Em Hogwarts
Um flash de luz verde e, depois, escuridão. Uma jovem de cabelos ruivos muito vivos acordou sobressaltada e se levantou repentinamente de maneira brusca, assustando também o rapaz que antes descansava a cabeça sobre seu peito.
- O que foi que houve? O que aconteceu? Pesadelos, também?
Daniel tentou tocar o ombro de Mia, que havia se sentado na beirada cama na qual ambos passaram a noite. Dividiam o dormitório com Lúthien, que logo colocou a cabeça para fora da cortina, os cabelos loiros e compridos caindo sobre o rosto enquanto os olhos grandes e negros, com a aparência de que acabavam de se abrir depois de uma noite de sono, permaneciam fixos nos rostos dos dois amigos. Franziu a testa ao vê-los na mesma cama, mas sua voz não demonstrou nenhum constrangimento quando perguntou:
- Vocês dormiram juntos?
Mia enrubesceu na mesma hora e Daniel, tentando consertar a impressão errada que a amiga provavelmente havia inferido, respondeu:
- Eu tive um pesadelo durante a noite. Pedi para Mia me fazer companhia e acabamos adormecendo aqui. Foi só isso, Lúthien – o tom era claramente de justificativa.
- Ei, tudo bem! – disse Lúthien, abrindo a cortina por completo e saltando da cama, ainda vestindo um divertido pijama colorido de ursinhos. Era toda sorrisos quando falou: – Eu não me importo que fiquem juntos, sei que vocês dois são namorados.
Mia suspirou. Na verdade, ela e Daniel estavam se comportando de maneira estranha desde que haviam se beijado pela primeira – e única – vez. Desde então não tocaram mais no assunto e, mesmo com a mudança da Ordem de Resistência dos Renegados em definitivo para Hogwarts após a retomada do castelo, as coisas entre eles não haviam melhorado. Parecia que uma estranha sensação de vergonha e medo pairava entre os dois, principalmente por conta do que havia acontecido a Hermes.
Depois da batalha nos jardins do castelo ele tinha desaparecido sem deixar rastro. Mia se lembrava de ter falado com o amigo pela última vez pouco antes de beijar Daniel, e ele parecia tão... bem. O que será que havia acontecido? Como ele podia ter sumido assim?
Achava aquilo tudo muito injusto. Por que simplesmente não conseguia manter aqueles que gostava por perto? Uma hora era Daniel, outra, Hermes, e os quatro elementos só conseguiram estar reunidos uma única vez, exclusivamente para salvar Hogwarts. Em seu desconforto permanente, Mia quase podia ver a hora em que Lúthien desapareceria também, e isso a fazia ficar preocupada todo o tempo em que não estivessem próximas. Aquilo a irritava profundamente, já que sabia que só seria capaz de vencer o Lorde das Trevas se conseguisse reunir o poder dos quatro de uma só vez. E eles precisavam treinar juntos para isso, pois não sabia se poderiam contar com a sorte e o fator surpresa da próxima vez em que enfrentassem a Polícia Negra e, quem sabe, até mesmo Voldemort em pessoa.
Mas não era só com seu próprio futuro que Mia se preocupava. Hermes havia desaparecido, assim como o senhor Malfoy. Na primeira semana, tia Gina ficou absolutamente enlouquecida com isso, andando pelos cantos do castelo, indisposta, reclamando de tudo e de todos e enxugando lágrimas que não paravam de rolar, embora tentasse disfarçar. Porém, depois de quase um mês, entregou-se com verdadeira fúria ao trabalho, procurando não pensar em nada que pudesse desviá-la de seu objetivo principal: encontrar o marido e o filho de uma vez por todas. Para isso, tia Gina julgava necessário trabalhar para fortalecer o Castelo. Fazia parte do grupo diário de reforço dos feitiços protetores que circundavam o terreno, bem como da força tarefa responsável por retirar de Hogwarts qualquer resquício de magia das trevas. Afinal, o castelo passou vinte anos como reduto do Lorde das Trevas, e alguns setores evidenciavam isso muito mais do que outros.
O único dormitório que não fora ocupado pelas forças de Voldemort era o da Grifinória, por razões que a OdRR ainda desconhecia. Mia se lembrava de ver Harry sorrir por causa disso e dizer algo como: “Hogwarts tem muitos mistérios que nós ainda não somos capazes de desvendar”. E, exatamente por se mostrar impenetrável para o Lorde das Trevas foi que a OdRR escolheu a Torre da Grifinória como morada. A Mulher Gorda ainda estava lá, e pareceu feliz ao vê-los, um deles em especial.
- Harry Potter! Eu sabia, eu disse a todos que você voltaria um dia! Afinal, o mundo bruxo não estava errado, você é mesmo O Eleito. Podem entrar, se são amigos de Harry Potter, são amigos da Grifinória também.
Ao dizer isso, a Mulher Gorda girou sobre si mesma e deu passagem para a entrada do salão comunal. O primeiro dia de ocupação da Torre da Grifinória foi algo para se guardar na memória, o que não significa que tenha sido agradável: passaram-no todo fazendo faxina, machucando-se com as dolorosas mordidas de uma terrível infestação de fadas mordentes que dominavam as cortinas, ou lutando contra uma colônia de aranhas gigantescas que se apossara da lareira. Mia tinha, inclusive, desmaiado quando descobriu o assustador ninho, e o senhor Weasley fez questão de arranjar uma desculpa qualquer para sair correndo dali: odiava aranhas. A jovem se lembrava de, ao acordar, escutar o pai dizer:
- Isso está muito pior do que a faxina que fizemos no Largo Grimmauld, a sede da Ordem da Fênix, lembram? Lá já era difícil, pois a casa era muito grande. Imagine aqui, nesse castelo gigante... Estamos perdidos!
Mia sacudiu a cabeça e tentou afastar as lembranças naquele momento, pois fatalmente elas a remetiam a Hermes. Quanto mais tentava compreender o estranho quebra-cabeça no qual sua vida havia se transformado, menos conseguia desembaralhá-lo. Ela continuava tendo estranhos sonhos, e sabia que Daniel os tinha também. Porém, não se tratavam apenas de passado, não mais como haviam sido nos últimos meses. Não era apenas a história dos fundadores de Hogwarts a matéria que vinha povoando os sonhos mais recentes da menina. Havia algo mais nisso tudo, flashes de visões que ela não podia enxergar nem compreender por completo.
Pouco tempo depois de acordarem naquela manhã, o trio desceu rumo ao Salão Principal. Ainda se assustavam quando as escadas mudavam de lugar, e muitas vezes acabavam por se perder, mas já conheciam suficientemente alguns caminhos, capazes de os levarem até as mesas onde faziam as refeições diariamente.
Lúthien não falou mais nada sobre a noite de Mia e Daniel. Com sua incrível capacidade de saltar de um assunto a outro, ambos escutavam uma história maluca sobre Bufadores de Chifre Enrugado quando ultrapassaram as grandes portas de carvalho que separavam o hall do castelo do amplo Salão Principal. O teto, magicamente encantado, deixava antever o mesmo clima do lado de fora: alguns poucos raios de sol atravessavam uma massa de fofas nuvens cinzentas, mas, mesmo assim, o inverno ainda estava rigoroso, embora próximo do fim. O cinza do céu lembrava a cor dos olhos de Hermes, e um protesto violento partiu do coração de Mia, que engoliu em seco enquanto se sentava à mesa para compartilhar a refeição com a família e os amigos.
- Mamãe! Conte a Mia e Daniel sobre sua caçada aos Bufadores com vovô Xeno, agora que você se lembra dela – disse Lúthien absolutamente excitada. – Sabe, gostaria muito de tê-lo conhecido, deve ter sido um homem de muitas histórias.
- Se era! – disse o senhor Weasley, ainda de boca cheia, empolgado com a quantidade de comida preparada pelos elfos domésticos, fiéis à escola. – O único bruxo que conheço que usaria vestes a rigor na incrível cor amarelo-ovo para um casamento e... AI HERMIONE!
A senhora Weasley havia cutucado o marido com certa força por debaixo da mesa, mas, em seguida, todos estavam rindo, até mesmo a senhora Longbottom. Apesar de sorrir também, Mia estava longe dali. Na verdade, tudo a respeito de Hogwarts e a maneira como as coisas vinham acontecendo desde a retomada do Castelo a assustava. Era como se uma sombra repousasse em seus ombros, um peso extra de responsabilidade. Sabia que Harry também se sentia assim apenas de pousar os olhos sobre ele: seu sorriso nunca parecia sincero, e o verde de seus olhos sempre refletia algo mais. Melancolia? Culpa, talvez? Mia não sabia, mas podia perceber que esse sentimento, fosse qual fosse, se ampliava com a presença de tia Gina.
Sua mente passou da mãe para o filho em um piscar de olhos. Deixou que um pouco da frustração acumulada escapasse para o garfo com o qual cortava as salsichas do café da manhã. Em certos momentos, sentia raiva de tudo aquilo: como ele podia tê-la abandonado daquela forma? Em outros, era o remorso quem comandava seus sentidos: ele teria partido por sua culpa? Teria ficado magoado com o fato de ela ter beijado Daniel depois de... Bem, eles não tinham nada, não é mesmo? Mia não prometera nada a ele e...
Seus pensamentos foram interrompidos por uma voz que se sobressaiu à das conversas animadas à mesa:
- Eu ainda não contei para vocês porque quero fazer surpresa – falou Fred, um pouco mais alto que o tom de voz normal, chamando a atenção dos presentes. – Mas posso adiantar que eu e Jorge achamos umas coisinhas que vocês vão gostar de ver.
- Ao menos Harry, Ron e Gina gostarão com certeza – acrescentou Jorge, com uma piscadela em seguida. – Mas não vamos dizer nada até que vocês terminem a faxina da Torre Norte. As fadas mordentes fizeram ninhos por lá, e achamos que pode haver alguma outra infestação. Só não se esqueçam de, depois de borrifá-las, colocá-las num balde para as Gemialidades, ok?
- E posso saber o que os senhores farão enquanto nós limpamos o castelo? – perguntou Gui com um franzir de testa.
- Meu caro irmão – prosseguiu Fred, e seu tom de voz era solene -, gênios nunca revelam seus segredos.
Novas risadas e protestos inflamados dos outros irmãos Weasley encheram o salão e ecoaram pelo aposento de teto alto. Mia não se importava em trabalhar com as fadas mordentes. Elas lhe davam tempo para pensar. Esboçou um sorriso e mexeu nas salsichas e na omelete com o garfo. Quando levantou os olhos, Daniel a observava, mas rapidamente virou o rosto e demonstrou demasiado interesse pelo suco de abóbora diante de si.
Aquela mesma mesa foi o local onde Daniel contou tudo sobre os meses que passou como prisioneiro do Lorde das Trevas. Porém, Mia sabia que havia algo mais por detrás das palavras do amigo, algo que ele propositalmente omitira. Daniel contou que os dementadores o capturaram mas, por ordem de Belatriz Lestrange, sua alma não foi imediatamente sugada. Permaneceu por dias preso em Azkaban, sob a influência do frio e da falta de esperanças provocada pelas criaturas cobertas de feridas. Ninguém vinha vê-lo, e achou que fosse morrer ali. Na verdade, chegou a desejar intensamente que isso acontecesse. Após algum tempo, começou a delirar, provavelmente pela falta de comida. Porém, água não havia faltado, porque um homem encapuzado o havia provido com ela.
- Por que ele não te alimentou também? – perguntou Harry, interrompendo a narrativa do filho. – Esse... esse homem de capa negra?
- Não sei... – Daniel hesitou por um momento, parecendo indeciso. Então continuou: - Não vi seu rosto na ocasião, por isso não sei se voltamos a nos encontrar depois, quando me trouxeram para cá.
- E por que te trouxeram para cá? – perguntou o senhor Longbottom.
- Outra coisa da qual não tenho a menor idéia – continuou Daniel. – Só sei que alguém me lançou um feitiço estuporante e, quando acordei, estava numa cama no dormitório das masmorras.
- Mas você não teve aulas como nós tínhamos, não é mesmo? – perguntou Luna, sentada ao lado do marido e segurando a mão de Lúthien. – Quer dizer, vocês não moravam no castelo.
- Não – Daniel prosseguiu sem encarar ninguém em particular. Mia notou que ele desviava os olhos propositalmente de seu rosto -, pelo menos não a maior parte dos estudantes. Eu tinha meus aposentos nas masmorras porque era um aluno “especial”, como eles me chamavam, e faziam questão de enfatizar diante dos colegas.
- E o que eles te ensinaram? – Lúthien perguntou com um tom entre curioso e divertido, como se Daniel estivesse contando sobre sua estadia num acampamento de verão. – Magia negra avançada?
- Eu não diria avançada – ele balançou a cabeça, negando, mas continuava a evitar o olhar de Mia, e até mesmo o de Lúthien. – Eu era só um iniciante. A primeira coisa que os professores de Hogwarts faziam era uma espécie de lavagem cerebral, para embutir na mente dos alunos a idéia de inferioridade dos trouxas e o domínio natural dos puro-sangues. Eu era um raro mestiço em meio a eles, e fui proibido de falar sobre minhas origens com os outros alunos.
Daniel continuou contando alguns detalhes sobre as aulas, feitiços e maldições que aprendeu e como havia evoluído no controle da varinha mágica. Porém, Mia podia sentir, mesmo sem tocá-lo, que o poder que eles compartilhavam continuava ali, vivo e forte dentro dele. Mesmo enquanto esteve ora como prisioneiro incomunicável, ora como estudante constantemente vigiado, Daniel enviou sinais. Mia os enumerava enquanto ele continuava conversando e respondendo a eventuais perguntas: a poça d’água espirrada pelo ônibus, o livro do Joana D’Arc molhado, os canos estourados no Natal na mui antiga e nobre casa dos gêmeos Weasley. Daniel precisou enviar uma tempestade para que ela percebesse o que estava exatamente diante de seus olhos. Como fora cega!
Se não conseguia sequer se dar conta de seus próprios poderes e do de seus amigos, como Mia seria capaz de derrotar o Lorde das Trevas? Como poderia ela ajudar Harry se não conseguiu nem ao menos enxergar os pedidos de socorro de seu amigo? Pensamentos como esse eram comuns na cabeça da jovem, e ela não sabia responder nenhuma de suas dúvidas, por mais que tentasse. Mesmo assim, tudo o que tinha certeza é que aquilo precisava ser feito. Seu nome figurava ao lado de Harry na Profecia. Não haveria erro.
Mia não poderia mais passar seus dias caçando fadas mordentes para as Gemialidades Weasley. Mas o que fazer primeiro, diante do desfalque evidente que a ausência de Hermes provocava no grupo?
N/A: Queridos leitores que fazem essa escritora tão feliz! Desculpe a demora em atualizar a fic. Não foi por falta de tempo que isso aconteceu, porque infelizmente eu ainda estou desempregada, apesar de o TCC não ter terminado (torçam por mim, a banca é no dia 30/11). Mas eu fiquei sem computador, então é meio complicado digitar a fic.
O próximo capítulo está escrito pela metade no meu caderno, mas não sei quando vou conseguir passar para o computador. Nesse momento estou usando o do meu pai, mas é só porque ele está trabalhando fora e eu posso vir até a empresa para usar.
Vamos aos recadinhos para quem comentou no primeiro capítulo. Pretendo fazer isso agora, espero que gostem!
Felipe W. Jonsson, pode ser que, a partir de agora, alguns eventuais spoilers rolem durante o decorrer dos capítulos. Mesmo assim não vai ser nada que te atrapalhe a leitura de Relíquias da Morte, pelo menos por enquanto. Essa história se passa meio que num mundo alternativo, já que Voldemort venceu a guerra. E como comecei a Trilogia dos Feitiços muito antes de sair RdM, muita coisa não será como no livro.
Guilherme McKinnon, vi que você andou passeando por outras fics minhas e fiquei muito feliz! Obrigada pelo carinho e, sim, a Trilogia está de volta! Você não pensou que eu fosse abandonar a Mia, o Hermes, o Daniel e a Lúthien, né? Eu senti falta deles cada minuto que fiquei longe, e de vocês também!
Patricia Pampuri, obrigada pelo incentivo e pelos emails e mensagens que você me mandou durante o tempo em que fiquei sem postar. Desculpe fazer você esperar, mas foi por uma boa causa, TCC não é brincadeira não. O importante é que a Trilogia está de volta, e agora vou tentar não demorar muito para escrever, tá?
Jô, acho que todos nós estamos curiosos com o Hermes, não é mesmo? O que será que o nosso loirinho preferido (depois do Draco, claro) está planejando? rsrsrsrs... Não posso te contar nada agora, mas ainda teremos surpresas com ele!
Malu Chan, o tio Sev não só está de volta como vai ter um papel, digamos, importante... mas que ainda vai demorar um tiquinho para vocês descobrirem, desculpe!
Chell Lupin Potter, você pediu, aí está o capítulo. Espero que goste dele tanto quanto dos outros, viu?
Isadora Silva, obrigada por passar por aqui! E fico feliz de saber que está curtindo a história, isso é um grande incentivo para continuar escrevendo.
Morgana Black, raspinha do tacho do coração da sister! Eu fico toda boba quando você diz que gosta da minha Trilogia, sabia? Eu amo escrever essa história, e saber que a fami também passa por aqui é muito legal. E eu morri de rir com a Bella go-go girl do Lorde! *abraça a sister caçula bem apertado*
hannah, pois é, a previsão era pra dezembro, mas eu não aguentava mais ficar longe dos meus filhotes! Faz uma falta escrever essa Trilogia e manter contato com vocês, que acompanham a história desde o comecinho. E ainda vem surpresas por aí com os Malfoy, pode aguardar!
E no próximo capítulo:
Qual será a surpresa reservada por Fred e Jorge para os outros habitantes do castelo? E Mia, vai conseguir se livrar das fadas mordentes?
Não percam!
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