Sabor da Paixão



- Que coincidência! – exclamou Doumajyd contente depois de terem terminado o jantar – Quem diria que vocês também estavam se mudando para cá! Não ficou surpreso também, Irmãozinho trouxa?
- Fiquei! – respondeu Charles também alegre.
- E quantos anos você tem?
- Quatorze, mas logo faço quinze.
- Você e tão baixinho quanto a sua irmã! E bate tão doído quanto ela...
- Charles. – Mary tentou cortar a conversa deles – Não é melhor você ir dormir? Vai ter que acordar cedo amanhã para ir fazer as provas!
- O quê? – perguntou Doumajyd – Você vai ter uma prova amanhã?
- Sim. – confirmou ele – Eu quero tentar conseguir uma bolsa para-
- Mas então você precisa estudar, não é?... É isso! Como você pode estudar com tanta gente em volta? Se você quiser pode ir lá no meu apartamento!
- O quê?! – Mary quase se engasgou.
- Mas... – Charles tentou argumentar.
- Em um lugar apertado como esse, ficar junto com a sua irmã barulhenta não deve ser fácil, não? – Doumajyd se levantou e começou a juntar várias coisas pela sala.
- Mas eu estudei hoje o dia inteiro e agora eu só queria ir dormir cedo para-
- Idiota! – o dragão o cortou, fazendo-o ficar de pé e lhe entregando alguns livros e revistas, um ursinho de pelúcia, um relógio, um espanador e o empurrando para a porta – Um homem de verdade usa todas as suas forças até o último momento! – ele abriu a porta do apartamento e o empurrou para fora – Estude bastante, ok? Se quiser pode dormir lá mesmo! É naquela porta ali na frente, nem um trouxa consegue errar! Boa sorte! – e fechou a porta na cara dele.
Mais uma vez, a indignação de Mary era tanta que ela não conseguia nem falar.
- Por que expulsou o meu irmão?! – perguntou ela furiosa se levantando, quebrando o silêncio que ficara entre os dois depois de Doumajyd ter fechado a porta.
- Não é óbvio? Eu só queria que ele estudasse mais!
- Que comovente! Pensa que eu não sei que é só desculpa para ficar sozinho comigo!
- Cla-claro que não! – gaguejou ele em resposta, desconcertado por ela ter descoberto tão facilmente.
- Você não pode! – reclamou ela deixando-se cair novamente onde estava sentada antes – Não é justo! Eu estou me esforçando muito, muito mesmo! Você não pode simplesmente... aparecer aqui desse jeito... co-como...
‘Como se tudo fosse como antes’, ela queria terminar de dizer. Mas sentiu um aperto na garganta e tentou segurar uma vontade enorme de chorar.
Percebendo o estado dela, Doumajyd procurou algo para dizer:
- Weed, você já comeu figo?
- ...Figo? – perguntou ela confusa.
- É figo, sabe? Figo. – ele voltou a se sentar no lugar de Charles, de frente para ela – É tipo-
- Eu sei o que é um figo!
- Então, que sabor tinha?
Mary se lembrou de quando havia provado os doces de figo que a professora Karoline tinha feito no ano passado.
- Ele tinha... um gosto meio... agridoce.
- Sabia que se você dividir o figo em dois ele fica com o formato de um coração?... Por isso que dizem que o sabor agridoce do figo é o sabor da paixão.
Mary não pôde evitar rir daquilo. Lá estava Doumajyd tentando explicar alguma coisa a sua maneira, e sempre fazendo isso da forma mais complicada de se entender.
- Quem disse isso? – ela perguntou.
- Um bruxo paquistanês que eu conheci em Nova York.
- Será que você entendeu direito o que ele falou?
- De qualquer forma, – ele continuou – eu não concordo com ele. Para mim, o sabor da paixão... – ele passou a olhar para o tampo da mesinha – tem o sabor do biscoito de chocolate mal feito que você fez.
Mais do que tudo que o dragão fizera aquela noite, nada a surpreendera tanto como aquela frase.
Ela já não havia dito para ele que iria por um ponto final na história entre os dois? Ele já não havia aceitado se casar com a Summer Vanderbilt?... Então Doumajyd cortou seu fio de pensamento, falando rápido, como se tivesse decidido que não iria mais parar agora que tinha começado:
- Mary, eu preciso-
- Minha esfera! – exclamou Mary sentindo o cheiro de fumaça e achando, como milagre, uma maneira de fugir.
Então se levantou em um pulo e correu até a mochila para pegá-la.
- Não! – Doumajyd a seguiu e segurou o braço dela antes que ela pudesse pegar a esfera.
- Mas eu preciso! – ela tentou com a outra mão.
- Não agora! – ele segurou aquela mão também e a esfera acabou caindo e rolando pelo chão.
Com a distração de Doumajyd em ver para onde a esfera tinha ido, Mary conseguiu se soltar e tentou correr atrás dela. Mas o dragão foi mais rápido e a agarrou a tempo, fazendo com que os dois caíssem também rolando pelo chão. Doumajyd parou o tombo prendendo Mary contra o chão e, no mesmo instante em que ia falar o que queria, a porta abriu e os dois olharam assustados para ela.
- Desculpe! – disse Summer Vanderbilt entrando sem cerimônia alguma – Sei que já é tarde, mas... – ela paralisou assim que viu Doumajyd segurando Mary no chão, os dois com os rostos praticamente colados.
- Summer! – ofegou Mary, não querendo acreditar no que via.
A esfera parou de rolar ao bater no pé da mesinha e a fumaça azulada dentro dela tomou a forma de Hainault.
- O que está fazendo aqui, Macaca?! – perguntou Doumajyd sério.
- Eu não sou macaca. – respondeu Summer com uma voz fraca e saiu correndo logo em seguida.
- Summer! Espera! – Mary jogou Doumajyd para o lado e se levantou em um pulo – Espera, Summer! Foi um acidente!
Mas ela não conseguiu ir muito longe, porque Doumajyd a segurou pelo braço e pediu:
- Não vá... por favor.
Summer nesse momento estaria descendo as escadas e saindo do prédio chorando, mas Mary não pôde se mover. Não acreditava que não conseguia fazer isso pelo simples fato de Doumajyd ter lhe pedido, da forma mais sincera que ela já o escutara falar.

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