o elfo-doméstico do mestre Doumajyd, e o mestre permitiu que Nana vivesse aqui. Por isso Nana sempre trabalhou, mesmo sendo livre...
“Mas os tempos escuros continuaram e o marido de Nana e o mestre foram lutar. Apenas o mestre voltou, e prometeu cuidar da Nana para sempre. Durante todos aqueles anos, Nana lutou para defender o lar do mestre Doumajyd, até que os tempos de paz chegaram.
Logo a família do mestre cresceu, e o mestre trabalhou muito e ganhou muito dinheiro. E então construiu a casa grande. Duas gerações passaram e Nana continuou trabalhando para eles. O mestre morreu, mas Nana não ficou triste, porque ele pôde conhecer o pequeno mestre Christopher e ficou muito feliz. Por isso, naquele dia, Nana prometeu que, até o último momento da sua vida, cuidaria do pequeno mestre.
Por algum tempo, essa mansão foi cheia de alegria com o mestre Christopher, tão parecido com o seu bisavô, e a mestra Christinne, tão boazinha e tão bonita. Mas a mestre Kheterin sempre foi orgulhosa demais, e os seus filhos sofreram por causa disso... Nana não conseguia mais evitar as ações violentas do mestre Christopher, que só pioraram quando a mestra Christinne saiu da mansão...
Nana pensava que havia falhado com a promessa que fez, mas... O mestre Christopher mudou, e ele voltou a sorrir como fazia quando era pequeno. E tudo por que conheceu uma sangue-ruim. – a elfa deu um sorriso desdentado, e pela primeira vez Mary o viu sem sentir um arrepio – Foi você quem fez o mestre Christopher voltar a ser tão parecido com o seu bisavô, não é?!”
- Não, eu... – Mary se sentiu sem jeito diante de tudo o que ouvira, e tentou procurar por algo que quebrasse aquela aura de ‘salvadora’ que a elfa lhe colocava – Mas, no começo, eu adiava ele! Ele mudou porque eu dei um soco bem merecido no nariz dele!
- Isso, isso! – disse a elfa parecendo feliz – Você fez por ele algo que ninguém ousava fazer.
- Mas... foi algo realmente perigoso. – admitiu Mary – Eu podia ter morrido!
A elfa soltou uma gargalhada, contente, e continuou:
- De qualquer forma, sangue-ruim, não deixe essa casa!
- O quê? – Mary ficou perplexa.
A elfa a defender de ser vista pela senhora Doumajyd era uma coisa, mas pedir para ela ficar era outra totalmente diferente.
- Pela minha promessa, – a elfa voltou a assumir a posse de quando enfrentara a mestra na sala – eu arriscarei a minha vida para proteger quem traz tanta alegria ao mestre Christopher! Por isso fique aqui!
Diante daquilo, Mary também não conseguiu dizer nada contra.

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