Algo importante



De pé, diante do mesmo muro que ficava perto do lugar onde havia sido encontrada por Mary e Doumajyd, Vicky esperava. Ainda estava escuro e o ar era gelado naquela região do interior. Apesar de estar bem agasalhada, ela não parava de esfregar as mãos e dar pequenos pulinhos no mesmo lugar, mais pelo nervosismo do que como um meio de se manter aquecida.
Tinha visto Mary pedir para Doumajyd no dia anterior que avisasse Nissenson. Porém, não tivera confirmação alguma da parte do dragão se ele viria ou não. Por isso, consultava o seu relógio e a sua esfera a cada minuto.
Quando o céu começou a clarear, ela deu um suspiro de impaciência e subiu em cima do muro na esperança de conseguir ver mais longe, mas não havia sinal algum dele. Olhando para a direção do morro concluiu que, se ele não aparecesse nos próximos cinco minutos, perderiam o que podia ser a última oportunidade.
Ela desceu novamente e pegou a sua esfera, decidida a falar com ele. Porém, nesse mesmo instante, ouviu um ronco a cima dela, e logo uma moto pousou na estrada de terra e parou na sua frente. Antes mesmo que Nissenson pudesse tirar seu capacete, Vicky o agarrou pelo braço e o puxou da moto, dizendo:
- Vamos, antes que não dê mais tempo! Rápido!
Pulando o muro, os dois correram pelo pasto e subiram toda a extensão de grama escorregadia até chegarem ao topo do morro. Lá havia apenas uma pequena parte onde o solo não era tão inclinado, e onde estava uma árvore já bem antiga.
- O que tem aqui? – perguntou Nissenson ofegante, finalmente conseguindo tirar o seu capacete e olhando em volta.
- Eu sei que fui uma intrometida, mas eu queria que você visse isso!
- O quê?
- Ali! – ela apontou para a árvore, no mesmo instante em que os primeiros raios de sol cortavam o céu.
No momento em que a sombra fraca da árvore foi projetada no chão, o dragão pôde notar uma plantinha de caule fino, sem folhas e com uma única flor em tons de roxo e azul. A flor tinha suas pétalas enroladas em si mesma, formando o que parecia ser um caracol. Assim que os raios de sol foram o suficiente para começar a esquentar o ar, as pétalas se abriram, em um movimento que lembrava asas de borboletas, expeliram o seu pólen em uma nuvem esverdeada e logo em seguida a flor murchou e caiu, sem cor.
Nissenson observou aquele minuto sem conseguir ter reação alguma, e somente quando Vicky falou, ele pareceu voltar a respirar:
- Era uma rowjisuky, não era? A professora Hannah me falou sobre ela, que é uma planta rara. Por ser extremamente fraca e depender de vários fatores para poder desabrochar, desde o século passado não há registros de alguém que tenha visto esse evento. Por isso seu pólen é o ingrediente mais raro existente para poções, não é mesmo?
Nissenson se deixou cair no chão e soltou seu capacete, que acabou descendo pelo morro sem ser percebido pelos dois. E, diante dessa reação, Vicky reuniu coragem para perguntar:
- Era algo importante para vocês, não era? A professora Hannah me disse uma vez que houve uma época em que o que ela mais desejava era encontrar essa flor.
- Rowjisuky... – ele repetiu fraco, e então começou a contar – Um dia, quando ainda éramos pequenos, eu mostrei para a Hannah essa flor em um livro. Eu disse que era impossível, mas ela decidiu que encontraria uma rowjisuky algum dia. Eu a desafiei dizendo que, se ela a encontrasse, eu faria qualquer coisa que ela pedisse... Mesmo se tivesse que ser pela minha vida toda... – então parou, perdido em seus próprios pensamentos, e depois de um tempo calado disse – Não acredito que ela me chamou aqui nesse fim de mundo por causa de algo idiota como isso!
Foi então que Vicky percebeu os olhos molhados dele, e que as suas palavras não diziam exatamente o que ele pensava.


***


Vicky decidira deixar Nissenson sozinho por um tempo, já que sabia que não tinha o mesmo dom que ele teve ao fazê-la parar de chorar quando terminara com o Kevin Eckheart. Por isso ela desceu silenciosamente, recolhendo o capacete perdido no meio do caminho, e o levando consigo até o muro, onde esperava sentada.
O sol já estava alto no céu quando finalmente Nissenson desceu de lá. Vicky se pôs de pé no mesmo instante em que ele parou na frente dela e terminou de contar, sem jeito:
- Depois de eu ter dito pela minha vida toda, ela disse: ‘Então vou pedir para que se case comigo’. Eu ainda era um menino naquela época, e nunca pensei que pudesse gostar dela não apenas como amiga, então eu ri.
- Mas meninas não prometem algo importante assim tão facilmente. – disse Vicky sorrindo.
- Eu sempre achei que ela gostasse do meu irmão, por isso nunca lembrei desse algo importante... Que horrível da minha parte, não?
- Foi algo horrível. – concordou Vicky – Tão horrível quanto o que eu fiz o convencendo a não vir aqui ano passado.
Ele riu e falou:
- Obrigado, Vicky... Se eu não tivesse visto isso, poderia viver a minha vida inteira aprisionado nesse sentimento... Agora eu posso entender o que a Hannah falou sobre coisas que não são do jeito que imaginávamos, mas que não aconteceram para que algo melhor aconteça... Graças a sua mania de ser intrometida.
Vicky riu, satisfeita por ter completado a sua missão e lhe entregou o capacete, mas Nissenson ignorou esse gesto e montou na sua moto.
- Eu preciso agradecê-la, não? E acho que você precisa de uma carona até Hogwarts. – disse ele indicando a garupa da moto.
- Sim! – ela exclamou feliz, quase não acreditando no convite, colocando o capacete um tanto atrapalhada.


***


Ao ficar sabendo por Doumajyd que Nissenson não pretendia ir ao encontro com Vicky, Mary praticamente jogou o café da manhã sobre o dragão e saiu correndo, sobre os protestos furiosos de Nana. Correu pela mansão até o seu quarto, lugar em que a elfa havia sido proibida de entrar pelo seu mestre, e onde Mary estaria segura por um tempo.
Assim que a miniatura de Nissenson surgiu na fumaça azulada, ela exigiu saber:
- Você foi?! Foi onde a Vicky disse para ir?!
- Fui sim. – respondeu ele calmamente.
Mary já tinha preparadas as suas acusações contra o dragão por ter ignorado todo o esforço da amiga, por isso a resposta a despreveniu:
- ...Ah, é?
- E ela me mostrou algo bom.
- ...É mesmo?
- Mary.
- Hum? – perguntou ela, ainda com a resposta afirmativa dele ressoando em sua cabeça.
- Se esforce.
- O quê?
- Não se preocupe com as opiniões dos outros, se preocupe apenas em ser honesta com você mesma. Se não fizer isso, não dará certo.
Mary o encarou sem entender onde ele estava querendo chegar.
- Um encontro, uma única chance. – ele recitou – O momento presente sempre está indo para o passado, não o desperdice. Até!
E sumiu no redemoinho de fumaça, no mesmo instante em que Nana começou a esmurrar a porta atrás da serva fujona.


***


Depois de ter finalmente conseguido terminar as tarefas que recebera como castigo, Mary pôde pegar a esfera novamente para falar com a amiga.
Depois de ter dado um relato até o ponto em que Nissenson a deixou na estufa em Hogwarts, Vicky contou sobre o que pensara durante todo aquele resto de dia:
- Eu... percebi que gostar dele é algo inevitável, e vou continuar lutando por isso... Agora é a sua vez de decidir, Mary!
- O quê?
- Faz tempo que eu não vejo o seu sorriso largo. E se Mary Ann não estiver sorrindo e cheia de energia, não é a Mary Ann Weed!
Mary sorriu e concordou com a cabeça, pensando em como sorrir como antigamente tinha se tornado algo difícil nos últimos tempos.
- Se esforce, Mary. – disse Vicky antes de desaparecer no redemoinho sorrindo e lhe acenando alegremente.
Era exatamente um eco do que ela ouvira pela manhã de Nissenson, mas agora Mary entedera perfeitamente pelo que devia se esforçar.
Tinha decidido que ficaria na mansão, perto de Doumajyd. Mas, com o desaparecimento de Vicky e com as tarefas que Nana lhe obrigava a fazer, ela não pôde ir além desse ponto. Então, agora, com um problema a menos, era a hora de se esforçar.

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