Eu queria tanto...
Final de Janeiro, em Nova York.
Mary Ann Weed observou atentamente o grande mapa em suas mãos e depois olhou em volta.
Estava em meio a centenas de pessoas, bem agasalhadas e completamente concentradas em suas próprias vidas, que passavam apressadas sem nem ao menos dignarem-se a repará-la. Outras centenas de automóveis deslizavam velozes pela rua ao seu lado, buzinando e poluindo o ar. O céu estava carregado como se uma nevasca estivesse prestes a cair, mas no último minuto ela decidia que aquele lugar não a merecia. Os grandes edifícios, o barulho insuportável, as várias cores que a deixavam tonta... Resumindo, todos e tudo estavam totalmente alheios que ali, parada no meio da rua revirando um mapa nas mãos, estava uma bruxa sangue-ruim completamente perdida.
- Inacreditável... – quase chorava Mary, tentando fazer alguma ligação do lugar em que estava com os desenhos no mapa – ...Por onde eu deveria ir?
Não era tão fácil encontrar os lugares mágicos naquela grande cidade como era em Londres. Não havia um Beco Diagonal pelo qual se podia entrar batendo nos tijolos atrás de um Caldeirão Furado. Era preciso diferenciar as lojas comuns das bruxas, coisa nada fácil para alguém que não fazia a mínima idéia de onde estava.
Pelo que ela sabia, em Nova York, por se tratar de um famoso centro mundial, o comércio falava mais alto que as diferenças sociais. Ali os bruxos toleravam a vida entre os trouxas e estes não davam muita importância para as várias coisas estranhas que às vezes poderiam ser vistas nas ruas. Os trouxas nova-iorquinos já estavam tão acostumados com a loucura de viver em uma cidade tão grande como aquela que ver alguém com roupas estranhas e uma aparência excêntrica, tanto bruxos quanto trouxas, eram coisas rotineiras. Até mesmo alguém desaparecendo do nada em meio à rua poderia ser encarado com uma leve surpresa e nada mais do que isso.
Esses fatos eram o que tornavam as coisas tão difíceis para Mary. Ela tinha certeza que ao chegar ali poderia identificar um bruxo facilmente, assim como em Londres. Mas agora percebia que era completamente diferente. Não tinha como diferenciar, e ela não poderia simplesmente chegar para alguém e perguntar se ele era um trouxa ou bruxo.
Porém, naquele momento, parecia não haver outra alternativa a não ser aquela. Então ela segurou firmemente o mapa e procurou em volta por alguém que tivesse grandes chances de ser um bruxo. Mas todos passavam tão rápido que era praticamente impossível conseguir encontrar alguma característica que denunciasse algum vestígio de situação mágica.
- Ah, o que eu faço?... – ela resmungou, dando voltas no mesmo lugar, procurando por alguém.
Foi então que viu um senhor de idade, escorado em um poste, lendo tranquilamente um jornal. Essa tranqüilidade deslocada em meio a tanta correria chamou a atenção de Mary, e ela pensou que talvez pudesse tentar falar com ele, mesmo se fosse um trouxa. Cautelosa, ela se aproximou e perguntou:
- Senhor? Poderia me ajudar?
O senhor custou a tirar os olhos de seu jornal e dizer:
- Sim?
- E-eu sou de Londres e estou completamente perdida aqui. – ela lhe mostrou o mapa, como se esse fosse suficiente para confirmar a sua situação – Será que poderia me dizer onde fica-
- Turistas. – disse o homem com desprezo e voltou a sua atenção para o jornal.
Mary o encarou chocada. Ela havia sido mal educada por acaso para ele responder naquela maneira?
- Eu só preciso saber onde-
- Se precisa saber alguma coisa vá para algum posto de informação, mocinha! – disse ele irritado, sem nenhum pouco da tranqüilidade que Mary havia visto momentos antes – Se você não conhece a cidade deveria ter contratado um guia! – e saiu apressado, sem dizer mais nada.
Mary acabou amassando o mapa com a raiva que sentia.
Aquela cidade era estranha, as pessoas eram estranhas, até o ar e as nuvens tinham uma presença estranha e ela estava começando a se arrepender de ter chegado até ali. Talvez o melhor a fazer fosse...
Ela não teve tempo de concluir seu pensamento. Alguém se chocara com ela e a fez cair no chão. Sem nem ao menos pedir desculpa, o estranho levantou e saiu correndo no mesmo instante. Mary foi para gritar algum xingamento bem feio quando percebeu que ele corria com a sua bolsa. Sem poder raciocinar direito com o choque do que vira, ela se levantou aos tropeços e começou a correr atrás dele gritando:
- LADRÃO! ALGUÉM PARE ESSE CARA! ELE PEGOU MINHA BOLSA! LADRÃÃÃÃO!!!
Ninguém parecia ouvi-la. Todos continuavam indiferentes, como se aquilo fosse completamente comum, e o ladrão fugia com facilidade entre as pessoas.
Mas isso não fez Mary desistir. Se não a ajudariam, ela o pegaria sozinha. Se ele achava que seria fácil roubá-la só porque era uma baixinha desorientada no meio da rua, estava muito enganado.
Eles correram por ruas e mais ruas movimentadas, Mary somente concentrada em segui-lo, não dando a mínima atenção para os caminhos por quais entravam. Já estava perdida antes, só ficaria perdida um pouco mais com aquilo.
Ela o viu entrando em uma abertura estreita entre dois prédios. Sem perder tempo acelerou e entrou lá também. Não haveria pessoas para atrapalhar o seu caminho e ela poderia alcançá-lo facilmente. Porém, ao sair do labirinto de paredes de prédios próximos daquele caminho, se deparou com uma rua vazia. Não havia mais sinal algum do ladrão.
Mary parou e olhou em volta. Ali não tinha movimento, e o barulho de antes parecia distante. Era como se ela tivesse entrado em um portal pelo qual somente alguns poderiam passar, o qual dividia a cidade em duas.
Mas ela não tinha tempo para pensar que talvez pudesse ter encontrado um lugar mágico. Sua bolsa havia sido roubada e o ladrão desaparecera.
- Acalme-se! Acalme-se! Acalme-se! Acalme-se! – ela repetia para si mesma, ainda ofegante com a corrida desembalada, procurando olhar em todos os lugares por onde o ladrão possivelmente poderia ter ido – Respire fundo, Mary, e volte a raciocinar!... Aqui é Nova York, eu vim em uma viagem e acabei me perdendo... e roubaram a minha bolsa! Aaahhh, tô ferrada! Meus documentos! Meu dinheiro! Tudo estava dentro da bolsa! ...E agora? – ela caiu de joelhos no chão, completamente derrotada – Até mesmo a minha varinha estava lá dentro...
Um estrondo veio de trás dela e a assustou, fazendo com que se virasse para ver o que estava acontecendo.
Lá estava um grupo de quatro caras suspeitos, encarando-a de um jeito totalmente sinistro. Um deles segurava uma bola de basquete, o que sugeria que eles estavam jogando ali perto quando a viram. Não sabendo o que fazer naquela situação, Mary levantou com cuidado do chão e tentou ser o mais educada possível:
- Olá. Será que vocês poderiam me dizer que lugar é esse?
- Que merda você pensa que está fazendo?! – gritou um deles, de uma maneira que fez Mary congelar.
- De que porra de lugar você é?! – perguntou outro no mesmo tom.
Os quatro começaram a se aproximar, e continuavam gritando, como se acusassem de alguma coisa:
- Você é mais uma daquelas bruxinhas ricas da Inglaterra que vem para cá achando que pode mandar em todos e se esnobando por ser de uma familiazinha tradicional?!
- Nã-não eu... – Mary tentava se defender, mas eles não estavam nenhum um pouco dispostos a ouvi-la.
- Não importa quem você seja! Se está no nosso território vai fazer o que a gente mandar! – falou o que segurava a bola de basquete, jogando-a nela com raiva.
Mary foi atingida e se desequilibrou com a força do impacto, caindo no chão. Ela segurou o ombro dolorido onde a bola a havia acertado e olhou desesperada para eles:
- O que vocês-
- Cala essa porra de boca!
- Bruxos estrangeiros só aparecem aqui para tirar onda de sangues-ruins como a gente! Temos todo o direito de revidar!
- Mas eu-
- CALA A BOCA! – berrou um deles e logo em seguida ordenou para os outros – Chequem a merda dos bolsos dela!
Os outros três a cercam com expressões que diziam que iriam checar muito mais do que os bolsos dela. Desesperada e mal conseguindo respirar por causa da dor no ombro, Mary fez a única coisa que lhe veio a cabeça fazer naquele momento:
- DOUMAAAAAJYYYYD!!!
O grito dela ecoou por todos os prédios e os três recuaram.
- DOUMAAAJYYD! – ela gritou mais uma vez, quase sem forças, e terminando com um soluço.
- Doumajyd?! – perguntou um dos caras, olhando para os outros, assustado.
- Você é amiga do Doumajyd?! – perguntou outro para ela, como se aquilo fosse algo preocupante.
- Você é louca?! – perguntou ainda outro, jogando a bola nela novamente.
- Doumaaajyyyd! – gritou ela mais uma vez, agora chorando, enquanto a bola voltava quicando para os caras e passava por eles.
Estes se juntaram na frente dela e começaram a discutir:
- Ela é amiga do Doumajyd, cara!
- Falei que não seria uma boa idéia tirar onda com ela!
- E agora? Se o Doumajyd souber estamos ferrados!
- Vamos usar um feitiço de – ele não pôde completar porque a bola de basquete o acertou na cabeça – EEEEEI! QUEM FEZ ISSO, PORRA?!
Os quatro voltaram a suas atenções para algo atrás deles.
Mary, encolhida no chão, chorando e dolorida pelas boladas que levara, olhou para o que acontecia.
Então, completamente sem ar, ela encarou a pessoa que viera ao seu socorro, e tudo o que pôde resmungar diante daquilo foi:
- Mentira...
***
“Algumas semanas depois de ter voltado a Hogwarts das férias de Natal, eu parti para Nova York.
Queria tanto encontrar-lo... tanto, tanto, tanto... que deixei um oceano para trás e vim atrás de um dragão...
Porém...”
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