Vida longa ao Lorde



- Crucio!

Um corpo machucado se contorcia no chão coberto por uma tapeçaria cara, porém envelhecida e puída. Ao redor dele, formando um círculo, reunia-se uma pequena multidão de pessoas que acompanhava a cena. No centro do círculo, além do homem caído, uma figura estranha caminhava, a varinha em riste na mão magra e descarnada, pronunciando sem piedade um feitiço atrás do outro:

- Crucio! Crucio! Velho estúpido! Não serei piedoso com você enquanto não me contar a verdade! O que significa a maldita Profecia?

Este baixou a varinha e esperou pela resposta. O homem no chão arfava, o suor escorrendo pela têmpora aos borbotões, junto a um pequeno filete de sangue que lhe escapava pelos lábios feridos. Sabia que não duraria muito tempo naquele estado. Era branco como a neve, completamente sem pêlos sobre o corpo. Usava vestes verdes com bordados dourados, mas que estava coberta de rasgos em diversos lugares. Sentia-se visivelmente cansado e debilitado por conta da tortura física e psicológica que vinha sofrendo já há algum tempo. A voz de seu algoz ecoou pela sala novamente, semelhante a um mau agouro, dirigindo-se àqueles que formavam o círculo ao seu redor.

- Meus fiéis seguidores, quero que vejam quantas chances a minha infinita bondade deu a este homem – disse num tom carregado de ironia e desdém. Era óbvio que não havia nem sequer um pedacinho de bondade que pudesse ocupar a alma deturpada e impura do Lorde das Trevas, que continuava seu discurso. – Porém, ele se nega a colaborar com a nossa causa. Prefere que eu interprete do meu jeito a maldita Profecia feita por sua mãe, como se não soubesse que ele é quem cuida de todas elas. O Oráculo. “Aquele que tudo sabe e tudo vê”. Não é assim que você se intitula, Wyrda? Por que se nega a ajudar o lado vencedor?

- Numa guerra – começou Wyrda, a voz enfraquecida pela sucessão de feitiços que o atingiram, porém completamente firme em suas intenções – não há vencedores, Lorde Negro. Todos perdemos.

- Guerra? – disse Voldemort enquanto caminhava ao redor do círculo, olhando nos olhos de cada um de seus Comensais. – Não estamos mais falando em guerra, meu caro Oráculo. Eu já venci! – uma gargalhada ecoou pelo aposento de teto alto, fazendo com que o eco produzido a tornasse ainda mais assustadora.

Os Comensais também riram. Porém, três deles permaneciam com as feições sérias, apenas observando a cena que se desenrolava no centro da sala.

- Se julgas assim, porque queres que eu te diga o significado da Profecia? Ela não lhe será útil em nada, visto que já se consideras vitorioso – questionou Wyrda reunindo forças para proferir cada palavra, como se elas lhe custassem o último suspiro de vida. – Mesmo assim, deves saber que as areias do tempo correm depressa, e nem mesmo você poderá viver para sempre, Tom.

As risadas foram imediatamente interrompidas. O Lorde das Trevas caminhou pela sala em silêncio, a capa negra farfalhando ao menor movimento. Quando falou, foi apenas para zombar:

- Se ainda tivesse Nagini, daria seu corpo a ela como jantar, Oráculo. Porém, já que não a possuo mais, acredito que seja de bom grado acabar logo com sua inútil vida. Talvez a Maldição da Morte seja interessante para você, não é mesmo? Avada...

- Meu Lorde, não faça isso!

Os olhares de todos os presentes, anteriormente pregados na cena que se desenrolava no meio do círculo, convergiram ao mesmo tempo para a voz que interrompeu o feitiço do Lorde. Todos olhavam para um Comensal de aparência jovem, vestido com a mesma capa negra que os outros e segurando o braço numa posição estranha, no qual trazia uma recente marca negra que ainda provocava dor. Porém, seu rosto não denunciava o que sentia, e isso agradava ao Lorde. Seus olhos acinzentados estavam determinados enquanto encaravam as fendas vermelhas de Voldemort, que também havia dirigido o olhar para ele, esperando que tivesse um motivo convincente para tê-lo interrompido no momento em que fazia o que mais gostava na vida: matar.

- E por que eu deveria seguir as ordens de um pirralho como você, jovem Malfoy? – questionou o Lorde, aproximando-se de Hermes com a varinha apontada para seu rosto. – Talvez eu esteja até mesmo arrependido de ter aceitado seu pai e você de volta. Gente fraca...

Draco quis interferir, mas o garoto lançou ao pai um olhar que o fez recuar, contrariado. Em seguida, continuou:

- Fiz isso porque acredito que Wyrda ainda possa ser útil – disse ele com simplicidade. E, aproximando-se do Lorde, completou com um sussurro: – Se me deixar falar com ele sozinho, posso tentar arrancar algumas informações. O idiota ainda acha que eu sou um dos Renegados, meu Mestre.

Hermes piscou o olho para Voldemort, como se estivesse falando com um colega do Joana D’Arc. O Lorde virou-lhe as costas, caminhando novamente para perto de Wyrda sem dizer nenhuma palavra. A tensão podia ser sentida no ar que se respirava na sala, todos apreensivos demais para sequer se movimentarem. Aguardavam apenas que o Lorde explodisse diante da audácia do jovem Malfoy, alguns chegando até mesmo a desejar que Voldemort o matasse. Muitos Comensais não ficaram nada contentes com o retorno dos Malfoy. Todos sabiam que Draco Malfoy havia ajudado a traidora do sangue Gina Weasley a fugir de Azkaban nos tempos da Grande Guerra, e até tivera um filho com ela! Como o Lorde poderia acreditar que Draco era fiel à causa? Ninguém ousava questioná-lo, mas esse era o pensamento quase que geral dos membros da Polícia Negra.

Em meio à tensão evidente, Draco agarrou o braço do filho e murmurou entre dentes:

- O que diabos você pretende, moleque? Enlouqueceu, foi?

- Relaxa, pai. Eu sei o que estou fazendo – respondeu Hermes também em voz baixa, dando de ombros.

Uma voz feminina foi a primeira a quebrar o silêncio instalado no aposento.

- O jovem Malfoy pode estar certo, Mestre – disse Belatriz Lestrange. – Porém, acredito que devemos discutir isso fora desta sala. Hermes pode levar o Oráculo até o porão, onde temos aposentos apropriados para abrigá-lo. Ele deverá permanecer preso até que o grande Lorde das Trevas sabiamente decida o que fazer.

O Lorde caminhou com passos firmes e pose altiva até o local ocupado por Belatriz no círculo. Ao lado dela, Rodolpho Lestrange, o marido da Comensal, torcia as mãos, ligeiramente nervoso. Voldemort elevou o braço livre até o rosto de Belatriz, tocando-a com os dedos gélidos.

- Minha Bella, quase sempre brilhante. Comete alguns erros, mas nada que uma boa punição não resolva, não é mesmo, querida? – Belatriz abanou a cabeça como se fosse um cãozinho, os olhos vidrados na figura do Lorde diante de si. Ele se aproximou ainda mais do rosto da Comensal e continuou: - Mas será que nosso mais novo seguidor seria mesmo capaz de cumprir esta pequena missão sozinho? Não que eu não confie nele, mas acredito que precisamos... hum... testá-lo antes, não é mesmo? Aproxime-se, Hermes Malfoy!

No instante seguinte, a varinha de Voldemort estava apontada para o jovem. Surpreso, Hermes não pôde resistir a Maldição Imperius feita de forma não-verbal, e se encaminhou aos tropeços para o centro da sala, parando ao lado do corpo inerte de Wyrda. O Oráculo estava de olhos fechados, quase como se estivesse adormecido, e só se podia ter certeza de que estava vivo pelo subir e descer vagaroso do peito. Voldemort jogou a varinha na mão de Hermes, que conseguiu pegá-la ainda no ar. Em seguida, ordenou diante dos olhos estupefatos dos outros Comensais:

- Torture-o!

Hermes correu os olhos cinzentos da varinha em suas mãos a cada membro da Polícia Negra que ocupava aquela sala. Passou por seu pai e seu avô, que esperavam dele a atitude digna de um Malfoy.

O coração do rapaz pulsava com força contra o peito. Uma voz intrusa em sua mente se repetia como se fosse um mantra: “O que quer que os Wyrdfell façam, nada poderá mudar o destino”. Tentando se desligar desse pensamento, Hermes voltou novamente a encarar as pupilas vermelhas do Lorde das Trevas, que ria alto enquanto falava:

- O que foi que houve, criança? Se não consegue nem ao menos torturar um reles bruxo à beira da morte, o que quer fazer como membro da minha Polícia Negra? Você é fraco, exatamente como seu pai na sua idade e...

- Avada Kedavra!

Os olhares convergiram para a porta do aposento, que tinha se escancarado repentinamente com um baque. O círculo estava vazio no local mais próximo a ela, como se esperasse ser ocupado por um Comensal atrasado para a reunião. Porém, esse Comensal não estava mais ausente. E havia chegado para terminar o serviço.

- Severo Snape... Vejo que está de volta – disse o Lorde das Trevas com prazer, caminhando na direção do recém chegado. Ao andar, chutou o corpo de Wyrda que jazia ao seu lado no chão, morto.

Hermes engoliu em seco. Estava perdido.

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