A varinha de Ravenclaw
Eram quatro vultos encapuzados em meio a uma multidão de semelhantes, ao menos fisicamente. Era como se nenhum dos bruxos que caminhava pelas ruas calçadas de pedras quisesse permanecer ali por muito tempo, e nem deixar que seu rosto e seus propósitos fossem desvendados. Tanto melhor para o grupo de Mia, cujo interesse era exatamente passar despercebido pela multidão e encontrar uma das poucas lojas que ainda resistia ao tempo e ao domínio das artes das trevas.
Tudo o que se vendia naquelas lojas de paredes descascadas e aspecto sujo não era para bons fins. Ali se podia comprar desde venenos para poções mortais, animais fantásticos e perigosos, livros de magia negra, a estranhos amuletos que tinham o poder de enforcar quem os utilizasse. O Beco Diagonal havia se transformado numa grande Travessa do Tranco depois que Voldemort assumira o poder. Comprar livros sobre Defesa Contra as Artes das Trevas era proibido, e muitas edições haviam sido queimadas em enormes fogueiras no meio das ruas há muito tempo. Ninguém ensinava como se defender deste tipo de magia, apenas como enaltecê-la e torná-la útil para os piores fins possíveis. Tudo era permitido em nome da pureza do sangue. Era a marca da Ditadura Voldemort.
Mas algo não havia mudado no Beco Diagonal. A loja de Olivaras continuava por ali, estreita e de aparência feiosa como as outras, com a inscrição em letras douradas e descascadas que ainda podia ser observada por aqueles que tivessem olhos mais atentos e soubessem para onde olhar: Artesãos de Varinhas de Qualidade desde 382 a.C. Hermes sabia para onde olhar. E estava determinado.
- Temos que encontrar Olivaras. Ele deve estar aqui, ou talvez seus descendentes, que também poderiam nos ajudar.
- Como é que você sabe disso? – perguntou Mia em voz baixa, tentando mais uma vez entender a sucessão de acontecimentos, que passavam velozes diante de seus olhos.
- Agora não, Mia. Faz parte do plano, eu sei o que estou fazendo.
Ela já havia entendido que havia um plano entre Hermes, Snape e o senhor Malfoy. Mas que maldito plano era aquele não conseguia compreender por completo, porque Hermes se dera apenas ao trabalho de lhes contar sobre a Horcrux de Belatriz, algo que já os deixava suficientemente preocupados. Wyrda queria que fizessem o mesmo, que procurassem Olivaras. Será que havia dito isso a Hermes também?
Daniel não parecia de todo recuperado e ainda estava bastante pálido quando vestiram suas capas negras e compridas e rumaram para o Beco Diagonal. De acordo com a mensagem de Wyrda e os planos de Hermes, precisavam encontrar a família Olivaras, que havia ajudado Rowena Ravenclaw a desenvolver sua poderosa varinha.
O ar de primavera não aquecia seu coração. Estar novamente reunida com os quatro amigos, os quatro poderes, os quatro herdeiros, representava alívio e a deixava apreensiva ao mesmo tempo. O destino continuava caminhando veloz. Todos precisavam enfrentar o mal, mas isso não estava nas letras da Profecia. Esta tratava de Harry e Mia, apenas. Ela já começava a acreditar que pudesse falhar se tudo dependesse dela. Sentia-se forte quando os quatro eram um, mas se tivesse que estar sozinha não sabia até onde sua coragem seria capaz de levá-la.
Ainda havia o agravante de que, por hora, não conseguia estar tão certa da lealdade do senhor Malfoy, e não sabia o que havia acontecido com Harry e tia Gina. E mesmo que o pai de Hermes fosse leal, que motivos teria para poupar Harry? Eles se odiavam, disputaram a mesma mulher, sempre estiveram em lados opostos. Havia algo de bom em Draco que fosse capaz de fazê-lo poupar Harry? Talvez pelo Bem Maior? Ela não sabia.
- Esse lugar é muito estranho – murmurou Lúthien por debaixo de seu capuz, que, convenientemente, escondia os longos cabelos louro escuros com aspecto de sujos. E, para Lúthien achar algo estranho, era porque realmente deveria ser. Um arrepio involuntário fez Mia estremecer, e a jovem envolveu o pulso de Daniel, que estava próximo ao seu, com uma certa urgência.
Pararam diante da pequena vitrine, onde havia apenas uma almofada púrpura, vazia e coberta de poeira. Talvez estivesse ali desde 382 a.C., mas não saberiam precisar. Tentaram entrar na loja, mas a porta estava trancada. O vidro sujo não permitia que se enxergasse nada do estabelecimento. Hermes olhou para os lados, como se estivesse se certificando de que ninguém os observava, mas não teve tempo de concluir com certeza, porque Lúthien já se precipitara e, com os nós dos dedos, batera na porta de madeira envelhecida. Hermes abriu a boca para censurá-la, mas apenas sacudiu a cabeça em desagrado.
Silêncio. Lúthien levantou o braço para bater novamente quando, por magia, a porta se escancarou diante dos olhos de todos, fazendo com que os corações pulassem para as gargantas imediatamente. Mia não precisava estar no corpo de nenhum de seus amigos para saber que tinham respondido ao feitiço exatamente do mesmo jeito que ela: pulsos acelerados e respiração ofegante.
Um aposento nada convidativo se divisava pela abertura, e estava vazio, ao que parecia. Havia apenas uma cadeira de estofado empoeirado, como tudo ali, e prateleiras repletas de caixas retangulares que cobriam praticamente todas as paredes. Daniel foi à frente e, logo que todos haviam ultrapassado a soleira da porta, esta se fechou com um baque barulhento.
Estava frio dentro da loja e, não fosse por uma vela acesa flutuando sem candelabro no canto do balcão, Mia diria que a loja estava completamente abandonada. Tudo ali era sinistro e não a animava o fato de saber que, se não tinha forças suficientes para lutar contra o regime, ao menos a família Olivaras não era partidária das trevas. Muitas famílias da época não o eram, mas algumas daquelas que tinham sangue puro julgaram ser melhor se calar ao invés de perder seus poderes e serem exilados no mundo dos trouxas. Para alguns bruxos, viver sem magia era renegar aquilo para o qual nasceram e parecia algo pior que a morte.
- Em que posso ajudá-los? Vieram procurar varinhas? - um bruxo jovem, de aspecto assustado e rosto branco como leite, no qual se destacavam olhos de um azul apagado, surgiu por detrás de uma das prateleiras empoeiradas. Era pequeno e agitado, usando vestes surradas e um par de óculos redondos sobre o nariz pontudo. Com rapidez fixou as quatro figuras ainda encapuzadas e logo voltou os olhos novamente para a prateleira, como se estivesse com medo, e continuou. - Já vou avisando que não vendemos para novos bruxos enquanto não reabrirem Hogwarts, não tenho autorização do Poder Supremo. E se for para consertar alguma coisa, preciso de tempo, meu pai não está nada bem ultimamente e ainda não domino a arte da fabricação de varinhas com tanta precisão como ele. A não ser que sejam da Polícia Negra, equipe de Obliviadores ou trabalhadores do Ministério, sugiro que voltem outra hora.
- Não somos nada do que você disse, e nem queremos que conserte nossas varinhas – começou Hermes, aproximando-se do balcão e apoiando os cotovelos nele ao mesmo tempo em que retirava o capuz que lhe cobria a característica face dos Malfoy. – Vim a mando do próprio Lorde, e preciso falar com seu pai. Esta é minha escolta pessoal, e sou neto de Lucius Malfoy, que foi por 20 anos o diretor interino de Hogwarts. Portanto, se tem amor à sua deprimente vida, deixe-me passar e ver o velho Olivaras.
O jovem tentou balbuciar algo, mas acabou por calar e se contorceu em uma mesura atrapalhada, como se fosse um fino graveto castigado pelo vento. Em seguida, correu para os fundos da loja murmurando “só um momentinho, aguarde, por favor, obrigado, obrigado”. Mia observou Hermes com reprovação e ele deu de ombros, como se quisesse dizer: eu não tinha opção, mas parecia muito à vontade quando começou a correr os dedos pelas caixas espalhadas na loja, chegando a retirar de dentro delas algumas das varinhas, que soltavam pequenas faíscas quando o bruxo as tocava.
- Que foi? É divertido! – disse ele, animado, e Lúthien o acompanhou enquanto fuçavam nas prateleiras e trocavam as varinhas de caixas. – Olhe, esta daqui é feita com pêlos da cauda de um unicórnio, e essa com asas de fênix! Disse ele, treinando com cada uma e pensando que sua simples varinha de teixo emprestada não era tão poderosa quanto aquelas outras, embora fosse fato que ele não precisa de uma varinha para potencializar seu poder.
Mia bufou e se virou para Daniel, surpreendendo o garoto apoiado ao balcão e de olhos fechados.
- Você está bem? – perguntou ela, aproximando-se ainda mais e tocando de leve o rosto do garoto.
- Eu estou... eu estou bem, Mia – disse ele, abrindo vagarosamente os olhos verdes e encarando a amiga. – Só estou me sentindo um pouco cansado, deveria ter carregado comigo o tônico que o professor Snape me fez. Seria bastante útil, mas me esqueci dele quando saímos correndo da Rua da Fiação atrás de Hermes.
- Espero conseguir informações aqui... – sussurrou ela, apenas para que Daniel ouvisse. – E não concluir que só viemos a este lugar para que Hermes pudesse abusar de seu status como um Malfoy. Começo a achar que tia Gina enlouqueceu ao escolher se casar com um.
Uma linha de sorriso se desenhou no rosto pálido e cansado de Daniel quando o filho do senhor Olivaras, mais uma vez, irrompeu por detrás do balcão.
- Meu pai disse que irá recebê-los – falou, fazendo nova mesura. – Por favor, entre senhor Malfoy, sinta-se à vontade.
Educadamente, Hermes respondeu a mesura do jovem e o seguiu para os fundos da loja, com os amigos em seu encalço. Mia teve que puxar Lúthien pelo braço, pois ela parecia mais interessada em observar os coloridos lampejos das varinhas em que tocava do que em descobrir mais sobre a única varinha que realmente os interessava naquele momento. Portanto, Daniel estava logo atrás de Hermes, seguido de Lúthien e Mia, que ia por último para garantir que a amiga não se dispersasse no meio do caminho.
Atravessaram um corredor estreito e úmido com algumas portas fechadas até chegarem ao fim do que parecia uma edícula nos fundos da casa. Ali, no quarto à esquerda, havia uma cama de cobertores imundos, na qual uma figura jazia imóvel. O cheiro de doença e sujeira invadia as narinas dos quatro amigos enquanto o jovem Olivaras providenciava pequenas banquetas de madeira para acomodá-los.
- Podem ficar à vontade, senhores – disse ele quando todos estavam acomodados. – Vou até a cozinha preparar um pouco de chá para vocês enquanto conversam com meu pai. Só aviso que, muitas vezes, ele não é capaz de responder, e se cansa com facilidade. Não o forcem muito, é só que peço. Com licença.
Retirou-se então, encostando a porta atrás de si.
- Eu não vou tomar esse chá nem f...
- Shhhhh! – Mia interrompeu Hermes, pois o velho deitado na cama havia aberto os olhos. Eram azuis como os de seu filho, mas muito mais apagados, quase como se a vida já o tivesse abandonado por completo. Faltavam tufos extensos de seu cabelo, seu rosto era macilento, com a pele manchada em vários pontos, e sua respiração era ruidosa e difícil. Porém, isso não o impediu de falar.
- Eu sabia que você viria, garoto Malfoy – a voz parecia vir de longe, talvez de outro mundo, o dos mortos, quem sabe? - Wyrda me avisou.
Foi então que Mia se deu conta de que ainda não sabiam onde o Oráculo poderia estar. Ele havia deixado mensagens, mas não aparecia há muito. Como se quisesse responder a pergunta que a jovem fazia, Hermes prosseguiu:
- Ele me disse para procurá-lo antes de morrer. E também deixou pistas para que meus amigos o encontrassem, caso alguma coisa acontecesse comigo.
- Morrer? Como assim? – perguntou Mia, assustada, levantando-se do banquinho onde estava e encarando o amigo. – O que foi que aconteceu com Wyrda, Hermes, e porque você não nos contou?
O garoto economizou palavras para contar sobre a morte do Oráculo, e praticamente ignorou as lágrimas no rosto de Mia. Daniel abraçou-a, mas ela se esquivou e continuou calada, de braços cruzados. Imaginava até onde a frieza de Hermes poderia chegar, e se conhecia realmente aquele garoto que julgara, um dia, que pudesse se tornar algo mais que um amigo. Percebendo o comportamento de Mia, ele perdeu o fio da conversa e Olivaras fechou mais uma vez os olhos, respirando com ainda mais dificuldade. Hermes estava desconfortavelmente sem graça.
- O que você sabe sobre a varinha de Ravenclaw?
Foi Lúthien quem falou, mais direta impossível, como só ela sabia ser. Olivaras não se moveu entre as cobertas e sua respiração chegava a ser angustiante. Quando ele falou, foi apenas para dizer:
- A varinha de Ravenclaw está em poder do Lorde das Trevas. E a única coisa capaz de destruí-la é o Priori Encantatem. Mas apenas da varinha escolhida. Apenas da varinha escolhida...
Então sua voz cessou. Por mais que insistissem em perguntar qual era a varinha escolhida, o velho homem se calou por completo e não houve jeito de que voltasse a falar. O único som que continuava no quarto vinha de sua respiração ruidosa, prestes a ser interrompida a qualquer momento. Mas os garotos não esperaram para ver. Abandonaram a casa se sentindo completamente perdidos.
N/A: Oi pessoal! Desta vez não demorei muito, vai... este capítulo ficou pronto uma semana depois da postagem do último, mas eu não tive tempo para corrigir depois que voltou da betagem. Porém, vocês vão ficar felizes por mim: ganhei o prêmio de repórter mais produtiva do mês no jornal e vou passar um fim de semana de graça numa pousada na Riviera de São Lourenço, uma praia no litoral norte de São Paulo! Valeu a pena se dedicar ao trabalho, não é mesmo?
E estamos próximos do fim, pessoal. Talvez mais três ou quatro capítulos, e vocês estão se perguntando quem é o quinto elemento e quem será a varinha escolhida, imagino eu. Falta pouco para as respostas, prometo, e isso me deixa até com friozinho na barriga. São dois anos escrevendo a Trilogia, e acabar vai ser como perder um pedaço de mim. Espero apenas que vocês, que me acompanham desde o começo, gostem do fim que estou planejando!
É isso, então...
Até a próxima!
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